Actas do XIV Colóquio da AFIRSE | Para um Balanço da Investigação em Educação de 1960 a 2005. Teorias e Práticas
Actes du XIVème Colloque de l’AFIRSE | Pour un bilan de la Recherche en Education de 1960 à 2005. Théories et Pratiques
PERCEPÇÕES DE CIDADANIA EM CONTEXTO ESCOLAR
PERCEPTIONS DE CITOYENNETE EN CONTEXTE SCOLAIRE
CARITA, Ana ([email protected])
PEREIRA, Maria Gouveia & BRITES, Nelson
Instituto Superior de Psicologia Aplicada
RESUMO
A educação para a cidadania constitui uma preocupação central para muitos daqueles que se
preocupam com a defesa e aprofundamento da democracia. Assume-se que ela deve proporcionar,
como estratégia formativa, a observação e a prática da própria democracia, da justiça, dos direitos e
responsabilidades cívicas, em particular nos domínios da participação e cooperação. Entretanto, para
que a educação para a cidadania seja um espaço curricular de qualidade, requer-se mais investigação
empírica sobre o tema em causa (Carita, 2005). Inscreve-se nesta preocupação o estudo em cujos
resultados assenta a presente comunicação.
Como referências e pressupostos teóricos, destacam-se as contribuições seguintes. Do campo da
psicologia social, os estudos (1) que mostram que o modo como os adolescentes são tratados pelo
professor e a percepção de justiça que têm sobre esse tratamento determinam os seus
comportamentos cooperativos (Tyler, Degoey & Smith, 1996; Tyler & Blader, 2000; Gouveia-Pereira,
2005) e (2) os que mostram que os juízos de justiça interaccional e procedimental exercem uma
influência positiva no exercício da cidadania nos contextos organizacionais (Moorman, 1991; Rego 2000,
Tyler, 1999). Do campo da psicologia do desenvolvimento, (3) o cruzamento da concepção de cidadania
com dimensões do comportamento sociomoral, nomeadamente as relativas às responsabilidades cívicas
e aos direitos , em particular, ao direito de participação no quotidiano escolar, como decorre do modelo
de escola como comunidade justa (Kohlberg, Power & Higgins, 1997); (4) a interacção entre ambiente
justo e desenvolvimento moral (ou cívico, diria Kohlberg) constitui outra importante referência
derivada, ainda que com controvérsia, das contribuições deste campo de estudos (Rest, 1979).
A nossa pesquisa teve como finalidades analisar: (a) a representação dos estudantes sobre a sua
experiência social nos campos da justiça dos professores e do exercício da cidadania na escola; (b) a
relação entre as percepções de justiça e o exercício da cidadania, (c) o efeito moderador do
desenvolvimento moral na referida relação. Constituíram, ainda, finalidades do estudo (d) verificar se as
experiências de justiça e cidadania na escola variam em função do nível de escolaridade e do género e
(e) se estas últimas variáveis têm impacto no modelo de compreensão daquelas experiências que
pretendemos analisar. A hipótese geral colocada foi a de que as percepções de justiça dos estudantes
sobre o comportamento do professor influenciam (a representação do) o seu exercício da cidadania na
escola.
Participaram 309 estudantes dos 8º e 11º anos, rapazes e raparigas. Na recolha da informação
utilizaram-se três questionários: um sobre as percepções de justiça do comportamento dos professores
(Gouveia-Pereira, 2004); outro sobre o exercício da cidadania em contexto escolar (Carita; GouveiaPereira e Marçal, 2005); o teste de avaliação da competência moral (MJT) de Lind (versão portuguesa de
Bataglia, adaptada por Ribeiro & Menezes, 2000). No tratamento estatístico da informação recorreu-se
a procedimentos de análise descritiva e a análises de regressão.
Os resultados facultam-nos uma imagem da experiência social dos participantes nos campos da justiça e
da cidadania na escola. Aqueles, em alguns aspectos, confirmam a hipótese geral estabelecida, mas
noutros não confirmam o que era esperado.
