Actas do XIV Colóquio da AFIRSE | Para um Balanço da Investigação em Educação de 1960 a 2005. Teorias e Práticas Actes du XIVème Colloque de l’AFIRSE | Pour un bilan de la Recherche en Education de 1960 à 2005. Théories et Pratiques A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES E DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO: SOBRE AS NOÇÕES DE FORMAÇÃO DUCOING, Patricia ([email protected]) Universidade Nacional Autónoma, México RESUMO Uma das temáticas de análise do campo da formação em educação e da formação profissional em geral é a que está relacionada com a noção de formação, noção essa que, durante os últimos dez anos se configurou como um dos objectos privilegiados dos investigadores no campo da educação. Foi com intencionalidade que, no título deste trabalho, falamos de noções e não de conceitos, baseando-nos no reconhecimento da complexidade teórica que pressupõe a temática da formação bem como a natureza polissémica do termo, como é o caso para muitas outras noções no sector da educação, das ciências humanas e das ciências sociais. 1. Introdução Uma das temáticas de análise do campo de formação em educação, e da formação profissional em geral, está relacionada com a noção de formação, noção essa que, durante os últimos dez anos, se configurou como um dos objectos privilegiados dos investigadores no domínio da educação. O período compreendido entre 1982 e 1992 foi uma época durante a qual os trabalhos de teor conceptual foram mais raros mas, de 1992 a 2002, abundaram os contributos de ordem teórica, cujo valor se situa precisamente na sua capacidade compreensiva e na sua capacidade para activar teorias, lógicas e epistemologias subjacentes nos discursos, nas políticas e nos projectos e programas de formação, que inauguravam assim os questionamentos e as opções de racionalidade como exigências desta ordem. Foi com intencionalidade que, no título deste trabalho, falamos de noções e não de conceitos, baseando-nos no reconhecimento da complexidade teórica que pressupõe a temática de formação bem como sobre a natureza polissémica do termo, como é o caso de muitas outras temáticas do sector da educação, das ciências humanas e das ciências sociais. Isto significa, por um lado, reconhecer a ruptura com esquemas e posições unívocas e simplificadoras que pretendem fixar um estatuto, homogeneizar e limitar a riqueza do trabalho teórico e, por outro lado, assumir uma posição de abertura, de movimento, de heterogeneidade, de pluralidade, de diversidade e, logo, de diálogo, de debate e de polémica. Temos também de assinalar as dimensões de temporalidade e de historicidade das elaborações conceptuais, como uma constatação de que qualquer abordagem da realidade se manifesta, na história, como uma possibilidade. [1] Actas do XIV Colóquio da AFIRSE | Para um Balanço da Investigação em Educação de 1960 a 2005. Teorias e Práticas Actes du XIVème Colloque de l’AFIRSE | Pour un bilan de la Recherche en Education de 1960 à 2005. Théories et Pratiques Este trabalho visa elucidar a problemática da formação a partir da análise de diversos trabalhos elaborados por investigadores mexicanos entre 1992 e 2002. Serão abordadas aqui as diferentes noções ou elaborações conceptuais que têm sido desenvolvidas sobre o assunto, durante o período que é objecto da nossa análise. Não se trata, como é evidente, de trabalhos de investigação empírica, como no caso de muitas outras temáticas inscritas no terreno da formação, mas antes de construções que podemos identificar como ensaios, os quais constituem uma investigação teórica a partir de um sistema categorial e da sua análise. É por isso, e reiteramo-lo, que estes textos têm tanto valor como aqueles que dispõem de referentes empíricos de naturezas diversas. A importância destas dissertações reside precisamente na sua capacidade de conceptualização, de generalização de formas de pensamento para compreender a realidade da formação, a partir das quais se coloca a condição de possibilidade de definir ou de redefinir, reorientar e intervir, pela acção e pela palavra, de acordo com as finalidades e os princípios livremente escolhidos e postulados. A formação é examinada não só face ao conjunto das instituições sociais e educativas, isto é, face ao Estado Educador, à escola enquanto