Actas do XIV Colóquio da AFIRSE | Para um Balanço da Investigação em Educação de 1960 a 2005. Teorias e Práticas
Actes du XIVème Colloque de l’AFIRSE | Pour un bilan de la Recherche en Education de 1960 à 2005. Théories et Pratiques
A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES E DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO: SOBRE AS NOÇÕES
DE FORMAÇÃO
DUCOING, Patricia ([email protected])
Universidade Nacional Autónoma, México
RESUMO
Uma das temáticas de análise do campo da formação em educação e da formação profissional em geral
é a que está relacionada com a noção de formação, noção essa que, durante os últimos dez anos se
configurou como um dos objectos privilegiados dos investigadores no campo da educação. Foi com
intencionalidade que, no título deste trabalho, falamos de noções e não de conceitos, baseando-nos no
reconhecimento da complexidade teórica que pressupõe a temática da formação bem como a natureza
polissémica do termo, como é o caso para muitas outras noções no sector da educação, das ciências
humanas e das ciências sociais.
1. Introdução
Uma das temáticas de análise do campo de formação em educação, e da formação profissional
em geral, está relacionada com a noção de formação, noção essa que, durante os últimos dez
anos, se configurou como um dos objectos privilegiados dos investigadores no domínio da
educação. O período compreendido entre 1982 e 1992 foi uma época durante a qual os
trabalhos de teor conceptual foram mais raros mas, de 1992 a 2002, abundaram os
contributos de ordem teórica, cujo valor se situa precisamente na sua capacidade
compreensiva e na sua capacidade para activar teorias, lógicas e epistemologias subjacentes
nos discursos, nas políticas e nos projectos e programas de formação, que inauguravam assim
os questionamentos e as opções de racionalidade como exigências desta ordem.
Foi com intencionalidade que, no título deste trabalho, falamos de noções e não de conceitos,
baseando-nos no reconhecimento da complexidade teórica que pressupõe a temática de
formação bem como sobre a natureza polissémica do termo, como é o caso de muitas outras
temáticas do sector da educação, das ciências humanas e das ciências sociais. Isto significa, por
um lado, reconhecer a ruptura com esquemas e posições unívocas e simplificadoras que
pretendem fixar um estatuto, homogeneizar e limitar a riqueza do trabalho teórico e, por
outro lado, assumir uma posição de abertura, de movimento, de heterogeneidade, de
pluralidade, de diversidade e, logo, de diálogo, de debate e de polémica. Temos também de
assinalar as dimensões de temporalidade e de historicidade das elaborações conceptuais,
como uma constatação de que qualquer abordagem da realidade se manifesta, na história,
como uma possibilidade.
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Este trabalho visa elucidar a problemática da formação a partir da análise de diversos
trabalhos elaborados por investigadores mexicanos entre 1992 e 2002. Serão abordadas aqui
as diferentes noções ou elaborações conceptuais que têm sido desenvolvidas sobre o assunto,
durante o período que é objecto da nossa análise. Não se trata, como é evidente, de trabalhos
de investigação empírica, como no caso de muitas outras temáticas inscritas no terreno da
formação, mas antes de construções que podemos identificar como ensaios, os quais constituem
uma investigação teórica a partir de um sistema categorial e da sua análise. É por isso, e
reiteramo-lo, que estes textos têm tanto valor como aqueles que dispõem de referentes
empíricos de naturezas diversas.
A importância destas dissertações reside precisamente na sua capacidade de
conceptualização, de generalização de formas de pensamento para compreender a realidade
da formação, a partir das quais se coloca a condição de possibilidade de definir ou de redefinir,
reorientar e intervir, pela acção e pela palavra, de acordo com as finalidades e os princípios
livremente escolhidos e postulados. A formação é examinada não só face ao conjunto das
instituições sociais e educativas, isto é, face ao Estado Educador, à escola enquanto espaço
formativo, às personalidades políticas, aos actores empenhados nas acções de formação, mas
também face ao indivíduo, à pessoa, ao cidadão, aos grupos sociais, aos pais, em suma, face ao
homem e à mulher considerados como sujeitos em devir.
