Actas do XIV Colóquio da AFIRSE | Para um Balanço da Investigação em Educação de 1960 a 2005. Teorias e Práticas
Actes du XIVème Colloque de l’AFIRSE | Pour un bilan de la Recherche en Education de 1960 à 2005. Théories et Pratiques
“PLANO INDIVIDUAL DE TRABALHO” E FORMAÇÃO DE PROFESSORES
“PLAN INDIVIDUEL DE TRAVAIL” ET FORMATION DES ENSEIGNANTS
SILVA, Lino Moreira da ([email protected])
Universidade do Minho
RESUMO
Dado o papel de intervenção educativa na sociedade, através da escola, assumido pelos professores,
ninguém porá em causa a importância de se reflectir acerca dos modelos aplicados à sua formação,
tanto inicial como continuada.
Ora, uma maneira de procedermos a essa reflexão será procurarmos, nos modelos praticados no
passado, aquilo que de melhor eles trouxeram à formação de professores.
É o caso do Plano Individual de Trabalho, introduzido na formação de professores pelo Decreto-Lei
580/80, de 31 de Dezembro.
Parte integrante e essencial do modelo de formação de professores regulamentado por esse Decreto, o
Plano Individual de Trabalho apresentou-se com potencialidades capazes de transmitir profissionalismo,
competência, reflexividade, autonomia.
Atendendo aos objectivos que aqui nos movem, de fazermos um “balanço integrado” de saberes na
área da educação, o autor da presente comunicação propõe-se retomar o modelo que instituiu o Plano
Individual de Trabalho e reflectir sobre ele, de modo a: - Apreciar, à distância que já é possível, a
importância que tal Plano assumiu. - Relevar os principais aspectos constitutivos do Plano Individual de
Trabalho, que integrava esse modelo. - Destacar o valor formativo de tais aspectos, no âmbito do
modelo de que fez parte. - Salientar os desvios que, operados no modelo, poderão ter interferido no seu
abandono. - Evidenciar as potencialidades formativas que, apesar de tudo, nos poderão ainda advir da
realização do Plano Individual de Trabalho, no espírito e na letra do que tal modelo previu, como
resposta às necessidades de formação de professores (inicial e continuada) de hoje.
PALAVRAS-CHAVE
Formação de Professores; Formação Contínua; Plano Individual de Trabalho; Realidade Educativa
Portuguesa
RESUME
Vu le rôle de l’intervention éducative dans la société, à travers l’école, pris en charge par les
enseignants, personne ne met en cause l’importance de réfléchir sur les modèles appliqués à leur
formation initiale et continue.
Or, une façon de procéder à cette réflexion est de trouver, dans les modèles mis en pratique dans le
passé, ce qu’ils ont apporté de meilleur à la formation des enseignants, en cherchant à en justifier
l’existence et de quelle façon ces applications ont donné un tel résultat.
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C’est la cas du Plan Individuel de Travail introduit dans la formation des enseignants par le Décret-Loi
580/80, du 31 Décembre.
En tant que composante essentielle du modèle de formation des enseignants soumis à règlement par ce
Décret-loi, le Plan Individuel de Travail se présentait comme ayant des potentialités capables de
transmettre du professionnalisme, de la compétence, de la réflexivité, de l’autonomie.
Compte tenus les objectifs qui nous mobilisent ici, faire un “bilan intégré” de savoirs dans le domaine de
l’éducation, l’Auteur de ce texte se propose de reprendre le modèle qui a institué le Plan Individuel de
Travail et d’y réfléchir, de façon à: - Apprécier, autant que le recul la rend possible, l’importance prise
par ce Plan. - Relever les aspects constitutifs principaux du Plan Individuel du Travail, qui intégrait ce
modèle. - Mettre en relief la valeur formative de ces aspects, dans le cadre du modèle dont il faisait
partie. - Mettre en évidence les potentialités formatives qui, cependant, pourront encore découler de la
réalisation du Plan Individuel de Travail, dans le cadre de l’esprit et de la lettre que ce modèle prévoyait,
comme réponses aux besoins de formation (initiale et continue) des enseignants d’aujourd’hui.
