1 1.1 IV SEMINARIO INTERNACIONAL SOBRE DESENVOLVIMENTO REGIONAL TÍTULO DO TRABALHO O DESENVOLVIMENTO REGIONAL A PARTIR DA ÓTICA DA PESQUISA SOCIAL TÓPICO TEMÁTICO Número Descrição 06 Redes, regiões e territórios: abordagens teóricas e metodológicas AUTOR PRINCIPAL Walter Marcos Knaesel Birkner CO­AUTORES 1 Luciane Tischler Rudnick 2 3
INSTITUIÇÃO Universidade do Contestado – Canoinhas/SC INSTITUIÇÃO Universidade do Contestado – Canoinhas/SC RESUMO DO TRABALHO Este trabalho é parte do resultado de uma pesquisa realizada na prefeitura municipal de Canoinhas, município da região do Planalto Norte Catarinense, tendo como objetivo investigar os procedimentos realizados nos processos decisórios que formam as políticas públicas do município, se a pesquisa social é utilizada no diagnóstico da realidade local, ou, se apenas utilizam dados de estatísticas públicas para realizá­la. Tendo em vista a preocupação dos governantes em racionalizar a escassez dos recursos públicos para satisfazer às demandas da sociedade, a obtenção de diagnósticos próximos a realidade tornam­se relevantes para garantir a eficiência e eficácia das ações dos governos e a pesquisa social, por ser um instrumento científico que obtém conhecimentos sobre a realidade social tem papel fundamental nas políticas públicas, desde o planejamento à avaliação de seus resultados. Através de entrevistas semi­estruturadas os secretários, ou responsáveis pela secretaria investigada, totalizando seis entrevistados, foram indagados sobre as políticas públicas desenvolvidas no decorrer do ano, se pesquisam as prioridades do município antes de formular uma política pública, que indicadores sociais são usados, quem são os profissionais que realizam a pesquisa, se os resultados das pesquisas são disponibilizados para as demais secretarias e se as políticas públicas implementadas com base nos resultados de pesquisa social apresentam diferencial qualitativo. No referencial teórico foram abordados o conceito de políticas públicas e processos decisórios, os modelos explicativos de formulação e análise de políticas públicas, as implicações da descentralização do Estado na administração pública, o conceito de indicadores sociais e sua relevância na formulação e avaliação das políticas públicas, o conceito de pesquisa social, os métodos utilizados, principais teorias sociais que a fundamentam e sua validade enquanto instrumento científico capaz de analisar a realidade social. A abordagem de fundamentação do referencial metodológico foi a Sociologia Compreensiva, através da construção de um tipo­ideal de Estado baseado no agir racional referente a fins que, para obter maior eficiência e eficácia em suas ações, apropria­se de resultados obtidos a partir de diagnósticos apresentados pela pesquisa social. Através da utilização da metodologia compreensiva weberiana procurou­se analisar as decisões dos gestores públicos ao escolher determinadas prioridades na
2 formulação de determinadas políticas públicas. Os resultados da pesquisa se apresentam a partir da análise reflexiva dos dados e das considerações que serão posteriormente apresentadas em caso de aceite do trabalho. PALAVRAS­ CHAVE Desenvolvimento regional – políticas públicas – pesquisa social ABSTRACT This work is part of the result of a research accomplished at the municipal city hall of Canoinhas, municipal district of the area of the Planalto Norte Catarinense, tends as objective investigates the procedures accomplished in the resolute processes forming of the public politics of the municipal district, if the social research is used in the diagnosis of the local reality, or, if they just use data of public statistics to accomplish her. Tends in view the rulers' concern in rationalizing the shortage of the public resources to satisfy to the demands of the society, the obtaining of close diagnoses the reality becomes relevant to guarantee the efficiency and effectiveness of the governments' actions and the social research, for being a scientific instrument that obtains knowledge about the social reality has fundamental paper in the public politics, from the planning to the evaluation of their results. Through semi­structured interviews the secretaries, or responsible for the investigated general office, totaling six interviewees, they were investigated on the public politics developed in elapsing of the year, they are researched the priorities of the municipal district before formulating a public politics, that social indicators are used, who are the professionals that accomplish the research, if the results of the researches are made available for the other would work as a secretary and if the public politics implemented with base in the results of social research present differential qualitative. In the theoretical referential the concept of public politics and resolute processes, the explanatory models of formulation and analysis of public politics were approached, the implications of the decentralization of the State in the public administration, the concept of social indicators and relevance in the formulation and evaluation of the public politics, the concept of social research, the used methods, main social theories that base her and validity while I score scientific capable to analyze the social reality. The approach of grounding of the methodological referential was the Understanding Sociology, through the construction of a type­ideal of State based on acting rational regarding ends that, to obtain larger efficiency and effectiveness in their actions, appropriates of results obtained starting from diagnoses presented by the social research. Through the use of the methodology understanding weberian it tried to analyze the decisions of the public managers when choosing certain priorities in the formulation certain public politics. The results of the research come starting from the reflexive analysis of the data and of the considerations that will be later presented in case of it accepts of the work. KEYWORDS Regional Development ­ Public Politics ­ Researches Social
3 O DESENVOLVIMENTO REGIONAL A PARTIR DA ÓTICA DA PESQUISA SOCIAL. 1 Walter Marcos Knaesel Birkner 2 Luciane Tischler Rudnick 3 INTRODUÇÃO Este estudo procurou investigar se a Pesquisa Social é utilizada pela administração do governo de Canoinhas, administração de 2005 a 2008, ao formular as políticas públicas. A partir da década de 1990 surge uma nova configuração de Estado, que, devido às políticas restritivas de gasto e ao processo de descentralização, não mais centraliza seus esforços no mero crescimento econômico, próprio do modelo desenvolvimentista, exigindo dos governantes um esforço crescente em racionalizar a escassez dos recursos públicos para satisfazer com maior eficiência as demandas da sociedade. Se, de um lado temos a descentralização do poder público que implica na “[...] autonomia, dentro de limites estabelecidos, para formular políticas públicas locais, estabelecer prioridades e planejar o atendimento das demandas” (VAZ 2002, p. 274), de outro, temos a crescente participação de diferentes atores da sociedade que desempenham o papel de promotores e articuladores dessas políticas públicas. Porém, para verificar a eficiência e a eficácia das ações do governo, é relevante a utilização de conhecimentos científicos que, pesquisando a realidade local e conseqüentemente, apontando as prioridades das demandas, dinamizem a utilização desses recursos. A pesquisa social, segundo Gil (1999), por ser uma ferramenta científica que permite a obtenção de conhecimentos sobre a realidade social, tem relevância em vários setores da sociedade, pois seus resultados permitem a definição de políticas públicas, a elaboração de planos e programas, a orientação da gestão, o controle e avaliação dos resultados. Ou seja, é a utilização de conhecimento científico que possibilita maior racionalidade e conseqüentemente a eficiência e eficácia nos resultados, seja na administração pública, ou privada. Assim, a pesquisa social colabora na construção de indicadores agregados em nível local que “[...] podem auxiliar os cidadãos a entender melhor seu município e a partir daí, participar melhor de processos de planejamento, avaliar o desempenho da gestão, estabelecer pautas de reivindicação e formular propostas de políticas públicas” (VAZ 2002, p. 275). Portanto, a pesquisa social torna­se um instrumento importante tanto para os gestores públicos, quanto para os agentes sociais envolvidos nesse processo.