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PALAVRAS-CHAVE
Justiça, cidadania, desenvolvimento moral, professor, adolescência.
RESUME
L'éducation pour la citoyenneté est une préoccupation centrale de ceux qui s’intéressent à la défense et
à approfondissement de la démocratie. On soutient qu’elle doit procurer en tant que stratégie formative
l’observation et la pratique de propre démocratie, de la justice, des droits et des responsabilités
civiques, au niveau de la participation et de la coopération. Toutefois pour que l’éducation pour la
citoyenneté devienne un espace curriculaire de qualité, il faut faire plus de recherches empiriques sur le
sujet (Carita, 2005).
L’étude dont les résultats sont présentés ici provient de cette préoccupation.
MOTS-CLES
Justice; citoyenneté; développement moral; enseignant; adolescence.
1. Introdução
A pesquisa que se apresenta deriva da convicção de que a qualidade democrática do exercício
adulto da cidadania é devedora do que for feito no campo da educação para a cidadania,
nomeadamente em contexto escolar. A educação para a cidadania constitui uma preocupação
central para muitos daqueles que se preocupam com a defesa e o aprofundamento da
democracia, da justiça e dos direitos humanos. Assume-se que educação para a cidadania deve
proporcionar, como estratégia formativa, a observação e a prática da própria democracia, da
justiça, dos direitos e responsabilidades cívicas, em particular nos campos da participação e da
cooperação. Entretanto, para que a educação para a cidadania ocupe o espaço curricular que
incontornavelmente tem, requer-se mais investigação empírica sobre o tema em causa, de
modo a que a sua efectiva implementação curricular possa ser exercida em condições mais
satisfatórias do que aquelas que têm ocorrido (Carita, 2005). É esta a finalidade geral que
orientou o estudo em cujos resultados assenta a presente comunicação.
As principais referências teóricas da pesquisa, relacionadas com o tema da presente
comunicação, advêm do campo da Psicologia do Desenvolvimento Moral, em particular das
investigações sobre o desenvolvimento da competência moral, bem como sobre o modelo das
comunidades justas e, em particular, da escola como comunidade justa (Kohlberg, 1970,
1971a, 1971, 1972, 1980, 1985, 1987).
O modelo da escola como comunidade justa inscreve-se e alarga o campo das investigações de
Kohlberg sobre o tema da moralidade. Nestas investigações o tema da justiça ocupou um lugar
central. Tratava-se de perceber, sobretudo, como se desenvolvem os juízos deônticos de
justiça, ou seja, aqueles que se apoiam na consideração dos direitos e deveres morais dos
indivíduos.
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Deste modo, não surpreende que a educação moral tenha sido concebida, antes de mais,
como uma educação para o sentido de justiça e para o seu desenvolvimento. Entretanto,
sendo a justiça assumida como a virtude cívica por excelência, podemos dizer que, neste
sentido, Educação Moral e Educação Cívica se equivalem.
Uma premissa fundamental do enfoque da Comunidade Justa é a de que é possível
desenvolver na escola uma cultura moral positiva. As raízes desta cultura assentam numa
concepção de comunidade orientada por um forte sentido de justiça, concepção segundo a
qual as relações entre as pessoas constituem um fim em si mesmas, fazendo sentido a
aceitação de sacrifícios pessoais em favor da vida em comum. É claro o contraste entre esta
cultura moral e a de contextos organizacionais governados por relações instrumentais,
estreitamente pragmáticas. Também o cuidado, a moral da responsabilidade nos
relacionamentos, vem a ser sublinhado como uma importante característica dos indivíduos e
das relações no contexto das comunidades justas (Power & Makogon, 1995).
A concepção de comunidade justa é indissociável da perspectiva desenvolvimentista sobre as
condições ambientais favoráveis ao desenvolvimento do juízo moral, a saber: (a) a discussão
aberta, centrada na justiça e na moral; (b) o conflito cognitivo, estimulado pelo contacto com
pontos de vista diferentes e com níveis superiores de raciocínio; (c) a participação na criação
de regras e no exercício do poder e da responsabilidade; (d) a vivência em comunidades
socialmente desenvolvidas.
