Para Sara Starr Wolff, professora, terapeuta e jardineira que realizou suas aspirações e sempre foi sincera. E para seu filho Jeremy, cujo amor incondicional e aceitação me permitiram florescer. SUMÁRIO Introdução 9 PARTE UM TEMPERAMENTAL POR NATUREZA Um Domine seu temperamento 17 Dois Sensibilidade com data marcada 32 PARTE DOIS CASAMENTO, FETICHES, MONOGAMIA E MENOPAUSA Três Este é o seu cérebro apaixonado 47 QuatroO casamento e seus dissabores 58 Cinco Cabeça de mãe 70 Seis Perimenopausa: a tempestade antes da calmaria 84 PARTE TRÊS GUIA DE SOBREVIVÊNCIA PARA MULHERES Sete Inflamação: a chave de tudo 107 Oito Comida: uma droga impossível de resistir 118 Nove Cansada demais para relaxar 141 Dez Um guia sexual que realmente funciona 154 Onze Seu corpo: ame-o ou deixe-o 175 Doze Você. Precisa. Descansar. 188 Conclusão Mantendo a sanidade num mundo insano 202 Agradecimentos 206 Apêndice Indicações: um guia de medicamentos especiais 208 Glossário 234 Introdução A s mulheres estão sobrecarregadas e exaustas. Vivem ansiosas e irritadas, além de deprimidas e emocionalmente esgotadas. O humor e a libido estão no fundo do poço; a energia vital é consumida enquanto elas se esforçam para ser bem-sucedidas no trabalho, para dar atenção à família e às centenas de “amigos” virtuais. Elas se culpam por se sentirem assim, pois acreditam que deveriam ser capazes de dar conta de tudo. Sonham em ser perfeitas e tentam fazer parecer fácil equilibrar todas essas demandas, mas não é tão simples. Fomos programadas para ser dinâmicas, cíclicas, temperamentais, efervescentes. Sim, nós, mulheres, vivemos em ponto de ebulição – e isso não é uma fraqueza. Evoluímos dessa maneira por ótimas razões: as oscilações hormonais são a base da sensibilidade que nos permite interagir com o mundo ao nosso redor. Nosso dinamismo transmite flexibilidade e capacidade de adaptação. Ser determinada e rígida não é garantia de sobrevivência. Na natureza, ou você se adapta ou morre. A instabilidade emocional – ser sensível, carente e de vez em quando insatisfeita – é nossa fonte natural de energia. No entanto, sempre nos disseram o contrário. Crescemos ouvindo que isso era algo ruim. Aprendemos a pedir desculpas por nossas lágrimas, a reprimir a raiva e a temer sermos chamadas de histéricas. Ao longo da vida, o estresse e as expectativas do mundo interferiram em nossa saúde e em nossos hormônios, e o resultado disso é o mal-estar e a frustração que tantas mulheres sentem. Mas as coisas não precisam ser assim. Este livro vai ajudar você a assumir o controle do seu temperamento e, portanto, da sua vida. Combinando a sabedoria ancestral e a ciência moderna, ele vai fazer você compreender a montanha-russa em que se acostumou a viver. Ao entender seu corpo e seus ciclos hormonais naturais (e descobrindo como os medicamentos desorganizam sua sensível calibragem), 9 você poderá fazer escolhas melhores, que lhe permitirão viver com mais qualidade. Os hormônios femininos estão sempre oscilando. Eles passam por altos e baixos durante o ciclo mensal e aumentam e diminuem ao longo de décadas de fertilidade, tornando-se bem mais instáveis durante a adolescência e a perimenopausa – a primavera e o outono dos anos reprodutivos. A instabilidade emocional feminina é uma característica totalmente natural. Ainda assim, uma em cada quatro americanas toma remédios para controlar as emoções, sem ter a menor ideia dos efeitos que isso pode lhes causar no futuro. Seja comida, álcool, drogas, internet ou compras, todas nós dependemos de algo para nos alienar nos momentos difíceis. Seja qual for o objeto escolhido, a promessa é sempre a mesma: a de que as coisas vão melhorar assim que ele for consumido. No meu consultório psiquiátrico, minhas pacientes sempre estão em busca de informações sobre medicamentos e sobre como eles podem mudar a maneira como elas se sentem. Neste livro, abordo essas duas questões. Indico os medicamentos de que gosto e os que evito, falo sobre os efeitos colaterais mais comuns de cada um deles (em geral ganho de peso, perda de libido e apatia) e o que você pode fazer para combatê-los. Você vai descobrir a relação entre o seu humor e a sua alimentação, a importância de se exercitar e de manter horários de dormir, o que pode fazer para incrementar sua vida sexual e, talvez o mais importante, como entrar em sintonia com seu corpo para realinhá-lo com sua personalidade natural. Quando abri meu consultório, há 20 anos, as mulheres me procuravam porque se sentiam confusas sobre o que estava acontecendo em seu corpo. Elas reclamavam da dificuldade de pegar no sono, do estado de agitação ou do choro fácil, mas não sabiam bem o que havia de errado. Eu as ajudava a compreender seus sintomas e indicava, para alguns casos, medicamentos que poderiam atenuá-los. Na época, eu precisava explicar em detalhes esse tipo de tratamento e passava uns quinze minutos acalmando os ânimos daquelas que temiam tomar algo que pudesse alterar sua química cerebral. Atualmente, as pacientes me procuram certas de que precisam tomar remédios para ansiedade ou estresse, porque é isso que a maioria de suas amigas faz. Para elas, meu papel é apenas ajudá-las a descobrir qual o remédio ideal. Se antes eu ouvia coisas como “Por que fico acordando às quatro da 10 madrugada?”, “Tenho dificuldade de me levantar de manhã e não vejo sentido em nada” e “Estou irritada o tempo todo e não sei a razão”, hoje a conversa mudou para “Qual é a diferença entre o Rivotril e o Effexor?”; “Não consigo descobrir se tenho TDAH ou TOC” e “Estou precisando tomar alguma coisa para relaxar”. E, por incrível que pareça, o que mais ouço das minhas pacientes é: “Existe algo novo que eu possa experimentar?” A indústria farmacêutica americana começou a fazer propagandas direcionadas para o consumidor final nos anos 1980. Em meados da década de 1990, os anúncios começaram a surgir na televisão e nas revistas, alardeando o lançamento de novos antidepressivos e pílulas para dormir. Comecei a seguir essa tendência de indicar medicamentos psiquiátricos, cujo consumo triplicou nos Estados