MOTS-CLES
Formation des Enseignants ; Formation Continue ; Plan Individuel de Travail ; Réalité Éducative
Portugaise
1. Introdução
Os professores assumem, na sociedade, através da escola, um importante papel interventivo.
Por isso se justifica reflectir acerca dos processos aplicados na sua formação, tanto inicial como
continuada (C. V. Freitas, 1999).
Dada a expansão dos sistemas educativos, a complexidade das situações e as transformações
operadas no mundo em que vivemos, a evolução científica e tecnológica e os novos saberes
por ela exigidos, esta é uma área essencial, dela dependendo o sucesso da escola, com
consequências evidentes para a sociedade.
A crise que se instituiu, entre nós, relativamente à empregabilidade dos professores, e à
procura dos cursos que os formam, levando ao reequacionamento dos próprios cursos e das
propostas de formação, não pode dispensar a continuidade desta reflexão, sob pena de não
melhorarmos os processos e de, pelo menos a médio prazo, virmos a padecer dos mesmos
males que alguns países actualmente vão evidenciando, de não disporem de professores
formados, em qualidade e quantidade, para responderem às necessidades educativas das
escolas e do país.
Se a formação contínua de professores não tem merecido grande atenção por parte dos
organismos responsáveis e ainda não foi consubstanciada num modelo capaz de garantir
eficácia à sua realização, o mesmo não tem acontecido relativamente à formação inicial.
Sobre esta, alguns têm sido os modelos aplicados, devendo nós, deles, procurar relevar aquilo
que de melhor trouxeram à formação de professores, procurando justificar por que assim foi e
de que modo as aplicações feitas deram tal resultado, para podermos (aplicando-os,
mantendo-os, alargando a sua intervenção) garantir uma cada vez melhor qualidade na
desejada formação.
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Um desses modelos, praticados no passado, foi o que substituiu os denominados "estágios
clássicos" pela designada "Profissionalização em Exercício", de que era parte essencial a
realização e o cumprimento de um Plano Individual de Trabalho, enquanto "plano de trabalho
individual".
Parte integrante e essencial do modelo de formação de professores regulamentado pelo
Decreto 580/80, de 31 de Dezembro, o Plano Individual de Trabalho trouxe potencialidades
capazes de transmitir profissionalismo, competência, reflexividade, autonomia, qualidades
essenciais num professor, valorizadas por qualquer modelo responsável e sério de formação
de professores (Ch. Day, 2001; P. Grossman, 1990). Não obstante isso, o modelo (ou pelo
menos a parte do modelo de que participava o Plano Individual de Trabalho) não foi
continuado, e nem sequer avaliado, tendo sido substituído por outro sem dele se retirarem
quaisquer conclusões.
Atendendo aos objectivos que aqui nos movem, de fazermos um “balanço integrado” de
saberes na área da educação, o autor da presente comunicação propõe-se retomar o modelo
que instituiu o Plano Individual de Trabalho e reflectir sobre ele, de modo a: apreciar, à
distância que já é possível, a importância que tal Plano assumiu; relevar os principais aspectos
constitutivos do Plano Individual de Trabalho, que integrava esse modelo; destacar o alcance
formativo de tais aspectos, no modelo de que fez parte; salientar os desvios que, operados no
modelo, poderão ter interferido no seu abandono; evidenciar as potencialidades formativas
que, apesar de tudo, nos poderão ainda advir da realização do Plano Individual de Trabalho, no
espírito e na letra do que tal modelo previu, como resposta às necessidades de formação
(inicial e continuada) dos professores de hoje.