espaço formativo, às personalidades políticas, aos actores empenhados nas acções de formação, mas também face ao indivíduo, à pessoa, ao cidadão, aos grupos sociais, aos pais, em suma, face ao homem e à mulher considerados como sujeitos em devir. Dividimos este artigo em cinco pontos que revelam a orientação teórica dos autores, orientação essa que é mais evidente nos quatro primeiros. O último foi baseado em textos que procuram sobretudo estabelecer uma ponte entre o debate conceptual e algumas políticas e práticas geradas no terreno de formação. Podemos também afirmar que, no conjunto, e a partir desta linha de construção conceptual, algumas bases, que tornam possível uma reflexão rigorosa, necessária para empreender uma análise e um questionamento da temática da formação e dos pressupostos e das lógicas com que ela opera em múltiplos espaços institucionais, encontram aqui a sua fundamentação. Estes espaços institucionais configuramse a partir das políticas educativas que regulam e orientam não apenas a formação dos professores, mas também de maneira genérica, as acções de formação para a educação básica, secundária e superior, em que a preocupação com a constituição do sujeito e a reivindicação da condição humana se revelam como argumentos essenciais da tarefa de elevar a dignidade do homem. A partir do aparelho categorial próprio de cada autor, é possível definir as linhas de reflexão bem como as questões que poderão tornar possível, enquanto recurso tecnológico, o exame da realidade empírica com a intenção de compreender e de interpretar a problemática da formação do homem, ou seja, de maneira genérica, a constituição do sujeito. Como já clarificámos acima, a análise do conjunto dos contributos está organizada em cinco rubricas, assim especificadas: formação, a partir do tratamento filosófico educativo, da prática, da perspectiva do professor intelectual e da centralidade do sujeito e das noções que aí se tratam. Contudo, devemos advertir que a especificidade do último ponto se baseia em reflexões muito diversas e abundantes, que repousam em trabalhos em curso de elaboração conceptual e em elucidações derivadas das investigações de tipo empírico sobre práticas actuais ligadas à formação dos professores. [2] Actas do XIV Colóquio da AFIRSE | Para um Balanço da Investigação em Educação de 1960 a 2005. Teorias e Práticas Actes du XIVème Colloque de l’AFIRSE | Pour un bilan de la Recherche en Education de 1960 à 2005. Théories et Pratiques A organização categorial aqui formulada não obedece a nenhum critério hierárquico e segue sobretudo uma ordenação que responde a finalidades analíticas: isto é, não encontramos nem primeiras nem últimas categorias, mas apenas elementos conceptuais que se configuram na base de determinados pressupostos teóricos. 2. A formação segundo o tratamento filosófico educativo Os trabalhos que analisam a formação a partir de categorias filosóficas diversas encontram-se agrupados em dois sectores: os que estão associados a determinadas tradições filosóficas e aqueles que, sem terem inclinação por uma filiação específica, se reclamam das ciências humanas e sociais, da filosofia em geral, da ética, da política, da psicologia, da antropologia ou de uma outra disciplina. 2.1. A formação segundo as diferentes tradições filosóficas Nesta primeira parte, serão sistematizados os contributos construídos pelos investigadores que correspondem a filiações filosóficas particulares. Assim, encontramos autores que inscrevem o seu desenvolvimento na tradição hegeliana, na tradição grega ou na de Habermas, enquanto outros se socorrem de elementos conceptuais específicos inspirados por Gadamer, Bloch ou Heidegger ou ainda pela hermenêutica analógica. a) A formação segundo a tradição grega O que motiva a nossa análise é a revisão do significado de formação a partir da Paideia de Jaeger, onde se assinala a particularidade da formação dos homens e a sua distinção em relação à formação dos objectos, na medida em que a primeira implica uma visão antropológica e, logo, uma carga ontológica. A formação entrevista na Paideia significa “a construção consciente do ser humano”. Assim, analisa-se o sentido da formação a partir do ideal grego, o eidos, que é considerado como essência universal. b) A formação segundo a perspectiva