O “NOVO” TRIBUNAL DO JÚRI E A INCONSTITUCIONALIDADE DA POSSIBILIDADE DE JULGAMENTO SEM A PRESENÇA DO RÉU Raphael Douglas Vieira1 Entrou em vigor no último dia 11/08/2008 a Lei 11.689/2008, que alterou dispositivos do Decreto Lei nº3.689/1941- Código de Processo Penal, relativos ao Processo Penal nos crimes julgados pelo Tribunal do Júri. O artigo 457 do Código de Processo Penal passou a ter a seguinte redação: Art. 457. O julgamento não será adiado pelo não comparecimento do acusado solto, do assistente ou do advogado do querelante, que tiver sido regularmente intimado. § 1o Os pedidos de adiamento e as justificações de não comparecimento deverão ser, salvo comprovado motivo de força maior, previamente submetidos à apreciação do juiz presidente do Tribunal do Júri. § 2o Se o acusado preso não for conduzido, o julgamento será adiado para o primeiro dia desimpedido da mesma reunião, salvo se houver pedido de dispensa de comparecimento subscrito por ele e seu defensor. (NR) Sob o argumento de que o “sistema” antigo possibilitava a procrastinação do julgamento e, em muitos casos, a prescrição punitiva por parte do Estado, legitimou-se, após a vigência desta lei, o julgamento à revelia do réu. Isso porque poderá o réu ser julgado sem a sua presença, a teor do que estabelece o artigo supramencionado. Tal “inovação” em busca da celeridade processual infringe o princípio constitucional da Ampla Defesa, vez que o interrogatório do réu, que é peça eminentemente de defesa, se dá também no plenário de julgamento, sendo este o momento em que os jurados (juízes não togados) têm contato com a versão dada pelo réu, ao vivo, podendo formar cada 1 Advogado, professor e pós-graduado em Ciências Penais. um sua própria opinião e juízo de valor acerca do suposto crime e dos acontecimentos ligados ao mesmo. Certo é ainda que o interrogatório é um dos atos processuais mais importantes, ato por meio do qual o juiz (ou jurado) ouve do pretenso culpado esclarecimentos sobre a imputação que lhe é feita e, ao mesmo tempo, colhe dados importantes para o seu convencimento. Sendo-nos garantido constitucionalmente o direito ao silêncio (art. 5º, LXIII, CF) e por isso não estando o réu obrigado a responder as perguntas que lhe fizerem, entendo ser o interrogatório um meio de defesa, sendo ainda um meio de prova e não uma fonte de prova. Assim, ao se possibilitar um julgamento sem a presença do réu está se possibilitando julgar sem que os jurados tenham a oportunidade de assistir ao interrogatório do mesmo. Ao meu sentir, tal “inovação” legal cerceia direito de defesa, infringindo o princípio constitucional da Ampla Defesa (art. 5º, LV, CF). Tal princípio traduz a liberdade inerente ao indivíduo, no âmbito do Estado Democrático de, em defesa de seus interesses, alegar fatos e propor provas. Dessa maneira, julgar o réu sem possibilitar a ele oportunidade de se ver interrogado perante aqueles que o julgarão é cercear o direito sagrado de uma defesa ampla, algo inconcebível em um Estado democrático de direito. Tal medida legal, cristalinamente inconstitucional, vem adentrar ao Processo Penal como medida alternativa à incompetência Estatal na persecução penal, na busca de evitar-se a prescrição punitiva. Todavia, qualquer medida que atente contra princípios constitucionais não pode prevalecer. Se há que se pensar em soluções para evitar-se a prescrição punitiva estatal, tal solução tem, obrigatoriamente, que estar em consonância com a Constituição Federal. No caso em tela, poder-se-ia ampliar um mecanismo já existente para a testemunha que, regularmente intimada, não comparece à audiência ou ao julgamento. Nesse caso pode o Estado conduzir a testemunha coercitivamente, com uso de aparato policial, sem que se tenha violação a direitos e garantias fundamentais. Que se conduza coercitivamente o réu a seu julgamento, desde que previamente intimado e ausente; que se transforme a ausência do réu que, intimado, não comparece ao próprio julgamento em condição para a decretação de prisão cautelar, tudo isso é possível, plausível e concebível. O que não podemos conceber é a violação aos direitos e às garantias fundamentais, isso em nenhuma hipótese, muito menos na infeliz hipótese trazida à baila pela malfadada redação dada ao artigo 457 do Código de Processo Penal através da Lei 11.689/2008. REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 14724: informação e documentação - trabalhos acadêmicos - apresentação. Rio de Janeiro, 2001. 6 p. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da república federativa do Brasil. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. 332 p. LEI 11.689/2008. Disponível em: (http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato20072010/2008/Lei/L11689.htm). Acesso em 11 de nov. de 2008.