REVISTA MULTIDISCIPLINAR DA UNIESP 217 O CRIME ACADÊMICO GOUVEIA JUNIOR, Sérgio Augusto1 Estava em casa, noite de descanso merecido. A filha não lhe dava, como sempre, a importância que queria para ele: televisão, tarefas de casa e conversas com a mãe – tudo era melhor do que a companhia do acadêmico que se encontrava à disposição da família e convertia em sustento da casa todo o resultado da exploração que sentia no mercado. Sabia que havia amor entre ele e a filha: ela o respeitava, beijava-o quando pedia, dizia sempre boa-noite. A esposa dava sua atenção à pequena, que estava em fase de amadurecimento emotivo e precisava muito da atenção materna. Ela também o amava: beijava-lhe pela manhã, no almoço, no jantar e na hora de dormir; dizia-lhe palavras de amor; acompanhava-o aos eventos sociais; tinha o ciúme típico de quem quer proteger o relacionamento. Ele se sentia solitário entre a gente, com a consciência de quem conhece Camões e sentindo as dores do pior dos deuses. Distanciou-se da distância das duas e, ao aproximar-se de si, chegou a arriscar uns versos: “Apelo Por favor, não me deixe rimar amor com dor. Mas, acima de tudo, não me deixe sentir amor com dor. Arranque-me as rimas e o poder da escrita Mas livre-me dessa dor maldita.” Conhecia que o ser humano é social e tende a reproduzir os comportamentos padrões, principalmente os que são bem educados. E ele, a filha e a esposa o eram. Sabia que a aparência pode ser bem diferente da essência e tinha a Alegoria da Caverna como um de seus textos de cabeceira. Buscava as respostas e sentia se aproximar do desconhecido enquanto se distanciava das certezas duvidosas da sociedade. Confundia-se e afirmava a si que não tinha motivos para isso: profissional de muito sucesso e bem remunerado, marido e pai exemplares, talento precoce que poderia SABER ACADÊMICO - n º 06 - Dez. 2008/ ISSN 1980-5950 REVISTA MULTIDISCIPLINAR DA UNIESP 218 – apenas com sua vontade – ser explorado; chorava ao saber que se prendia e não se encontrava capaz de libertar-se. A esposa não o acompanhava naquilo que mais valorizava: as reflexões metafísicas. Conversas domésticas eram de domésticas: contas a pagar, a receber e os problemas escolares da filha, além - obviamente – dos incômodos que a responsável pela comodidade da casa, a empregada, trazia. As brigas eram sutis e constantes; muito controladas; extremamente. Ouvia palavras de amor, mas não sentia os gestos dele. Os olhares de reprovação gratuitos da filha retiravam-lhe a alegria trazida pelo sucesso profissional. Afirmava não gostar de ler apenas para incomodá-lo. Tinha postura discreta de desafio apenas sentido por ele e pela filha - para que a mãe não as visse e não o apoiasse nas repreensões necessárias. A menina sabia que o silêncio da mãe significava desaprovação às observações do pai. Recebia gestos de amor, mas não tinha o sentimento dele. As cobranças profissionais eram superadas facilmente. Não tinha medo de demissões: tinha mais de uma fonte de renda e sustento e uma razoável poupança. Uma das empresas o convocava a ser exclusivo. Devia decidir: ou continuava nela – a melhor - e era exclusivo ou permanecia nas outras. Decisão difícil, que deveria ser tomada com outras: tentar se aproximar mais da Luz e distanciar-se dos padrões sociais a que obedecia (tinha família, emprego e salário; vestia-se bem; comportava-se bem) ou manter-se na Sombra que era a sobra da alegria. Pensou, naquele momento, no ponto final para o período composto e (co)ordenado por sofrimento que tinha a duração prorrogada por vírgulas, reticências e adversativas inúmeras: o suicídio. Ato de coragem e desprendimento. Libertação do corpo e da alma. Abandono dos padrões sociais todos. Repúdio a eles. E uma grande vantagem: abandonar a parábola da vida em seu vértice superior. Tomou a decisão fatal: fechou a tela do editor de textos, desligou o computador, o Sol já nascia; e ele decidiu morrer: tomou seu banho, pegou sua pasta e foi para mais um dia de trabalho. Personagem principal: professor Feliz com profissão Duvidososo com relacionamento e fliha Triste com cultura e sociedade SABER ACADÊMICO - n º 06 - Dez. 2008/ ISSN 1980-5950 REVISTA MULTIDISCIPLINAR DA UNIESP Problema: 219 Brigas constantes Cobranças e dúvidas profissionais Realização financeira Perspectivas impedidas por ele e pela família Desfecho: 1 Pensa o suicídio: ato de coragem Continua vivendo Professor de Língua Portuguesa do Ensino Médio. SABER ACADÊMICO - n º 06 - Dez. 2008/ ISSN 1980-5950