LEITURA-PAIXÃO:
O IMPACTO DE UMA SITUAÇÃO DIFERENCIADA – FASE II
Lucinea Aparecida de Rezende
Doutora em Educação
Universidade Estadual de Londrina
[email protected]
O Projeto “Leitura-paixão: Fase II” tem como hipótese norteadora a idéia de que os
Graduandos são não-leitores habituais. Portanto, é imprescindível a ambiência de leitura; se
os alunos não vivenciaram o contato com textos e leitores assíduos anteriormente, seja na
família ou nos níveis anteriores de ensino, há que se viver isso em algum tempo. Essa
ambiência de leitura é propiciada por encontros com palestrantes, quinzenalmente, que
falam dos seus afazeres e da relação estabelecida com um segmento específico de texto
(palavra/imagem/som), bem como por meio de leituras realizadas pelos alunos e estudos
feitos em grupo, quando os dados são coletados. Espera-se com isso obter elementos
significativos acerca do impacto de uma situação diferenciada de leitura - fora da sala de
aula - na vida do estudante. Pretende-se verificar qual o número de textos lidos pelos
participantes da Pesquisa, se são acadêmicas e/ou de outra natureza, e a implicação da
vivência das situações propostas neste Projeto. A intenção é colher subsídios para ações
pedagógicas que envolvam a leitura em sala de aula e fora dela, e oferecer contribuição a
esta área de pesquisas.
Palavras-chave: ambiência de leitura // leitura e visão de mundo // leitura na graduação.
APRESENTAÇÃO
A pesquisa de doutoramento “Ler ou pensar – uma escolha a ser feita na graduação: Estudo
de caso” (REZENDE, 2005) focalizou a Leitura na Graduação. Frente aos dados encontrados
– pouca e insuficiente entre os graduandos – foi desenvolvido o Projeto “LEITURA-PAIXÃO:
o impacto de uma situação diferenciada”, que ora denominamos “Fase I”. Partiu-se da idéia
de que a interação de leitores apaixonados, ao relatarem suas próprias experiências, bem
como o ato de ler múltiplos tipos de textos - situações essas entendidas como ambiência de
leitura - possa ser significativa e provocar no graduando e em estudantes dos níveis
anteriores e posteriores à Graduação - embora não sejam estes últimos o público-alvo neste
Projeto - o desejo de ler e cultivar a leitura em sua vida.
Frente aos resultados encontrados na Fase I, entendemos ser oportuna a continuação da
pesquisa, agora com ajustes advindos dos resultados alcançados e das observações feitas
até aqui, nomeadamente no que diz respeito à coleta e avaliação dos dados encontrados.
Além disso, tem sido contínuo o pedido de alunos que desejam ingressar no Projeto em
busca
de
“aprender
a
ler”.
Consideramos
importante
oportunizar
esse
ingresso
e
mensuramos seus dados tendo em vista o aprofundamento da pesquisa. É igualmente
importante continuarmos pesquisando leitura, quando as evidências apontam para a
necessidade de conhecer melhor essa temática para utilizá-la em benefício dos que
necessitam e têm o direito de ler - grande parte da população brasileira que ainda não
aprendeu a ler ou que lê sem o desejável aproveitamento. Prova disso é ter sido definido o
ano de 2005 como o Ano Ibero-Americano da Leitura como uma estratégia para desenvolver
a prática e cultivar maior consciência sobre o valor social do livro.
Duas hipóteses norteiam a pesquisa: a primeira, que os alunos – lembrando que muitos
deles serão professores, o que é duplamente preocupante no caso de não-leitores - deixam a
desejar quanto ao desempenho da leitura que fazem. Assim, é necessário criar situações de
vivência com o livro e com as leituras em geral, incluindo a da imagem, visando auxiliar os
estudantes de maneira mais incisiva quanto às suas formações como leitores. A essa
vivência estamos chamando ambiência de leitura. A segunda hipótese é que a escola e a
Universidade,
enquanto
instituições
formadoras,
têm
privilegiado
a
palavra
escrita,
ressaltando-se que esse privilégio se reveste de características ímpares, visto que o
professor, em princípio supostamente formador de leitores, também lê pouco (SILVA, 2003;
SILVA, 2001; SANTOS, 1999; 12º COLE, 1999; LAJOLO, 1994). Lê o essencial para o
desempenho das suas atividades escolares/acadêmicas.
