CISTICERCOSE EM BOVINOS ABATIDOS SOB INSPEÇÃO ESTADUAL NO MUNICÍPIO DE VITÓRIA DA CONQUISTA, BA* CYSTICERCOSIS IN CATTLE SLAUGHTERED UNDER STATE INSPECTION IN THE MUNICIPALITY OF VITORIA DA CONQUISTA, BA Dilvânia da Rocha Silva1 e George Rego Albuquerque2 ABSTRACT. Silva D. da R. & Albuquerque G.R. [Cysticercosis in cattle slaughtered under state inspection in the Municipality of Vitória da Conquista, BA]. Cisticercose em bovinos abatidos sob inspeção estadual no município de Vitória da Conquista, BA. Revista Brasileira de Medicina Veterinária 32(4):225-228, 2010. Curso de Graduação em Medicina Veterinária, Universidade Estadual de Santa Cruz, Rod. Ilhéus/Itabuna, Km 16, Salobrinho, Ilhéus, BA 45662-000, Brasil. E-mail: [email protected] Bovine cysticercosis is a zoonosis of major impact for both animal and public health. Cysticercus bovis is most commonly found at post mortem inspection of slaughtered cattle in in Brazil where it is considered as a very common cause of carcasses condemnation and organs, generating a significative economic losses. The objective was to evaluate the occurrence of cysticercosis in cattle slaughtered in meat-packing with State Inspection in Vitória da Conquista, BA, between period January 2009 to January 2010, a survey was conducted on 77,863 cases of cysticercosis at Confrigo cattle Slaughterhouse. Of the total number of slaughtered animals 2,773 (3.56%) were positive for Cysticercus bovis, being 80% were observed in the head, 14% in the heart, 1% in the esophageal muscles and 5% in the striated musculature. KEY WORDS. Bovine cysticercosis, meat inspection, zoonosis. RESUMO. A cisticercose bovina é uma infecção parasitária inserida no grupo das zoonoses,tem grande impacto tanto para a saúde animal quanto para a saúde pública. É a patologia mais encontrada na Inspeção post mortem dos bovinos abatidos em matadouros frigoríficos no Brasil, sendo uma importante causa de condenação de órgãos e carcaças, gerando prejuízos econômicos significativos. O objetivo foi avaliar a ocorrência de cisticercose em bovinos abatidos no matadouro-frigorífico sob Inspeção Estadual na cidade de Vitória da Conquista, BA, entre o período de Janeiro de 2009 a Janeiro de 2010. Onde foi realizado um levantamento nas papeletas de condenação em 77.863 bovinos abatidos no Matadouro-Frigorífico Confrigo. Do total de abatidos, 2.773 animais (3,56%) foram positivos para Cysticercus bovis, sendo 80% encontrados na cabeça, 14% no coração, (5%) na musculatura da carcaça e 8 (1%) no esôfago. PALAVRAS-CHAVE. Cysticercus bovis, inspeção de carnes, bovino, zoonose. INTRODUÇÃO A cisticercose bovina é uma enfermidade parasitária provocada pela ingestão de ovos de Taenia saginata (=Taeniarhynchus saginata) em pastagens e águas contaminadas por fezes humanas, uma vez no animal, o parasito se dissemina, via circulação sangüínea e linfática, para diversos órgãos e músculos constituindo a forma larvar, denominado Cysticercus bovis. O homem ao ingerir produtos cárneos crus ou mal-cozidos para- *Recebido em 2 de julho de 2010. Aceito em 24 de setembro de 2010 1 Curso de Medicina Veterinária, Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), Rod. Ilhéus/Itabuna, km 16, Salobrinho, Ilhéus, BA 45662000, Brasil. E-mail: [email protected] 2 Médico-veterinário. Dr.CsVs, Departamento de Ciências Agrárias e Ambientais, UESC, Rod. Ilhéus/Itabuna, km 16, Salobrinho, Ilhéus, BA 45662-000. E-mail: [email protected] Rev. Bras. Med. Vet., 32(4):225-228, out/dez 2010 225 Dilvânia da Rocha Silva e George Rego Albuquerque sitados com cisticercos viáveis de T. saginata se infecta e desenvolve a teníase (Pereira et al. 2006). No Brasil, a cisticercose bovina é considerada endêmica e apresentam prevalências que variam de 1,74%, a 6,90% (Almeida et al. 2002, Moreira et al. 2003, Pereira et al. 2006, Santos et al. 2008). Bovinos acometidos pelas formas larvares de T. saginata não tiveram qualquer alteração clínica. Com isto, a enfermidade não é diagnosticada ante mortem. A visualização só é comprovada no matadouro depois do exame post mortem dos animais abatidos (Pereira et al. 2006). A inspeção sanitária de carnes realizada em matadouros frigoríficos representa um importante método de profilaxia, impedindo que carcaças impróprias para o consumo humano sejam comercializadas (Corrêa et al. 1997). Porém, os programas de controle, não devem ser focados exclusivamente no matadouro, devem ser precedidos e seguidos por inquéritos, necessários para estabelecer a distribuição geográfica e a prevalência das teníases e