Dividimos este artigo em cinco pontos que revelam a orientação teórica dos autores,
orientação essa que é mais evidente nos quatro primeiros. O último foi baseado em textos que
procuram sobretudo estabelecer uma ponte entre o debate conceptual e algumas políticas e
práticas geradas no terreno de formação. Podemos também afirmar que, no conjunto, e a
partir desta linha de construção conceptual, algumas bases, que tornam possível uma reflexão
rigorosa, necessária para empreender uma análise e um questionamento da temática da
formação e dos pressupostos e das lógicas com que ela opera em múltiplos espaços
institucionais, encontram aqui a sua fundamentação. Estes espaços institucionais configuramse a partir das políticas educativas que regulam e orientam não apenas a formação dos
professores, mas também de maneira genérica, as acções de formação para a educação básica,
secundária e superior, em que a preocupação com a constituição do sujeito e a reivindicação
da condição humana se revelam como argumentos essenciais da tarefa de elevar a dignidade
do homem.
A partir do aparelho categorial próprio de cada autor, é possível definir as linhas de reflexão
bem como as questões que poderão tornar possível, enquanto recurso tecnológico, o exame
da realidade empírica com a intenção de compreender e de interpretar a problemática da
formação do homem, ou seja, de maneira genérica, a constituição do sujeito.
Como já clarificámos acima, a análise do conjunto dos contributos está organizada em cinco
rubricas, assim especificadas: formação, a partir do tratamento filosófico educativo, da prática,
da perspectiva do professor intelectual e da centralidade do sujeito e das noções que aí se
tratam. Contudo, devemos advertir que a especificidade do último ponto se baseia em
reflexões muito diversas e abundantes, que repousam em trabalhos em curso de elaboração
conceptual e em elucidações derivadas das investigações de tipo empírico sobre práticas
actuais ligadas à formação dos professores.
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A organização categorial aqui formulada não obedece a nenhum critério hierárquico e segue
sobretudo uma ordenação que responde a finalidades analíticas: isto é, não encontramos nem
primeiras nem últimas categorias, mas apenas elementos conceptuais que se configuram na
base de determinados pressupostos teóricos.
2. A formação segundo o tratamento filosófico educativo
Os trabalhos que analisam a formação a partir de categorias filosóficas diversas encontram-se
agrupados em dois sectores: os que estão associados a determinadas tradições filosóficas e
aqueles que, sem terem inclinação por uma filiação específica, se reclamam das ciências
humanas e sociais, da filosofia em geral, da ética, da política, da psicologia, da antropologia ou
de uma outra disciplina.
2.1. A formação segundo as diferentes tradições filosóficas
Nesta primeira parte, serão sistematizados os contributos construídos pelos investigadores
que correspondem a filiações filosóficas particulares. Assim, encontramos autores que
inscrevem o seu desenvolvimento na tradição hegeliana, na tradição grega ou na de
Habermas, enquanto outros se socorrem de elementos conceptuais específicos inspirados por
Gadamer, Bloch ou Heidegger ou ainda pela hermenêutica analógica.
a) A formação segundo a tradição grega
O que motiva a nossa análise é a revisão do significado de formação a partir da Paideia de
Jaeger, onde se assinala a particularidade da formação dos homens e a sua distinção em
relação à formação dos objectos, na medida em que a primeira implica uma visão
antropológica e, logo, uma carga ontológica. A formação entrevista na Paideia significa “a
construção consciente do ser humano”. Assim, analisa-se o sentido da formação a partir do
ideal grego, o eidos, que é considerado como essência universal.
b) A formação segundo a perspectiva hegeliana
Com uma distinção particular em relação à Paideia grega, a forma hegeliana de abordar a
formação é retomada por vários investigadores que partem da visão dialéctica do autor para
encarar a formação como um processo de libertação, de enriquecimento cultural, de
autonomização e, enfim, de constituição do sujeito. Aqui o conceito de “bildung” ou de
formação está em estreita ligação com a temática da liberdade, compreendida como
“liberdade realizada”, quer dizer, como eticidade, muito longe, pois, do significado da Paideia
grega em que a essência é já um dado. Na formação concebida como bildung, a eticidade é
para conquistar.