Unidos ao longo da década de 1990 como resultado desse marketing poderoso. Por volta de 2006, ficou claro para mim que havia algo errado. As empresas estavam gastando bilhões de dólares para transformar experiências humanas normais, como medo e tristeza, em doenças. Elas não estavam desenvolvendo a cura: estavam criando consumidores. O problema deixou de ser nossa instabilidade, mas o fato de sermos convencidas a controlá-la com remédios. As últimas novidades são especialmente assustadoras. O Abilify, um medicamento originalmente formulado para tratar esquizofrenia, entrou no mercado de depressão e é agora o remédio mais vendido do país. Como psiquiatra, preciso dizer que é uma loucura que o medicamento mais rentável dos Estados Unidos seja um antipsicótico! O percentual de pessoas com transtornos psiquiátricos diagnosticados não para de crescer em todo o mundo. Está ocorrendo uma epidemia de doenças mentais ou são os médicos que estão sacando rápido demais seu receituário em vez de oferecer soluções menos imediatas para as queixas de seus pacientes? Quatro em cada cinco receitas para antidepressivos não são prescritas por psiquiatras, mas por clínicos gerais. E, na maioria das vezes, para pessoas que não têm necessidade de remédios. Da mesma forma que fazer seu filho escolher entre uma roupa vermelha e uma azul elimina a etapa do “você precisa se vestir”, o bombardeio da publicidade mudou a pergunta “Será que devo tomar um antidepressivo?” para “Qual antidepressivo devo tomar?”. Não permita que uma pílula mude a maneira como você lida com seu humor. Existem muitas formas de tratar a depressão, a ansiedade e a irritabilidade sem o uso de medicamentos. 11 Não é apenas o coquetel de neurotransmissores que dita nosso humor: a maneira como vivemos a nossa vida também influencia, e muito. Podemos nos sentir melhor se mudarmos nosso comportamento em relação à comida, ao sexo, aos exercícios, aos vícios e ao equilíbrio entre trabalho e família. Tomar pílulas da felicidade e continuar agindo como antes é o mesmo que varrer a sujeira para baixo do tapete. Minha intenção é fazer você levar esse tapete para fora e dar nele uma boa surra com a vassoura. Essa tarefa começa com a compreensão – o processo natural de reconexão com você mesma e com seu corpo. Compreender o significado e a utilidade das suas variações de humor é algo poderoso. Recuperar sua personalidade original é libertador. E não apenas para você, mas também para seu parceiro, sua família e sua comunidade. Este livro começa com informações sobre o complexo funcionamento do corpo feminino, revelando por que as mulheres, como educadoras e cuidadoras, desenvolveram uma maneira de pensar e sentir tão diferente da dos homens. Explico a importância de sermos emotivas e os perigos de nos afastarmos dessa característica. Observo em detalhes as razões pelas quais o ciclo de 28 dias provoca lágrimas e uma fome insaciável (e mostro o que você pode fazer para resolver isso), e como os contraceptivos orais e os antidepressivos podem desorganizar as fases do desejo e da conexão, podendo levar você a escolher o homem errado ou descartar qualquer um. A segunda parte do livro aborda os relacionamentos e a família, com um foco especial na maneira como o humor feminino reflete os pontos de transição fundamentais de nossa vida. Da menarca (a primeira menstruação) à gravidez, passando pela maternidade e a menopausa, nossos hormônios flutuantes não apenas ditam nossos comportamentos como também reagem a eles. O livro conta a verdade sobre a monogamia e o desejo, e mostra por que é provável que o antidepressivo que você toma não esteja lhe trazendo benefício algum na cama. Também explica as consequências físicas e emocionais da gravidez e da criação dos filhos: tornar-se mãe muda não apenas seu corpo, mas também o seu cérebro. A terceira parte, o Guia de Sobrevivência para Mulheres, é um manual de instruções para o bem-estar em qualquer idade. Ele começa com uma introdução abrangente sobre a inflamação, que é a base de quase todas as doenças, inclusive da depressão. O estresse e a inflamação estão intrinsecamente ligados, e a solução para combatê-los está num sistema do qual você provavel12 mente nunca ouviu falar: o sistema endocanabinoide. Quando o estresse tira você do sério, é esse sistema interno que a ajuda a entrar nos eixos outra vez. Mesmo que você nunca tenha fumado um baseado, seu cérebro e seu corpo usam moléculas similares às da cânabis para torná-la resistente ao estresse, mais ou menos como fazem as endorfinas, que funcionam como um analgésico natural. Os canabinoides reduzem a inflamação e a reatividade no corpo, mantendo o metabolismo, a funcionalidade da imunidade, o aprendizado e o crescimento. Cito esse sistema ao longo do livro porque ele está envolvido em quase tudo o que fazemos, como dormir, comer, praticar exercícios, fazer sexo, parir e cuidar do bebê. As informações detalhadas no guia de sobrevivência são ferramentas essenciais para estabelecer e preservar a saúde física e mental; elas foram criadas para diminuir o estresse e a inflamação e aumentar a capacidade corporal de produzir prazer. Você vai aprender sobre a nutrição natural (e então poderá interromper a dieta para começar a se alimentar para ter saúde) e sobre a importância do sono (para que reserve as horas de sono de que seu corpo precisa). Na realidade, sono e boa alimentação, aliados a atividades aeróbicas e ao ar livre, podem muito bem substituir seus remédios para depressão e ansiedade. A última parte do livro também inclui conselhos práticos e eficazes sobre sexo e aborda os principais obstáculos que as mulheres enfrentam para chegar ao orgasmo. Nossa vida está fora de sincronia com a natureza. Quanto mais nos afastarmos do que é natural, mais doente vamos ficar. Por conta da distração constante dos nossos dispositivos digitais, nos esquecemos de uma regra básica: o ar fresco, a luz do sol e o movimento nos fazem sentir muito melhor. Os ciclos diários de luz e escuridão fazem mais pelo nosso sono do que qualquer pílula milagrosa. Este livro é baseado