Por outro lado, este início de século é marcado pela presença forte em nosso dia-a-dia da
imagem. A TV, o cinema, o teatro, outdoors, placas e letreiros em geral são exemplos dessa
presença
contínua
da
imagem.
No
entanto,
ainda
que
o
contexto
seja
esse,
a
Escola/Universidade tem-se descuidado da leitura da imagem, o que quer dizer de outras,
para além das palavras. Lembramos que todas elas - palavra, imagem, som, paisagem,
corpo - estão interligadas. Há que se exercitá-las nos seus entrelaçamentos, continuamente!
CONSIDERAÇÕES ACERCA DA FASE ANTERIOR DO PROJETO
Na Fase I do Projeto, tivemos como perspectiva inicial a participação de 12 alunos. No
entanto, na análise dos relatórios de pesquisa de leitura e em conversas com pesquisadores
da área de educação, percebemos que tem sido difícil manter um grupo de alunos por longos
períodos nas pesquisas dessa natureza. Assim, optamos por abrir espaço para a participação
de mais estudantes, esperando que tivéssemos, ao final, um número próximo àquele
demarcado inicialmente (doze) que fizessem parte por dois anos, segundo sua vigência, ou
um período próximo a esse.
Alcançamos o seguinte resultado: 8 alunos da Graduação permaneceram até o final do
Projeto, além de outras 3 pessoas. Destas, duas são professores da rede municipal de ensino
- uma está cursando Especialização em Filosofia e a outra preparando seu Projeto para
ingressar na Pós-Graduação (Arte). A décima primeira pessoa cursou disciplina especial
como aluna do Mestrado em Educação no ano de 2004. Além destas, os Graduandos F
(Relações Públicas, concluído em dez. 2003) Cr (Pedagogia, 3ºano /2004) e P (Relações
Públicas, concluído em dez. 2003) permaneceram no Projeto por 1 ano e meio, o que
também dá um significativo espaço de acompanhamento das implicações da leitura em suas
vidas. Um quarto aluno, L (Relações Públicas, concluído em dez. 2003), bastante empenhado
no Projeto durante todo o ano de 2003, mudou-se para Foz do Iguaçu, onde foi fazer um
estágio remunerado. A aluna S (Pedagogia, 3ºano /2004) precisou deixar o Projeto em razão
do trabalho que assumiu em uma escola; no entanto, passou a desenvolver um Projeto de
leitura nos moldes do “Leitura-paixão...” na escola em que começou a atuar como
professora. A MJ mudou-se para Goiânia e seguiu como contadora de histórias naquele
estado, segundo o que nos consta e de acordo com o que ela vinha fazendo em Londrina,
com muita dedicação e acolhida do público acadêmico.
Esses participantes do Projeto foram avaliados de acordo com fichas, preenchidas por eles
após cada evento (palestra), outras pelos professores dos cursos que freqüentam (apenas 3
devolveram-nas preenchidas), além de portfólios, observações da coordenadora e dos
professores integrantes da pesquisa (5 ao todo, sendo que no ano de 2004 permaneceram
duas delas, incluindo-se a coordenadora. As demais, que trabalharam em 2003, passaram a
se ocupar de projetos conforme as linhas de pesquisa das quais fazem parte, focalizando
temática que diz respeito à sua especificidade). É necessário registrar que foram feitas autoavaliações nas reuniões semanais, bem como via Internet, no grupo de discussão.
Os portfólios mostraram resultados satisfatórios do envolvimento dos alunos com a leitura,
ainda que nem todos os estudantes o tenham entregado. Também com isso aprendemos, ou
seja, vimos se apresentarem caminhos que precisam ser trilhados desde o início das
atividades com portfólio, visando um acompanhamento mais efetivo dos trabalhos e o
alcance dos objetivos propostos.
Durante todo o percurso, a coordenadora foi comentando, com o grupo e individualmente, a
respeito da participação de cada um, oferecendo assim diretrizes para que pudessem
compatibilizar os horários das múltiplas atividades que desenvolvem, tais como auxiliar nos
eventos, desenvolver relatório, portfólio, painel, artigo e slides para apresentação da
pesquisa em Congressos. Os estudantes L, F, Lc (a última como bolsista de Iniciação
Científica 2002/3), M, P, E, A, C e AM apresentaram estudos referentes ao trabalho em
Congressos. O participante Cs fez a capa do livro “Leitura e visão de mundo: peças de um
quebra-cabeça”1, que traz figuras representativas do Projeto (ver apêndice). O integrante
Ad, que não apresentou trabalhos em Congressos, ficou responsável pela elaboração de
cartazes que expressassem pela imagem a idéia tratada em cada palestra (evento). O aluno
R está em outro grupo de estudos de leitura em Filosofia; deseja aprofundar e divulgar idéias
acerca da leitura, vivenciadas neste estudo. A aluna J (Pedagogia) está como bolsista de
Iniciação Científica 2004/5 e preparando-se para apresentar sua pesquisa em Congresso.