hegeliana Com uma distinção particular em relação à Paideia grega, a forma hegeliana de abordar a formação é retomada por vários investigadores que partem da visão dialéctica do autor para encarar a formação como um processo de libertação, de enriquecimento cultural, de autonomização e, enfim, de constituição do sujeito. Aqui o conceito de “bildung” ou de formação está em estreita ligação com a temática da liberdade, compreendida como “liberdade realizada”, quer dizer, como eticidade, muito longe, pois, do significado da Paideia grega em que a essência é já um dado. Na formação concebida como bildung, a eticidade é para conquistar. Para Yurén Camarena, uma das autoras que aborda com mais profundidade a temática da formação numa perspectiva hegeliana, a formação é um processo que se produz e se cultiva, [3] Actas do XIV Colóquio da AFIRSE | Para um Balanço da Investigação em Educação de 1960 a 2005. Teorias e Práticas Actes du XIVème Colloque de l’AFIRSE | Pour un bilan de la Recherche en Education de 1960 à 2005. Théories et Pratiques enquanto sujeito e enquanto espírito que se conhece a si mesmo, que existe como mestre de si mesmo e que se manifesta pela autodeterminação. Este movimento que acompanha uma outra corrente é o da eticidade, que constitui a finalidade e o princípio, a essência e a razão de ser da formação (1995: 59). c) A formação segundo Habermas Habermas vê a formação como uma aculturação, como uma socialização da pessoa, quer dizer, como um processo de configuração do sujeito no quadro do mundo, da cultura, da sociedade e da personalidade. A formação ou aculturação é um processo de configuração do sujeito num determinado ambiente cultural. Trata-se de um sujeito que é capaz de falar e de agir, de um sujeito de linguagem e de acção, logo, um sujeito capaz de manter e enriquecer os saberes transmitidos. A reprodução e a racionalização do mundo da vida remontam às tradições culturais, às normas, às instituições e aos processos de socialização, ou seja, segundo Yurén Camarena, à imagem do mundo e aos saberes transmitidos (1995: 100). A socialização reenvia para o processo de constituição do indivíduo que se edifica através do jogo das interacções no qual ele se encontra inscrito; o indivíduo constitui-se ao mesmo tempo que constitui a sociedade quando assume, recria ou renova normatividades materializadas em instituições ou contextos de relação pessoais. A formação e a socialização tornam possível a configuração do organismo enquanto pessoa (Yurén, 1995: 100). Em suma, segundo a autora (2000: 30-31), a formação, vista na perspectiva de Habermas, está ligada aos “elementos estruturais do mundo da vida”: a cultura como conjunto de saberes de que o sujeito se apropria, a sociedade como conjunto de ordens normativas, as interacções e os hábitos legitimados, e a personalidade como conjunto de motivações que activam o dizer e o fazer do sujeito. d) A formação segundo a perspectiva de Gadamer A breve exposição da formação do sujeito, segundo dimensões práticas e teóricas, constitui o referente de reflexão deste tópico, que se fundamenta nos contributos de Gadamer e é abordada apenas por um único investigador (1997). e) A formação segundo a perspectiva de utopia de Bloch Os sucessores de Bloch recriaram a temática da formação partindo de algumas categorias centrais da obra intitulada Le principe de l’espoir (1997), na qual o autor apresenta a sua tese sobre a utopia e os conteúdos utópicos da consciência, em que a sociedade e a cultura se opõem aos determinismos mecânicos utilizados de forma reiterativa para compreender o mundo social. [4] Actas do XIV Colóquio da AFIRSE | Para um Balanço da Investigação em Educação de 1960 a 2005. Teorias e Práticas Actes du XIVème Colloque de l’AFIRSE | Pour un bilan de la Recherche en Education de 1960 à 2005. Théories et Pratiques f) A formação segundo a perspectiva de Heidegger Em relação aos contributos de Honoré e de Heidegger, Ducoing (2000) analisa a formação partindo da categoria de formatividade, forjada pelo primeiro, e faz alusão ao sentido dado à formação em termos de acesso a horizontes possíveis, diferentes daqueles que habitualmente contemplamos. A formatividade, seguindo a fenomenologia de Heidegger, torna-se uma atribuição específica da existencialidade que