em pesquisas científicas e na minha experiência profissional. A saúde começa com o conhecimento e meu objetivo é desmistificar a vida interior das mulheres para possibilitar a mudança necessária. Estou falando como psiquiatra, como esposa e como mãe de dois filhos. Nosso corpo é mais sábio do que imaginamos. Medicamentos em excesso roubam nosso senso de controle e a rotina nos afasta do nosso ritmo natural. É compreensível que tantas mulheres reajam às demandas com lágrimas e frustrações. Na verdade, o sofrimento é o caminho para a saúde e a plenitude. Precisamos entrar em sintonia com o desconforto, e não rejeitá-lo. Verbalizar 13 nossa sensibilidade, nossa irritação e nossas necessidades pode melhorar, e muito, a nossa qualidade de vida. Quando começamos a prestar atenção em nosso corpo e entramos em harmonia com nosso temperamento, somos capazes de tomar uma atitude – que pode ser simplesmente diminuir a autocrítica. A resposta será diferente para cada uma de nós. Precisamos mudar a forma como tratamos a nós mesmas, respeitando nossa natureza e nossa personalidade. O objetivo deste livro é mostrar o caminho para que você consiga fazer isso. 14 PARTE UM TEMPERAMENTAL POR NATUREZA Um Domine seu temperamento A o longo dos anos, participei diversas vezes de programas de televisão como especialista em psiquiatria. Numa dessas ocasiões, eu estava conversando com a apresentadora pouco antes de a gravação começar e notei que as unhas dela estavam roídas. Comentei sobre isso e ela, que parecia uma mulher alegre, ativa e equilibrada, me contou que sua terapeuta havia recomendado que tomasse um remédio para “acalmar os nervos”, mas ela resistira à ideia. – Aposto que essa ansiedade é útil em seu trabalho – falei. – Você precisa estar sempre atenta para encontrar boas histórias e ser capaz de perceber quando é hora de abordar questões difíceis durante uma entrevista. Eu também diria que você tem alguns traços obsessivos que devem ajudá-la a ser organizada e produtiva. – Sim – ela me olhou espantada. – Sou assim mesmo, nervosa e irrequieta. Sempre fui desse jeito. Por que eu deveria tomar remédios para mudar minha personalidade? Boa pergunta: por quê? Pelo modelo evolucionário, o cérebro feminino se desenvolveu para estimular a empatia, a intuição, a emotividade e a sensibilidade. Geramos vidas e cuidamos delas; nossa capacidade de reconhecer e reagir às necessidades e aos humores dos outros é fundamental para nossa sobrevivência. Precisamos intuir quando nossos filhos estão em perigo e quando os homens ao nosso redor têm más intenções. Nós nos rendemos quando é a saída mais segura, mas protegemos com unhas e dentes aqueles que estão sob nossa responsabilidade. Sempre fomos convocadas para fazer o trabalho difícil e nosso corpo possui mecanismos poderosos para enfrentar esses desafios. Mas viver diaria17 mente irritada e com a sensibilidade à flor da pele pode ser uma experiência desafiadora. Se isso já não fosse pesado o bastante, ainda somos pressionadas a reprimir nossas emoções e anular nossas características naturais. UMA GERAÇÃO INTEIRA SE SENTINDO POR BAIXO Não são apenas os hormônios que nos deixam instáveis. A indústria farmacêutica também vem contribuindo para isso, explorando essa característica biológica como se fosse um defeito. Antidepressivos são prescritos para as mulheres de maneira indiscriminada, estigmatizando a depressão como uma doença feminina. Assim, os homens ficam menos predispostos a buscar tratamento quando necessário e as mulheres passam a acreditar que precisam de sua pílula diária para dar conta de suas tarefas básicas. Nos Estados Unidos, as vendas dispararam em dois momentos: em 1997, após a liberação da publicidade direcionada para o consumidor final, e em 2001, após os atentados de 11 de setembro. Naquele ano, minhas pacientes chegavam ao consultório profundamente nervosas, temendo pela segurança do marido e dos filhos. Por coincidência, os fabricantes de um determinado medicamento publicaram um anúncio mostrando uma mulher numa rua lotada, segurando a bolsa com firmeza e com os maxilares travados. Ao seu redor, mensagens como “Problemas para dormir?” “Preocupação?” e “Nós podemos ajudar”. Os fabricantes de medicamentos viram naqueles atentados uma excelente oportunidade de marketing, chegando a dobrar seu investimento em publicidade. Toda essa popularização dos psicotrópicos levou as pessoas a acreditarem que usar estabilizadores de humor é a coisa mais natural do mundo. A maioria delas tem uma ideia de quais são os mais perigosos, os mais fáceis de conseguir, os que têm menos efeitos colaterais, os que são mais rápidos, etc. No Brasil, a venda de medicamentos controlados sem prescrição médica é proibida, porém muita gente dá um jeito de adquiri-los por outros meios. Hoje em dia, receitar um remedinho milagroso é a forma mais fácil e rápida que os médicos encontram de despachar alguém e chamar logo o próximo paciente. Isso também obriga os pacientes a voltarem para outras consultas em busca de novas receitas. Infelizmente, consultas médicas mais ligeiras – que agora parecem ter se tornado a regra – provam que os médicos passam cada vez menos tempo investigando os sintomas e buscando soluções mais 18 saudáveis para os problemas. Por exemplo: um médico pode passar 20 minutos explicando ao paciente que mudanças na alimentação e a prática de exercícios físicos podem baixar os níveis de colesterol, ou pode simplesmente receitar uma pílula, influenciado pelos representantes farmacêuticos que batem à porta de seu consultório cheios de argumentos e brindes. As mulheres são mais vulneráveis à prescrição exagerada, em especial aquelas entre 35 e 64 anos, que frequentemente reclamam de nervosismo, dificuldade de dormir, disfunção sexual ou falta de energia. Uma paciente me perguntou se devia tomar Risperdal porque uma colega lhe disse que o remédio a estava ajudando a ficar menos ansiosa. Originalmente, o Risperdal era indicado para tratar esquizofrenia, mas os esquizofrênicos representam apenas 1% da população mundial. Então é bem mais lucrativo focar nas