2. A profissionalização em exercício enquanto modelo de formação de professores
2.1 – O Decreto-Lei 580/80, de 31 de Dezembro instituiu um novo modelo de formação de
professores. Este Decreto dava sequência a outros instrumentos legais anteriores
(nomeadamente o Decreto-Lei 519-T1/79, de 29 de Dezembro) e foi continuado por outros
(Despacho 358/80, de 31 de Outubro; Despacho 3/81, de 9 de Janeiro). Através do modelo
instituído, pretendeu-se "criar estabilidade para o corpo docente dos estabelecimentos de
ensino"; "assegurar de forma eficaz e a curto prazo a profissionalização dos docentes";
"contribuir para a criação de reais igualdades de acesso ao ensino, descentralizando a
formação de pessoal docente e indo, assim, ao encontro das necessidades das zonas mais
carecidas do país"; "lançar as bases de um verdadeiro sistema de formação contínua";
"facultar aos serviços centrais e periféricos a criação de sistemas mais expeditos de gestão e
formação de pessoal" que permitissem, a curto prazo, "a normalização do funcionamento do
subsistema do ensino não superior"; "criar um órgão central de planeamento e coordenação
das actividades de formação do pessoal docente do ensino não superior"; "definir as carreiras
profissionais docentes do ensino não superior"; "promover a unificação e alargamento
progressivo dos quadros de professores efectivos em cuidadosa articulação com a
profissionalização, após a redefinição de grupos e habilitações".
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Para estes objectivos serem compreendidos, é preciso atender a que o ensino estava em fase
de massificação e exigia a criação de mais escolas em espaços dispersos pelo país. Não
existiam professores, nem em quantidade, nem com qualificação profissional, para dar
resposta às novas necessidades, e ainda por cima procuravam prioritariamente colocação em
grandes centros. Daí resultavam muitos problemas (logísticos, institucionais, administrativos,
pedagógicos) para as escolas existentes e as que estavam a nascer, sobretudo as que se
sediavam nas pequenas localidades. Por seu lado, o processo de formação de professores em
vigor estava muito centralizado e não tinha capacidade para responder às novas necessidades.
Daí que se instituísse um modelo de formação inicial de professores capaz de responder a tais
necessidades.
Tratou-se de um passo necessário e importante, pois que o alargamento da escolarização, que
se pretendia para todos, e começava a crescer em existência e exigência, necessitava de
professores, e professores preparados, o que se reconhecia não acontecer.
O modelo instituído começou por valorizar a formação inicial, "Profissionalização em
Exercício", através de uma contratação plurianual (por dois anos), segundo determinadas
condições, com os professores interessados. Mas ao mesmo tempo, já se reconhecia que a
formação inicial não era suficiente, querendo-se prever a criação de um sistema de formação
contínua de professores, de que o modelo em causa serviria como estrutura de suporte.
2.2 – O modelo de formação instituído pelo Decreto-Lei 580/80 concentra-se na formação
inicial de professores ("Profissionalização em Exercício"), estabelecendo contratos plurianuais
(por dois anos) com os professores interessados.
A coordenação do processo foi confiada:
a) a nível nacional, às Direcções-Gerais dos Ensinos Básico, Secundário e Particular e
Cooperativo e a um designado Conselho Orientador;
b) a nível regional, a Equipas de Apoio Pedagógico;
c) a nível local, às escolas, através do seu Conselho Pedagógico, de que participavam os
delegados de grupo (subgrupo ou disciplina). Eram estes interventores quem prestava apoio
permanente aos docentes em formação, tendo-lhes sido prometida preparação e apoio
profissional para o exercício das suas funções.
Este modelo de formação era, assim, sediado na escola, centro da profissionalização, onde o
professor desenvolvia funções docentes ao mesmo tempo que realizava a formação, em
ambiente profissional, portanto, com um horário lectivo com redução de 25% relativamente
ao de um professor comum.
A prática pedagógica era orientada pelos Conselhos Pedagógicos e apoiada por equipas de
orientadores pedagógicos.
Estes últimos eram professores recrutados por concurso segundo critérios instituídos. Sobre
eles, foi declarado que teriam direito a preparação e apoio profissional para o exercício das
suas funções. Funcionavam em equipa, em Centros de Apoio Pedagógico, repartidos por
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Zonas, em quatro regiões do país, dependendo a sua constituição de factores como o número
de professores em profissionalização, a localização das escolas, as carências evidenciadas.
As suas finalidades eram colaborar com os Conselhos Pedagógicos no acompanhamento da
profissionalização dos professores e na dinamização da formação dos mesmos. Eles
instituíram-se em pólos de intervenção directa e à distância na Profissionalização em Exercício,
apoiando acções de coordenação, a nível regional ou local da profissionalização de
professores.