Isso nos leva a afirmar que praticamente 100% dos participantes apresentaram resultados
de suas participações no Projeto ao público em geral, na própria Universidade em que
estudam e em Congressos externos.
1
Lucinea Aparecida de Rezende (org.). Londrina: Atrito Art, 2005.
No que diz respeito ao segmento virtual, os dados registrados anteriormente apontam para a
interação havida no grupo. Vale dizer que alguns alunos resistiram ao uso do computador
quando iniciamos o Projeto; no entanto, tornaram-se usuários contínuos, não só como quem
usa o computador como máquina de escrever, mas também como quem aprendeu a usar
diferentes recursos desse meio tecnológico.
O Projeto “Leitura-paixão: o impacto de uma situação diferenciada” (Fase I) extrapolou o
âmbito de ações inicialmente projetadas. Foi acolhido amplamente na Universidade onde é
desenvolvido, não só no Departamento de Educação, mas também em vários outros. Alunos
da Universidade e também pessoas da comunidade externa procuraram assiduamente por
informações, manifestando suas intenções de participação. Estes e os demais dados nos
levaram ao Projeto “Leitura-paixão: o impacto de uma situação diferenciada – Fase II”, ora
apresentado.
Foram alcançados resultados positivos tanto de maneira direta, conforme os objetivos
estabelecidos, como também de forma indireta – efeitos colaterais, para além das metas
previstas. Quer nos parecer, diante dos dados encontrados, que a formação de alunos e
professores leitores passa pela vivência da leitura - ambiência, implicando a leitura e
também o pensar coletiva e criticamente sobre este ato. Isso requer conhecer leitores, poder
ouvi-los e dialogar com eles para que possam levar alunos e professores a pensar e repensar
o ato de ler diferentes tipos de textos.
O Projeto se revelou uma experiência ímpar, apontando para situações que podem nos levar
a reavaliar a leitura na Graduação. Mostrou-nos a condição dos estudantes de não-leitores
assíduos e um caminho para irmos ao encontro da necessidade de auxiliá-los a se tornarem
leitores contínuos e de múltiplos textos. Evidenciou-se para nós que a Universidade pode e
deve ocupar esse espaço de ambiência de leitura, freqüentemente ainda não vivido pelo
estudante.
Como o percurso é feito ao caminhar, o desenvolvimento dos estudos permitiu avanços na
compreensão dos aspectos teórico-práticos na pesquisa da Leitura. Somando-se a essas
aprendizagens, desejamos continuar coletando dados referentes aos alunos que já
participaram da Fase I, bem como aprofundar as observações em relação a novos
participantes.
Aprendemos,
neste
caminho,
também
no
que
diz
respeito
a
quais
instrumentos nos permitem aferir melhor os dados e como lidar com eles - em busca de
resultados de Pesquisa que alcancem a excelência.
Contando-se os palestrantes do Projeto, os professores e alunos que dele participaram, os
alunos de Iniciação Científica e os alunos de Pós-graduação, estamos solidificando um Grupo
de Pesquisa voltado para a temática “Leitura”. Por essa razão, entendemos ser oportuna a
continuação do Projeto - Fase II.
DAS CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS
O foco de interesse dos pesquisadores está voltado para a leitura e a formação de leitores.
Para tanto, a interlocução bibliográfica é feita, dentre outras adiante nomeadas, a partir da
idéia de intermediação e os paradigmas sócio-culturais, conforme tratados por Vygotsky.
Partilhamos com o autor a compreensão de que o homem é um sujeito histórico, que se
desenvolve e se transforma na relação com o outro, com o seu contexto e sua cultura.
Temos, na situação de formação de leitores, não só a intermediação do outro - leitor - mas
também a intermediação do próprio texto na construção do repertório que constitui a visão
de mundo do estudante, participante do Projeto.