4 O objeto de pesquisa deste trabalho será a pesquisa social e se esta é utilizada pela prefeitura municipal de Canoinhas, na administração de 2005 a 2008. Por ser um município de relevância no Planalto Norte Catarinense, nos instiga a conhecer que metodologias são utilizadas pela administração municipal na formulação das políticas públicas locais. Nessa perspectiva, o objetivo geral foi investigar a possibilidade de utilização da pesquisa social nos processos decisórios formadores das políticas públicas no município de Canoinhas na atual administração (2005 a 2008). E os objetivos específicos procuraram investigas as políticas públicas desenvolvidas no decorrer do ano se pesquisam as prioridades do município antes de formular uma política pública, que indicadores sociais são usados, quem são os profissionais que realizam a pesquisa, se os resultados das pesquisas são disponibilizados para as demais secretarias e se as políticas públicas implementadas com base nos resultados de pesquisa social apresentam diferencial qualitativo. DESENVOLVIMENTO REGIONAL Ao contrário das teorias desenvolvimentistas em que o desenvolvimento de um país estaria atrelado as etapas de crescimento econômico, as teorias sobre o desenvolvimento, a partir da década de 1990, consideram além dos fatores econômicos a importância das formas de organização social e sua relação com o Estado para a possível promoção do desenvolvimento de uma determinada região. Em seus estudos Putnam (2000) argumenta a relação entre a comunidade cívica com as possibilidades de desenvolvimento e a importância do capital social nesse processo. No entanto nas regiões menos cívicas por possuírem pouco estoque de capital social teriam maiores dificuldades de alcançar o desenvolvimento, devido a sua construção histórica. Conforme Putnam, (2000, p. 177) o capital social “[...] diz respeito a características da organização social, como confiança, normas e sistemas que contribuam para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas.” O capital social seria encontrado, segundo o autor, nas chamadas comunidades cívicas, caracterizadas pela participação cívica, igualdade política, solidariedade, confiança, tolerância e capacidade de associação. A explicação de um bom governo residiria justamente na distinção entre a comunidade cívica da menos cívica, conforme descreve Putnam (2000, p. 191): [...] os cidadãos das comunidades cívicas querem um bom governo e (em parte pelos seus próprios esforços) conseguem tê­lo. Eles exigem serviços públicos mais eficazes e estão dispostos a agir coletivamente para alcançar seus objetivos comuns. Já os cidadãos das regiões menos cívicas costumam assumir o papel de suplicantes cívicos e alienados.
5 O desenvolvimento regional teria melhor condições de ocorrência nas comunidades cívicas onde haveria um significativo estoque de capital social historicamente construído. Enquanto nas regiões menos cívicas a desconfiança, o individualismo e as relações verticalizadas entre o Estado e a sociedade dificultariam as estratégias para o desenvolvimento. Birkner (2006, p. 24­25) descreve que outro autor chamado Peter Evans, reconhece no estoque de capital social um fator importante para o desenvolvimento regional, mas que pode ser promovido através do Estado. Evans “[...] sugere que o capital social pode muito bem ser um produto fomentado institucionalmente, isto é, gerado por ações governamentais que permitam a cooperação entre o público e privado [...]” (BIRKNER, 2006, p. 25). Em ambos os casos, no entanto, o capital social assume um papel importante para o desenvolvimento demonstrando que as ações governamentais construídas democraticamente, através da participação e do interesse coletivo constituem a base do desempenho das novas instituições. Por sua vez Boisier (1999, p. 65) ao refletir sobre o desenvolvimento territorial observa nove formas de capital que é possível encontrar em um território organizado e que se fossem articuladas com o capital sinergético produziriam o desenvolvimento. O capital sinergético seria a capacidade social de promover ações em conjunto dirigidas para fins coletivos e que supostamente seria um estoque latente existente em qualquer território. As nove formas de capital seriam: o capital natural, cognitivo, simbólico, cultural, institucional, psicossocial, social, cívico e humano. Nesse caso o capital sinergético articulando­se com as demais formas de capital e a preparação de um projeto político de desenvolvimento poderiam criar as condições propícias ao desenvolvimento. POLÍTICAS PÚBLICAS O estudo das políticas públicas é recente, passando a ser discutidas com maior intensidade a partir da década de 1930. Enquanto na Europa a política pública se constituía como um desdobramento dos trabalhos baseados em teorias explicativas sobre o papel do Estado e do governo, nos Estados Unidos a ênfase se concentrou nos estudos sobre a ação dos governos propriamente dita. Havia a necessidade de conhecer e analisar de que forma o governo tomava as decisões sobre os problemas públicos. Os primeiros teóricos da política pública, segundo Souza (2006), partindo do pressuposto analítico que em democracias estáveis 1 , aquilo que o governo faz, ou deixa de 1 Surgidas após a Segunda Guerra Mundial e que não sofreram nenhum golpe de Estado.
6 fazer é passível de ser formulado cientificamente e analisado por pesquisadores. Assim, seria possível entender como e por que, os governos optam por determinadas ações, se possuem autonomia nas decisões, ou se existe a interferência, ou, colaboração de outros grupos nos processos decisórios. Conseqüentemente as políticas públicas passaram a objeto de estudo também nos países em desenvolvimento, que até a década de 1980 adotavam o modelo desenvolvimentista de Estado. Tal modelo não atingiu um nível satisfatório por manter as disparidades entre crescimento econômico e distribuição de riquezas, principalmente nos países da América Latina. Com o processo de democratização desses países, o estudo das políticas públicas ganhou maior visibilidade, que são apresentadas, segundo Souza (2006), sob os seguintes aspectos: 1) as políticas restritivas, principalmente nos países em desenvolvimento possibilitaram, a partir dos anos 80, o desenho e a execução de políticas públicas, tanto as econômicas como as sociais; 2) novas visões sobre o papel dos governos substituíram as políticas keynesianas 2 do pós­guerra por políticas restritivas de gasto, através de reajuste fiscal e equilíbrio entre receita e despesa; 3) a recente democracia da América Latina, que ainda não conseguiu formar coalizões políticas capazes de equacionar minimamente a questão de como desenhar políticas públicas capazes de impulsionar o desenvolvimento econômico e de promover a inclusão social de grande parte de sua população. De todo modo, a preocupação da ciência política em analisar mais profundamente as políticas públicas, possibilitou o surgimento de diversas tipologias, que buscavam a conceituação, procurando saber o que são políticas públicas, os atores que as formulam, como são formuladas e a quem são destinadas. Dentre as várias definições sobre políticas públicas, talvez a que mais adequadamente se apresenta neste estudo é a que se caracteriza por “[...] um conjunto de ações executadas por um conjunto de atores, que atuam em relação a um problema coletivo”. (DENTE apud DELLA PORTA, 2003, p. 234). Dessa forma, na elaboração das políticas públicas participam vários atores públicos e privados que têm presença variável, não somente nos tipos de política, de acordo com os interesses de cada grupo, mas também nas diferentes etapas de sua realização. No estudo conceitual, Souza (2006), descreve a política pública como o campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, colocar o governo em ação e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando necessário, propor mudanças no rumo do curso dessas ações (variável dependente). Caso que ocorreu no Brasil a partir da Constituição Federal de 1988, que possibilitou a descentralização do Estado e conseqüêntemente maior 2 Na política keynesiana o Estado assume um papel de liderança na promoção do crescimento e do bem­estar material e na regulação da sociedade civil. (OUTHWAITE, W.; BOTTOMORE, T., 1996, p.408)
7 autonomia administrativa e fiscal aos estados e municipios. A formulação de políticas públicas, por sua vez, constitui­se no estágio em que os governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações que produzirão resultados ou mudanças na sociedade. Segundo Della Porta (2003, p. 236): No que se refere aos atores públicos, ao lado de parlamentos e governos, dotados sobretudo de recursos de legitimação democrática, colocam­se as burocracias públicas, com a sua bagagem de competências técnicas e, cada vez com maior freqüência, a magistratura. Entre os atores privados, distinguiram­se: partidos, grupos de pressão e movimentos, portadores de recursos de consenso e, muitas vezes, de projeto e informação: peritos, legitimados sobretudo pelas suas competências técnicas. Assim, na elaboração das políticas públicas a primeira fase corresponde a identificação de um problema quando inserido um certo tema na agenda política. Os partidos, grupos de interesses e movimentos sociais desempenham o papel de mobilização da opinião pública sobre o tema específico. Levantado o problema, a segunda fase seria a formulação de uma solução, onde os técnicos, ou seja, os profissionais com conhecimentos específicos naquela área, são chamados para elaborar respostas a partir da análise e seleção das alternativas. Concluída esta fase, em seguida é realizada a adoção da decisão, que é legitimada pelos governos e parlamentos. A atuação da decisão é de domínio das burocracias públicas e com freqüência a intervenção dos atores privados que representam o interesse da política pública em questão. Uma vez a política pública estando em ação, é necessário avaliar os resultados através da elaboração de conhecimentos que desenvolvam eventuais correções caso seja necessário. Nesta fase os recursos técnicos têm grande relevância para que se alcance o resultado desejado. FORMULAÇÃO E ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS Para melhor entender como e por que o governo faz, ou deixa de fazer uma determinada ação, foram desenvolvidos alguns modelos explicativos de formulação e análise de políticas públicas que serão abordados a seguir. Segundo Della Porta (2003, p. 235), na tipologia de Lowi “[...] as características de uma política pública determinam o tipo de relações políticas.” Essa tipologia é apresentada pela máxima: a política pública faz a política. Dessa maneira, pode­se encontrar diferentes formas de apoio, ou rejeição, assim como sua decisão passa por diferentes arenas. Lowi distingue a política pública através de quatro princípios: O primeiro é o das políticas distributivas, que são caracterizadas “[...] por um conflito estruturado entre grupos de interesse bem organizados que representam classes sociais