Uma das vertentes da formação instituída foi a informação científica e a informação ou
formação no âmbito das ciências da educação, em áreas como: Correntes Actuais da
Pedagogia, Sociologia da Educação, Organização e Gestão Escolar, Psicologia do
Desenvolvimento, Psicologia da Aprendizagem, Desenvolvimento Curricular, Métodos e
Técnicas de Ensino, Avaliação, Iniciação à Pesquisa e Experimentação Pedagógica.
Para responder às necessidades criadas, previa-se o apoio directo, o apoio documental e
áudio-visual e a colaboração com instituições do Ensino Superior. Prometeu-se, ainda, um
"programa esquematizado", a ser organizado pelo instituído Conselho Orientador e pelas
Direcções-Gerais de Ensino, comportando bibliografia, textos preparados, acções via
rádio/tv/vídeo, apoio de especialistas, cuja preparação caberia aos Centros de Formação,
Direcções-Gerais (de Ensino Básico, Secundário, Particular e Cooperativo, do Pessoal e do
Equipamento Escolar) e Instituto de Tecnologia Educativa.
2.3 – O modelo da Profissionalização em Exercício apresentava como elemento norteador um
Projecto Global de Formação, com o qual se dizia pretender criar um "novo tipo de discurso
pedagógico", não deixando "empobrecer as actividades discente e docente por visões parciais
da realidade, levando, pelo contrário, umas e outras a procurarem os nexos que prendem uma
disciplina a outra disciplina", de modo a contribuir-se para uma "renovação contínua".
Nesse Projecto Global, estavam previstos objectivos da formação repartidos por três áreas:
a) intervenção no sistema educativo (política educativa, estruturas educativas, problemas
pedagógicos decorrentes do sistema educativo, problemas da formação);
b) intervenção na escola (dinamização da acção educativa, participação na gestão democrática
da escola, programação e realização de actividades educativas, detecção e solução de
problemas educativos, relação escola-meio, participação e colaboração na análise e resolução
dos problemas suscitados pela prática pedagógica);
c) intervenção na turma (promoção do melhoramento contínuo do rendimento escolar,
problematização do papel formativo das disciplinas curriculares, consideração da estrutura e
dos conteúdos dos programas, planificação com correcção científica e pedagógica e sua
colocação em prática, avaliação do trabalho realizado).
Do Projecto Global de Formação derivavam Projectos Específicos, organizados por disciplinas,
que constituíram "o suporte teórico" do plano de trabalho do professor em formação.
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Como refere o art. 28.º do Decreto-Lei 580/80, o modelo da "Profissionalização em Exercício"
teria como realização efectiva, no terreno, "o cumprimento de um plano de trabalho
individual", designado por Plano Individual de Trabalho, que foi instituído como elemento
norteador da formação dos professores dentro do modelo.
3. Alguns comentários ao modelo base da profissionalização em exercício
O modelo de formação de professores, instituído pelo Decreto-Lei 580/80, de 31 de
Dezembro, revelou-se ambicioso e de delineação exigente. Mostrou, por parte dos seus
promotores, consciência da realidade do país e das escolas a que tencionava responder. O
modelo pretendeu acompanhar a massificação do ensino (a que nunca é fácil dar resposta
adequada) e incutir democraticidade nos procedimentos e localização da formação.
Os objectivos relacionados com a profissionalização docente e a dotação das escolas de meios
humanos para o desempenho das suas funções foram em boa parte alcançados. Também se
gerou uma dinâmica que até então nunca fora conhecida, nas escolas, como se pode constatar
consultando a imprensa da época.
Atendendo ao muito que havia para fazer, pode dizer-se que o contributo prestado pelo
modelo à realidade do ensino foi aceitável e positivo.
Mas há algumas notas a referir.