Para Yurén Camarena, uma das autoras que aborda com mais profundidade a temática da
formação numa perspectiva hegeliana, a formação é um processo que se produz e se cultiva,
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enquanto sujeito e enquanto espírito que se conhece a si mesmo, que existe como mestre de
si mesmo e que se manifesta pela autodeterminação. Este movimento que acompanha uma
outra corrente é o da eticidade, que constitui a finalidade e o princípio, a essência e a razão de
ser da formação (1995: 59).
c) A formação segundo Habermas
Habermas vê a formação como uma aculturação, como uma socialização da pessoa, quer dizer,
como um processo de configuração do sujeito no quadro do mundo, da cultura, da sociedade e
da personalidade. A formação ou aculturação é um processo de configuração do sujeito num
determinado ambiente cultural. Trata-se de um sujeito que é capaz de falar e de agir, de um
sujeito de linguagem e de acção, logo, um sujeito capaz de manter e enriquecer os saberes
transmitidos. A reprodução e a racionalização do mundo da vida remontam às tradições
culturais, às normas, às instituições e aos processos de socialização, ou seja, segundo Yurén
Camarena, à imagem do mundo e aos saberes transmitidos (1995: 100). A socialização reenvia
para o processo de constituição do indivíduo que se edifica através do jogo das interacções no
qual ele se encontra inscrito; o indivíduo constitui-se ao mesmo tempo que constitui a
sociedade quando assume, recria ou renova normatividades materializadas em instituições ou
contextos de relação pessoais. A formação e a socialização tornam possível a configuração do
organismo enquanto pessoa (Yurén, 1995: 100).
Em suma, segundo a autora (2000: 30-31), a formação, vista na perspectiva de Habermas, está
ligada aos “elementos estruturais do mundo da vida”: a cultura como conjunto de saberes de
que o sujeito se apropria, a sociedade como conjunto de ordens normativas, as interacções e
os hábitos legitimados, e a personalidade como conjunto de motivações que activam o dizer e
o fazer do sujeito.
d) A formação segundo a perspectiva de Gadamer
A breve exposição da formação do sujeito, segundo dimensões práticas e teóricas, constitui o
referente de reflexão deste tópico, que se fundamenta nos contributos de Gadamer e é
abordada apenas por um único investigador (1997).
e) A formação segundo a perspectiva de utopia de Bloch
Os sucessores de Bloch recriaram a temática da formação partindo de algumas categorias
centrais da obra intitulada Le principe de l’espoir (1997), na qual o autor apresenta a sua tese
sobre a utopia e os conteúdos utópicos da consciência, em que a sociedade e a cultura se
opõem aos determinismos mecânicos utilizados de forma reiterativa para compreender o
mundo social.
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f) A formação segundo a perspectiva de Heidegger
Em relação aos contributos de Honoré e de Heidegger, Ducoing (2000) analisa a formação
partindo da categoria de formatividade, forjada pelo primeiro, e faz alusão ao sentido dado à
formação em termos de acesso a horizontes possíveis, diferentes daqueles que habitualmente
contemplamos.
A formatividade, seguindo a fenomenologia de Heidegger, torna-se uma atribuição específica
da existencialidade que dá ao homem a possibilidade de ter esperança, de abertura face à
angústia, ao desespero e à dor. Trata-se da passagem do sujeito que vai da crise, da morte, do
absoluto e do luto para o relativo, para a abertura, para a confiança, para o desejo e a
expectativa, etapas que, ao abrirem horizontes, activam o possível. Este momento da
consciência como princípio de realidade e de individualização da morte é retomada dos
conceitos de Heidegger. Para Honoré, a formação é uma das especificidades do homem, tal
como para Heidegger a noção de Dasein, “estar lá”, é reservada ao homem, subentendendo-se
que a “existência” se concilie com a maneira de ser que lhe é própria. A formatividade para
Honoré torna-se então um carácter fundamental da existência, através da qual o homem pode
olhar e reflectir no seu próprio propósito: reflectir-se. O poder exclusivo do homem constitui a
possibilidade ou as possibilidades de acção, de trabalho sobre si mesmo. Contudo a
formatividade apenas se configura como uma possibilidade, quer dizer, do que pode ser, do
que se pode realizar, do que é incerto, do que pode sobrevir, do que pode existir. É pelo seu
poder ser, pelo seu poder de existir, que o homem descobre as suas possibilidades de
formação.
g) A formação segundo a hermenêutica analógica
A proposta icónica no terreno da formação recupera a ideia do paradigma do professor e do
aluno, na medida em que corresponde a um ícone, enquanto que a noção de analogia,
retomada de Wittgenstein, faz alusão ao discurso que se diz, que se escreve, estabelecendolhe determinados princípios ou regras. Em resumo, poderemos dizer, parafraseando Beuchot,
que a formação é analógica na medida em que, de maneira exclusivamente aproximativa,
icónica e quase hipotética, embora complexa, pode ser percebida, e por dispor de um discurso
analógico, pode ser falada, além de ser demonstrada. Isto configura, para finalidades de
formação, a possibilidade de dizer, de escrever, de assinalar determinados princípios e regras
básicas. O que é icónico reenvia para um sujeito que tem necessidade “da imitação do mestre
como paradigma ou ícone para o aluno” (1999: 12).
