ID: 58917834
10-04-2015
Tiragem: 6000
Pág: 3
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Semanal
Área: 19,00 x 18,93 cm²
Âmbito: Regional
Corte: 1 de 1
A urgência de uma nova política de Saúde
Miguel Guimarães
Presidente do Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos
O
caos vivido nas urgências hospitalares
no último Inverno,
durante o qual alguns hospitais do norte foram casos
mediáticos, constitui o reflexo inequívoco do falhanço da
política seguida por alguns
ministros da Saúde, mas que
tiveram em Paulo Macedo o
seu mais fiel promotor.
Escudados no argumento da
poupança financeira e em
nome da sustentabilidade, ao
longo dos últimos anos foram
encerrados serviços ao nível
dos cuidados de saúde primários e escandalosamente
diminuída a capacidade de
internamento no SNS. Os cuidados de proximidade foram
substancialmente reduzidos
e a constituição de centros
hospitalares esmagou os hospitais concelhios mais pequenos concentrando cada vez
mais a Medicina nos grandes
hospitais portugueses.
Uma visão centralista do SNS
apenas beneficia o sector privado das grandes unidades
de saúde. Nada que não faça
parte da visão estratégica
para a saúde do ministro
Paulo Macedo, confirmada
na sua imperdoável portaria
82/2014, e como de resto
transpareceu das suas declarações recentes em alguns órgãos de comunicação social.
De resto, os dados apresentados pelo Instituto Nacional de
Estatística (INE) no dia Mundial da saúde, vieram apenas
confirmar o trabalho desenvolvido nos últimos meses
pela Ordem dos Médicos e,
em especial, pelo seu Conselho Regional do Norte, e que
foi amplamente divulgado.
Senão vejamos. Entre 2002
e 2013, e no sector privado,
aumentaram o número de
hospitais e de camas de internamento, as urgências duplicaram (passaram de 460.000
para 900.000), as consultas
externas triplicaram (passaram de 16.5% para 29% do
total de consultas realizadas),
os actos complementares de
diagnóstico triplicaram e os
Visão centralista
do SNS apenas
beneficia o sector
privado das grandes
unidades de saúde
actos complementares de terapêutica duplicaram. Já no
sector público diminuíram o
número de camas de internamento (menos 3700), as urgências têm vindo a diminuir
e as consultas médicas nos
centros de saúde têm vindo
a reduzir-se.
Na verdade, os dados que
anualmente são publicados
pela OCDE já evidenciavam
muitos dos dados agora divulgados pelo INE. O financiamento da Saúde está cada
vez mais dependente das
economias do bolso dos portugueses e cada vez menos
do Ministério da Saúde. Em
2012 apenas 61% da despesa
em saúde era financiada pelo
Governo.
E isto, num país em crise financeira e económica, em
que o peso dos impostos directos e indirectos é absolutamente avassalador e dramático, em que as taxas moderadoras no acesso à saúde são
verdadeiros co-pagamentos
(o que motiva muitas pessoas
a recorrer ao sector privado),
em que os cortes nos salários
são muito significativos, em
que os bens de consumo essenciais são cada vez mais
caros, em que se tenta impor
uma Lei dos Compromissos
que fere a dignidade das
pessoas e da causa pública,
em que as exigências e a responsabilidade são cada vez
maiores para quem trabalha,
em que a população idosa é
cada vez maior, em que a taxa de natalidade nunca mais
cresce de forma significativa,
em que as situações clínicas
e sociais relacionadas com a
crise (depressão, suicídio, alcoolismo, agressões, etc) não
param de crescer.
A saúde, como foi recentemente demonstrado pelo estudo publicado pela Universidade Nova, é o principal motor da economia. Sem saúde
não há economia que resista
nem crescimento sustentado.
E é precisamente nesta altura, de maior necessidade para
os cidadãos e para o país, que
devemos investir e não desinvestir na Saúde e nas pessoas.
Mas é também necessário
que a sociedade civil, principal afectada pela desastrosa
política de saúde que tem sido seguida, faça valer os seus
direitos e cumpra os seus
deveres de cidadania a todos
os níveis.
A capacidade de intervenção
da sociedade civil através
das pessoas é essencial para
participar na escolha das decisões que nos podem afectar
a todos.
Ou queremos preservar a
essência do SNS centrada no
respeito pela dignidade do ser
humano, ou queremos preservar a actual política de Saúde.
A escolha não parece difícil.
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