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ANALISANDO O CONSELHO DE CLASSE
QUANTO PRÁTICA ESCOLAR
SILVA, Benícia1
O presente relato teve origem a partir de uma proposta pedagógica na disciplina
Estágio III do curso Ciências Biológicas – Licenciatura, na Universidade Federal do Rio
Grande, FURG. Foi observada uma reunião de Conselho de Classe em uma escola
estadual de ensino fundamental da cidade de Rio Grande/RS, na qual foi realizado o
estágio supervisionado. Nesta observação algo foi provocado e surgiu a necessidade de
refletir e escrever acerca desta prática escolar que se constitui, em algumas instituições,
erroneamente como um instrumento de poder que marca fortemente sujeitos/alunos que
nessa prática, são/estão indefesos posto que sua defesa seja colocada por sua ausência.
Este trabalho tem como intenção discutir como os alunos são analisados, diagnosticados
e avaliados de forma padronizada e classificatória, tendo posteriormente seus
desempenhos registrados, sendo que as vivências que os constituíram como sujeitos até
então são ignoradas e não há nenhum interesse e preocupação em investigar os
resultados e tampouco criar alternativas de progresso.
A ESCOLHA DA TEMÁTICA
Este trabalho é fruto de uma proposta pedagógica na disciplina Estágio III do
curso Ciências Biológicas – Licenciatura, na Universidade Federal do Rio Grande,
FURG. Foi proposta a escrita de um artigo/relato após o término do estágio
supervisionado em sala de aula. Este artigo/relato deveria ter como base um aspecto
significativo vivenciado durante a experiência de estágio.
O estágio foi realizado em uma escola da rede municipal localizada na cidade de
Rio Grande/RS, num período de dois meses com uma turma de 5ª série do ensino
fundamental. Nesta instituição a recepção foi calorosa, tanto pelas diretoras,
coordenadora e professores, quanto pelos alunos. Foi perceptível o quanto os membros
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escolares queriam que eu me sentisse à vontade e como parte integrante da escola, nesse
sentido, frequentemente surgiam convites para participar de atividades escolares.
Durante o estágio mantive os olhos atentos em busca de um aspecto que
realmente significasse e que viesse a servir como base para a produção deste artigo.
Posso afirmar que incontestavelmente nenhum outro assunto revelou-se mais instigante
que este que intitula o presente trabalho.
A inserção no Grupo de Pesquisa Sexualidade e Escola (GESE), na FURG, no
qual são discutidas questões de corpos, gêneros e sexualidades, fez com que
instintivamente as observações no Conselho de Classe fossem vinculadas a tais
temáticas e principalmente no quanto esta prática escolar influencia na constituição dos
sujeitos/alunos como um marcador de corpos e identidades.
No GESE, sou interpelada por discursos que admitem que os corpos, os gêneros
e as sexualidades são construções sócio-históricas, assim como nossas identidades. Para
Hall (2004, p. 13).
a identidade torna-se uma “celebração móvel”: formada e
transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos
representados ou interpelados nos sistema culturais que nos rodeiam.
É definida historicamente, e não biologicamente.
Nesse sentido, desde nosso nascimento somos submetidos a regras, conceitos,
esteriótipos e outras demarcações que nos cercam e acompanham por toda vida e que
influenciam fortemente na constituição de quem somos e poderemos ser, admitindo que
estamos em constante “produção”.
A escola tem importante papel nesta construção, pois parte de nossas vidas se
passa dentro desta instituição, o que inevitavelmente a torna também responsável pelo
processo de produção de nossas identidades. Nessa instituição é vivenciado o Conselho
de Classe como prática avaliativa na qual podemos observar o quanto os discursos dos
profissionais da educação são preconceituosos, imparciais e marcantes na constituição
dos alunos/sujeitos. Notas e comportamentos servem como argumento para que alunos
sejam classificados e rotulados por identidades criadas e sugeridas por professores,
diretores, coordenadores e demais membros que possam vir a participar de tal reunião.
CONSELHO DE CLASSE: MARCANDO CORPOS E IDENTIDADES
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O Conselho de Classe caracteriza-se como uma reunião periódica que ocorre na
instituição escolar, na qual reúnem-se professores, coordenadores, supervisores,
diretores, orientadores e em determinadas situações alunos, para que coletivamente
reflitam e avaliem o processo de ensino-aprendizagem.