dá ao homem a possibilidade de ter esperança, de abertura face à angústia, ao desespero e à dor. Trata-se da passagem do sujeito que vai da crise, da morte, do absoluto e do luto para o relativo, para a abertura, para a confiança, para o desejo e a expectativa, etapas que, ao abrirem horizontes, activam o possível. Este momento da consciência como princípio de realidade e de individualização da morte é retomada dos conceitos de Heidegger. Para Honoré, a formação é uma das especificidades do homem, tal como para Heidegger a noção de Dasein, “estar lá”, é reservada ao homem, subentendendo-se que a “existência” se concilie com a maneira de ser que lhe é própria. A formatividade para Honoré torna-se então um carácter fundamental da existência, através da qual o homem pode olhar e reflectir no seu próprio propósito: reflectir-se. O poder exclusivo do homem constitui a possibilidade ou as possibilidades de acção, de trabalho sobre si mesmo. Contudo a formatividade apenas se configura como uma possibilidade, quer dizer, do que pode ser, do que se pode realizar, do que é incerto, do que pode sobrevir, do que pode existir. É pelo seu poder ser, pelo seu poder de existir, que o homem descobre as suas possibilidades de formação. g) A formação segundo a hermenêutica analógica A proposta icónica no terreno da formação recupera a ideia do paradigma do professor e do aluno, na medida em que corresponde a um ícone, enquanto que a noção de analogia, retomada de Wittgenstein, faz alusão ao discurso que se diz, que se escreve, estabelecendolhe determinados princípios ou regras. Em resumo, poderemos dizer, parafraseando Beuchot, que a formação é analógica na medida em que, de maneira exclusivamente aproximativa, icónica e quase hipotética, embora complexa, pode ser percebida, e por dispor de um discurso analógico, pode ser falada, além de ser demonstrada. Isto configura, para finalidades de formação, a possibilidade de dizer, de escrever, de assinalar determinados princípios e regras básicas. O que é icónico reenvia para um sujeito que tem necessidade “da imitação do mestre como paradigma ou ícone para o aluno” (1999: 12). 2.2. A formação segundo categorias humanístico-sociais O conjunto das investigações desta segunda parte do artigo partilha a elaboração de referentes conceptuais próprios de diversas disciplinas sociais e humanas as quais se encontram agrupadas em quatro construções categoriais: praxis e poïesis, interioridade – exterioridade, reconstrução social e imaginário e identidade. [5] Actas do XIV Colóquio da AFIRSE | Para um Balanço da Investigação em Educação de 1960 a 2005. Teorias e Práticas Actes du XIVème Colloque de l’AFIRSE | Pour un bilan de la Recherche en Education de 1960 à 2005. Théories et Pratiques a) A formação segundo a diferença entre “praxis” e “poïesis” A análise e a comparação entre estas duas categorias poïesis e praxis, a partir dos desenvolvimentos argumentativos, delimita a orientação do questionamento que se desenvolve a propósito da formação e parecem duas formas distintas de a visualizar, duas maneiras de compreender as actividades do homem com a ajuda de uma conotação teórica, baseada nos postulados aristotélicos de Arendt, de Imbert e de Fullat. Serrano e Ducoing analisam a fabricação, a poïesis, em que o objecto a produzir é visualizado a partir do seu uso e da mudança, no lugar onde a cadeia fins-meios se torna interminável. A previsibilidade está garantida através do controlo dos acontecimentos, dos meios e dos próprios produtos e a certeza baseia-se na explicação causal do processo que conduz, organiza e dirige a actividade produtiva. Os objectos então construídos convertem-se em meios para realizarem novos objectos. O trabalho do homem é de reificação, de reprodução, de coisificação de acordo com um modelo. A perspectiva da formação como poïesis é a observação que a concebe como um problema instrumental. Contrariamente à poïesis, a praxis configura a noção de acção no sentido em que a entende Arendt, quer dizer, como uma forma objectiva da vida em comunidade que tende para o bem comum e para a busca de liberdade do actor. A formação compreendida como acção não se centra na relação fins-meios porque ela não se esgota aí, está sempre incompleta. Assumindo a autonomia como pretensão, não atinge