2.2. A formação segundo categorias humanístico-sociais
O conjunto das investigações desta segunda parte do artigo partilha a elaboração de
referentes conceptuais próprios de diversas disciplinas sociais e humanas as quais se
encontram agrupadas em quatro construções categoriais: praxis e poïesis, interioridade –
exterioridade, reconstrução social e imaginário e identidade.
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a) A formação segundo a diferença entre “praxis” e “poïesis”
A análise e a comparação entre estas duas categorias poïesis e praxis, a partir dos
desenvolvimentos argumentativos, delimita a orientação do questionamento que se
desenvolve a propósito da formação e parecem duas formas distintas de a visualizar, duas
maneiras de compreender as actividades do homem com a ajuda de uma conotação teórica,
baseada nos postulados aristotélicos de Arendt, de Imbert e de Fullat.
Serrano e Ducoing analisam a fabricação, a poïesis, em que o objecto a produzir é visualizado a
partir do seu uso e da mudança, no lugar onde a cadeia fins-meios se torna interminável. A
previsibilidade está garantida através do controlo dos acontecimentos, dos meios e dos próprios
produtos e a certeza baseia-se na explicação causal do processo que conduz, organiza e dirige a
actividade produtiva. Os objectos então construídos convertem-se em meios para realizarem
novos objectos. O trabalho do homem é de reificação, de reprodução, de coisificação de acordo
com um modelo. A perspectiva da formação como poïesis é a observação que a concebe como
um problema instrumental.
Contrariamente à poïesis, a praxis configura a noção de acção no sentido em que a entende
Arendt, quer dizer, como uma forma objectiva da vida em comunidade que tende para o bem
comum e para a busca de liberdade do actor. A formação compreendida como acção não se
centra na relação fins-meios porque ela não se esgota aí, está sempre incompleta. Assumindo
a autonomia como pretensão, não atinge um estado específico, não é externa ao homem, mas,
enquanto praxis, pressupõe um trabalho deste sobre si mesmo. Longe de ser susceptível de
controlo, é imprevisível e, como qualquer acção, caracteriza-se pela sua fragilidade e pelo seu
carácter irreversível.
b) A formação segundo a interioridade / exterioridade
A distinção entre interioridade e exterioridade sai reforçada na análise da formação; trata-se
de dois olhares representativos, de duas direcções opostas. A segunda, a exterioridade, a que
se fazem muitas alusões, constitui uma posição reducionista para compreender a
complexidade deste processo. Rodriguez Ousset (1994) e Ducoing (1996) analisaram a
formação de professores a partir das noções de interioridade e de exterioridade, já
estabelecidas por Honoré.
À semelhança de Honoré, estes investigadores constataram que a formação é habitualmente
considerada do ponto de vista da exterioridade como “qualquer coisa para” ou qualquer coisa
“que se tem” ou “que se adquiriu” (1994: 4). É por isso que quando nos referimos à formação,
ela tende a ser relacionada com os conteúdos, e é compreendida como uma aquisição de
conhecimentos, de habilidades, de atitudes e assume a conotação de um objecto que se pode
obter e que pode ser comercializado. Ao contrário, se nos posicionarmos segundo a
perspectiva da interioridade, a formação visa o processo pelo qual o sujeito se compromete,
na base de um projecto, a procurar e a tornar reais as suas possibilidades. É por isso que
qualquer acção formativa se desenvolve a partir do olhar e do agir sobre si mesmo. Este olhar
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e esta acção constituem o desenvolvimento que Honoré designa de processo de diferenciação,
porque é através da formação que um homem se diferencia dos outros.
