Limite máximo imperativo nas compensações por despedimento colectivo
Paternalismo da Troika ou uma medida inevitável?
Por Carolina Boullosa Gonzalez*
PALAVRAS-CHAVE: indemnização; despedimento colectivo; limite máximo legal; contraordenação; autonomia privada
O artigo 366.º do Código do Trabalho, na sua redacção aprovada pela Lei n.º 7/2009,
de 12 de Fevereiro, estabelecia que, em caso de despedimento colectivo, o
trabalhador tinha direito a compensação correspondente a um mês de retribuição base
e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, a qual não poderia ser inferior
a três meses de retribuição base e diuturnidades1 2.
Pese embora as alterações de formulação ao longo dos tempos e os vários diplomas
legais em vigor, a verdade é que, desde a entrada em vigor, em 31 de Julho de 1975,
do Decreto-Lei 372-A/75, de 16 de Julho, que a compensação por despedimento
colectivo se encontrava estabelecida em termos semelhantes aos acima referidos, isto
é, grosso modo, um mês de retribuição por cada ano, não podendo aquela ser inferior
a três meses de retribuição.
Com a entrada em vigor em 1 de Novembro de 2011 da Lei n.º 53/2011, de 14 de
Outubro, a referida compensação por despedimento colectivo sofreu uma primeira
alteração de fundo, embora inicialmente apenas prevista para os novos contratos de
trabalho (contratos celebrados após 1 de Novembro de 2011). À referida lei
sucederam-se ainda outras duas que vieram regular a mesma matéria: a Lei n.º
23/2012, de 25 de Junho e a Lei n.º 69/2013, de 30 de Agosto.
Assim sendo, actualmente, o regime regra vem contido no artigo 366.º do Código do
Trabalho, embora o mesmo apenas se aplique na íntegra aos contratos de trabalho
celebrados após 1 de Outubro de 2013. A este, soma-se um regime transitório para os
1
O referido artigo correspondia, com pequenas alterações de formulação, ao artigo 401.º do Código do
Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto.
2
Anteriormente, vigorava o n.º 1 do artigo 27.º do Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro (regime
jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de
trabalho a termo) e respectiva remissão para o n.º 3 do artigo 13.º do mesmo diploma legal, preceito que
teve origem no n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei 372-A/75, de 16 de Julho (cessação do contrato
individual de trabalho), e respectiva remissão para os n.ºs 1 e 2 do mesmo diploma legal.
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contratos de trabalho celebrados antes de 1 de Novembro de 2011 e outro para os
contratos de trabalho celebrados depois de 1 de Novembro de 2011 mas até 30 de
Setembro de 2013 inclusive.
Não sendo nosso objectivo debruçarmo-nos sobre o montante da compensação
propriamente dito, mas antes sobre o estabelecimento de um limite máximo imperativo
para essa compensação, limitamo-nos a referir sumariamente que, actualmente, para
os contratos de trabalho celebrados após 1 de Outubro de 2013, encontra-se
estabelecida uma compensação por despedimento colectivo de 12 dias de retribuição
base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, tendo-se pretendido
salvaguardar a expectativa dos trabalhadores contratados antes da referida data,
assegurando desse modo a aplicação dos regimes anteriores mais favoráveis (para
contratos anteriores a 1 de Novembro de 2011, um mês de retribuição base e
diuturnidades até 31 de Outubro de 2012, e 20 dias de retribuição base e
diuturnidades entre 1 de Novembro de 2012 e 30 de Setembro de 2013, para contratos
posteriores a 1 de Novembro de 2011, 20 dias de retribuição base e diuturnidades
entre 1 de Novembro de 2011 e 30 de Setembro de 2013). Todavia, em ambos os
regimes, o legislador estabeleceu patamares máximos, os quais, consoante os casos,
poderão significar a perda de vários anos de antiguidade no cômputo da respectiva
compensação.
