REVISTA MULTIDISCIPLINAR DA UNIESP
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“CATU PLECTU PLIN”1
GONÇALVES, Adilson Luiz2
São impressionantes os avanços tecnológicos na área de entretenimento!
As possibilidades são quase infinitas: videogames, lan houses, Internet bares,
DVDs, VCDs, interatividade... Você pode passar horas diante de uma tela, apertando os
botões de um controle remoto ou de um “joystick”, desafiando recordes e
surpreendendo-se com a imaginação e realismo proporcionados pelos seus criadores.
Tudo bem que existam efeitos colaterais, tais como: insônia, estresse (quem
diria?), problemas de visão, tendinites, obesidade e outros reflexos do sedentarismo.
Mas, de que outra forma você, simples mortal, poderia viver a fantasia de pilotar um
caça supersônico, usar um fuzil AR-15 e toda a sorte de armamentos letais (até que não
é tão difícil, infelizmente), dominar o mundo ou destruí-lo; matar e ser morto, com
requintes de perversidade, sem dó nem culpa?
Pois é! Como era a diversão das crianças e adolescentes antes do advento desse
mundo virtual e digital? Devia ser tão sem graça e imaginação, não?
Depende... Talvez a gente só tenha esquecido ou sido induzido a esquecer.
Quem viu o filme Delicatessen (1991, França), deve lembrar de uma cena na
qual o zelador, artista circense desempregado e virtual candidato a “presunto”, munido
de uma grande bacia e de um aro avantajado, fazia enormes bolhas de sabão, no
corredor do prédio.
Era pura e absoluta poesia!
Lembrei daquela música da Bossa Nova, só que em vez de canudo e canequinha,
reproduzi o aparato do filme e, entusiasmados, eu e meu filho fomos para uma praça
próxima de casa.
Quando começamos a produzir nossas enormes bolhas de sabão, os demais
freqüentadores e transeuntes, adultos e crianças, pararam o que faziam – ou não faziam
– para admirar aquelas elementares e pouco onerosas maravilhas do entretenimento.
Alguns se aproximaram, com brilho infantil nos olhos, querendo assimilar
aquela “tecnologia de ponta” ou pedindo para deixar fazer...
Todos olhávamos cada bolha, acompanhando sua trajetória errática ao suave
sabor do vento e torcendo por maiores, mais coloridas e mais duradouras. Assim,
SABER ACADÊMICO - n º 06 - Dez. 2008/ ISSN 1980-5950
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passamos horas ao ar livre, sentindo prazer e leveza inofensivos e imemoriáveis. E tudo
isso sem “matar” ninguém!
Mínima tecnologia e máximo resultado!
O entretenimento, segundo os futurólogos, será o grande negócio do século XXI,
mas alguns produtores estão levando seus projetos perigosamente próximos do limite
alienante e insensível do “pão e circo” da Roma Antiga!
A humanidade, a sensibilidade e a imaginação têm sido tolhidas, condicionadas,
seqüestradas e uniformizadas pelos interesses do mercado de consumo, tanto que a
maioria dos “games” mistura violência desmesurada, sangue aos borbotões, assassinatos
“à queima-roupa” e crimes, muitos crimes!
Tudo é fictício, é claro; mas nota-se um crescente potencial de interação desse
mundo “paralelo” com o mundo real. Em parte, isso é um subproduto da especulação
imobiliária e da violência urbana, que têm reduzido progressivamente os espaços de
lazer e a liberdade de ir e vir. Hoje, os pais minimamente responsáveis têm medo de
deixar seus filhos saírem sozinhos à rua, e a vida das crianças e adolescentes urbanos
sofre de um novo tipo de claustrofobia, transitando entre as pareces fechadas de
apartamentos, escolas, clubes e shoppings.
A realidade virtual surgiu como uma alternativa a esse realismo perigoso e
estanque. A maior vítima desse contexto é a imaginação, que cada vez mais perde lugar
em nossas vidas.
Mas ainda há vestígios dela! Talvez por isso a visão de uma pipa colorida, de
uma gaivota de papel ou de uma bolha de sabão cause tanto fascínio, mesmo aos mais
carrancudos e intolerantes. Talvez porque com elas também voam nossas almas e
sonhos, livres das “gaiolas” do cotidiano e do “pão e circo” do consumismo selvagem.
É certo que nesse universo lúdico e ingênuo também existe a crueldade das
atiradeiras e a malícia do “cerol”, mas sempre podemos fazer uma nova pipa, mais
arrojada e colorida, ou bolhas maiores e em tanta quantidade, que nem mesmo o mais
persistente “espírito de porco” conseguirá destruir todas! Ao menos uma subirá,
carregando consigo nossos sonhos que, quando uma corrente de vento a desfizer, se
espalharão pelo céu.
Será que se todos fizerem bolhas de sabão essas correntes de vento poderão se
transformar em correntes de sonhos, que um dia se transformarão em realidade?
Quem sabe? Afinal, “sonho que se sonha junto...”.
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Texto produzido em dezembro de 2003 e originalmente publicado no livro digital intitulado
Sobre Almas e Pilhas.
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Mestre em Educação pela Universidade Católica de Santos (UNISANTOS), Engenheiro Civil
com especializações em Construções e Obras Públicas pelo Institut Supérieur du Béton Armé,
de Marselha (ISBA - França) e em Avaliações em Perícias em Engenharia (IBAPE-SP).
Professor Universitário nas áreas de Ciências Exatas e Tecnologias, e
Ciências da Saúde (UNISANTOS) e Arquitetura e Urbanismo (UNISANTA). Engenheiro do
Quadro Permanente do Grupo Técnico Científico da Prefeitura de Santos – SP.
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