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UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA
Mestrado de Psicanálise Saúde Sociedade
COMIDA: OBJETO DA PULSÃO
POR: ADRIANA RIBEIRO MACEDO VARGAS
Orientadora: Profa Dra Maria Anita Carneiro Ribeiro
Rio de Janeiro
Agosto.2014
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1.
COMIDA: OBJETO DA PULSÃO
“Sugar ao seio materno é o ponto de partida de toda vida sexual, o protótipo inigualável
de toda satisfação sexual ulterior, ao qual a fantasia retorna muitíssimas vezes, em épocas de
necessidade” (Freud, 1917 [1916-17], p.367). Ainda em relação ao seio, Freud afirma que
“para a criança, a amamentação no seio materno torna-se modelar para todos os
relacionamentos amorosos. O encontro do objeto é, na verdade, um reencontro” (Freud, 1905,
p.210). As escolhas amorosas futuras estão apoiadas nos modelos infantis primitivos como
tentativa de recuperar a felicidade perdida, movimento de reinvestimento no traço deixado pela
primeira experiência de satisfação. As diversas organizações sexuais geram um prazer parcial e
local, assim denominado por não haver ainda a unificação das pulsões para a obtenção do
prazer genital. Quando esse prazer é intenso, há o risco de que algo que seria um meio de se
obter prazer de excitação se transforme no alvo em si. Para que isso aconteça, é necessário que
já durante a infância tenha ocorrido uma obtenção de prazer incomum. Nesses anos anteriores à
organização genital, a escolha de objeto toma a direção do primeiro objeto do prazer oral, ou
seja, o seio e, conseqüentemente, a mãe. “A mãe é o primeiro objeto de amor” (Freud, 1917
[1916-17]b, p.385).
No Projeto para uma psicologia científica (1895), o objeto primordial perdido, o seio, é
apresentado como a primeira estruturação da realidade psíquica e, portanto, a condição para a
aquisição da linguagem e do pensamento. Nos Três Ensaios sobre a sexualidade (1905), como já
abordado, a organização pré-genital canibalesca seria um protótipo para a identificação. Em
Psicologia dos grupos e análise do ego (1921), a identificação seria derivada da fase oral da
organização libidinal, em que o objeto amado e apreciado é comido e suprimido em uma
“afeição devoradora”. Assim, os primeiros caminhos do pensamento estariam relacionado ao
objeto oral, o que leva Haddad (2004) a formular que “(...) pensamos com a boca, com os
dentes” (p. 46), considerando que a oralidade estabelece a oposição bom/ruim e os limites
interior/exterior.
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O autor Lemoine-Luccioni (1995) nos mostra como, para além da alimentação, o ato de
comer é pleno em significados e nos remete diretamente às relações constitutivas do sujeito.
Destaco o termo “relação” pois mesmo não se tratando de “objetos totais” e de relação de objeto
propriamente dita, há um outro sempre presente: “... o homem não gosta de comer só, porque
come sempre por alguém (ou contra alguém)”. Ele destaca ainda que não só uma pulsão é
sempre parcial, como sempre extravasa por sobre outras pulsões, e dá como exemplo a situação
de um homem e uma mulher que, quando já não podem fazer amor, se põem a comer. “A
perversão se define precisamente como uma pulsão desviada de sua meta. A perversão do gosto é
muito conhecida. (...) É como se houvesse uma lei que estabelecesse que cada prazer transgride
sua própria zona erógena, sua própria zona sensível, sem que se possa falar em perversão. Ora, a
perversão poderia ser explicada por essa lei. Trata-se, então, de que cada pulsão e cada prazer
deve escapar do paradigma para evitar a saciedade e, ao sair de sua especificidade graças
à transgressão, salvaguardar este prazer. A perversão seria então natural ao homem”.
No enfoque psicanalítico, a obesidade é investigada em sua relação com uma rede
conceitual na qual as definições de pulsão, função materna e corpo representado ocupam papel
central, não se restringindo, portanto, à ocorrência de um corpo obeso concreto definido segundo
os padrões de objetividade do modelo clínico.
A satisfação mais primitiva, apesar de ser auto-erótica, tem como objeto o seio. Isso
ocorre porque a criança não consegue diferenciar o seio como sendo dela ou do outro. A perda
do seio é efetivada com a representação da imagem daquele que vem satisfazer a criança, ele é
perdido a partir da separação entre o sujeito e o outro. A perda desse objeto que satisfaz é
fundamental para que outras zonas e outros objetos sejam investidos, deixando marcas que vão
aparecer na relação do sujeito com o outro através dos processos de identificação, ambivalência e
diferenciação. A partir daí, poderíamos falar que, desde o início, é o seio, associado com a
alimentação, que traz a primeira marca de separação entre o sujeito e o Outro e que, em um
momento posterior, a cada ativação dessa marca entre em jogo um movimento de separação em
torno do alimento.