A formação de boa parte dos docentes era feita em escolas do interior, mas logo que possível
(quando terminava o contrato) eles transferiam-se para os grandes centros, deixando as
escolas de formação na mesma situação de antes. As escolas dos pequenos lugares só
começaram a ver as suas necessidades satisfeitas quando as dos grandes centros ficaram com
os quadros preenchidos. E se os quadros das escolas pequenas em poucos anos ficaram
completos, isso não teve a ver directamente com o modelo da Profissionalização em Exercício,
mas com medidas profissionalizantes posteriores, e sobretudo com o aumento da oferta de
Ensino Superior nas áreas de formação de professores.
O prometido sistema de formação contínua de professores, apesar de previsto, nunca
funcionou. A intenção era muito positiva, pois que nenhuma formação inicial se esgota em si
mesma, mas os tempos não estavam voltados para a qualificação. Aliás, ainda continuamos à
espera de uma resposta para esta profunda necessidade dos professores do ensino não
superior. Os Centros de Formação de Professores, instituídos em 1992 com esse objectivo,
estão muito longe de se poderem apresentar como resposta à formação contínua de
professores, e muito menos como solução adequada às necessidades, no sentido da
continuidade da formação, do crescimento pessoal, da actualização constante, e só se mantêm
de pé porque se tem querido dar imagem (e só) da sua existência, não tem havido coragem
para focalizar com verdade o problema (que é realmente um problema) e têm sido via para se
escoarem os fundos advindos da Comunidade Europeia, que de outro modo teriam de ser
devolvidos.
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A formação prometida aos professores delegados, nas escolas, por parte de organismos
centrais, não existiu. A que se fez foi praticada pelas Equipas de Apoio Pedagógico que
organizaram e desenvolveram formação no terreno. Mesmo assim, gerou-se considerável
dinamismo de formação em muitas escolas, que ganharam em parte dinâmica formativa.
A incutição de exigências no domínio da formação em ciências da educação foi importante. A
maioria dos professores não tinha conhecimentos nestes domínios nem havia desenvolvido
reflexão sobre eles nos cursos que tirou.
Também foi importante a consideração das três áreas de formação (sistema educativo, escola,
turma), reconhecendo-se ser da interacção destes três factores, aplicada à realidade, que
resulta, no essencial, o sucesso na escola.
O apoio directo previsto para ser praticado por instituições do Ensino Superior não existiu. E a
razão esteve em que tais instituições, ressalvando uma ou outra excepção e a intervenção de
um ou outro docente, também não estavam preparadas nem motivadas para isso.
Preocupava-as mais a investigação pura do que um desempenho transformador do sistema
educativo.
O apoio documental prometido notou-se muito pouco. Uma excepção meritória foi a
publicação de um Boletim Formativo, de elaboração periódica, que focalizou aspectos
nucleares da formação de professores.
Os conselhos pedagógicos, de que faziam parte, maioritariamente, os professores delegados
das várias disciplinas, nas escolas (orientadores da profissionalização), fizeram o que puderam,
na sua maior parte, e, em muitos casos, procuraram estabelecer-se como dinamizadores da
formação. Todavia, a formação detida pelos elementos que dele faziam parte (que era, em
regra, muito deficitária) foi decisiva para o seu desempenho na formação. E as promessas
feitas de formação, preparação e apoio profissional para o exercício das suas funções não se
cumpriram. Em todo o caso, terá de se reconhecer que os esforços exercidos (que existiram,
de facto) contribuíram para se começar a desenvolver, nas escolas, a consciência da
importância da formação. E também nesse aspecto o modelo não deixou de ser positivo.
As Equipas de Apoio Pedagógico eram constituídas por professores do ensino não superior,
recrutados por concurso. Mas se num primeiro momento tais professores foram escolhidos de
forma meticulosa, tendo em conta a sua formação, currículo e experiência, numa fase
posterior, e porque professores nas condições iniciais não abundavam, foi-se perdendo o rigor
inicial. Tal se reflectiu nas funções desempenhadas, em que se notou a prevalência do
formalismo sobre o rigor.
Os grandes meios prometidos para os centros de formação nunca se concretizaram. A
relevância organizativa, formativa e pedagógica que eles tiveram no seu início, foi esvaziada a
partir de certa altura, servindo-se alguns orientadores da situação como patamar para outros
desempenhos de interesse pessoal, desviando para eles as energias que eram devidas ao
trabalho na formação.