um estado específico, não é externa ao homem, mas, enquanto praxis, pressupõe um trabalho deste sobre si mesmo. Longe de ser susceptível de controlo, é imprevisível e, como qualquer acção, caracteriza-se pela sua fragilidade e pelo seu carácter irreversível. b) A formação segundo a interioridade / exterioridade A distinção entre interioridade e exterioridade sai reforçada na análise da formação; trata-se de dois olhares representativos, de duas direcções opostas. A segunda, a exterioridade, a que se fazem muitas alusões, constitui uma posição reducionista para compreender a complexidade deste processo. Rodriguez Ousset (1994) e Ducoing (1996) analisaram a formação de professores a partir das noções de interioridade e de exterioridade, já estabelecidas por Honoré. À semelhança de Honoré, estes investigadores constataram que a formação é habitualmente considerada do ponto de vista da exterioridade como “qualquer coisa para” ou qualquer coisa “que se tem” ou “que se adquiriu” (1994: 4). É por isso que quando nos referimos à formação, ela tende a ser relacionada com os conteúdos, e é compreendida como uma aquisição de conhecimentos, de habilidades, de atitudes e assume a conotação de um objecto que se pode obter e que pode ser comercializado. Ao contrário, se nos posicionarmos segundo a perspectiva da interioridade, a formação visa o processo pelo qual o sujeito se compromete, na base de um projecto, a procurar e a tornar reais as suas possibilidades. É por isso que qualquer acção formativa se desenvolve a partir do olhar e do agir sobre si mesmo. Este olhar [6] Actas do XIV Colóquio da AFIRSE | Para um Balanço da Investigação em Educação de 1960 a 2005. Teorias e Práticas Actes du XIVème Colloque de l’AFIRSE | Pour un bilan de la Recherche en Education de 1960 à 2005. Théories et Pratiques e esta acção constituem o desenvolvimento que Honoré designa de processo de diferenciação, porque é através da formação que um homem se diferencia dos outros. c) A formação segundo a reconstrução social Para retomar as contribuições de várias teorias da escola de Frankfurt, o modo como a formação é entendida como processo de conformação da consciência crítica, e logo de sujeitos críticos, encontra-se descrito nos ensaios e nos estudos analisados nesta secção. Estes trabalhos provêm de vários autores que partilham uma visão social do processo formativo no seio do qual são recriadas certas categorias como a resistência à coisificação, a transformação pessoal, profissional e social, o compromisso com a realidade sócio-histórica, a tomada de consciência, a ligação entre teoria e prática, o desenvolvimento da capacidade reflexiva dos sujeitos e as implicações ideológicas e teóricas das práticas educativas, estando algumas muito próximas dos postulados de Freire. Podemos dizer que, em geral, os investigadores partilham de maneira genérica a promoção de um pensamento crítico face a visões alienantes, mecanicistas, conservadoras e autoritárias da formação dos professores. d) A formação segundo o imaginário e a identidade No momento de abordar a formação, a recuperação de referentes de ordem psicanalítica, institucional e psicossocial é o denominador comum das investigações inscritas neste parágrafo. Entre os trabalhos expostos, o de Anzaldúa é particularmente relevante. Este autor concebe a formação como um processo de transformação que pressupõe a ressignificação daquilo que o sujeito imagina ser, em relação ao que ele imagina que será, ao dar um novo sentido aos seus desejos, às suas fantasias, às suas identificações e até mesmo aos seus “transferts” (1996: 91). Para este investigador, a identidade do professor torna-se num entrelaçado de múltiplos imaginários: imaginário pessoal, institucional, profissional e cultural. O imaginário pessoal integra as fantasias que dizem respeito à tarefa do professor que é afectado por relações de “transfert” que reactivam experiências reais ou fictícias do passado enquanto práticas educativas. O imaginário institucional deriva dos programas das escolas de formação de professores do 1º ciclo e dos centros de formação de professores que definem o perfil do futuro diplomado. O imaginário profissional corresponde às funções explícitas de que tratamos nas práticas do professor. Finalmente, o imaginário cultural