Os critérios tidos em conta por alguns dos colaboradores de Kohlberg na avaliação dos
ambientes das escolas, também nos esclarecem sobre as características do modelo da escola
como comunidade justa. Scharf (1973), por exemplo, toma em consideração critérios tais
como (a) a estrutura de justiça, (b) a ideologia das relações, (c) o modo como se tomam
decisões e se resolvem conflitos. Wasserman (1977, 1980) considera para a avaliação questões
tais como (a) o grau de discussão e diálogo moral presente nos relacionamentos e na resolução
dos conflitos, (b) o grau de poder dos membros da comunidade para criar regras e definir
políticas, (c) o grau em que aqueles percepcionam as regras e decisões como justas e (d) o grau
em que percepcionam positivamente a evolução da comunidade.
Em suma, a participação (a voz), nomeadamente na resolução dos conflitos, e a assunção de
responsabilidades na e pelas situações são processos indicativos das qualidades moral e cívica
dos ambientes e das condições de que eles dispõem para o exercício e educação da cidadania.
Daqui decorre que as competências sociais e éticas se encontram no centro das finalidades da
educação para a cidadania.
É da assunção deste modelo de escola como comunidade justa que fazemos derivar a
legitimidade de se questionar os estudantes sobre o modo como a escola portuguesa lhes
proporciona oportunidades de vivência –e assim, de formação– moral e cívica. Trata-se de
interpelar a escola portuguesa, com base nas percepções de estudantes adolescentes, sobre as
condições de aquisição por parte destes de noções básicas de direitos e deveres cívicos nas
organizações e sobre a adopção de acções consistentes com tal reconhecimento.
Podemos dizer, então, que uma das finalidades principais do estudo que se apresenta consistiu
em aprofundar o conhecimento sobre o exercício da cidadania em contexto escolar por parte
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dos estudantes, bem como a sua variação em função da escolaridade, do género e do Índice de
Competência Moral (ICM), variação cujo significado aqui apenas afloraremos.
Com vista ao cumprimento da finalidade enunciada colocámos um conjunto de questões sobre
as percepções de cidadania na escola, derivadas da operacionalização do conceito de escola
como comunidade justa, a que se aludiu. As questões inscrevem-se em quatro blocos
centrados no quotidiano da escola: reconhecimento do direito de opinião sobre a vida na
escola; adopção de comportamentos de opinião sobre os problemas aí emergentes;
reconhecimento de deveres de cooperação e solidariedade; cumprimento de regras e adopção
de comportamentos de cooperação e solidariedade.
2. Método
Participaram no estudo trezentos e nove estudantes, do 8º (164) e 11º (145) anos de
escolaridade, rapazes (134) e raparigas (175), com idades compreendidas entre os 12 e os 21
anos.
Foram utilizados dois instrumentos de medida. Um deles é um questionário, que tem em vista
a exploração da representação dos estudantes sobre o exercício da cidadania na escola,
estruturado em quatro escalas, a saber: (I) Reconhecimento do Direito de Opinião sobre o
Quotidiano Escolar, (II) Exercício de Opinião sobre o Quotidiano Escolar, (III) Reconhecimento
de Deveres de Cooperação e Solidariedade, (IV) Assunção de Comportamentos de
Responsabilidade Social, Cooperação e Solidariedade no Quotidiano Escolar, 2003). Este
questionário resultou da revisão do questionário construído no quadro de um outro estudo
(Gouveia-Pereira, Carita & Marçlal, 2004), ambos levados a cabo no âmbito de uma mesma
linha de investigação (ISPA; UIPCDE).
Da análise factorial efectuada aos dados obtidos no questionário, foram extraídas as
dimensões que se passa a enunciar.