Neste encontro o objetivo não deve ser apenas saber se o aluno foi aprovado ou
não nas disciplinas, mas sim encontrar as dificuldades deste e/ou da turma e desenvolver
estratégias para que os obstáculos sejam vencidos. Importante ressaltar que não apenas
os alunos possam apresentar dificuldades, mas também os professores, que
“representam” a instituição de ensino na sala de aula.
O Conselho de Classe observado é referido ao primeiro bimestre de 2008 da
escola na qual foi realizado o estágio supervisionado. O convite para esta reunião, a qual
não se encaixou perfeitamente nas descrições feitas nos parágrafos acima, foi realizado
pela coordenadora da escola.
Quando aluna, eu imaginava como deveriam ser os conselhos e, infelizmente, a
imaginação não falhou. Sentados em volta de uma grande mesa professores falam de
seus alunos como se fossem pessoas distantes, comentam rapidamente sobre suas
atitudes, fazem diagnósticos e os classificam por meio de conceitos de cunho avaliativo
que posteriormente são fixados aos seus boletins.
O método de avaliação foi um dos aspectos que considerei como mais
“defeituoso” desta prática escolar. O primeiro ponto observado foi que os alunos são
vistos como se fossem objetos imutáveis, pois não é discutida nenhuma forma de
investigação do porque um aluno tira notas baixas, porque é tão agitado, porque é tão
agressivo, porque é apático, porque não participa.
Além das notas/conceitos, no boletim também são registradas frases que
verificam o desempenho do aluno durante o bimestre. A forma com que esta
conferência se dá foi outro ponto relevante que cabe ser discutido. Um pedaço de papel
é entregue a cada professor presente na reunião. Neste papel estão enumeradas algumas
frases – 1. Continue assim; 2. Demonstra crescimento; 3. Precisa vencer algumas
dificuldades; 4. Precisa diminuir a conversa; 5. Precisa de mais estudo; 6. Precisa
melhorar a falta de atenção; 7. Precisa rever as atitudes. – e a partir de uma média entre
as notas tiradas em todas as disciplinas, estas frases vão sendo encaixadas aos boletins.
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Isto pode ser melhor entendido nas frases abaixo que foram transcritas do Conselho de
Classe observado2.
Professora A: Vamos começar! A.B.! Para mim ela é frase 3 pra baixo. Pois ela
ficou com nota 3,2 comigo.
Professora B: Ah, comigo também, ela é péssima. Fora aquela carinha
nojentinha.
Professor: E é abusada!
Eu: É mesmo! Ela já me enfrentou duas vezes dizendo que eu não entreguei
material para ela, sendo que eu tinha certeza que sim. Mas a postura dela é incrível.
Ela é bastante petulante.
[...]
Professora A: G.M.! Pra mim é só frase 3!
Eu: Comigo ele é frase 2!
Professor: Mas que nota ela ficou contigo?
Eu: 6,7!
Professor: Então não pode ser frase 2! Porque frase 2 é só para quem tirou
entre 8 e 9.
[...]
Eu: K.M.! Para mim é frase 3 pra baixo!
Professora C: Comigo também!
Professora E: Quem é esse? Alguém me alcança a foto da turma! Ah, é esse! É
muito fraquinho...
Eu: Na minha aula ele nem respira.
Professora E: Pois é. Tanto que eu nem lembrava dele! (Risos)
[...]
Professora D: P.G.! É frase 2!
Eu: Mas ele é ótimo! Por que não frase 1?
Professora A: Ele tirou mais que 9 contigo?
Eu: Não. Tirou 8,5. Mas ele é um dos melhores da turma.
Professora A: Mas não pode...
Professora E: Quem é esse mesmo? Ah, o gordinho! Ele é muito chatinho,
peguento! Tem sempre que dá beijinho...
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Analisando o conjunto dessas falas mencionadas é fato que a escola só avalia o
desempenho a partir de notas e é só isso que realmente importa.
Este tipo de avaliação padroniza os alunos e faz parecer que o aluno nota 9 “não
tem nenhuma dificuldade”, ou que o 8, mesmo sendo um ótimo aluno, “não deve
continuar assim”. No Conselho de Classe os professores classificam os alunos
construindo identidades escolarizadas e robotizadas, pois todos devem se adequar ao
que é conferido pela escola e professores, “através de múltiplos, sutis e refinados
mecanismos e estratégias, as marcas da escolarização são inscritas nos corpos dos
sujeitos”(SILVA, 2007. p. 30).