diz respeito ao conjunto das representações sociais carregadas de crenças e de valores sobre o ofício do professor, valores que são difundidos de formas muito diversas, além de que algumas chegam mesmo a constituir-se em mitos. A maior parte destes imaginários é transmitida e interiorizada no decorrer da formação, o que contribui para fazer cristalizar a identidade do professor e para gerar práticas educativas que correspondem a modelos de identificação e a representações imaginárias. [7] Actas do XIV Colóquio da AFIRSE | Para um Balanço da Investigação em Educação de 1960 a 2005. Teorias e Práticas Actes du XIVème Colloque de l’AFIRSE | Pour un bilan de la Recherche en Education de 1960 à 2005. Théories et Pratiques 3. A formação a partir da prática A formação dos professores a partir da prática constituiu um centro de particular interesse para um certo número de investigadores nacionais ou estrangeiros, preocupados com a revisão e, por vezes mesmo, com a aplicação de alguns aspectos teóricos que recuperaram esta óptica e cuja abordagem conduz implicitamente ao questionamento do que é compreendido como “prática”. Artigos de teor extremamente diverso concordam na abordagem da formação através da prática. Alguns professores encaram-na mesmo do ponto de vista de disciplinas como a sociologia e a filosofia; outros articulam-na com a teoria, a investigação e o saber dos “práticos” da educação; outros, ainda, reenviam-na para a construção de significados. Para além disso, investigadores, que sistematizam os contributos de grandes teorias que vêm do estrangeiro, interpretam as suas concepções a partir da centralidade da prática. 4. A formação segundo o olhar do professor intelectual Algumas orientações, que provêm de tradições e de posições teóricas diversas, encaram a formação do professor como um carácter intelectual. Sublinhando a heterogeneidade e a riqueza das formas de abordar a formação, consideram em particular o papel desempenhado pelos professores na sociedade actual, a crítica das ópticas instrumentalistas, idílicas e aforísticas, a falta de consolidação das disciplinas da educação, a desvalorização do ensino e o processo de construção do professor enquanto sujeito dotado de pensamento. Enquanto Garcia (1998) segue a tradição de Gramsci para situar o professor entre os intelectuais, Piña Osório (1993) critica a tendência pragmática e utilitária que se reclama das políticas educativas actuais e Diaz Barriga (1995) analisa o problema da formação intelectual, no âmbito do terceiro ciclo do ensino superior. Por seu lado, Carrizales (1993), a partir de uma crítica que denomina de “objectivos primaveris da formação”, lança o debate sobre alguns aspectos da formação e sobre o seu futuro no pensamento educativo moderno. Esses objectivos fundamentam-se no optimismo pedagógico que se desenvolveu a partir do século XVII (Comenius, Locke, Rousseau, Pestalozzi, Herbert, Kant, Dewey e Kerchensteiner, entre outros). Estes “objectivos primaveris”, que não são homogéneos, são retomados de um grande número de contributos teóricos, partilham o elogio da razão em todas as suas dimensões éticas, estéticas e políticas, e, apesar das diferenças, existe consenso sobre a ausência de análise dos significados. Na temática da formação, sublinha o autor, o presente está ligado ao futuro, a crítica e a apologia encontram-se misturadas em todas as dimensões. Esta temática torna-se então uma chave do pensamento moderno. 5. A formação a partir da centralidade do sujeito Vários autores analisam a formação como o centro do debate a partir da perspectiva do sujeito. Com efeito, este constitui o ponto central no qual se conservam os elementos conceptuais que entram em linha directa na polémica da formação. O sujeito constitui o ponto [8] Actas do XIV Colóquio da AFIRSE | Para um Balanço da Investigação em Educação de 1960 a 2005. Teorias e Práticas Actes du XIVème Colloque de l’AFIRSE | Pour un bilan de la Recherche en Education de 1960 à 2005. Théories et Pratiques de partida e de chegada, o ponto de encontro e de afastamento, o núcleo de reflexão e de questionamento, o referente de localização histórica, social e política tal como o referente relacional, de subjectividade, de ruptura, de construção e de esperança. Mas, de que sujeito se tratará? Do