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A ter-se mantido o modelo com tudo o que foi prometido, ele bem poderia ter sido germe de
transformação das escolas em centros culturais locais e de formação contínua de professores,
onde são grandes as necessidades (I. Alarcão, 1998; B. P. Campos, 2002-a).
Também foi positiva a delineação do Projecto Global de Formação, de que derivaram Projectos
Específicos, organizados por disciplinas, que constituíram "o suporte teórico do Plano
Individual de Trabalho do professor em formação". Tal delineação foi bem organizada e
mostrou conhecimento das realidades do país a que era preciso dar resposta. Todavia, a sua
aplicação foi deficitária em muitos aspectos, sobretudo porque as práticas nem sempre se
aproximaram do que era pedido.
Em suma, é preciso notar que o modelo da Profissionalização em Exercício surgiu na sequência
dos designados estágios clássicos, muito centralizados e visando um grupo diminuto de
professores. Para uma escola massificada, as necessidades eram outras e as respostas teriam
de ser outras também.
Apesar de tudo, o modelo foi voluntarista e revelou-se uma primeira resposta às necessidades
formativas dos professores, no país. Em diversos domínios, nomeadamente na dinâmica
intrínseca e formativa da escola, ele apresentou-se, em muitas das escolas envolvidas, com
grande capacidade de resposta.
Reconhece-se que a escola deve ser um espaço de formação constante, para todos os seus
intervenientes. Um dos grandes méritos do modelo da Profissionalização em Exercício foi ter
percebido isso. E apesar das limitações e dos erros, foram dados alguns passos nesse sentido,
procurando-se dotar a escola de um verdadeiro pendor educativo (J. Delors, 2003), tornando-a
centro de formação dinâmico e centro cultural do meio onde está inserida – lutando-se contra
o que, apesar dos "belos discursos", continua enraizado, entre nós: um espaço para "recolher
alunos" e "debitar matérias" (onde o "ensino" aparece dissociado da "aprendizagem").
Apesar do impacto que teve nas escolas e na sociedade, o modelo da Profissionalização em
Exercício foi dado como esgotado nas suas potencialidades e foi abandonado. As Equipas de
Apoio Pedagógico foram dissolvidas sob o argumento de que não tinham eficácia. E passou-se
a um modelo seguinte sem que o anterior tivesse sido avaliado. E se havia muito em que
melhorar o processo, também havia nele potencialidades que mereciam ter sido aproveitadas
e continuadas. Sobretudo (é um dos maiores reparos a fazer à extinção repentina do modelo),
não houve interesse em avançar para uma das linhas de intervenção pedagógica mais
promissora – a formação continuada de professores.
4. Alcance formativo do plano individual de trabalho no interior do modelo que o
integrou
Apesar da largueza dos objectivos formulados pelo Decreto-Lei 580/80, de 31 de Dezembro, no
centro do modelo de formação instituído (como aparece referido no artº 28º desse Decreto)
estava a formação inicial de professores. Para a sua efectivação, foi considerada nuclear a
delineação e o desempenho de um Plano Individual de Trabalho.
Atentemos na dimensão formativa e pedagógica que o corporizou.
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4.1 - O que é o Plano Individual de Trabalho
O Plano Individual de Trabalho é um elemento central do modelo de formação de professores
da Profissionalização em Exercício, através do qual esta seria realizada por cada professor em
formação. É um "instrumento onde o professor em formação define a sua estratégia pessoal
para atingir os objectivos da formação em exercício".
Apresenta-se como um "projecto dinâmico", uma "tradução operatória de intenções" de
realização "por aproximações sucessivas" e em "perspectiva globalizante", perseguindo os
objectivos autopropostos nas diferentes áreas de intervenção.
4.2 - Referências para a elaboração do Plano Individual de Trabalho
Como referências para a elaboração do Plano Individual de Trabalho, era apontada a
consideração de:
a) objectivos gerais e específicos da formação de professores, Projecto Global e Projectos
Específicos da formação;
b) carências próprias sentidas em matéria pedagógica e cientifica;
c) preferências pessoais;
d) conhecimentos e capacidades adquiridos nos domínios científico específico e das ciências da
educação;
e) Plano de Actividades elaborado pelo Conselho Pedagógico da Escola.
