QUAL CONCEPÇÃO DE HOMEM FUNDAMENTA O TRABALHO EM
SAÚDE MENTAL NOS DIAS ATUAIS?1
Cláudio Rossano Dias de LIMA
Especialista em Psicologia Clínica Humanista–Existencial
Mestrando em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Membro do Grupo de Estudos Subjetividade e Desenvolvimento HumanoGESDH/UFRN/CNPq
[email protected]
Correspondência: Rua Dr. Pedro Velho, nº 123, Centro, Canguaretama, RN – Brasil.
CEP: 59190-000.
Introdução
Há quase três décadas vivenciamos um processo histórico na saúde mental
brasileira denominada reforma psiquiatra. Ao questionarmos os significados dessa
expressão, nos dirigimos à pergunta: reforma de que? Trata-se de uma reforma que
implica em mudanças nas estruturas físicas das instituições de tratamento psiquiátrico,
que tem suas bases, entretanto, em uma nova forma de olhar para o fenômeno da
loucura, abrindo possibilidades para focar as atenções na pessoa doente, e não na
doença.
Chamamos a atenção para o fato de que mesmo após trinta décadas de lutas a
favor de uma reforma psiquiátrica, os modelos institucionalizantes de tratamento dos
hospitais psiquiátricos ainda permanecem (ver Barbosa, Souza e Dimenstein, 2009).
Esse quadro não se refere a algo particular, pertencente a uma instituição. O trabalho, a
atenção da qual a instituição disponibiliza a seus usuários passa primeiramente pela
compreensão que o profissional de saúde mental tem acerca do usuário.
Essas questões cotidianas fundamentam o entendimento de que uma nova
compreensão da loucura se direciona a uma nova visão de homem. Isso posto, nos
perguntamos sobre qual é a concepção de homem que embasa a o trabalho em saúde
mental hoje em dia. Assim, nosso objetivo é discutir as concepções de homem
implicadas na formação dos profissionais da saúde mental e o sentido dessa formação
ante a emergência de novas práticas em um contexto reformista.
1
Trabalho elaborado sob a orientação de Elza Dutra, professora adjunta do Departamento de Psicologia
da UFRN
Questões epistemológicas na formação profissional
A formação profissional encontrada nos cursos de graduação, até mesmo na
formação escolar, carrega consigo princípios de um modelo cartesiano e positivista. Os
profissionais de saúde mental encontram-se dentro dessa formação, das ciências
naturais, que olha para o homem a partir de modelos dicotômicos, valorizando os
aspectos biológicos.
Trazemos a fenomenologia para o contexto desse trabalho sob a forma da
psicopatologia fenomenológica, que surge com a proposta de lançar compreensões mais
próximas da existência humana, partindo de uma concepção não biologizante ou
psicologizante de homem, mas a partir de sua historicidade (Caldas, 2009). Enquanto a
psicopatologia tradicional firmou-se a partir do modelo das ciências naturais,
elaborando uma psicopatologia generalista, organicista e classificatória de doenças, a
fenomenológica embasa-se nas abordagens da fenomenologia, lançando como principal
elemento de discussão, as especificidades da existência humana, o mundo vivido.
A Daseinsanalyse, ou analítica do ser, é a forma como Boss e Condrau (1997),
baseado na obra de Heidegger (2009), nomeia a sua prática clínica em psicopatologia
fenomenológica. Ela prima pelo desvelamento do sentido do ser e caminha com o
entendimento de que o adoecer humano, como uma das possibilidades de seu existir,
significa justamente uma restrição ou limitação de seu ser-no-mundo. Dessa forma, as
patologias podem ser compreendidas como uma maneira de ser-no-mundo na qual a
pessoa encontra-se paralisada numa dimensão restritiva de sua existência.
Considerações finais
Entende-se que a concepção de homem que perpassa a formação dos
profissionais da saúde mental se pauta nos princípios de uma ciência embasada no
modelo biomédico e das ciências naturais. Entretanto, nas ciências humanas, a
fenomenologia propõe uma nova forma de se olhar para o homem e o mundo (Andrey,
2007).
O caráter de ocultamento e desvelamento do ser, que se assenta sobre o ser do
homem, revela que ele não deve ser reduzido a apenas seu caráter biológico. As ciências
naturais atuam com um objeto diferente ao das ciências humanas, e aplicar ipsis litteris
os métodos daquele modelo de ciência a este, sem dedicar maior atenção às exigências
que o homem enquanto objeto de estudo revela (por ser um ser-aí), seria conduzir com
imprudência a construção do conhecimento. Talvez seja isso o que acontece nas práticas
de alguns profissionais de saúde mental. Assim, falamos da fenomenologia como um
fundamento teórico capaz de sustentar as solicitações feitas pela mudança de paradigma
de loucura na reforma psiquiátrica nos dias atuais.
Referências:
Andery, M. A. P. A. et al. (2007). Para compreender a ciência: uma perspectiva
histórica. Rio de Janeiro: Gramond.
Barbosa, V.; Souza, P. K.; & Dimenstein, M. (2009). Trabalhadores de saúde mental
frente ao fechamento de um hospital psiquiátrico. In: M. Dimenstein (Org.).
Produção do conhecimento, agenciamentos e implementação no fazer pesquisa
em psicologia. Natal, RN: Editora da UFRN.
Boss, M., & Condrau, G. (1997). Análise existencial – Daseinsanalyse. Revista da
Associação Brasileira de Daseinsanalyse, (1, 2 e 4), 23-35.
Caldas, M. T. (2009). Psicopatologia, Fenomenologia e Existência. In H. T. P. Morato,
C. L. B. T. Barreto, & A. P. Nunes (Coord.). Aconselhamento psicológico numa
perspectiva fenomenológica existencial: uma introdução.
Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan.
Heidegger, M. (2009). Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes. (Obra original publicada em
1927).
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