8 contrapostas”. (LOWI apud DELLA PORTA, 2003, p. 235). As decisões tomadas pelo governo geram impactos mais individuais do que coletivos, priveligiando certos grupos sociais em detrimento de outros. Podemos citar como exemplo: o conflito entre empresários, industriais e grandes latifundiários em contraposição aos grupos de pressão que exigem melhoria nas escolas, hospitais e outras reivindicações para que se distribuam de maneira mais adequada os recursos da cidade. O segundo é o das políticas reguladoras, na qual existe um acordo sobre os fins e os conflitos sobre a maneira de alcançar estes objetivos. Trabalham com ordens e proibições, decretos ou portarias. “Está na natureza das decisões reguladoras pluralizar o seu ambiente, porque implica enquanto indivíduos tanto o empresário como o cidadão.” (LOWI apud DELLA PORTA, 2003, p. 236). Essas políticas são mais visíveis ao público, pois envolvem a burocracia, políticos e grupos de interesse e dizem respeito a proteção da vida e da propriedade privada, o que pode ser exemplificada através da polícia e dos bombeiros. O terceiro, das políticas redistributivas, “[...] é a das grandes associações de vértice em que os grupos­que­dão­o­dinheiro estão coligados contra os grupos­que­exigem­ serviços.” (ibidem, 236). O objetivo é o deslocamento de recursos financeiros, direitos e outros valores entre camadas sociais e grupos da sociedade e pode ser definida como políticas sociais, tributárias ou previdenciárias. O quarto é o das políticas constitutivas, ou estruturadoras que, segundo Beck (apud FREY, 2000, p. 244), são modificadoras, pois determinam as regras do jogo e com isso a estrutura dos processos e conflitos políticos, isto é, as condições gerais sob as quais vêm sendo negociadas as políticas distributivas, redistributivas e reguladoras. Beck diz que a política estruturadora diz respeito à própria esfera da política e suas instituições condicionantes; refere­se à criação e modelação de novas instituições, à modificação do sistema de governo ou do sistema eleitoral, à determinação e configuração dos processos de negociação, de cooperação e de consulta entre os atores políticos. Em todos os casos, terão sempre grupos de apoio, ou, de veto diferentes, de acordo com cada tipo de política apresentada. PROCESSOS DECISÓRIOS Podemos perguntar como são decididas as políticas públicas, considerando a variedade de problemas existentes na sociedade. Assim, da mesma forma como existem várias tipologias sobre as políticas públicas, há várias abordagens sobre o processo decisório dessas políticas. “O modelo weberiano de burocracia afirma o princípio da racionalidade da ação como fundamento da forma de agir burocrática”. (WEBER apud
9 PORTA, 2003, p. 239). Nesta perspectiva, na administração pública as decisões são orientadas racionalmente para garantir o máximo de benefícios com custos mínimos. As decisões seriam tomadas através de uma seleção entre os diferentes objetivos previamente estabelecidos pelos atores públicos e privados. Os processos decisórios formadores das políticas públicas, teriam como elementos essenciais: “[...] a presença de alvos bem definidos, a valorização das possibilidades alternativas para os alcançar e a opção pela alternativa menos onerosa.” (DELLA PORTA, 2003, p. 239). Esses elementos demonstram a preocupação em definir políticas públicas que tenham eficiência e eficácia nos resultados. Todavia, existem várias críticas sobre a abordagem racional, por considerar impossível analisar todas as alternativas para uma tomada de decisão configurada nessa abordagem. Uma delas foi apresentada por Herbert Simon, na qual afirma que a racionalidade é limitada. “Simon elabora o modelo da racionalidade limitada, segundo o qual o decisor não visa maximizar os seus valores, mas contenta­se com uma solução satisfatória”. (ibidem, 240). Desse modo, o decisor deve criar meios adequados para que sejam criadas as condições que facilitem essa decisão. Por sua vez, Charles Lindblom elaborou a abordagem das comparações limitadas sucessivas. O autor afirma que “[...] o processo decisório se desenrola de forma incremental e incoerente, através de comparações sucessivas de um número limitado de alternativas, em geral muito similares às já existentes.” (ibidem, 241). Dessa forma, desconsidera a existência de processos decisórios por acreditar que as políticas públicas nunca partem de um início, mas ao contrário, de decisões já existentes que seriam adaptadas as situações presentes. Outro modelo foi desenvolvido por Cohen, March e Olsen é o chamado garbage can ou “lata de lixo”. Essa teoria afirma que “[...] a vida das organizações é dominada por uma luta contínua entre diversos atores, cada um dotado de objetivos e estratégias próprios, com freqüência incompatíveis”. (ibidem, 241). Por esse motivo, as organizações possuem um conjunto de idéias pouco consistentes, o que compromete a compreensão e solução dos problemas. As escolhas seriam realizadas de acordo com a apresentação dos problemas e das soluções demonstrando que são as organizações que constróem as preferências para a solução dos problemas e não o contrário. O modelo de coalizão de defesa, elaborado por Sabatier e Jenkins­Smith preconiza que “[...] a política pública deveria ser concebida como um conjunto de subsistemas relativamente estáveis, que se articulam com os acontecimentos externos, os quais dão os parâmetros para os constrangimentos e os recursos de cada política pública.” (SOUZA, 2006). Nessa abordagem os autores defendem que esses subsistemas estariam sustentados por um conjunto de crenças, valores e idéias, os quais seriam elementos
10 importantes no processo de formulação de políticas públicas. Já a abordagem neo­institucionalista “[...] revalorizou recentemente a presença de uma certa coerência no comportamento no seio das várias organizações. Tendencialmente, os indivíduos agiriam no interior das organizações respeitando as regras [...]” (DELLA PORTA, 2003, p. 241). Segundo o autor, o respeito a essas regras – rotinas, funções, estratégias ­ resultaria em um processo de rotinização, no qual os comportamentos dos atores teriam uma certa previsibilidade, refletindo a maneira como as pessoas fazem, ou, deixam de fazer determinadas tarefas. Dessa forma, “[...] as organizações tendem a reproduzir as modalidades de ação e tecnologias que tiveram êxito no passado e renunciam por vezes a procurar novas.” (ibidem, 242). Estão limitados a superficialidade dos problemas e não realizam uma análise mais profunda da realidade, tendendo à conservação da rotina existente e por conseqüência, desistimulando os processos de mudança que poderiam ocorrer caso houvesse a abertura para a busca de novas soluções. Outras abordagens sobre os processos decisórios são descritas como “top­down” e “bottom­up” 3 . Na abordagem “top down”, as decisões são tomadas “de cima para baixo”, ou seja, existe uma hierarquia, uma estrutura piramidal, na qual as decisões partem do topo. Porém, segundo Della Porta (2003, p. 242), [...] observou­se que as decisões tomadas ‘no alto’ são com freqüência, ambivalentes, comprometedoras e imprecisas: muitas chegam à fase de atuação escolhidas pela sua notável relevância, o que faz com que tenham de ser negociadas com vários atores interessados. Contrariamente às aparências, o processo decisório prossegue, portanto, bottom­up, isto é, de baixo para cima. A partir dessas observações, desenvolveu­se uma segunda abordagem chamada “bottom­up”, ou seja, de baixo para cima, que analisa a efetuação de políticas públicas a partir da base, e concentra­se nos “[...] atores que intervém concretamente numa certa área, analisando os seus comportamentos.” (ibidem, 243). Estes, geralmente se constituem em redes sociais, organizadas através de estruturas de coordenação horizontal, existindo uma intercomunicação entre os diversos atores. O desenvolvimento das ações decorre da adesão dos participantes às propostas colocadas por seus membros, implicando na liberdade da circulação das propostas, garantindo assim, que sejam aprovadas somente as medidas necessárias. O fato da crescente participação desses atores é explicado pelas mudanças que estão ocorrendo na estrutura da administração pública, possibilitando um entrelaçamento de estruturas piramidais hierárquicas e estruturas de coordenação horizontal. As decisões não podem, ou não devem ser tomadas de forma centralizada, mas 3 A expressão “top­down” refere­se às decisões tomadas de forma hierarquizada, de cima para baixo, nos processos decisórios, enquanto que “bottom­up” seriam as decisões tomadas a partir da base, ou seja, de baixo para cima.