Ao sair do Conselho de Classe me remeti ao tempo de escola. Para Quadrado
(2007), a escola é um espaço social que apresenta determinadas representações culturais
que nos constituem e habilitam e delimitam o que podemos ser. Tudo o que foi colocado
no meu boletim não mostrava quem eu realmente era, mas sim como os professores me
viam e quanto suas significações ao meu respeito me influenciaram e ainda hoje
sugerem muito a respeito da minha personalidade.
Nas vésperas de buscar o boletim a ansiedade prevalecia e no dia o caminho até
a escola era longo. Silêncio absoluto na ida e o oposto na volta. O carro se transformará
num tribunal e o boletim a prova do delito. Mil explicações e argumentos eram dados
pelos registros no boletim sem nem imaginar que um dia estaria do outro lado, passando
de vítima à acusação.
Pensando no Conselho de Classe e observando novamente as falas acima
mencionadas percebo o erro cometido. Com minha participação frases prontas foram
fixadas aos boletins dos alunos da 5ª série e nenhuma estratégia investigativa para
compreender melhor as atitudes deles foi lançada.
A última coisa que eu gostaria de fazer como professora é marcar meus alunos
negativamente. Mas a sensação que tenho é que ao participar do Conselho de Classe
acabei fazendo isso de alguma forma.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Seguindo a profissão de professora certamente passarei por outros conselhos de
classe. Talvez eu não mude a escola, não mude os outros professores, mas a mim eu
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posso mudar. Minha postura será outra. Para mim não haverá vítimas nem promotores.
Mas sim pessoas, seres humanos, em que o fato de um ser mais experiente do que o
outro não o torna mais poderoso, mas sim responsável em fazer o melhor possível para
que os menos experientes dêem o melhor de si, tornem-se pessoas melhores, passem por
mudanças/transformações positivas e principalmente enxerguem a escola como um
lugar bom onde as mentes, os olhares e os corpos devem brilhar, serem vivos e não
reprimidos.
As análises e reflexões apresentadas neste artigo não devem ser generalizadas a
todas as instituições de ensino. O objetivo deste trabalho não é julgar a atuação desta ou
das demais instituições escolares e suas práticas de Conselho de Classe, mas sim chamar
atenção dos profissionais da educação de como e quanto nós influenciamos na
produção/constituição dos sujeitos/alunos de nossas instituições. Esta é a proposta que
fica. Devemos garantir que esta influência seja a mais positiva possível e que
contribuamos para um desenvolvimento natural não robotizado, sem pressões seletivas,
sem padrões e sem classificações, pois a vigilância constante sobre os corpos acaba por
silenciar suas histórias, suas constituições, as quais certamente serviriam como pistas
para melhor compreendê-los.
Quanto profissionais do ensino precisamos admitir que nossos alunos são
sujeitos constituídos sócio-historicamente a partir de uma visão de mundo que lhes foi
oferecida e passada por suas famílias e pela cultura na qual estão inseridos. A escola faz
parte desta construção que é contínua, portanto, é preciso pensar que tipo de
contribuição queremos e devemos oferecer. Queremos realmente marcar esses sujeitos
com esteriótipos e normas preconceituosas? Por isso, acredito que para que esses
obstáculos sejam superados é necessário, antes de tudo, conhecer nossos alunos. Saber
para quem estamos falando e de onde vêem esses indivíduos. A investigação de
comportamentos, a análise de resultados e a criação de alternativas de progresso devem
ser consideradas ferramentas riquíssimas para uma construção positiva.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CONSELHO de Classe. Disponível em:
Conselho_de_Classe>. Acesso em 26 mai. 2008.
<http://pt.wikipedia.org/
wiki/
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CONSELHO de Classe. Disponível em: <http://www.gleisinho. palestras.nom.br
/Downloads/Letras/O%20CONSELHO%20DE%20CLASSE.doc>. Acesso em 26 mai.
2008.
HALL, Stuart. A identidade Cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da
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SILVA, Fabiane. A produção dos Corpos Generificados no Contexto Escolar. In:
RIBEIRO, Paula e QUADRADO, Raquel (Orgs.). Corpos, gêneros e sexualidades:
Questões possíveis para o currículo escolar. Caderno Pedagógico Anos Iniciais. Rio
Grande, 2007.
1
Discente do curso de Ciências Biológicas – Licenciatura da Fundação Universidade Federal do
Rio Grande (FURG). E-mail: [email protected]
2
O nome dos professores e alunos foram preservados. Os professores são citados pelas
letras do alfabeto e os alunos pelas iniciais de seus nomes e sobrenomes.
Relato de Experiência Recebido em 07 de novembro de 2008
Aprovado em 27 de fevereiro de 2009.
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analisando o conselho de classe quanto prática escolar