Ao nascer, além da perda da sensação de plenitude, o bebê passa a sofrer demandas
impostas pela realidade: fome, sede, etc. A fome é saciada quando o bebê recebe da mãe o leite.
Nesse momento, o “receber o leite” torna-se uma experiência de satisfação, sendo o oposto uma
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experiência de não satisfação, composta pela privação, frustração e pela falta, sendo esta última
sem solução devendo ser assimilada pelo analisando. Já a satisfação apresenta dois momentos: A
necessidade (considerada mau), e a Completude (considerada bom). Voltar para a plenitude e
perfeição é impossível. Perder essa ilusão é um luto narcísico. No entanto, o objeto bom vai
apontar em direção a esse objetivo, dando-lhe esperança. Logo, o objeto bom é a memória do
meu narcisismo.
No ponto de vista da educação nutricional, a mãe seria a primeira pessoa responsável a
ensinar ao bebê a conviver com esses momentos da falta, sabendo que o ato de se alimentar não
poderia ocupar o vazio nem aplacar a angústia que permeia o ser humano, e que tomando essa
via da educação, um rico sentido a alimentação aparecia, o terapêutico, relaxador, e socializante.
A partir do conceito de pulsão, Freud definiu como Pulsão de vida esta carga energética
que visa conduzir o ser para seu estado de plenitude. A pulsão de vida aponta para o “outro”;
Nela podemos incluir o amor, o sexo, etc. O ser humano tende a retornar para essa plenitude
“uterina”, vivendo ilusoriamente na busca desse prazer inalcançável. No início, o bebê acha que
sua mãe pode fazê-lo alcançar essa plenitude. Posteriormente, percebe que essa meta é
impossível. Passa então a crer que sua mãe possui algo que possibilitará seu retorno para esse
estado (falo). Porém, o retorno para este estádio é impossível. Lacan o denominou de “falta”,
Winnicott (1978) de “estado transicional”, e Freud de “miséria do mundo”. Contrapondo-se às
pulsões de vida estão às pulsões de morte, que fazem o movimento contrário da pulsão de vida,
arrancando o bebê da “falta” e lançando-o novamente para uma dura realidade, que será negada
para que novamente possa ser implantada uma condição ilusória de perfeição.
Em relação ao objeto da pulsão, Freud (1915/1974), faz as seguintes observações:
“Objeto de uma pulsão é a coisa em relação à qual ou através da qual uma pulsão é capaz de
atingir sua finalidade” (p. 14).
“O objeto é o que há de mais variável numa pulsão e originalmente não está ligado a ela
só lhe sendo destinada por ser peculiarmente adequado a tornar possível a satisfação”(p.14).
“Pode ser modificado quantas vezes for necessário no decorrer das vicissitudes que a
pulsão sofre durante sua existência, sendo que esse deslocamento da pulsão desempenha papéis
altamente importantes” (p.14).
Como característica da pulsão:
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“Sua origem em fontes de estimulação dentro do organismo e seu aparecimento como
uma força constante” (FREUD, 1915/1976, p.14). Neste texto Freud faz uma observação
importante sobre os destinos da pulsão: “Tendo em mente a existência de forças motoras que
impedem que uma pulsão seja levada até ao fim de forma não modificada, também podemos
considerar essas vicissitudes (os destinos da pulsão) como modalidades de defesa contra as
pulsões” (p. 14).
1.1. Comida: Gozo
Em um episódio de compulsão alimentar há uma questão referente à quantidade de
comida, da ordem do excesso, em que o eu não é senhor desse acontecimento. Esse excesso que
se evidencia pela desmedida alimentar, que acontece em um pequeno intervalo de tempo, que é
vivido solitariamente, em um fechamento em si mesmo como em um transe hipnótico, é o que
me faz perguntar sobre a relação da compulsão alimentar com o conceito de gozo em psicanálise.
Segundo Dunker(2002):
O gozo se caracteriza por uma intensidade excessiva (além da satisfação), duração
repetitiva, estando a meio caminho entre uma grandeza positiva (prazer) e negativa (dor). Ele não
serve para nada, ele não é um meio para alcançar um fim, como o prazer que procura a extinção
da tensão. (DUNKER, 2002, p.72).
O consumo repetitivo e compulsivo do alimento demonstra a tentativa de saciar nem que
seja de forma momentânea a fantasia do perfeito e de aliviar a carga da vida, buscando-se um
lugar idealizado que é um ponto de fixação oral.
Entretanto, segundo Quinet, (2003) se para a necessidade há o alimento para a demanda
aí implícita, por mais que a comida adquira sinal de amor, não há o que vá saciar. O sujeito pode
comer o quanto quiser, compulsivamente, mas não há objeto para a pulsão, o desejo é falta
radical, constitutiva. É o que parece estar completamente eclipsado para o obeso mórbido, pois
ele sabe e nos diz isso. Ele não come compulsivamente para saciar a fome, não é também pelo
fato de a comida estar irresistivelmente apetitosa, mesmo porque não há uma coerência nas
escolhas e nem uma lembrança dos fatos. Ele não percebe que a comida jamais saciará o desejo
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que anima sua demanda de mais um prato; é um desejo articulado a partir de sua falta, onde
nenhum objeto satisfaz.