Relativamente às percepções de Cidadania, a análise factorial permitiu extrair vários factores
em cada uma das escalas. Assim, na escala Reconhecimento do Direito de Opinião sobre (1) a
gestão do ensino e avaliação (α = 0,82; M=3,54; DP=0,73); (2) questões extra-currículo, dentro
da aula (α = 0,74; M=4,08; DP=0,62); (3) definição de regras (α = 0,71; M=3,49; DP=0,83); (4)
definição dos grupos de trabalho (α = 0,86; M=4,07; DP=0,86); (5) actividades extra-currículo,
fora da aula (α = 0,68; M=4,02; DP=0,79). Estas dimensões explicam 59,6 % da variância total e
têm um índice KMO= 0,82.
Na escala Exercício de Opinião sobre (1) o ensino e avaliação (α = 0,88; M=3,00; DP=0,88), (2)
gestão da aula e das actividades extra-curriculares (α = 0,74; M=2,96; DP=0,85), (3) resolução
dos conflitos (α = 0,78; M=3,67; DP=0,85) e (4) composição dos grupos de trabalho (α = 0,90;
M=3,74; DP=0,91). Estas 4 dimensões explicam 67 % da variância total e têm um índice KMO=
0,84.
Na escala Reconhecimento dos Deveres de Cooperação e Solidariedade em (1) relações
simétricas, com os colegas (α = 0,78; M=4,21; DP=0,57); (2) relações assimétricas, com
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professores e outros agentes educativos (α = 0,77; M=3,78; DP=0,71). Estas duas dimensões
explicam 60,7 % da variância total e têm um índice KMO= 0,80.
Na escala Assunção de Comportamentos de Responsabilidade Social, Cooperação e
Solidariedade na (1) relação com as figuras de autoridade (α = 0,80; M=3,37; DP=0,77), (2)
tarefa escolar (α = 0,72; M=3,90; DP=0,67), (3) relação com os pares (α = 0,7030; M=3,95;
DP=0,72), (4) descentração social (α = 0,55; M=4,07; DP=0,59). Estas dimensões explicam 61%
da variância total, tendo um índice KMO de 0,82.
O outro instrumento de medida, o qual sustenta o tratamento da variável independente Índice
de Competência Moral (ICM), é o Moral Judgement Test (MJT), de J. Lind (1999, 2000), na
versão portuguesa de Bataglia (1998), adaptada por Ribeiro & Menezes (2000). Da análise
descritiva da amostra obteremos a informação necessária ao tratamento das duas outras
variáveis independentes (Ano de Escolaridade e Género).
3. Resultados
3.1. A Cidadania na Escola: Percepções sobre os Direitos de Opinião
A média das respostas dos participantes em cada uma das diversas dimensões da escala situase acima dos 3.5. Deste modo, podemos concluir que os estudantes concordam em que lhes
devem ser reconhecidos direitos de opinião sobre todas as dimensões do quotidiano escolar
consideradas em análise, colocando em primeiro lugar a reclamação de direito de opinião
sobre assuntos não directamente centrados no currículo e que remetem para o âmbito da
dinâmica social da turma
A comparação conjunta das médias dos diversos factores da Escala I, Reconhecimento do
Direito de Opinião, mostra-nos que existe entre elas diferenças com significado estatístico (F
(4)= 64,992; p= ,000). Assim:
(a) O factor participação nas questões do ensino e avaliação apresenta um valor
significativamente inferior ao reconhecimento do direito de opinião sobre questões
extra currículo que emergem na aula (t = -13,897; p= ,000), a composição dos grupos
de trabalho, (t = -9,583; p= ,000) e as actividades extra currículo, fora da aula (t = 9,101; p= ,000);
(b) o reconhecimento do direito de opinião sobre questões extra currículo que emergem
na aula apresenta um valor significativamente superior ao direito de participação na
definição das regras (t = 11,660; p=,000);
(c) o reconhecimento do direito de opinião sobre a definição das regras apresenta um
valor significativamente inferior ao direito de participação na definição dos grupos de
trabalho (t = -9,288; p= ,000)e das actividades extra currículo, fora da aula (t = -9,564;
p= ,000).