mulheres, não é? Esta é a indústria farmacêutica em ação. Não estou sugerindo que todos os usos dos medicamentos psiquiátricos sejam contraproducentes. O problema é que pessoas que não precisam deles estão tomando, enquanto as que estão de fato doentes, psiquiatricamente falando, permanecem sem tratamento. É claro que há casos em que precisamos, sim, recorrer aos remédios. Depressões que duram semanas, que a deixam prostrada, sem sair da cama, sem tomar banho ou sem se alimentar não se resolvem sozinhas, nem com algum tipo de busca existencial. Episódios maníacos, nos quais a pessoa não dorme por vários dias seguidos, exigem estabilizadores de humor. Mas as mulheres saudáveis estão tomando antidepressivos e ansiolíticos de forma descontrolada, por anos a fio, criando um novo padrão de “normalidade” que inclui invulnerabilidade e torpor emocional, mascarando o momento realmente necessário de buscar ajuda no tratamento químico. A psicofarmacologia cria um efeito não muito diferente da cirurgia plástica. À medida que mais mulheres colocam implantes nos seios, as outras se sentem por baixo. Com tantas mulheres apelando para pílulas mágicas capazes de controlar o humor e a ansiedade, quem não compartilha dessa onda se sente um estranho no ninho. PROGRAMADA PARA SER INSTÁVEL Nossa química interna é complexa e está em permanente mudança. Nossos neurotransmissores e hormônios são intrinsecamente conectados. Quando 19 os níveis de estrogênio caem – como na tensão pré-menstrual (TPM), no pós-parto e na perimenopausa – é comum que o humor decaia. A diminuição dos níveis de estrogênio nesses períodos nos deixam mais emotivas, choronas e à beira de um ataque de nervos. No cérebro há receptores de estrogênio que afetam o humor e o comportamento, e lá acontecem complexas interações entre esse hormônio e a serotonina, o principal neurotransmissor envolvido na ansiedade e na depressão. Resumindo, é como se a serotonina e o estrogênio fossem uma dupla: quando um está elevado, é provável que o outro também esteja. Portanto, a flutuação emocional não é fruto de nossa imaginação. A etapa do ciclo reprodutivo em que estamos determina aquilo que sentimos. Pense na serotonina como o elemento da química cerebral responsável pela sensação de que “está tudo bem”. Se a taxa está muito alta, você não liga para quase nada; se está muito baixa, tudo parece um problema. Durante a TPM, os níveis de serotonina caem e a nossa sensibilidade fica aflorada: ficamos mais rabugentas, irritadas e insatisfeitas. Os antidepressivos mais comuns, também usados para tratar a ansiedade, são os inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRSs). Esse tipo de medicamento (tal como Prozac, Zoloft, Paxil, Celexa e Lexapro) bloqueia a reutilização da serotonina livre pelas células nervosas. Se os seus níveis de serotonina estiverem sempre elevados de forma artificial, você corre o risco de perder a sensibilidade que faz você ser você. Talvez vá parar de chorar no escritório ou de roer as unhas, mas também vai ter mais dificuldade de reagir emocionalmente e de se conectar com as outras pessoas, em especial no nível sexual. Os ISRSs não apenas afetam o comportamento, como também alteram a percepção do mundo ao redor. Com a química do “está tudo bem” inundando seu cérebro, para que você vai se esforçar para resolver alguma coisa? Não há qualquer motivação. Em doses altas, o ISRS pode levar à apatia e à indiferença. Quando vejo uma paciente demonstrando desinteresse por tudo, numa postura permanente de “tanto faz”, isso é sinal de que ela pode estar usando medicamentos em excesso e que está na hora de reduzir as pílulas da felicidade. A complacência e a apatia podem ter efeitos desastrosos sobre a vida pessoal e profissional. Prescrever um ISRS é a coisa certa a se fazer nos casos de ansiedade generalizada ou depressão crônica, mas, mesmo sendo o melhor tratamento inicial, não é a cura definitiva. Ser sensível demais talvez seja uma característica difí20 cil de administrar, no entanto pode ser uma ferramenta poderosa no trabalho e em casa, além de ser fundamental para o amadurecimento. A natureza nos fez compreensivas e reativas, e aceitar essa verdade é o primeiro passo para vivermos melhor. PROGRAMADA PARA SENTIR O desenvolvimento cerebral não ocorre da mesma maneira em homens e mulheres, e isso provoca profundas diferenças na forma como processamos e comunicamos as emoções. Na vida uterina, todos os cérebros percorrem o mesmo caminho até a oitava semana de gestação, quando os testículos dos meninos se tornam funcionais. O aumento repentino nos hormônios sexuais masculinos mata muitas células nos centros de comunicação e produz mais neurônios programados para ação, agressão e interesse sexual. Nos homens, essas áreas cerebrais ocupam duas vezes e meia mais espaço do que nas mulheres. Outras mudanças cerebrais ocorrem durante a gestação e na adolescência, quando a produção de hormônios sexuais aumenta repentinamente e diferencia ainda mais os sexos. À medida que o cérebro feminino se desenvolve, mais espaço é reservado para a linguagem, a escuta e a memória. O hipocampo, conhecido como centro de memória, é maior nas mulheres do que nos homens, talvez como reflexo da vantagem evolucionária de lembrar detalhes de eventos emocionais e de comportamentos dos nossos companheiros. A memória influencia as emoções. O hipocampo pode acalmar as reações impensadas desencadeadas pela amígdala, a área do cérebro responsável pelo medo, pela agressão e pela raiva. A amígdala é maior no homem e possui receptores para a testosterona. Já parou para pensar por que você perde a cabeça e depois se acalma, ao passo que seu marido continua ecoando aqueles sentimentos por um tempo? O fato de as mulheres terem o hipocampo maior e as amígdalas menores pode resultar num maior controle sobre as explosões emocionais, particularmente quando se trata de situações envolvendo medo ou agressão. Ou seja: temos uma reação emocional forte, mas em seguida nos recompomos graças ao hipocampo. Quando pressionada pelo estresse, a amígdala ganha funcionalidade, enquanto