Ora, compreendendo-se analiticamente os motivos que levaram a Troika a impor a
redução do factor de ponderação de um mês para 20 e agora 12 dias de retribuição
base por cada ano de antiguidade, a nossa dúvida prende-se com a verdadeira
necessidade de se estabelecer um limite máximo imperativo para a referida
compensação.
Por outro lado, e como segunda questão, também encontramos alguma dificuldade na
harmonização do regime legal do procedimento de despedimento colectivo no seu
conjunto com o estabelecimento de um limite máximo para as respectivas
compensações.
Concretizando, a compensação por despedimento colectivo passou a ser determinada
do seguinte modo (cfr. n.º 2 do artigo 366.º do Código do Trabalho):
a) O valor da retribuição base mensal e diuturnidades do trabalhador a
considerar para efeitos de cálculo da compensação não pode ser superior a
20 vezes a retribuição mínima mensal garantida;
b) O montante global da compensação não pode ser superior a 12 vezes a
retribuição base mensal e diuturnidades do trabalhador ou, quando seja
aplicável o limite previsto na alínea anterior, a 240 vezes a retribuição mínima
mensal garantida;
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c) O valor diário de retribuição base e diuturnidades é o resultante da divisão por
30 da retribuição base mensal e diuturnidades;
d) Em caso de fracção de ano, o montante da compensação é calculado
proporcionalmente.
Nestes termos, além de uma redução significativa no factor de ponderação do cálculo
da compensação, passou a estabelecer-se um limite máximo tanto para a retribuição
base mensal como para o montante global da compensação.
Assim, de uma compensação que se encontrava estabelecida a partir de valores
mínimos, passou-se para uma compensação limitada também por valores máximos.
Efectivamente, se anteriormente a compensação por despedimento colectivo não
podia ser inferior a um mês de retribuição base por cada ano de antiguidade, não
havendo qualquer limite máximo, actualmente, estabeleceu-se um tecto máximo
impossível de ultrapassar.
Ora, se é verdade que, para trabalhadores com uma retribuição média e uma
antiguidade mais reduzida a questão poderá não ter muita relevância, já para
contratos mais antigos a situação é diferente.
Na verdade, temo-nos deparado com situações concretas de entidades empregadoras
que, no âmbito de despedimentos colectivos, estariam dispostas a pagar aos
trabalhadores abrangidos uma indemnização superior ao legalmente previsto, mas que
acabam por recuar na sua opção, tendo em conta os referidos limites legais, com isso
muitas vezes inviabilizando a paz social e a resolução extra-judicial de conflitos.
Efectivamente, existem as mais diversas razões para que as empresas pretendam
compensar trabalhadores abrangidos por um despedimento colectivo num montante
superior ao legalmente previsto, v.g. política interna da empresa ou do grupo em que a
mesma se encontra integrada, desejo de evitar impugnações judiciais do
despedimento colectivo, ou, simplesmente, como forma de compensar adicionalmente
tais trabalhadores.
Como tal, a nosso ver, nenhuma razão impedia, que, simultaneamente com a redução
do factor de ponderação para cálculo das compensações e o estabelecimento de
limites máximos para as mesmas – que funcionariam ambos como a regra geral
supletiva –, fosse deixada em aberto a possibilidade de, por opção da entidade
empregadora, tais limites serem ultrapassados em benefício do trabalhador3.
3
Está-se aqui a equacionar os casos de empresas privadas, porque se admite que no caso das empresas
públicas o raciocínio seja diferente, ainda que as mesmas se encontrem fora do perímetro orçamental do
Estado.
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Na mesma senda, temos dificuldade em compreender a previsão de uma contraordenação grave para os casos em que tais limites sejam ultrapassados4.