4.3 – Elementos constitutivos do Plano Individual de Trabalho
Do Plano Individual de Trabalho deveriam fazer parte, em geral:
a) a definição "consciente e organizada" de "opções e prioridades";
b) o estabelecimento das etapas a percorrer ao longo do período de profissionalização;
c) a especificação dos "pontos limites" do percurso: ponto de chegada (objectivos a atingir nas
três áreas de intervenção: sistema educativo, escola e turma) e ponto de partida (a experiência
pessoal do professor, nomeadamente os seus conhecimentos, carências e interesses
dominantes).
De um modo mais específico, o Plano Individual de Trabalho propor-se-ia considerar:
a) objectivos personalizados;
b) temas científicos e pedagógicos que o professor pretendia aprofundar durante a formação;
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c) técnicas a iniciar/aperfeiçoar (trabalho em grupo, áudio-visuais, organização de trabalho,
disciplina e controlo de classe, avaliação formativa sumativa…);
d) temas para análise/debate em sessões de trabalho;
e) temas de pesquisa ou de experimentação pedagógica;
f) actividades para correcção, fundamentação, implementação da prática pedagógica;
g) actividades para promover a interacção entre a teoria e a prática em matéria de ciências de
educação;
h) actividades para aprofundar ou actualizar conhecimentos ou técnicas no âmbito das
disciplinas da sua especialidade e as relações destas com outras disciplinas;
i) modos de avaliação intermédia do Plano Individual de Trabalho.
4.4 - Como complemento de formação dos professores, o Plano Individual de Trabalho previa a
realização de actividades (pelos professores em formação ou por outros), planificadas,
executadas, avaliadas: conferências, colóquios, debates, encontros, mesas redondas,
seminários, trabalho de projecto, pesquisas localizadas, experimentação pedagógica, formação
e rentabilização de centros de documentação, exposições, visitas de estudo…
5. Potencialidades formativas do plano individual de trabalho
Com o abandono do modelo que o instituiu, o Plano Individual de Trabalho deixou de integrar
a formação inicial de professores. No modelo de formação que lhe sucedeu, o Plano Individual
de Trabalho deixou de ser considerado. Mas essa falta de consideração não aconteceu por o
Plano Individual de Trabalho não ter potencialidades formativas. Antes se ficou a dever, a
nosso ver, à falta de avaliação de um modelo e à pressa com que se avançou para o seguinte. E
de facto, com o abandono que se verificou, desprezou-se um elemento de formação com
grandes potencialidades formativas.
Poderia, e pode, ser discutida (desde que criticamente avaliada) a forma como o Plano
Individual de Trabalho foi configurado e como ele foi, ou não, assumido pelos professores e
valorizado pelo processo. Mas importaria ter-se tido mais em conta a imprescindível
componente organizativa da formação (B. P. Campos, 2002-b) e a vertente formativa, na
relação estratégica entre a formação e o desempenho (R. Canário, 2001), propostos pela
estratégia do "plano de trabalho individual".
É isso que, aqui, mais nos interessa relevar, atendendo a que não se justificaria, hoje,
implementar o modelo que o integrou tal como foi proposto.
Reconhecendo que, globalmente, o plano de trabalho individual consiste numa estratégia de
trabalho diferenciado, regulado e, em grande medida, autoavaliado pelo professor, em que ele
procura por si mesmo responder a necessidades, de modo que todos persigam objectivos
comuns enveredando por caminhos personalizados, com maleabilidade de programas,
currículos e desempenhos, conclui-se que, da sua dinâmica, decorrem aspectos de grande
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pendor educativo, formativo e profissionalizante, que não podem ser esquecidos em qualquer
modelo de formação de professores.