o hipocampo perde, razão pela qual você entra em pânico e não con21 segue se lembrar muito bem das coisas. Os maiores problemas surgem no estado de estresse crônico, quando o hipocampo perde não apenas funcionalidade, mas células cerebrais. Ele fica atrofiado e não consegue mais acalmar a amígdala enfurecida, portanto as reações aos estímulos causadores do estresse são amplificadas. É o que acontece no transtorno do estresse pós-traumático e nos casos de estresse crônico. Intuir as motivações e os sentimentos alheios é uma habilidade social importante, que funciona de maneira inconsciente e automática, e costuma ser mais atribuída às mulheres. Quanto mais formos hábeis em perceber nossos sinais corporais de excitação (sentir o próprio batimento cardíaco, por exemplo), mais seremos capazes de compreender nossas emoções e as dos outros. A ínsula, considerada a sede do autoconhecimento, da empatia e da experiência interpessoal, é nitidamente maior nas mulheres. Ela não apenas nos ajuda a processar nossos instintos, como também nos permite reconhecer as intenções das outras pessoas e identificar os sinais que nosso corpo emite. A chamada “intuição feminina” é extremamente útil em nosso papel de cuidadoras. Por causa dela, podemos prever se um homem vai se tornar violento ou descobrir se o choro do bebê é de fome ou de dor. Os homens não foram feitos para ser tão sensíveis quanto as mulheres. Nosso maior número de circuitos cerebrais serve não só para expressar a linguagem e os sentimentos, mas também para detectar as nuances emocionais dos outros e antecipar o que estão sentindo. Considerando que essa discrepância entre os gêneros exista no sistema empático, é provável que seu namorado não faça a menor ideia do que está sentindo na maior parte do tempo (isso se chama alexitimia) e tenha extrema dificuldade de comunicar suas emoções. A testosterona prejudica a empatia e diminui a capacidade de perceber as emoções alheias pela observação das expressões dos olhos. Ser consciente ou não das necessidades dos outros afeta o nível de generosidade da pessoa, razão pela qual costumamos achar os homens tão egoístas. As mulheres percebem essa discordância melhor que os homens, e se estressam mais por causa disso também. Não há dúvida de que parte disso é comportamento aprendido – da mesma forma que as garotas costumam ser mais estimuladas a manter a paz do que os garotos –, mas existe um forte componente biológico também. Quando os homens se sentem ameaçados, o corpo deles entra no modo “luta ou fuga”, e uma onda de adrenalina fornece energia aos seus músculos. Quando o nível de estresse é alto nas mulheres, o 22 comportamento de “proteger e ajudar” em geral predomina, pois a tendência feminina é juntar forças para salvar as crianças e umas às outras. A oxitocina, hormônio liberado pela mulher após o orgasmo, nas trocas de carícias ou durante a amamentação, estimula o comportamento de confiança pró-social, enquanto a testosterona tende a fomentar um comportamento agressivo e competitivo. Tanto nos homens quanto nas mulheres, níveis altos de testosterona enfraquecem os de oxitocina, e vice-versa, de modo que haja um meio-termo entre a agressão e a cordialidade. As mulheres são mais sensíveis à liberação da oxitocina, o que nos torna mais generosas e conectadas, além de nos ajudar a identificar quem faz parte da nossa tribo. Em ambientes hostis, a oxitocina pode potencializar as reações ao estresse; a agressividade protetora das mães, por exemplo, pode ser creditada a esse hormônio. Garotas andam em grupo e mantêm a harmonia social quase sempre por meio da linguagem. Manter a conexão por meio da intimidade verbal provoca uma sobrecarga de oxitocina e de dopamina, uma das químicas cerebrais ligadas ao prazer. O estrogênio aciona a produção de dopamina e oxitocina nas adolescentes. Esses hormônios atingem seu ápice no meio do ciclo menstrual, da mesma forma que a verborragia e o desejo por conexão. Enquanto as mulheres tendem a discutir seus problemas com as amigas, os homens lidam com os seus sozinhos. Isso pode refletir o equilíbrio da oxitocina versus a testosterona. O hormônio masculino inibe a conversa e a vontade de socializar. Nos meninos, a autoestima vem da sensação de independência, não da interconectividade. Garotos não são tão comunicativos nem se deixam abalar muito pelos conflitos. É parte de quem eles são – e do que se espera que eles sejam. As conexões entre as áreas do cérebro que processam as emoções são mais ativas nas mulheres – são nove áreas dedicadas a essa função, comparadas com apenas duas nos homens. O cérebro feminino também tem mais processamentos bilaterais ligados às emoções, conectando sistematicamente as áreas analíticas e emocionais, enquanto o cérebro masculino costuma usar um hemisfério de cada vez. Portanto, podemos dizer que as mulheres usam o cérebro inteiro e os homens usam apenas metade dele por vez. Elas se saem melhor fazendo várias coisas ao mesmo tempo, ao passo que eles têm mais dificuldade em lidar com múltiplas tarefas e são mais lentos e menos organizados quando se revezam entre várias funções. O cérebro masculino tem mais ligações com o cerebelo – o centro de controle do movimento –, o que talvez explique a reação mais rápida deles entre 23 ver e fazer. Os homens tendem a superar as mulheres nas atividades motoras e espaciais, enquanto elas são mais rápidas nas tarefas que envolvem identificação emocional e raciocínio não verbal. Isso pode explicar por que eles nunca conseguem encontrar a manteiga na geladeira – como os homens primitivos eram caçadores e as mulheres, coletoras, precisávamos lembrar onde havia fartura de alimentos. Obviamente, precisamos ser cuidadosas ao falar sobre as diferenças entre os sexos, pois existe uma enorme variação dentro de cada gênero, além de fatores educacionais e culturais. Há muitas interações entre nossas habilidades naturais e a maneira como nosso comportamento foi moldado. O equilíbrio entre nossos níveis de testosterona e estrogênio determinam quão agressivas seremos num jogo de futebol (e também se