Nesta escala, os resultados indicam, ainda, a existência de diferenças associadas às variáveis
independentes consideradas. Assim, o ano de escolaridade distingue os alunos entre si no que
respeita à expectativa de reconhecimento dos seus direitos de opinião em questões extra
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currículo, dentro da aula, expectativa em que se salientam os estudantes de 11º ano (t = 2,490; p= ,013); diferenças, ainda, acerca do direito de participação na definição de regras, em
que se salientam os alunos de 8º ano (t = 2,253; p= ,025).
Também o género distingue os alunos entre si no que respeita à expectativa de
reconhecimento dos seus direitos de opinião em questões extra currículo, dentro da aula (t = 2,402; p= ,017), bem como sobre as actividades extra currículo, fora da aula (t = -2,052; p=
,041). Em ambos os casos, parecem ser as raparigas que mais atenção dão a estas questões.
A percepção dos estudantes quanto aos seus direitos de opinião não apresenta variações em
função do nível de competência moral.
3.2. A Cidadania na Escola: Percepções sobre o Exercício da Opinião
A média das respostas dos estudantes relativamente ao seu efectivo exercício de opinião sobre
o funcionamento do quotidiano escolar oscila entre 2,95 no que respeita a questões sem
incidência no currículo e 3,74 no que respeita ao exercício de opinião sobre a composição dos
grupos de trabalho.
De resto, verifica-se a existência de diferenças com significado estatístico entre as médias das
diversas dimensões da escala (F = 110,695; p= ,000). Uma análise mais detalhada permite
concluir que:
(a) o exercício de opinião nas questões de ensino e avaliação apresenta uma média
significativamente inferior ao exercício de opinião sobre a resolução de conflitos (t = 12,565, p= ,000) e sobre a composição dos grupos de trabalho (t = -11,931; p= ,000);
(b) o exercício de opinião sobre questões de gestão da aula e sobre actividades extracurriculares apresenta uma média significativamente mais baixa que o exercício de
opinião sobre a resolução de conflitos (t = -13,292; p= ,000) e a composição dos grupos
de trabalho (t = -13,191; p= ,000).
O ano de escolaridade, o sexo e a competência moral introduzem alguma variabilidade no
quadro geral traçado. Assim acontece com o ano de escolaridade, a propósito da participação
na resolução de conflitos (t =5,173; p= ,000). De acordo com este resultado, podemos concluir
os estudantes de 8o ano apresentam uma imagem mais favorável da sua participação nesta
dimensão. O género apresenta-se igualmente associado a variação no que toca à constituição
dos grupos de trabalho (t =-2,532; p= ,012), sendo as raparigas que se percepcionam com
superior protagonismo nesta matéria. O ICM, por sua vez, aparece associado a uma variação
significativa nas questões de incidência não curricular (f = 3,446; p= ,017), permitindo inferir
que um elevado índice de competência moral poderá conduzir a um maior exercício de opinião
naqueles assuntos.
3.3. A Cidadania na Escola: Percepções sobre Deveres de Cooperação e Solidariedade
Os estudantes atribuem-se deveres de cooperação e solidariedade na escola, quer para com os
seus pares (X=4,21), quer para com os adultos a quem cabem responsabilidades educativas
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(X=3,78). Porém, atribuem-se significativamente mais deveres de cooperação e solidariedade
para com os pares do que com as figuras de autoridade (t = 11,077; p= ,000).
O reconhecimento dos deveres, em qualquer das suas dimensões, não apresentou variação
significativa associada nem ao ano de escolaridade, nem à competência moral. Apenas o
género se mostrou significativamente relacionado com a variável em apreço, permitindo-nos
concluir que as raparigas apresentam um reconhecimento dos seus deveres significativamente
mais expressivo do que o dos rapazes, quer no quadro das relações simétricas (t (304)=-4,131;
p= ,000), quer assimétricas (t (307)=-1,953; p= ,052).