Uma paciente em atendimento nutricional numa explicação livre sobre seus conflitos
relatou-me que todos os dias após o almoço iniciam um processo de euforia alimentar, e come de
maneira aleatória tudo que está em sua geladeira, mistura sabores, sem determinar quantidades, e
quando dá a hora do esposo chegar em casa, só assim se acalmava e não comia mais, ela não
conseguia se lembrar quais os alimentos deste período. Ele relembra que era de maneira voraz e
rápida.
Neste caso distingue-se, usualmente, a necessidade da alimentação do prazer obtido com
ela; a necessidade está ligada à ingestão de alimentos, e o prazer às sensações supostamente
originadas nas papilas gustativas, que funcionariam assim como “zonas erógenas”. Pretende-se
compreender a compulsão alimentar, principalmente no que se refere as questões subjetivas que
envolvem o ato de comer. Busca-se pensar a obesidade não somente como uma doença de
etiologia genética, orgânica, mas como um problema de raízes sociais e principalmente psíquica
age entre diferentes culturas. É necessário pensar na formação desses sintomas, os impulsos, a
finalidade das pulsões, a dificuldade para lidar com a frustração e com o limite nas sensações de
prazer e alivio imediato. Para as dores e as decepções com as quais um sujeito se depara na vida,
tenta-se encontrar diferentes tipos de sedativos: as diversões intensas que permitem considerar as
misérias como insignificantes; as satisfações substitutivas que permitem diminuir a pena,
incluindo também o sintoma; os narcóticos que permitem certas insensibilidades. Desta maneira,
a toxicomania retorna, como nos diz Freud, como uma das respostas ao mal estar da cultura. Em
alguns casos comer é chegar ao ponto de prazer e satisfação, ocupando o lugar de uma angústia
na tentativa de se chegar a um encontro com o objeto desde sempre perdido.
Existem substâncias estranhas no corpo cuja presença no sangue e nos tecidos nos trás
sensações diretamente prazerosas, por sua vez alteram de tal modo as condições de nossas vidas
sensitivas que nos fazem incapazes de receber emoções de desprazer. (FREUD, 1930, p.78).
Na alimentação ocorre a mesma sensação. Começa com uma satisfação que
inevitavelmente passa a tomar espaço e nos momentos em que o sujeito necessita de mais
energia para aliviar alguma tensão do dia-a-dia, o alimento preenche o vazio. Contar com a
assistência da sublimação das pulsões e com a reorientação dos objetivos da mesma, de maneira
que iludam a frustração do mundo externo, em geral não é aplicável, pois poucas pessoas
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conseguem acessar estes mecanismos. O método não proporciona uma proteção completa contra
o sofrimento, não cria uma armadura impenetrável contra as investidas das escolhas e
habitualmente falha quando a fonte do sofrimento é o próprio corpo do sujeito.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DUNKER, C.I.L.; KYRILLOS NETO, Fuad - Escuta e Desejo: Fragmentos de um Caso
Clínico. Pulsional Revista de Psicanálise, v. XV, n. 155, p. 46-54, 2002.
E. Lemoine-Luccioni, ?Las Mujeres Tienen Alma?, Barcelona, Biblioteca de Psicoanálisis
Editorial Argonauta, 1990, p. 24-25.
E. Lemoine-Luccioni, op. cit., p. 26.
E. Lemoine-Luccioni, op. cit., p. 23-24.
FREUD, S. (1905/2006). Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Edição Standard
Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Vol. VII. Rio de Janeiro: Imago.
FREUD, S.Luto e Melancolia. ESB,vol.XIV. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1990(1917[1915]).
FREUD, S.Projeto Para uma Psicologia Científica. ESB, vol.I. Rio de Janeiro: Imago Editora,
1990(1895).
FREUD, S. O Mal-estar na Civilização . ESB, Vol.XXI . Rio de Janeiro: Imago Ed.,
1990(1930[1929].
FREUD, S.Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade. ESB, vol.VII. Rio de Janeiro: Imago
Editora, 1990(1905). FREUD, S. Fragmento da Análise de um Caso de Histeria. ESB, vol. VII.
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QUINET, Antonio. A descoberta do inconsciente: Do desejo ao sintoma. 2ª ed. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 2003.
HADDAD, Gerard. "O dia em que Lacan me adotou". São Paulo: Companhia de Freud, 2004.
Waterland R.A., Garza C. Potential mechanisms of metabolic imprinting that lead to chronic
disease. Am J Clin Nutri. 1999; 69: 179-97
Winnicott, D. W. (1978). Objetos transicionais e fenômenos transicionais. Em D. W.
Winnicott (Org.), Textos selecionados: Da pediatria à psicanálise (2ª ed.pp. 389-408). Rio de
Janeiro: Francisco Alves(Original publicado em 1951).
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