um dia participaremos de um jogo de futebol) mais do que qualquer coisa que nossos pais nos ensinaram. A DESVANTAGEM DE SER MUITO SENSÍVEL Apesar de a biologia proporcionar às mulheres um conjunto de atributos vantajosos para nossos tradicionais papéis de nutrir e cuidar, existe um lado negativo nisso. Esses mesmos atributos podem nos tornar mais propensas a sofrer de depressão e ansiedade. Durante a infância, não existe diferença na prevalência de distúrbios depressivos entre meninos e meninas. Na fase adulta, no entanto, as mulheres têm duas vezes mais chances de ter depressão e de duas a quatro vezes mais chances de desenvolver distúrbios de ansiedade, como crises de pânico ou ansiedade generalizada. Esse risco começa a aumentar no início da adolescência, com a chegada da puberdade, e termina por volta dos 60 anos, com o fim do ciclo hormonal. Embora a maior incidência de depressão na população feminina possa resultar de fatores sociais, como a pressão sobre a aparência física, existem fortes evidências de que grande parte dessa preponderância esteja ligada aos hormônios. Algumas mulheres são mais suscetíveis às flutuações hormonais do que outras. Existe um subgrupo de mulheres que tem maior risco de desenvolver a chamada depressão reprodutiva, caracterizada por mudanças de humor causadas pela variação nos níveis de progesterona (que em geral acontece antes da menstruação e no pós-parto). Se você sofre de TPM, também tem mais chance de ter depressão pós-parto ou instabilidade de humor na perime24 nopausa. Algumas de nós têm uma sensibilidade específica a essas mudanças hormonais, enquanto outras não, possivelmente por causa dos genes dominados pela variação do estrogênio. A boa notícia é que, quando os hormônios se tornam mais estáveis, como na pós-menopausa, o risco de depressão é menor. É por isso que dizem que essa época é o verdadeiro apogeu da vida para muitas mulheres, tanto pessoal quanto profissionalmente. Há outras razões evolucionárias que ligam a variação de humor às flutuações hormonais. Na primeira metade do ciclo menstrual, há um estado de humor positivo (chamado eutimia) que aumenta de forma progressiva até a ovulação e que estimula a mulher a se conectar com os homens para engravidar. O estado de espírito fica mais deprimido por conta dos altos níveis de progesterona na segunda metade do ciclo, o que ajuda a garantir a segurança do produto da cópula ao deixar a mulher passiva, cuidadosa e longe do perigo. A concentração de progesterona aumenta na segunda metade do ciclo menstrual e apresenta picos ainda mais altos se o óvulo estiver fertilizado. Ela é o principal hormônio que mantêm a gravidez. A progesterona está ligada à síndrome pré-menstrual, à depressão pós-parto e à distimia (uma forma de depressão crônica de intensidade moderada). A maior incidência de depressão e ansiedade durante a gravidez (principalmente no primeiro trimestre) e no pós-parto (um período crucial para o bebê, que exige mais cuidado e isolamento por parte da mãe) ajuda a garantir a sobrevivência do bebê. Se as mulheres se comportarem assim – seja conservando a valiosa energia ou evitando situações perigosas – essas características serão transmitidas. Viva Darwin. Os comportamentos ansiosos e depressivos sobrevivem em nossos genes há milênios porque são adaptáveis. Eles representam uma vantagem evolutiva: uma coletora ansiosa e obsessiva não apenas encontra mais alimento, como volta para casa em segurança e tem mais chances de manter sua prole protegida. Uma mulher deprimida desiste mais rapidamente das empreitadas inúteis (seja na busca por alimento ou por um parceiro) e conserva sua energia. Quando as mulheres se sentem ameaçadas, o estrogênio as ajuda a “persistir”, a se adaptar e a dar a volta por cima. Nesse sentido, ele age como um hormônio do estresse. A atividade da serotonina é maior quando os níveis de estrogênio estão mais altos. À medida que o estrogênio aumenta, mais serotonina é produzida, e isso leva à liberação de novos receptores de serotonina. Mas tudo que sobe precisa descer: esse processo tem um mecanismo interno de interrupção, que normaliza os níveis do neurotransmissor. 25 Conforme mencionado, os ISRSs são os medicamentos mais comuns para tratar a depressão e a ansiedade. O problema é que eles interrompem o fluxo natural da serotonina como reação ao estrogênio e nos torna mais racionais, menos emocionais. As variações do estrogênio nos ajudam a manter a sensibilidade – e os ISRSs nos tornam insensíveis. O estrogênio afeta a maneira como a serotonina age no cérebro. As mulheres são mais vulneráveis às alterações nos níveis desse neurotransmissor e sofrem mais reações colaterais aos medicamentos que tentam controlá-los, principalmente na área sexual. Como essas duas substâncias têm uma forte ligação, o período do ciclo menstrual ou o estágio da perimenopausa em que você está influencia seu humor, seu nível de irritação, sua sensibilidade e sua impulsividade, já que esses comportamentos são afetados pelo neurotransmissor. Nos momentos em que o estrogênio está em baixa, a serotonina também fica baixa, e o resultado é que você se sente péssima. Mas isso é temporário e natural – não há necessidade de tomar antidepressivos para mascarar essas oscilações de humor. Os ISRSs são muito úteis para quem está com depressão grave. O problema é que esses medicamentos suprimem diversas sensações. Eles tendem mais a enfraquecer os sentimentos negativos do que estimular os positivos. Quando você toma um ISRS, não anda saltitando por aí com um sorriso no rosto; simplesmente fica menos chorosa, irritada e desanimada. Muitas vezes, a pessoa perde a capacidade de chorar, de se irritar, de se importar com os sentimentos dos outros, de se sentir triste ou surpresa, de ter fantasias eróticas, ideias criativas, raiva, de expressar emoções e de se preocupar. Uma amiga minha me contou o que sentiu quando tomou Prozac pela primeira vez, e seu relato representa bem o que essa classe de medicamentos é capaz de fazer: “O remédio fez a minha empatia regredir. Desde pequena, ver a tristeza das outras pessoas me deixava triste. Eu abria mão de coisas que eu queria se alguém parecesse querer aquilo mais do que eu. Mas quando passei a tomar o remédio, fiquei alheia a tudo. Lembro-me de um dia em que vi uma mulher chorando e pensei: Eu não queria ser você.” Como os ISRSs afetam o processamento emocional e diminuem a reação empática, eles têm sérios efeitos sobre a sua capacidade de atuar como mãe ou de manter relacionamentos. 