3.4. A Cidadania na Escola: Cumprimento de Regras e Exercício dos Deveres de
Cooperação e Solidariedade
A média das respostas dos participantes em cada uma das diversas dimensões da escala situase acima dos 3.0. Deste modo, podemos concluir que os estudantes se atribuem efectiva
assunção de responsabilidades nas condutas questionadas nesta escala, colocando em
primeiro lugar a adopção de comportamentos socialmente descentrados nos relacionamentos
com os outros (X=4,06). É no domínio da colaboração com as figuras de autoridade que a
assunção de responsabilidades apresenta uma média mais baixa (X= 3,37).
Saliente-se que as diferenças entre as médias das diversas dimensões da escala apresentam
significado estatístico (F(3)= 84,740; p= ,000). Uma análise mais detalhada permite concluir
que:
(a) a cooperação com as figuras de autoridade apresenta uma média significativamente
inferior à assunção de responsabilidades com as tarefas escolares (t = -10,960; p=
,000), à solidariedade com os pares (t = -12,613; p=0,000) e aos comportamentos de
descentração social (t = -14,896; p= ,000);
(b) a assunção de responsabilidades relativamente às tarefas escolares apresenta uma
média significativamente inferior aos comportamentos de descentração social (t = 3,868; p= ,000).
Registaram-se algumas diferenças significativas nos comportamentos de cidadania em apreço
associadas às variáveis consideradas. Assim, verificou-se uma variação na assunção de
responsabilidades na tarefa escolar (t = 3,611; p= ,000) associada ao ano de escolaridade, a
qual permite concluir que são os alunos de 8º ano que significativamente mais se atribuem tais
comportamentos.
Porém, no conjunto da escala, o género parece andar associado a mais variabilidade do que a
escolaridade. Em consequência, parece podermos concluir que são as raparigas que
significativamente mais se atribuem condutas de cooperação com as figuras de autoridade (t=
-2,717; p= ,007), de assunção de responsabilidades na tarefa escolar (t = -3,895; p= ,000) e de
solidariedade com os pares (t = -3,906; p= ,000). Já o ICM apenas parece introduzir variação
significativa na avaliação que os estudantes fazem dos seus comportamentos de descentração
social (F = 3,039; p= ,029), o que parece indicar que os comportamentos de descentração são
directamente proporcionais ao índice de competência moral.
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4. Discussão e Conclusões
Na presente comunicação propusemo-nos abordar uma das finalidades de um estudo sobre a
justiça e cidadania nas escolas públicas portuguesas, estudo em que participaram estudantes
de 3º ciclo e ensino secundário. No âmbito da finalidade considerada procurou-se aprofundar
e alargar o conhecimento sobre a experiência da cidadania em contexto escolar por parte dos
estudantes, bem como a sua variação em função do ano de escolaridade, do género e do
índice de competência moral dos participantes. Vejamos, então, o que podemos concluir
quanto aos resultados obtidos no quadro das diversas questões que colocámos.
Cidadania na Escola: A Voz dos Estudantes
Como se apresenta a percepção dos estudantes relativamente aos direitos que lhe assistem no
domínio da voz, da opinião sobre o funcionamento do seu quotidiano escolar? E quanto à
adopção de efectivos comportamentos de participação na discussão sobre esse
funcionamento? E variam estas percepções em função da escolaridade, do género ou da
competência moral?
A questão da participação estudantil na discussão dos problemas que dizem respeito ao seu
quotidiano na escola destaca-se como um elemento essencial na qualidade do contexto
escolar, enquanto ambiente facilitador da aprendizagem da democracia. Tal participação é
condição indispensável da aprendizagem da cidadania democrática, porque ela proporciona o
próprio exercício da cidadania, o reconhecimento e exercício dos direito de opinião e o
envolvimento e responsabilização do aluno nos assuntos da instituição em que passa grande
parte do seu tempo, a escola. Tais assuntos dizem respeito quer ao que podemos designar
como o core currículo, as questões eminentemente académicas relacionadas com o
ensino/aprendizagem/avaliação, quer a outras questões que são instrumentais relativamente
a estas, ou que têm a ver com a dimensão cultural das escolas, ou com a sua organização e
dinâmica.