Eles são do tipo:
- instituição da escola como centro nuclear de formação;
- integração efectiva dos professores na escola, em função das circunstâncias e das
necessidades;
- definição de pontos de partida e pontos de chegada personalizados;
- levantamento de carências e necessidades pessoais;
- procura individual dos meios (apoios) que o próprio entenda necessários para responder aos
objectivos que define para desenvolver a formação;
- ligação dos objectivos pessoais e da formação à prática profissional, e retorno a eles;
- trabalho na base de projectos dinâmicos, auto-regulados e avaliados continuamente;
- ligação de projectos ao Projecto Educativo e ao Plano de Actividades da escola;
- desempenho colaborativo, envolvendo outros intervenientes da escola;
- actividade desenvolvida segundo o modelo da investigação-acção (ganhos contínuos com a
experiência);
- fundamentação adequada e actualização constante;
- auto-crítica permanente;
- auto-formação (verdadeiro conceito de aprendizagem);
- ritmo individual na concepção, elaboração, formulação, execução e avaliação do plano
definido;
- procura de informação e fundamentação personalizadas;
- oportunidade de redefinição constante de objectivos;
- oportunidade de reformulação constante do trabalho realizado;
- suscitação de apoios personalizados;
- procura de formação contínua, interligada com a formação inicial;
- criação de oportunidades de investigação;
- suscitação de acompanhamento da prática pedagógica continuamente renovada;
- autoconhecimento e autoavaliação do professor.
Por aqui se vê que, devendo a verdadeira aprendizagem ser mais que tudo auto-assumida, e
desenvolver-se na base das praticas (M. Tardif, 2004) e da reflexão personalizadas (J. Tavares,
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Actas do XIV Colóquio da AFIRSE | Para um Balanço da Investigação em Educação de 1960 a 2005. Teorias e Práticas
Actes du XIVème Colloque de l’AFIRSE | Pour un bilan de la Recherche en Education de 1960 à 2005. Théories et Pratiques
1992), a estratégia de um plano individual de trabalho terá toda a vantagem em ser
aproveitada na formação inicial e continuada dos professores, sendo a formulação que lhe deu
o modelo da Profissionalização em Exercício uma substantiva possibilidade de o concretizar –
independentemente de lhe virem a ser introduzidas adaptações consentâneas com as
intencionalidades de novos modelos propostos, e, portanto, ele possa, naturalmente, suportar
reformulações.
6. Conclusão
Numa sociedade organizada, com um sistema de ensino massificado (no sentido positivo de
uma escola para todos), merecem atenção especial os processos de formação inicial e
continuada de professores.
Dos vários que tivemos, até hoje, o presente trabalho destaca um, o modelo da
Profissionalização em Exercício, introduzido pelo Decreto-Lei 580/80, de 31 de Dezembro.
Esse modelo de formação, para além dos objectivos para responder às necessidades do
momento, a que se propôs, deixou memória pelas potencialidades que evidenciou e as
experiências positivas que suscitou, nas escolas onde foi aplicado.
Assim aconteceu, sobretudo, pela intervenção do Plano Individual de Trabalho que o
constituiu, sendo dele parte essencial.
Tal Plano Individual de Trabalho, pelas suas características e potencialidades formativas,
apelando à centralidade na pessoa do professor e à formação no seu local de trabalho, inferese que poderá ter aproveitamentos muito para além do próprio modelo que o suscitou.
Ainda que tal modelo tenha sido ultrapassado (mas sem avaliação), o Plano Individual de
Trabalho, como se argumenta, tem toda a vantagem em ser reaproveitado para os fins de
formação. E não apenas na formação inicial de professores, também na sua formação
continuada.
Quanto a esta última, num tempo em que ela se revela prioritária e essencial (poucos são,
hoje, os profissionais de ensino que não são profissionalizados, mas muito poucos deles
dispuseram de formação após a conclusão dos cursos), e encontrando-se, entre nós,
praticamente tudo por fazer nesta matéria, a re-introdução desta estratégia de formação, com
as transformações que, no acidental, se entender por bem introduzir-lhe, será certamente um
importante caminhos a considerar.
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Actas do XIV Colóquio da AFIRSE | Para um Balanço da Investigação em Educação de 1960 a 2005. Teorias e Práticas
Actes du XIVème Colloque de l’AFIRSE | Pour un bilan de la Recherche en Education de 1960 à 2005. Théories et Pratiques
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Plano individual de trabalho e formação de professores