26 É NORMAL CHORAR E FICAR COM RAIVA Os antidepressivos podem ser utilizados para ajudar na psicoterapia ou como ponto de partida para mudanças no estilo de vida, mas, uma vez que esses comportamentos estejam estabelecidos, as medicações podem e devem ser gradualmente diminuídas. Se você quebra uma perna, não mantém o gesso e a bengala para sempre. Antes de se comprometer com uma receita de ISRS para a vida inteira, pense na dinâmica da variação emocional de que pode estar abrindo mão. Uma paciente que tomava ISRSs contou: “Eu sabia que a situação era preocupante e que eu devia estar triste, mas não conseguia chorar.” Não choramos apenas quando estamos tristes. Choramos também quando estamos frustradas, zangadas, quando vemos uma injustiça ou quando somos tocadas pelo sofrimento alheio. Algumas mulheres choram mais facilmente do que outras. Isso é normal. Faz parte da nossa programação e não significa que somos fracas ou descontroladas. Chorar nos permite extravasar nossas emoções e depois seguir em frente. O sentimento vai num crescendo até chegar ao clímax. É um processo natural. Mas se você não suporta chorar ou fica frustrada porque não consegue falar quando a garganta aperta, aqui vão dois truques que funcionam muito bem: comece a rimar palavras ou vá subtraindo sete a partir de cem. Desviar sangue dos centros emocionais para as áreas do raciocínio verbal ou de cálculo tranquiliza a maior parte das pessoas. Existem momentos em que chorar é inconveniente, mas há outros em que pode ser uma vantagem. Na comunicação com seu parceiro, derramar lágrimas é um sinal claro e visível de que estamos chateadas. Às vezes, é apenas disso que os homens precisam. As mulheres percebem sinais sutis de tristeza nos outros em 90% do tempo. Os homens são melhores para identificar a raiva e a agressividade, mas quando tentam descobrir se a companheira está triste, só acertam em 40% das vezes. Esta também é a razão por que você deve expressar seus sentimentos verbalmente e não esperar que seu parceiro perceba como você está se sentindo. Eles não foram programados para intuir emoções da mesma forma que nós. No relacionamento com seus filhos, às vezes pode ser válido chorar também, principalmente se eles a deixaram assustada com algum comportamento irresponsável ou frustrada com alguma 27 desconsideração. As lágrimas podem lhes mostrar como o comportamento deles afeta você. É evidente que temos problemas com o fato de chorar. Você já notou como sempre pedimos desculpas por chorar? Em parte, isso acontece porque os homens ficam desconfortáveis diante de uma mulher que chora ou demonstra suas emoções abertamente. Além disso, essa aparente fragilidade interfere na praticidade tão cultuada em nossa sociedade. Ao segurar o choro, no entanto, estamos reprimindo um lado importante de nós mesmas. A tristeza pode nos ajudar a fazer avaliações realistas de nossa vida. Pessoas deprimidas admitem a verdade, por mais desagradável ou doloroso que isso seja. Os medicamentos antidepressivos podem gerar atitudes complacentes em situações em que é necessário entrar em ação, como quando precisamos deixar um parceiro agressivo ou um emprego sem perspectiva. A medicação pode tornar tolerável uma situação ruim e mascarar a necessidade de mudar. Num estudo feito com mulheres que usam ISRSs descobriu-se que as pacientes se acomodavam a uma vida disfuncional e que suas motivações para mudar diminuíam à medida que os sintomas de depressão aumentavam. Em determinadas situações, os sintomas de depressão, apesar de desagradáveis, podem ser uma chamada para a ação. Outra questão a considerar: ignorar seus sentimentos vai deixá-la infeliz. A supressão da raiva é um fator crucial nos quadros de depressão. Pessoas que sofrem com esse problema são mais propensas a guardar raiva e ter medo de expressá-la, pois acham que é preciso esconder o que sentem para preservar seus relacionamentos. Pacientes deprimidos têm níveis mais altos de raiva do que as outras pessoas; e quanto mais raiva acumulada, mais forte é a depressão. Em meu consultório, vejo a prova dessa ligação com bastante frequência. Muitas pacientes não têm ideia de como demonstrar sua raiva de forma saudável, e o fato de manterem esse sentimento reprimido piora a depressão e causa outros sintomas físicos. Quando meninas, não nos disseram que era normal sentir raiva nem nos ensinaram a lidar com ela. Como não entendemos direito o que sentimos, não somos capazes de conversar com a pessoa que nos fez sofrer ou de enfrentar o problema. A reação feminina muitas vezes é chorar, comer ou buscar consolo em alguma outra coisa. Mas o que realmente precisamos fazer é aceitar a raiva, entender sua origem, reunir forças e partir para uma conversa franca. Tive uma paciente que me ligou aos prantos do trabalho, dizendo que precisava aumentar a dose da sua medica28 ção porque não podia ser vista chorando no escritório. Depois de entender o motivo da raiva (sua chefe a havia humilhado na frente da equipe), expliquei que ela precisava de um confronto calmo, não de mais remédio. No ambiente profissional, palavras como “mandona”, “agressiva” e “autoritária” são usadas para designar as mulheres que exercem papel de liderança. Mas quando elas se opõem a algo, são chamadas de “emotivas” e “irracionais”. Os homens são estimulados a ser mais agressivos no local de trabalho, ao contrário das mulheres. O interessante é que os ISRSs reduzem a agressividade, a impulsividade e a irritabilidade, ao mesmo tempo que estimulam a cooperação e a associação. Uma pesquisa feita com primatas demonstra que esses medicamentos estimulam os comportamentos de dominação social, elevando