Ao caminharmos neste sentido, procuramos ampliar contextos, oferecendo instrumental aos
alunos a fim de que os múltiplos textos – palavra, imagem, som - venham a fazer sentido
para eles. Quer nos parecer que o estudante não se dá conta, muitas vezes, de que as
palavras não são ingênuas e que a leitura nos auxilia no confronto do que somos e ainda não
o
somos,
mas
desejamos/necessitamos
ser.
Trata-se,
portanto,
da
contínua
construção/reconstrução de sentidos. O sentido do qual falamos é aquele escrito por Paulo
Leminski. Queremos também aqui evidenciar a importância de contar com um referencial
múltiplo de leitura - diferentes tipos de texto; neste caso, a poesia - para expressarmos
nossos pensamentos.
Buscando sentido
O sentido, acho, é a entidade mais misteriosa do universo. Relação, não coisa, entre a
consciência,
a vivência e as coisas e os eventos.
O sentido dos gestos. O sentido dos produtos. O sentido do ato de existir.
Me recuso a viver num mundo sem sentido. Estes anseios/ensaios são incursões conceptuais
em busca do sentido.
Pois isso é próprio da natureza do sentido: ele não existe nas coisas, tem que ser buscado,
numa busca que é sua própria fundação.
Só buscar o sentido faz, realmente, sentido.Tirando isso, não tem sentido.
(Leminski, 1997, p. 11).
A hipótese norteadora da pesquisa é que a ambiência de leitura é fundamental na formação
de leitores. Por ambiência entendemos o manusear livros e textos em geral - diferentes tipos
de leitura - falar deles, escrever a respeito e particularmente trocar informações com
terceiros - o professor, alunos, palestrantes-leitores, leitores diversos - acerca de leituras;
enfim, ter como algo absolutamente cotidiano e referencial a relação com múltiplos tipos de
textos e leitores.
Outro interlocutor é Paulo Freire, em particular no tocante às concepções de leitura e visão
de mundo, apreendidas nas obras “A importância do ato de ler” (FREIRE, 1985) e a
“Pedagogia da Autonomia” (FREIRE, 1997). O que se pretende é que o universo vocabular
dos discentes seja constituído de palavras “grávidas de mundo”, conforme disse o autor
(Freire, 1985, p. 23). Entendemos que:
o conhecimento do maior número possível de tipos variados de texto é, sem
dúvida, um componente essencial para o desenvolvimento de estratégias de
leitura, especialmente a predição, pois conhecendo a função social dos textos, os
tipos de discurso que neles predominam, e as formas como eles são
estruturados, o leitor pode chegar a compreendê-los de maneira mais eficaz e
mais rápida, chegando também a reconhecê-los e distingui-los facilmente,
porque a tendência do leitor é internalizar as superestruturas (formatos,
linguagem, intenções) desses textos... (Silveira, Internet, 26-01-05).
Acreditamos que as diferentes leituras se retro-alimentam; queremos dizer com isso que a
aproximação de diferentes tipos de texto – feita pela leitura direta e também pela
interlocução com leitores assíduos, bem como a apropriação dos textos pelos estudantes,
podem levar estes últimos a melhorar sua performance enquanto leitor e compreender mais
profunda e amplamente o que é lido. Em última instância, temos como hipótese que o
estudante lê pouco porque não conhece as amplas possibilidades de leituras possíveis e
também porque lendo pouco lê mal e devagar, o que acaba sendo um impeditivo para ler
continuamente. Há que se viver leitura como quem conhece os “Direitos imprescindíveis do
leitor”
1.
O direito de não ler.
2.
O direito de pular páginas.
3.
O direito de não terminar um livro.
4.
O direito de reler.
5.
O direito de ler qualquer coisa.
6.
O direito ao bovarismo.
7.
O direito de ler em qualquer lugar.
8.
O direito de ler uma frase aqui e outra ali.
9.
O direito de ler em voz alta.
10. O direito de calar.
(Pennac, 1995, p. 139).
Mais ainda: há que se ler exercendo a máxima de que com aquilo que conhecemos bem
podemos até brincar... Então, o que se espera é que os estudantes tenham um contato tão
natural e contínuo com leitores e textos, que estes últimos acabem sendo percebidos e lidos
como uma necessidade vital. Que sejam algo com o que se possa lidar como quem brinca –
um ato lúdico - sem tensões relacionadas exclusivamente à condição de “ter que ler”,
conforme relataram em pesquisas alguns acadêmicos: que só exercem a leitura conforme
eles próprios disseram, como “obrigação escolar”.
