REVISTA MULTIDISCIPLINAR DA UNIESP
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FÁBULA PÓS-MODERNA
CAMARGO, M. A. Bosschaerts de1
Era uma vez uma loba. Espécime muito diferenciada, tinha pêlo frisado e
colorido, piercing nas orelhas, cauda profissionalmente aparada. Uns toques de
intelectualidade obtidos em universidade da moda tornavam-na potencialmente mais
perigosa.
Um dia, para que surgisse o conflito que caracteriza uma narrativa e esta
história acontecesse, seu caminho cruzou-se com o de um cordeiro, que exteriormente
conservava todas as características de sua espécie, mas que escondia grande sagacidade
atrás de uma máscara de extrema insegurança e timidez. Esse disfarce fez com que a
loba pensasse: “este está (literalmente) no papo”. Detalhe: lobas intelectualizadas
pensam assim, usando parênteses explicativos...
Aproximou-se da incauta vítima e, esbanjando charme, usou a deixa de uma
história que já havia lido ou escutado:
_ Decifra-me, ou eu te devorarei.
Pego de surpresa, (cordeiros são preparados, nas escolas ovinas, para
responder questões sobre turvar a água de lobas sedentas...) o pequeno animal respirou
fundo e preparou-se para decifrar o enigma que provavelmente viria. E veio:
_ Qual é o animal que precisa esconder sentimentos de raiva e agressividade,
cultivar outros como ternura, afeto e docilidade – mesmo que não sejam verdadeiros - ,
que precisa refinar-se na arte de lançar olhares “oblíquos e dissimulados”, mostrar uma
atitude de eterna dependência, mesmo sendo, muitas vezes, mais forte do que deixa
transparecer?
Diante da facilidade do problema proposto (já que era cordeiro inteligente e
letrado, familiarizado com histórias gregas e troianas), sentindo-se a salvo, o interpelado
esboçou um sorriso e respondeu:
_ É a fêmea da espécie humana.
O cordeiro preparava-se já para desfrutar da liberdade tão inteligentemente
conquistada, quando percebeu, pelo olhar de seu algoz, que a ameaça de morte persistia.
Atônito, mal teve tempo de perguntar:
SABER ACADÊMICO - n º 08 - Dez. 2009/ ISSN 1980-5950
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_ Mas, por que devo morrer, se dei a resposta certa?
_ Exatamente por isso. Porque me decifraste.
E a loba devorou o cordeirinho, que, é mister que se ressalte, morreu apenas
literariamente, entre “espasmos de gozo”, como escreveria Júlio Ribeiro, autor, aliás,
lido e apreciado por ambos.
1
Doutora em educação pela UNESP/ Marilia, docente do curso de Pedagogia e Coordenadora
do Núcleo de Apoio ao Discente e Docente da Faculdade de Presidente Prudente (UNIESP).
SABER ACADÊMICO - n º 08 - Dez. 2009/ ISSN 1980-5950
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