cisticercoses, no homem e nos animais (Rey 1992). A cisticercose é motivo de preocupação para frigoríficos e produtores, pois o prejuízo que acarreta apresenta tendência de elevação (Prata & Fukuda 2001). Souza et al. (2007) estimaram em R$ 24,5 milhões os prejuízos provocados pela doença no Brasil, considerando um rebanho de 200.000.000 de animais e uma prevalência média de cisticercose de 5%. O rebanho bovino da microrregião de Vitória da Conquista é de aproximadamente 677.913 animais (IBGE 2008). A atividade pecuária vem em expansão, o que é importante para a economia da cidade. A qualidade desta carne oferecida para o consumidor tem grande importância nesse mercado, o que torna a inspeção post mortem dos animais no Matadouro-Frigorífico uma atividade extremamente necessária. Com isto, o objetivo desse trabalho foi avaliar a ocorrência de cisticercose em bovinos abatidos no matadouro-frigorífico sob Inspeção Estadual no município de Vitória da Conquista, BA. MATERIAL E MÉTODOS Foi realizado um levantamento entre o período de janeiro de 2009 a janeiro de 2010, sobre o número de condenações de cisticercose em 77.863 bovinos abatidos no Matadouro-Frigorífico Confrigo, localizado na rodovia 116, km 867 no município de Vitória da Conquista, estado da Bahia, que possui Serviço de Inspeção Estadual. A coleta retrospectiva dos dados foi realizada com base na Guia de Trânsito Animal (GTA) e nas papeletas 226 de controle de condenação fornecidas pelo matadouro-frigorífico. Essas papeletas foram preenchidas pelo médico veterinário diariamente durante o abate, com relatórios semanais e anuais, descrevendo o número de condenações de vísceras e carcaças e seus respectivos motivos. O trabalho de inspeção foi desenvolvido por um fiscal médicoveterinário da Agência Estadual de Defesa Agropecuária da Bahia (ADAB) e sete auxiliares de inspeção. Os exames foram realizados de forma sistemática nos músculos masseteres, pterigóides, porção muscular do diafragma, coração, língua, esôfago e da carcaça. Uma vez detectado cisticerco no animal todos os auxiliares eram avisados. Quando visualizada a presença de C. bovis, todas as vísceras eram condenadas. Quando este número era maior, além de condenar as vísceras, a carcaça era desviada para o Departamento de Inspeção Final (DIF), onde se fazia a inspeção e dependendo do grau de infestação, esta carcaça era condenada ou encaminhada para sequestro onde era armazenada em um Container a -21ºC por 15 dias, para inativar o parasito. Em seguida, a carne era liberada para consumo. RESULTADOS E DISCUSSÃO De um total de 77.863 bovinos abatidos, 2.773 animais (3,56%) foram positivos para a presença de C. bovis. A relação mensal do número de animais abatidos e condenados por cisticercose encontra-se na Figura 1. A porcentagem de cisticercose encontrada neste trabalho foi semelhante à observada por Almeida et al. (2006) (4,20%) na cidade de Teixeira de Freitas. Porém, foi o dobro da encontrada por Santos et al. (2008) que verificaram a presença de C. bovis em 1,74% nos bovinos abatidos no matadouro frigorífico na cidade de Jequié. Ambos realizados no estado da Bahia e sob o serviço de inspeção federal (SIF). Figura 1. Quantidade de animais abatidos e condenados por cisticercose entre o período de janeiro de 2009 a janeiro de 2010 no Matadouro Frigorífico Confrigo. Rev. Bras. Med. Vet., 32(4):225-228, out/dez 2010 Cisticercose em bovinos abatidos sob inspeção estadual no município de Vitória da Conquista, BA Comparando com estudos realizados em outros estados brasileiros, essa variação também foi verificada. Pereira et al. (2006) e Garcia et al. (2008), encontraram no Rio de Janeiro, 1,95% e 2,02% respectivamente. Moreira et al. (2003) verificaram 2,44% de positividade nos bovinos abatidos no estado de São Paulo. Corrêa et al. (1997) observaram 4,63% de bovinos positivos no estado do Rio Grande do Sul e Souza et al. (2007) encontraram resultado de 3,83% de animais com C. bovis no estado do Paraná. Vários fatores podem contribuir para a ocorrência dessa variação como, a densidade populacional, qualidade da água, condição de moradia, hábitos higiênicos e sanitários e a educação da população. Esses resultados tendem a ser mais críticos em regiões mais urbanizadas, aliados ao sistema de criação bovina mais intensivo nessas regiões, o que podem favorecer a disseminação e a continuidade do ciclo da cisticercose bovina (Moreira et al. 2003). Verificou-se que dos 2773 casos de cisticercose, houve uma maior ocorrência nos músculos da cabeça, seguido do coração, carcaça e esôfago (Figura 2). Fernandes et al. (2002), em Andradina, São Paulo, observaram que de um total de 625.593 bovinos abatidos encontrou uma prevalência de cisticercose na cabeça (45,89%) e no coração (50,84%). Em Santo Antônio das Missões no Rio Grande do Sul, de um total de 7611 bovinos abatidos observou-se C. bovis no coração (62,6%) e na cabeça (27,43%) (Corrêa et al. 1997). Em Jequié, Bahia de um total de 142.579 bovinos abatidos observou-se 2485 animais positivos, e desses (63,9%) tinham C. bovis na cabeça, (97,30%) no coração (Santos et al. 2008). Pode-se então observar que os locais de maior predileção são a cabeça e o coração como observado no presente estudo. Porque os cisticercos tendem a se localizar nos músculos com rico Figura 2. Freqüência de cisticercose em órgãos e carcaças dos animais abatidos no período de janeiro de 2009 a janeiro de 2010 no Matadouro Frigorífico Confrigo. Rev. Bras. Med. Vet., 32(4):225-228, out/dez 2010 suprimento de mioglobina, onde ocorre maior oxigenação dos tecidos (Kearney 1970). O matadouro Confrigo segue um padrão para o diagnóstico da doença bem como o destino das carcaças e órgãos e baseiam-se nas normas preconizadas pelo próprio estabelecimento, que são um pouco mais rígidas que a citada pelo artigo do Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA). De acordo com o artigo 176 do RIISPOA (BRASIL 1997) as infestações podem ser consideradas como intensas ou discretas. As carcaças com infestações intensas são destinadas a condenação total e as consideradas discretas são destinadas a condenação parcial, ou seja, são recolhidas as câmaras frigoríficas ou desossadas e a carne tratada por salmoura, pelo prazo mínimo de 21 dias, em condições que permitam, a qualquer momento, sua identificação e reconhecimento. Esse período pode ser reduzido para 10 dias, desde que a temperatura nas câmaras frigoríficas seja mantida sem oscilação e no máximo a 1ºC. Podem ser aproveitadas para consumo as carcaças que apresentarem um único cisto já calcificado, após remoção e condenação dessa parte. É importante salientar que durante o abate, algumas lesões podem passar despercebidas, levando a resultados falso-negativos, uma vez que as peças do animal abatido não podem ser examinadas minuciosamente, devido a restrições comerciais, pois não é permitida incisão em carne nobre o que pode depreciar o valor da carne (Pinto et al. 2006). A pequena ocorrência da doença frequentemente observada nos bovinos, com a presença de poucos cisticercos, também compromete o desempenho do respectivo exame. Com isto, os métodos de diagnóstico sorológicos podem ser importantes ferramentas para estudos epidemiológicos (Santos & Barros 2009). O teste ELISA vem sendo utilizado no diagnóstico das cisticercoses em seres humanos, em suínos e bovinos, com poucos registros de sua aplicação nesses últimos, carecendo de protocolos padronizados para estas espécies, que permitam esclarecer a sua eficiência no diagnóstico da doença, o teste pode ter como grande vantagem na detecção do cisticerco no exame ante mortem (Pinto et al. 2006). Mesmo com testes sorológicos sendo disponíveis, a inspeção de carnes ainda continua sendo a única forma prática de detectar e diagnosticar C. bovis em matadouros, pela realização do exame pós-morte (Moreira et al. 2003). A cisticercose é um problema de saúde pública, não podendo passar despercebida nem pelos órgãos públicos (fiscalizadores), nem pela comunidade (consumido227 Dilvânia da Rocha Silva e George Rego Albuquerque res). É de grande importância o papel do médico veterinário e de seus auxiliares na inspeção de bovinos abatidos, por serem estes os responsáveis pela detecção das carcaças acometidas e por determinarem a conduta apropriada que devem ser tomadas. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS Almeida L.P., Moreira M.D., Reis D.O. & Santos W.L.M. Cisticercose bovina: Um estudo comparativo entre animais abatidos em frigoríficos com serviço de Inspeção Federal e com Inspeção Municipal. São Paulo. Hig. Alim., 16:51-55, 2002. Almeida D. de O., Igreja H.P., Alves F.M.X., Santos I.F. & Tortelly R. Cisticercose Bovina em Matadouro-Frigorífico sob Inspeção Sanitária no Município de Teixeira de Freitas-BA: Prevalência da Enfermidade e Análise Anatomopatológica de Diagnósticos Sugestivos de Cisticercose. Rev. Bras. Ci. Vet., 13:178-182, 2006. BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Secretaria de Defesa Agropecuária (DAS). Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (DIPOA). 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