Poderíamos dizer: mas a ambiência de leitura já não ocorre em sala de aula? A resposta é
não, se considerarmos o sentido dado ao que se faz (lê) e o uso de textos de caráter
exclusivamente acadêmico em sala de aula. Pesquisas já divulgadas, mencionadas
anteriormente, mostram que significativa parte dos estudantes da Graduação tem lido
apenas como cumprimento de dever - fazer o que o professor solicita.
O que se pretende com este Projeto, ou seja, com uma situação diferenciada daquela em
sala de aula, é que o estudante tenha a ambiência de leitura como algo a que atribui seu
próprio sentido, construído coletivamente (interação com o outro – leitor). Procuramos
oferecer condições para que ele vá percebendo outras possibilidades, além daquelas que
conhece, para que perceba novos sentidos nos textos - aqueles atribuídos por palestrantes e
pelos outros alunos e professores integrantes do Projeto, e que serão ressignificados por ele
frente aos seus conhecimentos já consolidados. Propiciamos com essas condições a
possibilidade de o estudante se situar frente ao universo textual em seus múltiplos suportes,
considerando-se a palavra e a imagem. Enfim, desejamos que ele possa descobrir
possibilidades diversas de leitura e fazer dela uma “ponte” contínua na construção de sua
visão de mundo e situar-se nele.
A concepção que permeia este Projeto está centrada na relação que o leitor estabelece com o
texto – palavra ou imagem. É nesta relação leitor-texto que se dá a leitura. O que é lido não
está apenas no texto: está nele e também no leitor, com aquilo que ele leva para a leitura
que faz: sua experiência de vida, seus conhecimentos prévios, seu universo vocabular e
conceitual. Um livro de Física, de Sociologia, sem um ser humano para lê-lo, não passa de
papel e manchas de tinta (Shepard, referido por Horgan, 1998, p. 288, In Rezende, 2002).
Importa o texto e o contexto, como nos lembra Bakhtin.
Por último, cabe explicitar que tomamos como pressuposto a leitura enquanto matéria-prima
em sala de aula. Dizer isso implica afirmar que ela não tem sido vista como algo a ser
cultivado “em si”; ela é tratada apenas (sic) como solicitação do professor, ainda que
corriqueiramente denunciemos em nosso dia a dia como professores, as dificuldades
encontradas pelos alunos. Evidenciamos, portanto, que o nosso estudo vai ao encontro do
que disse o cartunista e escritor Ziraldo, pela boca do Menino Maluquinho e em inúmeras
entrevistas pelo Brasil afora: “ler é mais importante que estudar”. Indo para o extremo
oposto e considerando o que disse um aluno da Graduação: “Leio para a Universidade e
desejo esquecer tudo depois”, pesquisamos indicadores que apontem para caminhos que nos
levem a trabalhar o texto de maneira a formarmos leitores. Nossa idéia é que o primeiro
passo a ser dado no tratamento texto-leitor na Graduação é levar o aluno a se interessar
pela leitura. Para saber como fazer isso, ou ao menos contar com indicadores seguros a
respeito de como fazê–lo, propusemos esta Pesquisa.
DOS OBJETIVOS E DOS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Os objetivos do Projeto estão assim definidos: estudar a temática já anunciada como recurso
primordial no processo ensino-aprendizagem na Graduação e suas implicações acadêmicas e
não-acadêmicas na formação de leitores. Verificar se a ambiência de leitura, entendida como
a relação com múltiplos textos e leitores assíduos, pode levar estudantes da graduação a um
número maior de leituras, bem como a de textos de tipos diferenciados – acadêmicos e nãoacadêmicos, como já anunciamos anteriormente. Oferecer aos estudantes múltiplas
situações de contato (encontros pessoais e virtuais) com textos, junto a leitores e leitoresescritores, criando e/ou fortalecendo hábitos de cultivo da leitura. Verificar o impacto
provocado nos alunos em uma situação diferenciada da que ocorre em sala de aula, no que
se refere à formação continuada do leitor, avaliando-se a quantidade de textos diferenciados
lidos na vigência do projeto. Identificar a implicação da vivência das situações propostas aos
participantes do Projeto. Construir, coletivamente, uma obra-referência (livro) para
professores, graduandos e pós-graduandos.