11 antes, necessitam da comunicação com os diversos grupos de atores, tanto públicos quanto privados que têm interesse na discussão apresentada. Recentemente, estudos sobre as políticas públicas indicam novos modelos, influenciados pelo “novo gerencialismo público” e pelo ajuste fiscal. Segundo Souza (2006), A partir da influência do que se convencionou chamar de “novo gerencialismo público” e da política fiscal restritiva de gasto, adotada por vários governos, novos formatos foram introduzidos nas políticas públicas, todos voltados para a busca de eficiência. Assim, a eficiência passou a ser vista como o principal objetivo de qualquer política pública, aliada à importância do fator credibilidade e à delegação das políticas públicas para instituições com independência política. Dessa forma, uma boa política pública resultaria de uma análise racional. A eficiência e a racionalidade seriam alcançadas por políticas voltadas para a privatização, desregulamentação e reformas no sistema social. Outro elemento importante seria a credibilidade, a qual é baseada “[...] na existência de regras claras em contraposição à discricionariedade dos decisores públicos e burocratas, a qual levaria a inconsistência.” (SOUZA, 2006). Essas regras pré­anunciadas seriam mais eficientes por serem delegadas à instituições “independentes” do jogo político, que teriam experiência técnica capaz de manter a continuidade e a coerência das políticas públicas implantadas. Em contraposição a essa abordagem, os países emergentes estão tentando implementar políticas públicas de caráter participativo. Impulsionadas, por um lado, pelas propostas multilaterais e, por outro, por mandamentos constitucionais e pelos compromissos assumidos por alguns partidos políticos, várias experiências foram implementadas visando a inserção de grupos sociais e/ou de interesses na formulação e acompanhamento de políticas públicas, especialmente sociais. (SOUZA, 2006) Tal tentativa demonstra a construção de uma cultura mais democrática nesses países emergentes, tendo em vista que até o processo de democratização dos mesmos, as decisões eram centralizadas, não existindo a participação da sociedade. Com as mudanças em curso começaram a incentivar a criação de diversos conselhos comunitários, voltados às políticas sociais, assim como a criação de estruturas que possibilitassem aos atores sociais o acesso à elaboração do conjunto de demandas a serem efetuadas no decorrer da gestão pública. Para Vaz (2002, p. 272) a presença da sociedade “[...] materializa­se através da incorporação de categorias e grupos sociais envolvidos direta ou indiretamente no processo de formulação, implementação e avaliação das políticas públicas, e que, normalmente, estão excluídos das decisões”. Através dessa postura, retira­se dos governantes o
12 monopólio das informações e decisões referentes às políticas públicas, além de serem organizações sociais estáveis que sobrevivem às mudanças de direção dos governos. Em última análise, porém não definitiva, sobre as políticas públicas e os processos decisórios, destacamos que as reformas administrativas no final do século XX, aumentaram as “[...] possibilidades de participação de representantes de interesses coletivos nos processos decisórios e melhoraram a visibilidade das decisões públicas.” (PORTA, 2003, p. 248). Com efeito, as propostas das políticas públicas são antes debatidas para posteriormente serem efetivadas, demonstrando maior transparência das decisões da administração pública perante os cidadãos. DESCENTRALIZAÇÃO DO ESTADO A partir dos anos de 1990 ocorreu um processo de descentralização do Estado nos mais diversos níveis: administrativo, fiscal e político. Esse processo de descentralização se inicia com a transição do Estado “desenvolvimentista” para o Estado do tipo “bem­estar­ social” e no caso do Brasil, a transição ocorreu para um Estado orientado para o mercado. Segundo Falleti (2006), a descentralização é “[...] um processo de reforma do Estado, composta por um conjunto de políticas públicas que transfere responsabilidades, recursos ou autoridade de níveis mais elevados do governo para níveis inferiores, no contexto de um tipo específico de Estado”. No Brasil esse processo começou a ser configurado no último governo militar, de João Figueiredo (1979­1985), no qual, a centralização do poder, aos poucos, cedeu espaço às políticas públicas mais acessíveis as demais esferas de poder. Esse modelo de gestão social, baseado em um sistema descentralizado e participativo, foi garantido através da Constituição Federal de 1988, onde se estabeleceu um conjunto de leis que possibilitaram a descentralização gradual de vários setores do Estado. As disposições normativas da Constituição Federal de 1988 reconhecem os municípios como entes federados autônomos, apontam para a reforma do Estado – indispensável à construção de uma sociedade mais participativa e eficiente democraticamente – e para a necessidade de adoção, pelo setor público, de uma prática gerencial voltada ao fortalecimento da administração municipal. Na descentralização administrativa houve a implantação de um conjunto de políticas que transferiram aos governos subnacionais a administração e a provisão de serviços sociais como educação, saúde, assistência social e moradia. Tal medida possibilitou maior autonomia nas tomadas de decisões sobre essas políticas, permitindo aplicar os recursos públicos de maneira mais eficiente.
13 No que se refere à descentralização fiscal, a intenção foi formular um conjunto de políticas para aumentar as receitas ou a autonomia fiscal dos governos subnacionais, que poderiam ser através do “[...] aumento de transferências do governo central, a criação de novos impostos subnacionais ou a delegação da autoridade para cobrar impostos anteriormente cobrados pela esfera federal.” (FALLETI, 2006). Dessa forma, os governos subnacionais teriam a possibilidade de aumentar os recursos e poder reinvesti­los na sociedade através de benefícios garantidos por essas políticas. Quanto à descentralização política, o fator mais relevante foi a transferência da autoridade política, ou os direitos políticos, através do voto, aos atores subnacionais. Conforme Falleti (2006), Exemplos deste tipo de reforma é a eleição por voto popular para prefeitos e governadores que, em períodos anteriores, eram indicados; a criação de assembléias legislativas subnacionais, e reformas constitucionais que fortaleçam a autonomia política dos governos subnacionais. São instituídos por um conjunto de emendas constitucionais e de reformas eleitorais com a intenção de abrir novos espaços sociais. A partir dessa reforma, foi garantida à sociedade o direito de escolher seus representantes nos poderes executivo e legislativo em todas as esferas de poder: municipal, estadual e federal. Estas, por sua vez ficaram aptas a formular as políticas públicas de acordo com suas demandas, com maior autonomia para escolher a forma de administrar o bem público, orientados, todavia, pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Através da distinção dos tipos de descentralização acima apresentados, no caso do Brasil, alguns pontos podem ser analisados como, por exemplo: a articulação entre as três esferas de poder (União, Estado e Município); maior autonomia para os municípios, que decidem em optar, ou não, por determinadas políticas públicas desenvolvidas pelos governos Federal e Estadual; comando único em cada esfera de governo, cada qual com competências definidas e um poder compartilhado, desde o planejamento, à decisão, controle e fiscalização das políticas públicas. Como explica Brey (2006, p. 29), Cabe aos municípios, os assuntos de interesse local que pressupõe sistema como referência; condições para a transferência de recursos; discussões e pactuações quanto às competências; responsabilidade e condicionalidade em relação ao co­financiamento, mecanismos de transferência para a regularidade dos repasses de forma automática, no caso de serviços e benefícios e o conveniamento de programas e projetos com duração determinada, critério de partilha e transferência de recursos, incluindo o financiamento no fomento à organização de serviços, de rede, do sistema, com a definição de condições para a participação no financiamento, condições de gestão do município.