Ora, há que sublinhar que o valor da generalidade das dimensões que respeitam á escala do
reconhecimento dos direitos de participação na discussão sobre questões do quotidiano
escolar, à escala da consciência do direito de opinar, de usar a voz, se situa acima da média das
pontuações. O mesmo se passa na escala relativa à efectiva participação nas questões do
quotidiano da escola. Deste modo, os resultados proporcionam-nos um quadro que excede as
nossas expectativas, tendo em conta a nossa experiência social e os resultados de outros
estudos (Carita, 2005).
Em todo o caso, embora globalmente positivo, o resultado aponta claramente que é no campo
da centralidade curricular, nas questões da gestão do ensino e aprendizagem, que a voz dos
estudantes menos se faz sentir, e que é nas questões mais distantes do coração do currículo
académico que eles se reconhecem com mais direitos de participação. Consistente com estes
resultados, quando questionados sobre o exercício efectivo da participação, é também nas
questões relacionadas com o ensino e a avaliação que os alunos se atribuem uma participação
menos efectiva. É nas questões académicas que a efectiva participação menos se verifica.
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Tais resultados dão-nos uma imagem da cultura de participação na instituição escolar
insuficientemente consentânea com o que dela esperam os que defendem que à escola cabe
assumir reflexiva e sistematicamente o seu incontornável papel formativo, nomeadamente no
campo da cidadania democrática. Na escola até se participa, dizem os alunos; porém, a
participação está arredada daquelas dimensões que correspondem, de facto, àquilo que a
escola mais valoriza: o ensino e a avaliação. Os resultados parecem apontar para uma
dicotomia entre o que cabe nas dimensões académicas do currículo e o resto, sendo neste
resto que os estudantes localizam os seus direitos de opinião e efectiva participação. Cremos
que tal concepção implícita de participação não só não favorece a aprendizagem da
participação democrática no debate, como compromete o envolvimento dos alunos nas
questões do próprio currículo académico e, deste modo, as próprias aprendizagens
académicas.
Variações no reconhecimento dos direitos de opinião aparecem pontualmente associadas à
escolaridade e ao género. No primeiro caso, as variações permitem sublinhar um
reconhecimento mais expressivo dos alunos mais velhos do direito de participar em questões
que, embora não centrais ao currículo, emergem na aula– o que parece ser indicativo de um
alargamento do direito de participação a um espaço onde o poder do professor é central e
onde se joga muito da cena educativa. Permitem, ainda, que se destaque o reconhecimento
mais expressivo por parte dos alunos mais novos do direito de participar na definição das
regras – atitude que traduz, porventura, a presença mais evidente, mais explícita da
problemática normativa junto dos grupos mais novos (Estrela, 1986).
Entretanto, as variações em função do género parecem traduzir uma sensibilidade mais aguda
das raparigas ao direito de participação nas questões extracurriculares ou de complemento
curricular, emergentes na aula ou fora dela.
Relativamente ao efectivo exercício da participação, os resultados indicam-nos variações
muito pontuais, associadas à escolaridade e ao género. Tais variações permitem sublinhar um
exercício mais expressivo da opinião (a) por parte dos alunos de 8º ano, nas resoluções dos
conflitos e outros problemas e, (b) por parte das raparigas, no que toca à constituição dos
grupos de trabalho.
A competência moral prediz muito pouco da variação nas escalas da participação, surgindo
associada apenas a um mais expressivo exercício de participação, mas nas questões não
curriculares.
Assim sendo, podemos concluir que o estudo correlacional não introduz elementos
particularmente distintos do fornecido pelo quadro geral dos resultados, reforçando a ideia de
que, no que toca à participação nas questões centrais do currículo académico, os estudantes,
no essencial, não se distinguem entre si: é aí que efectivamente menos participam e é aí que
menos se reconhecem direitos de participação.