da filosofia, do da ética, do da sociologia, do da psicologia social ou do da história? Qual é então o seu campo de especificidade? As investigações que aqui agrupámos não seguem as pisadas de uma eventual pista disciplinar ou ainda as de um determinado autor clássico ou contemporâneo; elas inspiram-se mais em algumas categorias, por exemplo, de teor filosófico ou psicanalítico, fazem parte de um olhar largamente enriquecido em que se entrecruzam e confluem noções que provêm de diversas linguagens disciplinares, do social, do humano, educativo e psicanalítico. É nesta manta de conceitos que se discutem tópicos ligados ao particular, ao desejo, ao significante, ao inconsciente, à práxis, ao imaginário, ao universo singular, ao indivíduo colectivo e à unidade entre o ser e o conhecer. 6. Noções intermédias As entidades políticas, os decisores, os actores do sistema educativo, no seu conjunto, incluindo os próprios professores, utilizam muitas vezes a sua noção de formação que convertem em sinónimo de noções que, em matéria de políticas públicas e institucionais, são retomadas para pontuar e justificar decisões e acções. E muitas vezes, cada uma destas noções transforma-se em programas e estratégias ou servem ainda para definir processos, etapas, momentos e necessidades de profissionais de vários sectores. As denominações atribuídas à formação são fluidas e confusas e estão na origem de crescentes processos de institucionalização em múltiplos espaços que, durante os últimos dez anos, se abriram sem serem contudo submetidos a uma apreciação crítica dos seus fundamentos, das suas intencionalidades e das suas modalidades. A configuração de instâncias “actualizadoras”, “formadoras” e “niveladoras” em numerosos campos do saber, pode ser revista à luz da organização de categorias que, de maneira paradoxal, quebram os princípios e os cânones das perspectivas hegemónicas relativas à formação inicial, à formação profissional e até mesmo à “actualização” e à “capacitação” dos espaços institucionais. As abundantes reflexões alimentadas por estes tópicos, durante os últimos dez anos, exprimem a preocupação, a importância e também o questionamento, a dúvida e a incerteza, face aos avanços verificados que visam a compreensão e a interpretação dos processos formativos vividos pelos professores no decurso da sua vida profissional, e face a instâncias e actores que propõem diversos programas. Tentámos recentrar e circunscrever o debate e a análise que se perfila ao longo da nossa reflexão sobre noções contíguas, próximas ou intermédias da formação, tais como a actualização, reciclagem, capacitação, formação contínua, e tentámos também situar as suas possibilidades de particularização e de distinção. Contrariamente ao que se passa em relação aos assuntos anteriormente mencionados, neste ponto, tivemos escrupulosamente em consideração os trabalhos de investigação empírica. Alguns autores retomam estas noções próximas ou longínquas, outros marcam e reivindicam a sua diferença; outros, ainda, questionam a sua utilidade a partir do debate sobre o processo [9] Actas do XIV Colóquio da AFIRSE | Para um Balanço da Investigação em Educação de 1960 a 2005. Teorias e Práticas Actes du XIVème Colloque de l’AFIRSE | Pour un bilan de la Recherche en Education de 1960 à 2005. Théories et Pratiques de formação. Porque, mesmo quando se reconhece a institucionalização de práticas que provêm destes processos, a verdade é que o debate conceptual a propósito do que se entende por formação, bem como todas as noções que aí são discutidas, embora alimentado e enriquecido de múltiplos contributos, não é conclusivo do ponto de vista teórico. Referências bibliográficas ANZALDUA ARCE, R. E. (1996). Los imaginarios de la formación docente, in Pedagogía, México: Universidad Pedagógica Nacional, 3ª. época, vol. 11, nº 9, invierno, 90-97. ARENDT, A. (1998). La condición humana, Barcelona: Paidós, Col. Estado y Sociedad. BEUCHOT, M. (1999). La formación de virtudes como paradigma analógico de educación, in S. Arriarán & M. Beuchot, Virtudes, valores y educación moral. Contra el paradigma neoliberal, México: Universidad Pedagógica Nacional, 11-45, Col. Textos, nº 12. CANTON ARJONA, V. (1997). 1 + 1 + 1 no es igual a 3. 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