14 Por sua vez Raichelis (1998, p. 29), diz que, apesar de que a descentralização político administrativa possa ser interpretada e conduzida de diferentes maneiras, “[...] desde a efetiva democratização das políticas públicas, com ampla responsabilização do Estado e participação da sociedade, até as propostas dos que advogam a retirada do Estado e a privatização dos serviços públicos”, reconhece­se a inexistência de uma partilha de poder, que possibilita a definição de políticas públicas específicas para cada local. O que se apresenta é uma desresponsabilização das esferas federal e estadual à esfera municipal. Contudo, o que nos interessa no estudo sobre a descentralização do Estado e suas conseqüências nas esferas federal, estadual e municipal é a garantia do exercício democrático e suas possibilidades de aumentar a eficiência e eficácia das políticas públicas, uma vez que possibilitam a participação da sociedade em alguns tipos de políticas públicas, especialmente as sociais. A participação social é garantida através do direito de participação nos Conselhos Paritários que existem em cada esfera municipal, do qual 50% dos membros são representantes da sociedade civil e 50% são representantes do governo. Segundo Vaz (2002, p. 273) “Os conselhos municipais de gestão de políticas públicas são órgãos coletivos, com representantes do poder público e da sociedade civil, que participam da elaboração, execução e fiscalização das políticas públicas municipais.” Esses conselhos exercem papel fundamental por serem controladores da aplicação dos recursos públicos, que permitem a maior transparência da gestão ao acompanharem com mais atenção as ações do governo. Todavia, a participação efetiva da sociedade civil nos conselhos municipais ainda é modesta, não atingindo um nível satisfatório. Para o funcionamento dos conselhos, bem como na formulação de políticas redistributivas é também indispensável a consideração de indicadores sociais, subsídios importantes nas atividades de planejamento, formulação e avaliação de políticas públicas. INDICADORES SOCIAIS Para melhor entendimento sobre o conceito de Indicadores Sociais, assim como sua utilização na elaboração de políticas públicas, ou em pesquisas sociais, realizou­se uma revisão bibliográfica, baseada em Jannuzzi, por apresentar de uma forma esclarecedora o tema em questão. Por dificuldades de encontrar maiores referências bibliográficas sobre o mesmo, a preocupação foi direcionada à formulação de uma síntese da obra, Indicadores Sociais no Brasil, com possibilidade da inserção de dados coletados via Internet, restritos a trabalhos que utilizaram indicadores como evidência empírica dos fenômenos sociais. O Indicador Social pode ser definido como:
15 [...] uma medida em geral quantitativa dotada de significado social substantivo, usado para substituir, quantificar ou operacionalizar um conceito social abstrato, de interesse teórico (para pesquisa acadêmica) ou programático (para formulação de políticas). É um recurso metodológico, empiricamente referido, que informa algo sobre um aspecto da realidade social ou sobre mudanças que estão processando na mesma. (JANNUZZI, 2001, p. 15) Como foi abordado nas políticas públicas, existe uma preocupação crescente em demonstrar a eficiência das ações dos governos. Por esse motivo, observa­se cada vez mais o interesse em utilizar os Indicadores Sociais para avaliar as condições de vida da população, apontar os resultados das políticas públicas, ou defender as prioridades sociais à atender. Na pesquisa social, além do conhecimento científico e metodológico utilizado pelos pesquisadores sociais, existem outros elementos importantes à serem considerados para melhor compreensão acerca da realidade social, como desigualdades sociais, realidade sócio­econômica e pobreza, que poderiam ser melhor analisados a partir dos Indicadores Sociais, possibilitando a existência de um elo de ligação entre a teoria e a prática. Segundo Jannuzzi, (2001, p. 15) [...] os Indicadores Sociais se prestam a subsidiar as atividades de planejamento público e formulação de políticas sociais nas diferentes esferas de governo, possibilitam o monitoramento das condições de vida e bem­estar da população por parte do poder público e sociedade civil e permitem aprofundamento da investigação acadêmica sobre a mudança social e sobre os determinantes dos diferentes fenômenos sociais. Portanto, os indicadores sociais são subsídios relevantes, tanto para o aprofundamento da investigação acadêmica sobre a mudança social, como por exemplo, se houve avanços, ou retrocessos, na melhoria da qualidade de vida de uma determinada população; quanto para a formulação e reformulação de políticas sociais e atividades de planejamento público, servindo como um instrumento de monitoramento da realidade social. No entanto, é preciso fazer uma distinção entre os Indicadores Sociais e as Estatísticas Públicas, uma vez que as mesmas são levantadas através de Censos Demográficos, ou dados coletados em registros administrativos de Ministérios, Secretarias de Estado e Prefeituras. “As estatísticas públicas correspondem ao dado social na sua forma bruta, não inteiramente contextualizado em uma Teoria Social, ou uma Finalidade Programática, parcialmente preparado para uso na interpretação empírica da realidade.” (ibidem, 16). Por esse motivo, as estatísticas públicas se constituem como matéria­prima para a construção dos Indicadores Sociais. Por exemplo: o Indicador Social “Taxa de Natalidade” é construído a partir de dados provenientes de óbitos e nascimentos, assim como a taxa de evasão escolar a partir do Censo Escolar.
16 INDICADORES SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS Baseado nas reflexões sobre os indicadores sociais, percebe­se sua relevância em todas as fases do processo de formulação e implementação das políticas públicas, desde os projetos de expansão da infra­estrutura urbana até programas que garantam a renda mínima para famílias pobres. De acordo com Jannuzzi (2001, p. 32): Cada fase do processo de formulação e implementação da política social requer o emprego de indicadores específicos, cada qual trazendo elementos e subsídios distintos para o bom encaminhamento do processo. Cada aspecto de uma política pública – recursos empregados, métodos de alocação de recursos, resultados – deve ser avaliado através de indicadores sociais. Dessa forma, no processo de formulação de políticas públicas, a primeira fase corresponde à realização de um diagnóstico da realidade, onde deverão ser utilizados os indicadores­produto para o levantamento dos diferentes aspectos sociais. Em seguida, são utilizados os indicadores­insumo na formulação de soluções para traduzir os termos quantitativos dos recursos humanos, financeiros ou físicos a empregar. Na fase de implementação dos programas, os indicadores­processo monitoram o uso dos recursos alocados. E, na avaliação dos programas implementados são usados os indicadores de eficiência, eficácia e efetividade social. Assim, a ampla disponibilidade de indicadores sociais, de acordo com Jannuzzi (2001, p. 32), [...] potencializa as chances de sucesso do processo de formulação e implementação de políticas públicas, na medida em que permite, em tese, diagnósticos sociais, monitoramento de ações e avaliações de resultados mais abrangentes e tecnicamente mais bem respaldados. Porém, como o próprio autor argumenta, na formulação e implementação de políticas públicas, deve­se levar em consideração não somente o papel e a função dos sistemas de indicadores sociais, mas também os agentes encarregados de colocá­la em ação, que podem potencializar, ou, criar barreiras para sua efetivação. Apesar de teoricamente os indicadores sociais se enquadrarem nas propriedades desejáveis, existem obstáculos que devem ser considerados como, por exemplo: a visão de mundo e formação teórica dos técnicos, que retratam os diagnósticos de acordo com suas prioridades e a defasagem entre o planejamento e a ação, tornando as iniciativas inadequadas ao contexto social. Outro fator a ser considerado, de acordo com a experiência histórica é [...] a resistência às mudanças – legitimas ou não – pelos agentes implementadores, os embates corporativos ou político­partidários entre as diferentes esferas de poder público são elementos que não podem ser
17 desprezados no processo de formulação e implementação de políticas públicas no Brasil. (JANNUZZI, 2001, p. 33). Apesar disso, convém ressaltar a importância da participação da sociedade nesse processo, especialmente nas políticas sociais, que exigem a presença de atores sociais, através principalmente dos Conselhos, na fase de sua elaboração, implementação e avaliação. Cabe à sociedade civil organizar­se para que seu papel nos Conselhos torne­se efetivo, conquistando os espaços, que segundo a Constituição federal de 1988 são garantidos, promovendo dessa forma uma gestão mais democrática. A partir das reflexões apresentadas sobre o conceito de Indicadores Sociais e sua relevância tanto na pesquisa acadêmica, quanto na administração pública, desde o diagnóstico até a avaliação das políticas públicas, faremos uma breve reflexão sobre a Pesquisa Social. PESQUISA SOCIAL Abramo (1979, p. 24), em sua discussão sobre a Pesquisa em Ciências Sociais relata a ciência como resultado de um processo social, desenvolvida em grupo e ao longo do tempo e que esse processo atravessou diversas etapas, com a preocupação de desenvolver um método científico cada vez mais adequado à realidade social. O autor diz que, especialmente nos séculos XVIII e XIX, vários estudiosos iniciaram investigações e análises mais cuidadosas dos acontecimentos históricos, das sociedades humanas, ou, dos fatos sociais respectivos. Nesse período desenvolvem­se pesquisas demográficas, econômicas, etnográficas, etnológicas, antropológicas, psicológicas, históricas e sociológicas. Na Sociologia, a partir da segunda metade do século XIX, estabelecem­se os princípios normativos dos métodos de observação e de interpretação nessa área. Como na Sociologia a característica metodológica fundamental é dada pelo fato de que o sujeito e o objeto do conhecimento se confundem, existe certa polêmica em torno da cientificidade da pesquisa em Ciências Sociais. No entanto, sua validade reside no fato de que os acontecimentos humanos históricos e sociais, não se dão por acaso, pois estão sempre interligados por relações tendenciais ou de probabilidade. (ABRAMO, 1979, p. 25­ 26). Desse modo, para Abramo (1979, p. 25) fazer pesquisa é “[...] fazer ciência, ou em outras palavras, dispor­se a conhecer cientificamente alguma coisa e efetivar tal intenção.” Ou seja, a pesquisa e aqui especificamente a pesquisa social, seria de extrema relevância para a realização de diagnósticos, por possuir os instrumentos científicos próprios à investigação da realidade social.
