OPINIÃO DIREITO E JUSTIÇA Por Sara Macias da GAMEIRO E ASSOCIADOS, SOCIEDADE DE ADVOGADOS, R.L. Pontos de Vista Junho 2012 5 “…Advogado é aquele que se chama para ajudar…” De acordo com registos de vários autores de Direito, é consensual ad-vocare ser aquele que se chama para ajudar. E é essa a origem etimológica da palavra (latim advocatus, -i, aquele que se chama para ajudar um acusado).No plano religioso, a palavra tem outro sentido: advogado é aquele santo que os católicos invocam para se livrar de determinado malus. No mundo moderno, esta profissão tem uma conotação mais abrangente, dado que, pode afirmar-se que advogado significa ajudar, defender e chamar à razão, conduzir os outros à verdade, interceder a favor de alguém por aplicação da lei ao casu in concretum, tendo subjacente o princípio da legalidade em todos os seus atos. N a atualidade dos nossos dias diários, passando a redundância, cremos que advogar deverá assumir definitivamente, por adição ao anteriormente descrito, a ação de aconselhar, prevenir, evitar os conflitos, mediar as posições contrárias e, por fim último, esgotadas todas as medidas preventivas, promover pleitos judiciais que efetivamente sejam necessários, preterindo todos os atos desnecessários, abusivos e repreensíveis que lamentavelmente se arrastam pelos corredores da Justiça, e que os magistrados tanto designam de manobras dilatórias, conquanto se olvidam que a praxis forense de advogar é aplicar a lei à defesa do seu constituinte, utilizando todos os expedientes processuais legais, regulares e corretos à defesa dos interesses de quem patrocinam. Não querendo repetir o cliché que faz título diário dos jornais e prolifera nos mais variados blogs desta era cibernética, é indiscutível que a crise económica que a Europa atravessa tem necessariamente repercussões ao nível de hierarquização de valores, consciencialização de atitudes e mutações nas formas de estar em sociedade, não só pelos comuns cidadãos, mas, e agora acrescenta-se, com mais relevância para todos os intervenientes do universo da Justiça. Este imperativo de conduta de prevenção do conflito, de harmonização antecipada dos nossos atos à legislação atual, de aconselhamento às boas práticas, de incentivo ao aconselhamento prévio com advogados tem de ser introduzido nos costumes de todos, sejam pessoas coletivas, sejam cidadãos, sejam mesmo organismos públicos. Estes, através da institucionalização de gabinetes de front-office ao serviço do público, composto por juristas | advogados (umas das soluções para os milhares de jovens que após o terminus do estágio de advocacia não têm lugar nas sociedades de advogados, ou mesmo os que nem sequer pretendem abraçar a carreira de advogado, mas que conhecem o modus operandi da lei) que prestem consultas jurídicas aos cidadãos que a estes organismos recorrem, e que transponham para linguagem corrente e inteligível as normas e os enquadramentos jurídicos vigentes para cada situação. Estes gabinetes, que tanto poderão estar no SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) como nas Juntas de Freguesia, como em qualquer Secretaria de Ministério, serviriam como impulso de consciencialização dos cidadãos, para corrigir por antecipação e cautela a sua relação com os organismos públicos, conhecer a sua esfera jurídica, estabelecer os limites dos seus direitos por respeito aos limites dos outros com que convive socialmente. Situação diferente, e que a nós advogados do setor privado, diz respeito, há-que rever a nossa postura, a nossa missão e valor do Ius moderno, criando a convicção nos nossos semelhantes que, a atual crise económica conjuntural tem de associar esta nossa Nobre profissão, como consultor, como conselheiro preventivo, como alguém que preconiza soluções e antevê cenários futuros, e que com toda a arte e engenho dos profissionais desta classe, saberá evitar litígios ou construir verdadeiras obras de engenharia processual nos tribunais da nossa praça, apenas com o pretexto de que o trabalho de advogado se resume às demandas judiciais. O estado social de consumismo desenfreado, de frenética aparência de igualdade de classes, da luxuria circense que vimos ser representadas, conduziu ao atropelo de todos os valores de equidade, ponderação e racionalização na aquisição de bens de consumo, por bandas dos cidadãos, ditos de classe média. Esta calamidade teve um impacto tão avassalador nos nossos legisladores que, aterrorizados com a catapulta de incumprimentos das obrigações pecuniárias, criaram, o não menos tenebroso instituto jurídico do Pedido de Insolvência de cidadãos particulares. Esta solução legislativa, permite que qualquer ci- “O estado social de consumismo desenfreado, de frenética aparência de igualdade de classes, da luxuria circense que vimos ser representadas, conduziu ao atropelo de todos os valores de equidade, ponderação e racionalização na aquisição de bens de consumo, por bandas dos cidadãos, ditos de classe média” dadão compre, consuma, adquira, gaste desenfreadamente sem qualquer limite de razoabilidade, e, um dia, acorde num pesadelo de dívidas por não ter honrado as obrigações assumidas. Mas nesse dia, antes de repensar as suas atitudes egoístas de consolo do seu ego consumista e de alterar os seus hábitos de consumo, apresenta-se aos advogados, juízes e seus credores como sendo Insolvente … porquanto se encontra numa situação quer atual quer em futuro próximo – iminente – de não poder cumprir com as suas obrigações face ao rendimento de que dispõe !!!! Os últimos dados de insolvências decretadas de particulares em Portugal no final do primeiro trimestre, representava um aumento de 65% face ao período homólogo de 2011, e os estudos apontam para um registo de aumento exponencial no decurso de 2012. Representam estes números que, determinados cidadãos (não a totalidade, mas uma grande maioria) após terem consumido, adquirido e ostentado um nível de vida económico acima das suas posses, agora vêm neste recurso de insolvência, a possibilidade de suspenderem as execuções que pendiam sobre si e protelarem no tempo, diga-se ad eternum, o pagamento de dívidas, que caso houvesse consciencialização e racionalização de consumo as poderiam ter evitado e, consequentemente, não as ter contraído. Esta medida legislativa que na intenção do legislador era, com certeza, para controlar e desincentivar o endividamento das famílias, está a ser abusivamente utilizado por quem não soube resistir ao consumo e de ostentar publicamente o que sabia não ter condições para exibir. Destarte este desabafo, claro que se compreende, se admira e se ajuda quem investiu todo o seu património pessoal nas pequenas empresas familiares, e que por circunstâncias de conjuntura económica não previsíveis pelo cidadão comum, se vê a braços com dividas a fornecedores, com uma abrupta redução nas receitas e com total incapacidade para manter uma estrutura empresarial viável. O instituto da insolvência deve proteger estes, os investidores, e não aqueles, os consumistas! “… Há quem nos chame (a nós advogados) sacerdotes; e com razão, na verdade, prestamos culto à Justiça; professamos a ciência do bom e do equitativo – separando o équo do iníquo, dizendo o que é justo e o que é injusto, discernindo o lícito do ilícito, esforçando-nos para que os homens sejam bons, não só através da ameaça das penas, mas sobretudo pelo estímulo dos prémios inerentes ao sentido do cumprimento do devido…” Ulpianus (Lib.1 Institutionum).