Importa salientar que o n.º 5 do artigo 6.º da Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho,
estabelecia que, em caso de cessação de contrato de trabalho celebrado antes de 1
de Novembro de 2011, “constitui contra-ordenação grave o pagamento de
compensação de valor inferior ao resultante do disposto neste artigo”, demonstrando,
assim, que, pese embora o estabelecimento de limites máximos para a compensação,
a preocupação do legislador, ainda que restringida ao regime transitório, continuava a
ser a protecção dos mínimos legais a que o trabalhador tinha direito.
Sucede que, o artigo 7.º da Lei n.º 69/2013, de 30 de Agosto, abandonou aquela
formulação, passando a prever que constitui contra-ordenação grave “a violação do
disposto nos artigos 5.º e 6.º da presente lei”, i.e., sem qualquer distinção entre
pagamento de montante inferior ao mínimo e superior ao máximo.
Acresce que o n.º 7 do artigo 366.º do Código do Trabalho, na sua versão actual, e o
n.º 7 do artigo 366.º-A, entretanto revogado, estabeleceram como contra-ordenação
grave a violação da norma que prevê a forma de determinação da compensação e os
respectivos limites máximos.
Por outro lado, à luz deste regime, suscita-nos também dúvidas a interpretação da
previsão da alínea f) do n.º 2 do artigo 360.º do Código do Trabalho, na sua versão
actual. Com efeito, atendendo, por um lado, aos limites das compensações já
referidos, e por outro, ao n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho, que
determinou a nulidade das disposições de instrumentos de regulamentação colectiva
de trabalho celebrados antes da entrada em vigor da referida lei que prevejam
montantes superiores aos resultantes do Código do Trabalho, relativas a
compensação por despedimento colectivo, e a valores e critérios de definição dessa
compensação, fica por descortinar que “método de cálculo de compensação a
conceder genericamente aos trabalhadores a despedir” poderão as entidades
empregadoras utilizar, que não o previsto no artigo 366.º do Código do Trabalho ou
nos regimes transitórios.
É, de facto, duvidoso se, na realidade, resta algum espaço, por pequeno que seja,
para, por mero efeito da autonomia privada, serem ultrapassados aqueles limites,
principalmente no que diz respeito a eventuais instrumentos de regulamentação
colectiva que prevejam compensações diferentes das previstas no Código do
Trabalho.
4
Neste âmbito, importa referir que o n.º 6 do artigo 366.º do Código do Trabalho, na sua redacção
aprovada pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, estabelecia como contra-ordenação grave a violação
das normas relativas ao montante da indemnização, ou seja, a contra-ordenação existiria, apenas e só,
no caso de os trabalhadores terem recebido uma indemnização inferior àquela a que tinham direito.
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Se, por um lado, o regime do artigo 366.º do Código do Trabalho não suscita grandes
dúvidas quanto à respectiva imperatividade, já a formulação da alínea f) do n.º 2 do
artigo 360.º do Código do Trabalho (“sem prejuízo da compensação estabelecida no
artigo 366.º ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho”) e ainda os n.º
2 e 3 do artigo 339.º do Código do Trabalho, parecem abrir portas a uma interpretação
contrária.
Sobre esta matéria já se pronunciou o Tribunal Constitucional, no âmbito do Acórdão
n.º 602/2013, ao fiscalizar a constitucionalidade do n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º
23/2012, de 25 de Junho. De acordo com este tribunal, o artigo 366.º do Código do
Trabalho “vem regulamentar a compensação por despedimento coletivo, fixando-lhe
um valor máximo, a determinar em razão de diferentes fatores. Até esse limiar
legalmente definido, podem os fatores relevantes ser quantificados por via de
negociação coletiva. É o que resulta do artigo 339.º, n.º 3, do mesmo Código (cfr.
também, especificamente no que se refere ao despedimento coletivo, o artigo 360.º,
n.º 2, alínea f)”.