18 Segundo Richardson (1999, p. 16) a pesquisa social, como instrumento científico das Ciências Sociais, deve contribuir para o desenvolvimento do ser humano, mesmo que seu objetivo imediato seja a aquisição de conhecimento. Assim, é relevante que a investigação de determinado problema público seja realizada na sua totalidade, ou seja, uma pesquisa que abarque todos os setores, econômico, político, cultural e social, para, a partir da realização desse diagnóstico melhor direcionar os escassos recursos públicos à sociedade. Embora, freqüentemente, os problemas sociais sejam discutidos através do senso comum e muitas vezes banalizados, por serem considerados naturais na sociedade, não são analisados como conseqüência de causas maiores a eles relacionados. Esse fato deve­ se principalmente a falta de uma análise científica adquirida através da pesquisa dessa realidade, o que é observada por Gil (1999, p. 42) ao definir a “[...] pesquisa social como o processo que, utilizando a metodologia científica, permite a obtenção de novos conhecimentos no campo da realidade social.” Por esse motivo, ao estudar as relações existentes entre os indivíduos e com as instituições sociais é exigido do investigador um conhecimento sistemático para não correr o risco de permanecer no senso comum, principalmente por se estabelecer uma relação muito próxima entre o objeto de pesquisa e o pesquisador nas Ciências Sociais. Embora existam críticas quanto à validade da pesquisa em Ciências Sociais, não somente pela tentativa de utilizar a metodologia das Ciências Exatas em seus procedimentos, como no caso o Positivismo 4 , bem como pelo fato de “[...] que a familiaridade com o universo social constitui, para o sociólogo, o obstáculo epistemológico por excelência porque ela produz continuamente concepções ou sistematizações fictícias ao mesmo tempo em que as condições de sua credibilidade.” (BOURDIEU 2004, p. 23). O fato é que a pesquisa social possui todo um conjunto de métodos e técnicas que tornam seus resultados confiáveis, na medida em que existe um rigor científico pelos pesquisadores. Mesmo o pesquisador, trazendo consigo um conjunto de valores, ao investigar determinado problema social, obriga­se, enquanto cientista social a isentar­se do conjunto de pré­noções que fazem parte de seu cotidiano. É importante, pois, que a pesquisa esteja alicerçada em uma teoria social por ele adotada, seguindo a linha de pensamento e os conceitos sociais próprios desta. Porém, como é observado por Bourdieu (2004 p. 13): A questão da filiação de uma pesquisa sociológica a uma teoria particular do social – por exemplo, a de Marx, Weber ou Durkheim – é sempre secundária em relação à questão de saber se tal pesquisa tem a ver com a ciência sociológica: com efeito, o único critério para responder a tal 4 Sistema filosófico criado por Augusto Comte, que pretende reduzir a filosofia e o conhecimento da vida em sociedade a limites e métodos científicos.
19 pergunta reside na aplicação dos princípios fundamentais da teoria do conhecimento sociológico que, como tal, não estabelece qualquer separação entre autores que, em princípio, estariam separados no terreno da teoria do sistema social. Ou seja, é necessário ter a constante precaução do pesquisador, se determinado problema constitui uma preocupação epistemológica das Ciências Sociais, suas condições para realizá­la e sua validade científica. Outro ponto discutido sobre a validade da pesquisa social se refere ao envolvimento do pesquisador. A orientação positivista, modelo clássico de pesquisa, “[...] preconiza a utilização de procedimentos rigorosamente empíricos com vistas na obtenção de um máximo de objetividade na pesquisa”. (GIL, 1999, p. 45). Segundo os positivistas, a neutralidade e distanciamento do pesquisador em relação ao objeto pesquisado, permitem maior objetividade na obtenção dos resultados da pesquisa. Por essa razão, os positivistas defendem que a utilização do método quantitativo, através de instrumentos padronizados, seria suficiente para explicar a realidade social. Em oposição ao Positivismo, a Sociologia Compreensiva preconiza o envolvimento do pesquisador através da pesquisa­ação e da pesquisa participante, as quais utilizam o método qualitativo para o seu desenvolvimento. A pesquisa qualitativa, segundo Minayo (1994, p. 21­22), “[...] trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.” Os referidos modelos de pesquisas sociais utilizam o método qualitativo para explicar a realidade social, acreditando que o nível da realidade não pode ser quantificável, como acreditam os positivistas, por ser imbuída de significados subjetivamente construídos e que não são perceptíveis, ou, captáveis somente em dados estatísticos. Entretanto, várias críticas têm sido feitas tanto ao Positivismo, por restringir o conhecimento da realidade social ao que pode ser observado e quantificado, quanto à Sociologia Compreensiva, pelo demasiado subjetivismo analisado pelos investigadores, o que comprometeria a verdade científica na realização do trabalho. A abordagem Dialética, por sua vez, “[...] se propõe a abarcar o sistema de relações que constrói o modo de conhecimento exterior ao sujeito, mas também as representações sociais que traduzem o mundo dos significados.” (MINAYO 1994 p. 24). Segundo a autora, a Dialética considera tanto a quantidade quanto a qualidade dos fatos e dos fenômenos sociais. Compreende que suas determinações e transformações são dadas pelos sujeitos através de uma relação intrínseca de oposição e complementaridade entre o mundo natural e o mundo social, entre o pensamento e a base material de uma sociedade.