Quanto à Metodologia, há duas situações diferenciadas que podem permitir aos graduandos
aproximações com leitores assíduos. Uma delas é efetivada através de encontros quinzenais
com palestrantes (eventos), em que são focalizando múltiplos temas. Propomo-nos a tratar,
por exemplo, das leituras: Musical, de Artes Plásticas, da Literatura Infantil, do Corpo, da
Filosofia, da Ciência, da Poesia, do Cinema, da Fotografia. Outra situação é a efetivada com
os denominados pequenos grupos, constituídos por 1 ou 2 alunos que ingressaram no
Projeto na Fase II, assessorados pelos professores participantes e por 1 tutor. Este(a)
tutor(a) é um(a) aluno(a) que já atuou na Fase I (2003, início de 2005) ou professor que já
teve uma experiência anterior com leitura. Os professores orientaram na composição dos
grupos, buscando compatibilizar interesses definidos, que possam ser revertidos em
benefício do andamento dos trabalhos. Um dos critérios é a possibilidade de ajuda mútua do
grupo; o outro, o respeito a afinidades pessoais já consolidadas entre os participantes da
pesquisa, acreditando-se que isso favorecerá o apoio recíproco e trocas acadêmicas mais
diretas.
Seqüencialmente, temos duas semanas de trabalho do pequeno grupo, intercaladas por uma
palestra.
Uma vez por mês, reúne-se o grande grupo, em substituição a uma reunião do
pequeno grupo. Estas reuniões intergrupos servem para conhecimento geral do andamento
dos trabalhos e trocas de experiências. Se faltar tempo para os pequenos grupos
trabalharem/estudarem, as reuniões do grande grupo são a cada 2 meses.
Os dados são coletados por meio de fichas, além de portfólios elaborados pelos participantes.
Os participantes que ora atuam como monitores têm se destacado como pesquisadores,
observando o que se passa, propondo ações, registrando dados e permanecendo em contato
contínuo com os alunos ingressantes em 2005, auxiliando-os quanto às ações vivenciadas no
Projeto. Quanto aos novos alunos, estes têm mostrado interesse pelas atividades de leitura.
Foi proposto no grande grupo que tivéssemos um “blog”2. Imediatamente uma aluna o
construiu e contamos, agora, com mais esse suporte para nossa comunicação.
Entrevistas com leitores, sugestões de leituras, palestras, avaliações acerca da participação
em Congressos, têm feito parte do dia a dia dos participantes. A cada reunião sentimos que
a leitura – da qual desejamos nos aproximar cada vez mais – também nos une; a princípio,
timidamente, mas aos poucos, vamos intensificando nossas relações. Vamos, passo a passo,
constituindo uma confraria dos que desejam ler. A idéia de ambiência de leitura que
defendemos vai tomando corpo...
REFERÊNCIAS
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Hucitec.
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afinal, o que a gente lê? Associação de Leitura do Brasil – ALB – 20 a 23 de julho de 1999.
CDrom. Campinas: UNICAMP.
FREIRE, P. (1985). A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São
Paulo: Autores Associados: Cortez. 96 p.
___________. (1997). Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa.
2ªed. São Paulo: Paz e Terra. 168 p.
HORGAN, J. (1998). O fim da ciência: uma discussão sobre os limites do conhecimento
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LAJOLO, M. (2001). Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática.
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LEMINSKI, P. (1997). Ensaios e Anseios Crípticos. Curitiba: Pólo Editorial do Paraná. 97 p.
MCLAREN, P. Rituais na escola: em direção a uma economia política de símbolos e gestos
na educação. Petrópolis: Vozes, 1991. 397 p.
PENNAC, D. (1995). Como um romance. Rio de Janeiro: Rocco. 168 p.
2
Disponível em http://leiturapaixao.weblogger.terra.com.br . Acessado em 20/08/2005.
REZENDE, L. A. (2002). Ler ou pensar - uma escolha a ser feita na graduação? Estudo
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SANTOS, I. S. (1999). Trajetórias de professores: narrativas que trazem a leitura na vida
e no cotidiano escolar. 12º Congresso de leitura do Brasil: Múltiplos objetos, múltiplas
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SILVA, J. M. S. (2001).O PROLER e a política de formação de professores em Caxias.
13º Congresso de leitura do Brasil: Com todas as letras para todos os nomes. CDrom.
Campinas: Unicamp, 2001.
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Download

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