o status de um animal na hierarquia do grupo. Ou seja, os ISRSs podem ajudar as mulheres a alcançar o sucesso – mas a que custo? Percebo que muitas pacientes minhas evitam ser assertivas: elas começam as frases com “acho que” e “talvez” mesmo quando têm certeza do que estão dizendo. Quando criança, aprendi a expor minhas ideias de modo que elas fossem recebidas como sugestões ou opiniões, não como declarações concretas. Não vou ensinar minha filha a esconder sua autoconfiança ao falar. As garotas precisam de cada gota de segurança que puderem reunir. É bem mais fácil aparar arestas do que construir uma sólida base de autoestima. Garotas que expõem suas opiniões com firmeza têm menos chances de se tornarem mulheres deprimidas. O MUNDO COM H No século XIX, quase todos os médicos eram homens e eles decidiram classificar uma série de sintomas físicos e emocionais relatados pelas mulheres como histeria, uma derivação da palavra grega para útero. O critério que definia o diagnóstico incluía mal-estar, dores de cabeça, irritabilidade, nervosismo, insônia, fadiga, libido baixa ou em excesso, retenção de líquidos e, em última instância, qualquer comportamento indesejável à sociedade, como a insistência ao direito de votar. Um dos tratamentos para a histeria envolvia levar a paciente ao orgasmo. Outra opção era a clitoridectomia, que incluía a remoção cirúrgica do clitóris, realizada de 1880 até a década de 1920. 29 Hoje a histeria tem um significado mais específico: a demonstração emocional exagerada, especialmente de vulnerabilidades como desespero ou pânico. Se uma mulher se comporta de um jeito que o homem acha incontrolável ou inconveniente, será acusada de ser histérica e ouvirá que não tem o direito de agir daquela forma. Muitos meninos foram criados à mercê das emoções da mãe, e, quando adultos, passaram a temer a sensibilidade feminina. Esta pode ser a razão pela qual os médicos são rápidos em abafar a emotividade exacerbada de suas pacientes enchendo-as de remédios. Apesar de o termo histeria não ser mais oficialmente usado na medicina, existe um diagnóstico cada vez mais comum de “doença feminina”, a fibromialgia. Os sintomas são difusos e incluem dores musculares misteriosas, dores articulares e exaustão. Coincidentemente, o tratamento atual para fibromialgia costuma ser o uso de antidepressivos. Estudos epidemiológicos mostram uma preponderância feminina nos diagnósticos de fibromialgia para as dores crônicas, sendo três mulheres para cada homem. Eles têm menos chances de terem esse diagnóstico, mesmo quando apresentam os mesmos sintomas. Em meu consultório vejo muitos casos de diagnósticos errados. Minhas pacientes contam que vários médicos desconsideram suas queixas físicas, como se fossem pura histeria, embora não usem essa palavra. “Você só está estressada”, era a conclusão deles – ou então diziam que elas tinham fibromialgia e sugeriam o mesmo tratamento que sugeririam se elas estivessem “só estressadas”: antidepressivos. Ao longo dos anos, tive diversas pacientes com diagnóstico de fibromialgia quando, na realidade, tinham doença de Lyme, lúpus, hipotireoidismo, artrite reumatoide e até câncer de ovário. A sensibilidade feminina se estende ao plano físico: nosso corpo sente mais dores do que o dos homens. Existem evidências laboratoriais impressionantes de que as mulheres têm limiares mais baixos para dor, sentem com mais intensidade e possuem menos tolerância para dores induzidas. As mulheres também são mais propensas a perceber desconfortos corporais devido à sua estrutura neurológica, principalmente porque sua ínsula é mais ativa. Temos mais receptores de serotonina para processar a dor. Além disso, o estrogênio e a progesterona afetam a transmissão de endorfinas e de receptores de opiáceos, levando a uma maior percepção da dor. É importante destacar que o momento do ciclo menstrual em que estamos também afeta nossa sensibilidade física. Isso sem falar no fato de que muitas mulheres somatizam, colocando o foco de sua atenção na maneira como seu 30 corpo se sente. Mais uma vez, isso pode ser culpa da ínsula. Parte da nossa consciência da dor física é causada pelas experiências que vivemos. Nossa mente pede atenção e alívio, mas nós transformamos a dor psíquica em dor física, mais fácil de eliminar com medicamentos e com a atenção dos médicos. Quando os homens apresentam as mesmas queixas que as mulheres, são tratados com mais seriedade, até mesmo sendo alvo de exames diagnósticos mais completos. A maioria das pesquisas médicas, em especial sobre fármacos, é realizada com indivíduos do sexo masculino, sejam homens ou animais. Mais tarde, quando os medicamentos chegam ao mercado, surgem problemas específicos para o organismo feminino. Oito em cada dez drogas retiradas do mercado americano entre 1997 e 2001 apresentavam maiores riscos para a saúde da mulher do que do homem. Após vinte anos no mercado, a pílula para dormir Ambien finalmente oferece uma dose recomendada para as mulheres – 50% mais fraca do que a dose normal –, porque descobriram que nós metabolizamos a droga de forma diferente e mantemos maior concentração dela no sangue. Já estamos dando os primeiros passos para mudar essa situação, mas até que a comunidade médica reconheça a complexidade do cérebro e do corpo feminino – e como eles diferem do masculino – estaremos em desvantagem. 31 INFORMAÇÕES SOBRE A SEXTANTE Para saber mais sobre os títulos e autores da EDITORA SEXTANTE, visite o site www.sextante.com.br e curta as nossas redes sociais. Além de informações sobre os próximos lançamentos, você terá acesso a conteúdos exclusivos e poderá participar de promoções e sorteios. www.sextante.com.br facebook.com/esextante twitter.com/sextante instagram.com/editorasextante skoob.com.br/sextante Se quiser receber informações por e-mail, basta se cadastrar diretamente no nosso site ou enviar uma mensagem para [email protected] Editora Sextante Rua Voluntários da Pátria, 45 / 1.404 – Botafogo Rio de Janeiro – RJ – 22270-000 – Brasil Telefone: (21) 2538-4100 – Fax: (21) 2286-9244 E-mail: [email protected]