20 Mesmo havendo diferenças entre as correntes teóricas apresentadas na realização de uma pesquisa social, convém ressaltar que em ambas, o que está em jogo é a cientificidade da pesquisa, na medida em que necessita do conhecimento científico sobre o problema social apresentado. É “olhar sociologicamente” para a sociedade e a partir daí construir seu objeto de estudo que será transformado no problema da pesquisa social. Diante dessas considerações acerca da orientação teórica adotada pelo pesquisador, é importante ressaltar, como descreve Minayo (1994, p. 14) que: [...] nas Ciências Sociais existe uma identidade entre sujeito e objeto. A pesquisa nessa área lida com seres humanos que, por razões culturais, de classe, de faixa etária, ou por qualquer outro motivo, têm um substrato comum de identidade com o investigador, tornando­os solidariamente imbricados e comprometidos. Desse modo, o pesquisador estabelece uma relação com seu campo de estudo no qual sua visão de mundo está presente em todo o processo de conhecimento que vai desde a construção de seu objeto de investigação, os resultados que pretende alcançar e sua aplicação. Os resultados poderão ter sua aplicação na realidade social ser for uma pesquisa aplicada, como também a formulação, ou, contraposição de uma teoria social existente, que é obtida através da pesquisa social pura. Conceituando os dois tipos de pesquisa social, Gil (1999 p. 42­43) explica que: A pesquisa pura busca o processo da ciência, procura desenvolver os conhecimentos científicos sem a preocupação direta com suas aplicações e conseqüências práticas. Seu desenvolvimento tende a ser bastante formalizado e objetiva à generalização, com vistas na construção de teorias e leis. A pesquisa aplicada, por sua vez, apresenta muitos pontos de contato com a pesquisa pura, pois depende de suas descobertas e se enriquece com seu desenvolvimento; todavia, tem como característica fundamental o interesse na aplicação, utilização e conseqüências práticas dos conhecimentos. Mesmo que exista uma clara distinção entre ambas, é um equívoco presumir que a correspondência existente entre a pesquisa pura e a pesquisa aplicada esteja restrita às descobertas realizadas. Em muitos casos elas estão interligadas como descreve Hirano (1979, p. 35) ao constatar que: É comum acontecer que, no decorrer de uma pesquisa aplicada, surjam hipóteses ou mesmo conhecimentos verificados, que permitam a crítica, a formulação ou a reformulação da teoria. Nesse sentido, esses conhecimentos têm um caráter básico e fundamental. Por outro lado, uma pesquisa pura se transforma em prática quando surgem condições concretas peculiares para a utilização de seus resultados. Deste modo, percebemos que a ciência não é estática, está sempre em constante movimento, principalmente nas Ciências Sociais, onde o objeto de pesquisa é a sociedade e
21 as relações estabelecidas entre os indivíduos que nela vivem. Isso demonstra que as leis, ou, teorias sociológicas estabelecidas em determinado contexto histórico não podem ser totalmente adequadas em todos os tempos. Essas teorias, por sua vez, exigem uma reformulação de acordo com aquele contexto. Da mesma forma, em determinados momentos a pesquisa pura pode se transformar em prática na medida em que se torna possível a aplicabilidade de seus resultados à realidade social. MATERIAL E MÉTODOS O presente estudo foi desenvolvido tendo como fundamentação teórico­metodológica a Sociologia Compreensiva 5 procurando analisar o sentido das ações desenvolvidas pelos gestores públicos da prefeitura municipal de Canoinhas ao formular uma política pública e que metodologias são utilizadas para a realização das mesmas. A análise partiu da construção de um tipo­ideal 6 , o Estado com agir racional referente a fins, que utiliza instrumentos científicos, como a pesquisa social, nos processos decisórios formadores das políticas públicas, com a finalidade de obtenção de maior eficiência e eficácia em suas ações. Foi utilizada a pesquisa qualitativa, que segundo Minayo (1994, p. 21­22) “[...] trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.” Com a utilização deste método procurou­se compreender o significado das ações apresentadas na administração municipal ao decidir e formular determinadas políticas públicas no município. A pesquisa de campo foi relizada através de entrevistas não­estruturadas, procurando saber “[...] que, como e por que algo ocorre, em lugar de determinar a freqüência de certas ocorrências, nas quais o pesquisador acredita.” (GIL, 1999, p. 208). O universo de pesquisa foi composto por 06 (seis) secretarias municipais sendo a entrevista realizada com os secretários ou supervisores das respectivas. 5 Abordagem teórico­metodológica desenvolvida pelo pensador alemão Max Weber (1864­1920) voltada para o estudo do sujeito e não do objeto. Para Weber o indivíduo é o elemento fundante na explicação da realidade social. Desse modo, o estudo da sociedade passa pela análise do comportamento dos indivíduos, partindo das diferentes ações que se estabelecem entre eles. Por sua vez, o objetivo da metodologia compreensiva é compreender o significado da ação social, que pode se interpretado de acordo com os tipos de ação apresentada: ação racional referente a fins (determinada pelo cálculo racional que estabelece fins e organiza os meios necessários), ação racional referente a valores (determinada pela crença consciente num valor considerado importante, independente do êxito desse valor na realidade), ação social afetiva (determinada por afetos ou estados emocionais) e ação social tradicional (determinada por um costume ou hábito arraigado). 6 Segundo Weber (2001) o tipo­ideal é uma construção intelectual, a partir de uma “intensificação” unilateral da realidade, destinada à mediação e à caracterização sistemática das relações individuais, isto é, significativa pela sua especificidade.
22 Classifica­se como pesquisa explicativa, mais precisamente um estudo de caso, por “[...] analisar detalhadamente o passado, presente e as interações sociais de uma unidade social: um indivíduo, grupo, instituição ou comunidade.” (RICHARDSON, 2000 p. 327). Para a análise dos dados coletados foi utilizada a técnica de análise de conteúdo, que de acordo com Bardin (apud RICHARDSON, 2000, p. 230) é compreendida em três fases, a saber: pré­análise; análise do material; tratamento dos dados, a inferência e a interpretação. Como descreve o autor, a pré­análise é “[...] a fase de organização propriamente dita. Visa operacionalizar e sistematizar as idéias, elaborando um esquema preciso de desenvolvimento do trabalho” (ibidem, 231). Adiante se explica que esta etapa “[...] abrange três aspectos: a escolha do material, a formulação de hipóteses e objetivos e a elaboração de indicadores para a interpretação da realidade.” (ibidem, 231). A análise do material, realizada após a pré­análise, “[...] consiste basicamente na codificação, categorização e quantificação da informação.” (Ibidem, 233). O tratamento de dados, a inferência e a interpretação, por fim, objetivam tornar os dados válidos e significativos. Para tanto são utilizados procedimentos estatísticos que possibilitam estabelecer quadros, diagramas e figuras que sistematizam e põem em relevo as informações obtidas. (GIL apud KAUVA, 2005, p. 42). Fundamentada nas etapas acima mencionadas, procedeu­se da seguinte forma: na pré­análise foram elaboradas as perguntas para a realização das entrevistas, fazendo­se posteriormente uma leitura superficial das respostas dos sujeitos de pesquisa para, em seguida, organizar os dados coletados. Na análise do material, os dados coletados foram organizados e agrupados para a apresentação e interpretação. Na fase de tratamento, inferência e interpretação de dados, primeiramente os dados coletados foram analisados e, considerando as premissas argumentadas a partir do aprofundamento teórico e metodológico empreendido no trabalho, realizaram­se as inferências correlacionando os dados com os conceitos teórico­metodológicos e as categorias de análise. RESULTADOS E DISCUSSÃO Na administração municipal de Canoinhas foi confirmado o desenvolvimento de várias políticas públicas no decorrer do ano através das secretarias municipais. Os setores que mais efetivam políticas públicas estão relacionados à saúde e ao desenvolvimento social, onde existem diversos programas criados pelo Governo Federal, de acordo com os convênios firmados entre ambos, demonstrando que as políticas públicas desenvolvidas se
23 devem à atuação do Estado em políticas públicas compensatórias de combate a pobreza e não a reivindicações da sociedade civil ou das esferas públicas locais no atendimento de demandas sociais específicas no município. Quanto à importância da pesquisa social para levantar as prioridades do município antes de formular as políticas públicas, os resultados apresentados demonstram a concordância da necessidade em realizá­la. No entanto a concepção que os mesmos têm sobre pesquisa social é divergente de seu conceito. Conforme Minayo, (1994, p. 35) a pesquisa social “[...] ultrapassa o senso comum (que por si é uma reconstrução da realidade) através do método científico”. Segundo a autora este método “[...] permite que a realidade social seja reconstruída enquanto um objeto do conhecimento, através de um processo de categorização (possuidor de características específicas) que une dialeticamente o teórico e o empírico” (ibidem, 35). Denota­se a existência de uma considerável distância entre sua importância e a compreensão do seu significado. Apesar de considerarem importante a pesquisa social como um instrumento capaz de conhecer as demandas sociais, a mesma não ocorre no âmbito da administração municipal. A concepção de pesquisa para os mesmos restringe­se a levantamento de dados. Sobre a utilização de indicadores sociais na formulação de políticas públicas, algumas secretarias apresentaram dificuldades em discernir entre dados estatísticos, ou estatísticas públicas com os mesmos, ao relacionar os indicadores sociais a informações estatísticas de algumas reconhecidas organizações em âmbito estadual ou federal, 7 sem, contudo apresentar efetivamente os indicadores sociais utilizados: IDH, desemprego, habitação, entre outros. As estatísticas públicas são levantadas através de Censos Demográficos, ou, dados coletados em registros administrativos de Ministérios de Estado e prefeituras, constituindo a matéria­prima para a construção dos Indicadores Sociais. Portanto, conforme descreve Jannuzzi (2001, p. 16), as estatísticas públicas estão parcialmente preparadas para a interpretação da realidade, por apresentar o dado social na forma bruta e não estar inserido em uma Teoria Social ou finalidade programática. Em relação aos profissionais que realizam a pesquisa (levantamento de dados), os secretários confirmaram a inexistência de pessoas com conhecimento específico na área de pesquisa para a realização deste trabalho. São os funcionários de cada secretaria que desenvolvem todo o processo de levantamento de dados, através das fontes citadas, e dependendo da dimensão do projeto, há necessidade de contratação de outros profissionais, geralmente quando isso envolve a utilização de determinados instrumentos e equipamentos que a prefeitura não dispõe. Esta situação demonstra uma fragilidade, 7 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), Federação Catarinense de Municípios (FECAM), Tribunal de Contas do Estado (TCE), Banco de Dados do Sistema Único de Saúde (DATASUS), Associação dos Municípios da Região do Contestado (AMURC).