c) A formação segundo a reconstrução social
Para retomar as contribuições de várias teorias da escola de Frankfurt, o modo como a
formação é entendida como processo de conformação da consciência crítica, e logo de sujeitos
críticos, encontra-se descrito nos ensaios e nos estudos analisados nesta secção. Estes
trabalhos provêm de vários autores que partilham uma visão social do processo formativo no
seio do qual são recriadas certas categorias como a resistência à coisificação, a transformação
pessoal, profissional e social, o compromisso com a realidade sócio-histórica, a tomada de
consciência, a ligação entre teoria e prática, o desenvolvimento da capacidade reflexiva dos
sujeitos e as implicações ideológicas e teóricas das práticas educativas, estando algumas muito
próximas dos postulados de Freire. Podemos dizer que, em geral, os investigadores partilham
de maneira genérica a promoção de um pensamento crítico face a visões alienantes,
mecanicistas, conservadoras e autoritárias da formação dos professores.
d) A formação segundo o imaginário e a identidade
No momento de abordar a formação, a recuperação de referentes de ordem psicanalítica,
institucional e psicossocial é o denominador comum das investigações inscritas neste
parágrafo.
Entre os trabalhos expostos, o de Anzaldúa é particularmente relevante. Este autor concebe a
formação como um processo de transformação que pressupõe a ressignificação daquilo que o
sujeito imagina ser, em relação ao que ele imagina que será, ao dar um novo sentido aos seus
desejos, às suas fantasias, às suas identificações e até mesmo aos seus “transferts” (1996: 91).
Para este investigador, a identidade do professor torna-se num entrelaçado de múltiplos
imaginários: imaginário pessoal, institucional, profissional e cultural. O imaginário pessoal
integra as fantasias que dizem respeito à tarefa do professor que é afectado por relações de
“transfert” que reactivam experiências reais ou fictícias do passado enquanto práticas
educativas. O imaginário institucional deriva dos programas das escolas de formação de
professores do 1º ciclo e dos centros de formação de professores que definem o perfil do
futuro diplomado. O imaginário profissional corresponde às funções explícitas de que tratamos
nas práticas do professor. Finalmente, o imaginário cultural diz respeito ao conjunto das
representações sociais carregadas de crenças e de valores sobre o ofício do professor, valores
que são difundidos de formas muito diversas, além de que algumas chegam mesmo a
constituir-se em mitos. A maior parte destes imaginários é transmitida e interiorizada no
decorrer da formação, o que contribui para fazer cristalizar a identidade do professor e para
gerar práticas educativas que correspondem a modelos de identificação e a representações
imaginárias.
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3. A formação a partir da prática
A formação dos professores a partir da prática constituiu um centro de particular interesse
para um certo número de investigadores nacionais ou estrangeiros, preocupados com a
revisão e, por vezes mesmo, com a aplicação de alguns aspectos teóricos que recuperaram
esta óptica e cuja abordagem conduz implicitamente ao questionamento do que é
compreendido como “prática”. Artigos de teor extremamente diverso concordam na
abordagem da formação através da prática. Alguns professores encaram-na mesmo do ponto
de vista de disciplinas como a sociologia e a filosofia; outros articulam-na com a teoria, a
investigação e o saber dos “práticos” da educação; outros, ainda, reenviam-na para a
construção de significados. Para além disso, investigadores, que sistematizam os contributos
de grandes teorias que vêm do estrangeiro, interpretam as suas concepções a partir da
centralidade da prática.
4. A formação segundo o olhar do professor intelectual
Algumas orientações, que provêm de tradições e de posições teóricas diversas, encaram a
formação do professor como um carácter intelectual. Sublinhando a heterogeneidade e a
riqueza das formas de abordar a formação, consideram em particular o papel desempenhado
pelos professores na sociedade actual, a crítica das ópticas instrumentalistas, idílicas e
aforísticas, a falta de consolidação das disciplinas da educação, a desvalorização do ensino e o
processo de construção do professor enquanto sujeito dotado de pensamento.
Enquanto Garcia (1998) segue a tradição de Gramsci para situar o professor entre os
intelectuais, Piña Osório (1993) critica a tendência pragmática e utilitária que se reclama das
políticas educativas actuais e Diaz Barriga (1995) analisa o problema da formação intelectual,
no âmbito do terceiro ciclo do ensino superior. Por seu lado, Carrizales (1993), a partir de uma
crítica que denomina de “objectivos primaveris da formação”, lança o debate sobre alguns
aspectos da formação e sobre o seu futuro no pensamento educativo moderno. Esses
objectivos fundamentam-se no optimismo pedagógico que se desenvolveu a partir do século
XVII (Comenius, Locke, Rousseau, Pestalozzi, Herbert, Kant, Dewey e Kerchensteiner, entre
outros). Estes “objectivos primaveris”, que não são homogéneos, são retomados de um grande
número de contributos teóricos, partilham o elogio da razão em todas as suas dimensões
éticas, estéticas e políticas, e, apesar das diferenças, existe consenso sobre a ausência de
análise dos significados. Na temática da formação, sublinha o autor, o presente está ligado ao
futuro, a crítica e a apologia encontram-se misturadas em todas as dimensões. Esta temática
torna-se então uma chave do pensamento moderno.