Mais referindo que, “[p]ara o futuro, isto é, no que respeita aos IRCT posteriores ao
início de vigência da Lei n.º 23/2012 – 1 de agosto de 2012, de acordo com o respetivo
artigo 11.º -, os mesmos, sob pena de nulidade originária das disposições pertinentes,
têm de observar, quanto ao montante da compensação por despedimento coletivo ou
de que decorra a aplicação desta segundo o estabelecido no Código do Trabalho, o
limite máximo estatuído no artigo 366.º, n.º 2, do mesmo Código. Relativamente aos
IRCT anteriores àquela data, em ordem a submetê-los a regime idêntico, o artigo 7.º,
n.º 1, da mesma Lei veio cominar uma nulidade superveniente”.
Nos termos do exposto, pese embora as já referidas incongruências ou formulações
menos felizes, será forçoso concluir pela imperatividade do regime do artigo 366.º do
Código do Trabalho, existindo (?), contudo, lugar para o exercício da autonomia
privada, tanto ao nível contratual como da negociação colectiva, até aos limites
máximos estabelecidos pelo mesmo preceito legal.
Conforme já referimos, em nossa opinião, esta solução restringe em demasia a
autonomia privada, em prejuízo tanto da entidade empregadora como do próprio
trabalhador.
Na verdade, a utilização do montante compensatório não apenas para preservar a paz
social, mas também para, eventualmente, premiar trabalhadores que o mereçam, fica
definitivamente afastada no âmbito do actual regime legal. Por outro lado, a grande
discrepância entre as compensações por despedimento colectivo e as indemnizações
por despedimento ilícito fomentam, para os trabalhadores com maior antiguidade, o
conflito laboral.
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Refira-se, ainda, em abono deste entendimento que, num efeito perverso da solução
adoptada pelo legislador, o risco económico da impugnação judicial de um
despedimento colectivo poderá ser bem mais oneroso para a entidade empregadora
do que o pagamento negociado, no âmbito desse despedimento, de uma
compensação superior aos limites legais. De facto, situando-se a média das
indemnizações determinadas pelos tribunais por despedimentos ilícitos nos 30 dias de
retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade ou fracção,
sem quaisquer limites máximos, é notória a discrepância para os 12 dias de retribuição
base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, com o limite máximo de
12 vezes a retribuição base mensal e diuturnidades, prevista actualmente para os
despedimentos colectivos.
Neste âmbito, é razoável prever que, a manter-se a referida discrepância de regimes,
as impugnações de despedimentos colectivos aumentem, facto que as entidades
empregadoras não poderão evitar, uma vez que se encontram legalmente
condicionadas.
Para além do já mencionado processo contra-ordenacional, resta saber quais as
consequências que advêm para os empregadores de pagarem mais do que aquilo que
estão autorizados legalmente. Há um dever de devolução por parte dos
trabalhadores? Mantém-se tudo inalterado apenas se aplicando a coima? Uma coisa é
certa: nenhum trabalhador abrangido irá propor uma acção judicial contestando um
pagamento efectuado em excesso…
Por outro lado, não poderá deixar de se referir que, em alternativa a um aumento ilícito
das compensações por despedimento colectivo, restará sempre às entidades
empregadoras a possibilidade de se socorrerem do instituto da remissão, sendo certo
que, no âmbito de uma relação laboral, um acordo de remissão de créditos apenas
poderá concretizar-se depois de findo o contrato de trabalho, impedindo, assim, uma
negociação e acordo com todos os trabalhadores em sede de despedimento colectivo.
Acresce que, os créditos laborais pagos por via da remissão não poderão, em nosso
entendimento, gozar do regime de isenção previsto na alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º
do Código do I.R.S., assim como, não irão beneficiar da exclusão prevista na alínea h)
do artigo 48.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de
Segurança Social, tornando esta solução mais onerosa tanto para a entidade
empregadora como para o trabalhador.
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Resta-nos, de todo o modo, tendo em conta a prematuridade e complexidade do
regime e as dúvidas suscitadas, aguardar por eventuais decisões judiciais que possam
clarificar as questões apontadas.
*[email protected]
004/2014
www.ace.pt
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