24 referindo­se aos resultados que podem ser apresentados pela falta de profissionais específicos nesta área. Mesmo que a princípio pareça ser irrelevante, a visão de um técnico sem um conhecimento voltado à área de pesquisa em ciências sociais pode comprometer todo o processo, uma vez que sua visão do problema pode estar voltada principalmente aos recursos empreendidos na política em questão, desconsiderando, no entanto, as possibilidades de tal política ter sua eficácia esperada. 8 Quanto às secretarias municipais utilizarem coletivamente os resultados das pesquisas, as respostas apontam, basicamente, para uma troca de idéias, ou apenas de dados estatísticos, discutidos conjuntamente em reuniões, cabendo ressaltar que, devido aos escassos subsídios informativos obtidos através das estatísticas públicas, torna­se difícil ir além desta condição preliminar e insuficiente. Este fato remete mais uma vez à categoria de políticas públicas, no sentido de indagar, em que condições os profissionais das secretarias desenvolvem seus projetos para a alocação mais eficiente dos recursos públicos, tendo em vista a precariedade de informações de que dispõem. Referente à possibilidade de contratar um profissional específico para a realização de pesquisa e projetos que viabilizem a formulação e implementação de políticas públicas, constatou­se que somente um secretário reconheceu a falta de um profissional na área de Ciências Sociais (sociólogo, antropólogo, ou, assistente social) para este setor, ressaltando ainda que a prefeitura municipal não “acordou” [sic] para esta necessidade. Diante deste fato, fica evidente como ressalta a visão neo­institucionalista que “[...] as organizações tendem a reproduzir as modalidades de ação e tecnologias que tiveram êxito no passado e renunciam por vezes a procurar novas.” (DELLA PORTA, 2003, p. 242). Essa rotinização impede a busca de novas alternativas para resolver os problemas apresentados no contexto social. O hábito de estudar um problema superficialmente dificulta uma reflexão mais profunda da realidade. O contrário desses procedimentos pré­científicos na gestão pública é que poderia tornar mais viável os resultados apresentados pela pesquisa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS No geral, é possível advogar em defesa da utilização da pesquisa social nas administrações públicas municipais. Ao considerar, portanto, a nova configuração do Estado, tivemos a compreensão de que a pesquisa social, parece bastante relevante do ponto de vista científico e metodológico para analisar a realidade social e apontar, com 8 Sobre a premência da profissionalização e da capacitação no serviço público é interessante destacar o artigo de Birkner (2005), Intervenções governamentais nos processos decisórios para a promoção do desenvolvimento regional: um estudo de caso das Secretarias de Desenvolvimento Regional de Santa Catarina – SDR.
25 critérios objetivos, os problemas a serem resolvidos pela gestão pública, através das políticas desenvolvidas com essa finalidade. Esta reflexão permitiu a inferência da política pública como o estudo das ações dos governos, através do qual, o cientista político analisa suas tipologias e compreende como se dão os processos decisórios que formulam as políticas públicas. No decurso deste estudo foi possível compreender como e por que os gestores públicos tomam, ou, deixam de tomar determinadas decisões que resultarão em ações de governo. Este fator é indispensável ao analisar o porquê de a administração municipal de Canoinhas tomar determinadas decisões ao elaborar as políticas públicas no município. Conhecendo estes procedimentos utilizou­se outro assunto também importante na formulação das políticas publicas atualmente, quais sejam, os indicadores sociais. O estudo possibilitou a apreensão sobre a construção dos sistemas de indicadores sociais, assim como sobre os critérios de classificação dos mesmos. Outro aspecto estudado foi o fator relevância de um indicador social, referindo­se a critérios de confiabilidade, validade, além de outros analisados, que demonstram no contexto atual, os motivos pelos quais os indicadores são referência como critério de informação relevante no cenário norteador das políticas públicas. Os resultados da pesquisa demonstram que ainda não existe a pretensão em utilizar a pesquisa social como subsídio nos processos decisórios que formulam as políticas públicas na prefeitura municipal de Canoinhas. Constatou­se o reconhecimento dos secretários municipais quanto à importância de realizar uma pesquisa para diagnosticar os problemas existentes no município. Todavia, a visão dos entrevistados sobre a pesquisa social era restrita a levantamento de dados. Quanto à possibilidade de contratação de um profissional específico na área de pesquisas e projetos, constatou­se que não há interesse na administração municipal em contratar um cientista social para exercer esta função. O Executivo atualmente dispõe de técnicos da própria prefeitura para desempenhá­la, ou, profissionais específicos para cada secretaria, como foi citado pelo secretário do meio ambiente ao mencionar a contratação de um engenheiro ambiental. Considerando o exposto, pode­se afirmar que os objetivos da pesquisa foram alcançados na medida em que se apresentou o resultado do trabalho em relação à pesquisa social, como prática inexistente nos processos decisórios formadores das políticas públicas na administração municipal de Canoinhas. Tal fato remete ao método adotado para a análise e interpretação dos dados, pois a sociologia compreensiva weberiana pressupõe o princípio de racionalidade do Estado através do agir racional referente a fins. Neste caso, o tipo­ideal construído para a realização do trabalho, refere­se ao Estado que utiliza através deste princípio, a pesquisa
26 social com o intuito de conseguir maior eficiência em suas ações e eficácia nos resultados dessas ações. A partir do tipo ideal de administração pública, buscou­se analisar o sentido/significado da ação, para mostrar o quanto estão próximos ou distantes desse tipo ideal. Deste modo utilizou­se a metodologia compreensiva weberiana analisando como os indivíduos, no caso os gestores públicos, decidem suas ações ao formular uma política pública. Se suas escolhas na administração pública são determinadas com o objetivo de atingir um resultado eficiente e para isso buscam­se os meios mais adequados para consegui­los (ação racional referente a fins); se as escolhas são baseadas em valores éticos, ou, políticos, não importando se os resultados são positivos ou negativos (ação racional referente a valores); se são pautadas em afinidades e interesses determinados por estados emocionais atuais – vingança, proteção, etc. – (ação social afetiva); ou, ainda se as suas escolhas públicas são determinadas por um costume arraigado, identificado aqui como as decisões tomadas “de cima para baixo”, sem a participação da sociedade nas decisões de interesse coletivo (ação social tradicional). Diante desta premissa, ficou evidenciado que a pesquisa social ainda não foi inserida nas secretarias municipais entrevistadas. Como esta abordagem destaca a compreensão da realidade humana vivida socialmente, entende­se que no cenário da administração pública, as decisões tomadas não estão isentas de significados para além da racionalidade exigida. Isto se deve às ações praticadas pelos indivíduos que, por questões de valores, de corporativismo ou de negligência, tomam decisões que tendam à permanência de determinados padrões em suas atividades. Por esse motivo, haveria uma resistência quanto à inclusão da pesquisa social na administração pública e a contratação de profissionais especializados, no caso, o sociólogo. Deve­se considerar também a necessidade de o sociólogo apresentar as suas atribuições enquanto profissional especializado para corresponder a essa demanda do mercado de trabalho. Isso significa sair do ambiente acadêmico e apresentar a sociedade propostas que despertem a percepção da relevância da profissão do sociólogo em diversos setores da sociedade e entre eles o setor público. REFERÊNCIAS ABRAMO, Perseu. Pesquisa em Ciências Sociais. In: Hirano, Sedi (Org). Pesquisa social: projeto e planejamento. São Paulo: T. A. Queiroz, 1979. BIRKNER, Walter Marcos Knaesel. Intervenções governamentais nos processos decisórios para a promoção do desenvolvimento regional: um estudo de caso das
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1 1.1 iv seminario internacional sobre desenvolvimento