5. A formação a partir da centralidade do sujeito
Vários autores analisam a formação como o centro do debate a partir da perspectiva do
sujeito. Com efeito, este constitui o ponto central no qual se conservam os elementos
conceptuais que entram em linha directa na polémica da formação. O sujeito constitui o ponto
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de partida e de chegada, o ponto de encontro e de afastamento, o núcleo de reflexão e de
questionamento, o referente de localização histórica, social e política tal como o referente
relacional, de subjectividade, de ruptura, de construção e de esperança. Mas, de que sujeito se
tratará? Do da filosofia, do da ética, do da sociologia, do da psicologia social ou do da história?
Qual é então o seu campo de especificidade?
As investigações que aqui agrupámos não seguem as pisadas de uma eventual pista disciplinar
ou ainda as de um determinado autor clássico ou contemporâneo; elas inspiram-se mais em
algumas categorias, por exemplo, de teor filosófico ou psicanalítico, fazem parte de um olhar
largamente enriquecido em que se entrecruzam e confluem noções que provêm de diversas
linguagens disciplinares, do social, do humano, educativo e psicanalítico. É nesta manta de
conceitos que se discutem tópicos ligados ao particular, ao desejo, ao significante, ao
inconsciente, à práxis, ao imaginário, ao universo singular, ao indivíduo colectivo e à unidade
entre o ser e o conhecer.
6. Noções intermédias
As entidades políticas, os decisores, os actores do sistema educativo, no seu conjunto,
incluindo os próprios professores, utilizam muitas vezes a sua noção de formação que
convertem em sinónimo de noções que, em matéria de políticas públicas e institucionais, são
retomadas para pontuar e justificar decisões e acções. E muitas vezes, cada uma destas noções
transforma-se em programas e estratégias ou servem ainda para definir processos, etapas,
momentos e necessidades de profissionais de vários sectores.
As denominações atribuídas à formação são fluidas e confusas e estão na origem de crescentes
processos de institucionalização em múltiplos espaços que, durante os últimos dez anos, se
abriram sem serem contudo submetidos a uma apreciação crítica dos seus fundamentos, das
suas intencionalidades e das suas modalidades. A configuração de instâncias “actualizadoras”,
“formadoras” e “niveladoras” em numerosos campos do saber, pode ser revista à luz da
organização de categorias que, de maneira paradoxal, quebram os princípios e os cânones das
perspectivas hegemónicas relativas à formação inicial, à formação profissional e até mesmo à
“actualização” e à “capacitação” dos espaços institucionais.
As abundantes reflexões alimentadas por estes tópicos, durante os últimos dez anos,
exprimem a preocupação, a importância e também o questionamento, a dúvida e a incerteza,
face aos avanços verificados que visam a compreensão e a interpretação dos processos
formativos vividos pelos professores no decurso da sua vida profissional, e face a instâncias e
actores que propõem diversos programas. Tentámos recentrar e circunscrever o debate e a
análise que se perfila ao longo da nossa reflexão sobre noções contíguas, próximas ou
intermédias da formação, tais como a actualização, reciclagem, capacitação, formação
contínua, e tentámos também situar as suas possibilidades de particularização e de distinção.
Contrariamente ao que se passa em relação aos assuntos anteriormente mencionados, neste
ponto, tivemos escrupulosamente em consideração os trabalhos de investigação empírica.
Alguns autores retomam estas noções próximas ou longínquas, outros marcam e reivindicam a
sua diferença; outros, ainda, questionam a sua utilidade a partir do debate sobre o processo
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de formação. Porque, mesmo quando se reconhece a institucionalização de práticas que
provêm destes processos, a verdade é que o debate conceptual a propósito do que se entende
por formação, bem como todas as noções que aí são discutidas, embora alimentado e
enriquecido de múltiplos contributos, não é conclusivo do ponto de vista teórico.
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