PARECER N.º 22-PP-2008-P
CONCLUSÕES:
A. Existe conflito de interesses quando uma Senhora Advogada representa a
mulher, em processo de inquérito por queixa deduzida contra o marido, e outro
Senhor Advogado, exercendo a actividade profissional no mesmo escritório da
primeira, representa o marido em acção de divórcio litigioso por aquela
instaurada contra ele.
B. Ambos os Senhores Advogados devem, pois, deixar de agir em representação
dos respectivos patrocinados.
I. Com data de 21.04.2008, foi dirigido ao Conselho Distrital do Porto da Ordem dos
Advogados, fax subscrito por dois Senhores Advogados, (…)(cédula …) e (…)(cédula …),
ambos com escritório em (…), expondo a situação que a seguir se deixa resumida:
- Em 30.03.2006, a Senhora Drª. (…), foi designada advogada oficiosa de (…), em
processo de inquérito por queixa por esta deduzida contra o marido (…);
- Em 22.08.2007, o Senhor Dr. (…) foi designado patrono oficioso de (…), para contestar
acção de divórcio litigioso (que não vem dito esteja a ser patrocinada pela Senhora Drª.
(…)), que a este havia sido movida pela mulher, fundada, entre mais, nos maus tratos
que justificaram a dedução da queixa acima referida;
- Como foram designados em datas diferentes, com intervalo de cerca de ano e meio, só
em Março/2008 deram conta os Senhores Advogados das referidas nomeações, cada um
da do outro, pelo que se lhes suscitou a dúvida sobre eventual existência de
incompatibilidade, impedimento ou conflito de interesses.
II. Não é dito claramente no fax recebido, por que razão se suscitam dúvidas nos
Senhores Advogados acerca da regularidade dos respectivos patrocínios. Entenderemos
que só pode ser pelo facto de compartilharam escritório, na morada supra.
E, assim sendo – como deve ser –, mostram-se justificadas as dúvidas, mas não é, por
outro lado, difícil removê-las.
Não se considerará a hipótese, que não vem posta, de os Senhores Advogados
exercerem a actividade em sociedade.
Este Conselho Distrital é competente para se pronunciar sobre o assunto, visto que se
trata de uma questão de carácter profissional – art. 50º.-1 f) EOA.
III. A questão não é, manifestamente, de incompatibilidade, que se traduziria na
impossibilidade de exercer, em simultâneo, a actividade de advogado, com uma
qualquer outra actividade, cargo ou função – cfr. artigos 76º. e 77º. EOA.
Nem é uma questão de impedimentos os quais, constituindo incompatibilidades relativas
do mandato forense e da consulta jurídica, diminuem a amplitude do exercício da
advocacia - cfr. artigo 78º.-1 EOA.
Trata-se, antes, de uma questão deontológica, de relação advogado-cliente, de eventual
conflito de interesses.
IV. Nos termos do disposto no art. 94º. EOA (que se transcreve):
“1 – O advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo
em qualquer outra qualidade, ou seja conexa com outra em que represente, ou tenha
representado, a parte contrária.
2 – O advogado deve recusar o patrocínio contra quem, noutra causa pendente, seja por
si patrocinado.
3 – O advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais
clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses
desses clientes.
4 – Se um conflito de interesses surgir entre dois ou mais clientes, bem como se ocorrer
risco de violação do segredo profissional ou de diminuição da sua independência, o
advogado deve cessar de agir por conta de todos os clientes, no âmbito desse conflito.
5 – O advogado deve abster-se de aceitar um novo cliente se tal puser em risco o
cumprimento do dever de guardar sigilo profissional relativamente aos assuntos de um
anterior cliente, ou se do conhecimento destes assuntos resultarem vantagens ilegítimas
ou injustificadas para o novo cliente.
6 – Sempre que o advogado exerça a sua actividade em associação, sob a forma de
sociedade ou não, o disposto nos números anteriores aplica-se, quer à associação, quer
a cada um dos seus membros”.
Com este normativo, procura-se, de um lado, defender a comunidade, e os clientes dos
advogados em especial, de actuações ilícitas destes, conluiados, ou não, com outros
clientes; e, de outro lado, defender o advogado da hipótese de sobre ele recair a
suspeita de uma actuação visando qualquer outro fim, que não a defesa dos direitos e
interesses do seu cliente.
Em rigor, como se vê do que ficou transcrito, não está expressamente contemplada na
norma, ao menos inequivocamente, a situação descrita pelos Senhores Advogados.
Mas temos de considerar, na interpretação do preceito, que a questão em apreço está
por ele abrangida.
V. A situação relatada, configura, no mínimo, uma séria probabilidade de comunicação
entre os dois Senhores Advogados, enquanto colegas partilhando o mesmo escritório,
relativamente aos factos de dois processos, em que um representa a mulher e outro o
marido, com interesses patentemente antagónicos, e seja a mulher representada, ou
não, pela Senhora Advogada, no processo de divórcio.
Ora, esta mera probabilidade é absolutamente de repudiar, em atenção aos valores de
lealdade e confiança que, como refere ANTÓNIO ARNAUT, EOA Anotado, 9ª. ed., pág.
111, “são as pedras basilares das relações advogado-cliente”.
É inaceitável o cliente admitir como viável que o seu Advogado possa, para além da
defesa dos seus interesses, representar interesses antagónicos aos dele.
Como se diz, em douto parecer do Conselho Distrital de Lisboa, de 14.07.2004, relatado
pelo Senhor Dr. João Espanha, “mesmo que se tenha por possível e provável que os
Colegas em questão actuariam com toda a probidade, entendemos que o risco de um
conflito de interesses, ainda que meramente eventual ou improvável no caso concreto é,
em abstracto, intolerável”.
Perfilhamos, inteiramente, esta posição, o que é suficiente para concluir pela existência
de conflito de interesses, na situação sob análise.
VI. Em conclusão:
A. Existe conflito de interesses quando uma Senhora Advogada representa a mulher, em
processo de inquérito por queixa deduzida contra o marido, e outro Senhor Advogado,
exercendo a actividade profissional no mesmo escritório da primeira, representa o
marido em acção de divórcio litigioso por aquela instaurada contra ele.
B. Ambos os Senhores Advogados devem, pois, deixar de agir em representação dos
respectivos patrocinados.
É, s. m. o., o meu parecer.
Viana do Castelo, 4 de Maio de 2008
O Relator
António Rio Tinto Costa
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