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Actas do XIV Colóquio da AFIRSE | Para um Balanço da Investigação em Educação de 1960 a 2005. Teorias e Práticas
Actes du XIVème Colloque de l’AFIRSE | Pour un bilan de la Recherche en Education de 1960 à 2005. Théories et Pratiques
Cidadania na Escola: Os Deveres de Cooperação e Solidariedade
Como se apresenta a percepção dos estudantes relativamente ao reconhecimento de deveres
nos domínios da cooperação e solidariedade no quotidiano escolar? E quanto cumprimento das
regras organizadoras desse quotidiano e à adopção de efectivos comportamentos de
cooperação e solidariedade nesse contexto? E variam estas percepções em função da
escolaridade, do género ou da competência moral?
O cuidado com os outros, o sentido de responsabilidade pelo devir colectivo é outra
importante dimensão da cidadania (Power & Makogon, 1995). Sobre este tema, há que
registar que os estudantes se atribuem, na escola, deveres de cooperação e solidariedade quer
com os pares, quer com as figuras de autoridade. Contudo, é na relação com os pares que tal
reconhecimento assume uma expressão significativamente mais elevada. Tal resultado é
consistente com as respostas dos estudantes aos itens relacionados com os efectivos
comportamentos de cooperação e solidariedade: é também na relação com os pares que os
estudantes se apresentam como protagonistas de mais comportamentos de solidariedade.
Estes resultados vêm confirmar a importância dos pares na adolescência, nomeadamente na
concepção e realização das suas tarefas nos contextos institucionais (Gouveia-Pereira, 1995),
deixando claro quem são realmente os seus aliados preferenciais na esfera da acção social e
pública. Este é um resultado também indicativo das dificuldades e resistências que, com
frequência, se encontram no domínio do contrato pedagógico.
Entretanto, a análise da escala relativa à adopção de comportamentos de responsabilidade
social no quotidiano escolar não só destaca a significativamente menor expressão da
cooperação com as figuras de autoridade escolar (mesmo quando essa autoridade é um
colega: o/a delegado/a de turma), como destaca o menor investimento dos estudantes nas
dimensões academicamente mais instrumentais (material escolar, assiduidade, pontualidade,
etc.), por contraste com as dimensões de matriz mais eminentemente social (apoio aos
colegas, assunção de erros, escuta, abertura, etc.). É, pois, nos comportamentos escolarmente
menos nucleares e nas dimensões mais sociais da cooperação e solidariedade que os
estudantes se atribuem uma acção mais expressiva, tal como sucedeu nas escalas da opinião.
Em suma, propusemo-nos trazer aqui parte dos resultados de uma pesquisa centrada nas
questões da justiça e da cidadania em contexto escolar, à luz das percepções dos estudantes
de escolas públicas portuguesas com 3º ciclo e secundário. No que toca às percepções de
cidadania sobre os direitos de participação, os resultados, embora globalmente positivos,
ilustram com clareza que é no coração do currículo académico, nas questões do
ensino/aprendizagem/avaliação que essa participação menos se cumpre e reconhece. Tal
situação não é porventura alheia ao expressivo menor envolvimento dos alunos no que toca à
assunção de responsabilidades relativas ao cumprimento dos normativos escolares.
Finalmente, no que toca aos deveres de solidariedade e cooperação os resultados indicam com
clareza que é no quadro das relações simétricas, entre pares que eles fazem especial sentido
para os estudantes adolescentes, mais do que nas relações com as figuras de autoridade.
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O quadro geral de resultados apresentado não sofre grande variação em função das variáveis
independentes consideradas. Em todo o caso, foi o género que maior variabilidade introduziu:
as raparigas destacam-se positivamente (a) no campo dos direitos de participação, ao autoatribuirem-se mais direito de participação nas questões extracurriculares e ao participarem
efectivamente mais na constituição dos grupos de trabalho; (b) no campo das
responsabilidades, pelo superior reconhecimento de deveres de cooperação com colegas e
com as figuras de autoridade, e por um superior envolvimento nas tarefas escolares e na
cooperação com as figuras de autoridade.
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Percepções de Justiça, Cidadania e Desenvolvimento Moral