AS INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS E O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL: UMA ANÁLISE A PARTIR DA EXPERIÊNCIA DOS VALES DA UVA GOETHE NA REGIÃO DE URUSSANGA – SC Valdinho Pellin1 Furb – Universidade Regional de Blumenau E-mail: [email protected] Katiesca Fonseca Padilha2 Furb – Universidade Regional de Blumenau E-mail: [email protected] OklingerMantovanelli Junior3 Furb – Universidade Regional de Blumenau E-mail:[email protected] RESUMO O instituto das indicações geográficas é um elemento de identificação de produtos ou serviços que pode contribuir para a agregação de valor e fortalecer o desenvolvimento econômico e social em regiões com tais potencialidades. Este instituto divide-se em indicação de procedência (IP) e denominação de origem (DO). O primeiro indica que produtos ou serviços procedem de determinado lugar, cujos elementos principais para sua caracterização são as ações do homem e o saber fazer. No tocante ao segundo, este por sua vez, além dos elementos de produção humana, requer que o produto se caracterize pelos elementos da natureza, tais como, relevo, clima e solo. Este instituto também visa proteger os produtos, os produtores e principalmente garantir a qualidade e a informação aos consumidores. Este trabalho se desenvolveu através de pesquisa bibliográfica, análise documental e uma entrevista semiestruturada aplicada a uma consultora do projeto que viabilizou o reconhecimento da indicação geográfica para os Vales da Uva Goethe na região de Urussanga –SC. O objetivo geral foi verificar a relação entre as indicações geográficas e o desenvolvimento territorial e os bjetivos específicos: a) verificar como o instituto das indicações geográficas está se desenvolvendo no Brasil; b) analisar como ocorreu o processo de obtenção da indicação geográfica dos Vales da Uva Goethe e c) identificar quais as principais dificuldades encontradas na obtenção da indicação e quais os principais benefícios gerados após a concessão. O estudo demonstrou que tal instituto ainda é pouco disseminado no Brasil e existem dificuldades na sua obtenção. Em relação à experiência dos “Vales da Uva Goethe”, constatou-se a importância da construção de um arranjo institucional eficiente envolvendo parcerias com entidades públicas e privadas para o reconhecimento da indicação geográfica. Quanto aos benefícios auferidos com a indicação geográfica, identificou-se o desenvolvimento do enoturismo, fortalecimento da imagem dos vinhos brancos da região, melhoria no desenvolvimento sócio econômico dos produtores e ainda, a preservação da 1 Graduado em Economia, mestre e doutorando em Desenvolvimento Regional pela Universidade Regional de Blumenau (FURB). Pesquisador do Núcleo de Políticas Públicas do Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Regional. Bolsista do Programa de Demanda Social da CAPES. E-mail: [email protected] 2 Graduada em Direito pela Universidade Regional de Blumenau (FURB) e no Curso Seqüencial em Desenvolvimento Regional (FURB). E-mail: [email protected] 3 Professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade Regional de Blumenau (FURB) e pesquisador do Núcleo de Políticas Públicas. Doutor em Sociologia pela UNESP. E-mail: [email protected] identidade local. Palavras chaves: Indicação Geográfica. Desenvolvimento Territorial. Vitivinicultura 1- INTRODUÇÃO A indicação geográfica é um mecanismo novo e pouco desenvolvido no Brasil. Esse instituto surge no momento em que produtores e consumidores percebem que alguns produtos apresentam características atribuíveis a sua origem geográfica. Tanto na Europa como no Brasil, esse processo teve maior destaque na vitivinicultura. Perla legislação brasileira, a indicação geográfica subdivide-se em indicação de procedência (IP) e denominação de origem (DO). A primeira identifica que uma determinada região ou localidade se tornou conhecida pela produção de determinado produto ou prestação de serviço, caracterizada essencialmente pelas ações humanas.No tocante ao segundo mecanismo de proteção, verifica-se que determinada região ou localidade, se tornou conhecida pela produção de determinado produto ou prestação de serviço e por características exclusivamente geográficas, incluindo fatores naturais e humanos. Este instituto objetiva proteger os produtos, os serviços e seus consumidores, visto que os produtos e serviços que possuem esta certificação contem informações verídicas referentes à sua origem, procedência e qualidade. Para o reconhecimento de uma indicação geográfica, requer-se o preenchimento de inúmeros requisitos determinado pela Lei 9.279/96 que serão aclarados no decorrer do trabalho. Na intenção de proteger o instituto das indicações geográficas, alguns acordos internacionais foram criados. Estes acordos, por sua vez, preveem tão somente a proteção contra as falsas indicações geográficas. A literatura especializada tem demonstrando que, em muitos casos, as indicações geográficas podem contribuir para o fortalecimento do desenvolvimento territorial, principalmente em espaços rurais, seja através da agregação de valor aos produtos, do acesso a novos mercados ou da ampliação do consumo de determinados produtos ou serviços. Nesse contexto, o presente artigo procurou verificar a possível relação entre as indicações geográficas e o desenvolvimento territorial, a partir do estudo de caso dos Vales da Uva Goethe, na região de Urussanga-SC. Como objetivos específicos, estabeleceu-se: a) verificar como este instituto se desenvolveu e como o mesmo tem se aplicado no Brasil; b) analisar 2 como ocorreu o processo de obtenção da indicação geográfica dos Vales da Uva Goethe e c) identificar quais as principais dificuldades encontradas noreconhecimento da indicação geográfica e quais os principais benefícios obtidos após a concessão. Finalmente, o artigo pretendeu responder a seguinte questão de pesquisa: as indicações geográficas podem contribuir para o desenvolvimento territorial? 2-METODOLOGIA O artigo possui uma abordagem qualitativa, com caráter descritivo, fundamentado em dados obtidos através de pesquisa bibliográfica e de campo. ParaMinayo (1994), ao invés de estatísticas, a pesquisa qualitativa trabalha com descrições, comparações e interpretações. É, portanto, mais participativa e menos controlável, e permitem expressar um caráter de subjetividade, buscando compreender o fenômeno estudado. Quanto aos fins, esta pesquisa se classifica como descritiva. Expõe características de determinada população ou de determinado fenômeno. Pode também estabelecer correlações entre variáveis e definir sua natureza, sem o compromisso de explicar os fenômenos que descreve, embora sirva de base para tal explicação (VERGARA, 2007). Em relação aos meios, a pesquisa caracteriza-se como um estudo de caso. O método de estudo de caso é empregado no estudo de instituições ou personalidades, abordando sua história, objetivos, técnicas, valores e limites de suas possibilidades, no que diz respeito ao tema da pesquisa (PIERSON, 1981). O estudo delimitou-se à análise da primeira indicação geográfica reconhecida em Santa Catarina: Vales da Uva Goethe, na região de Urussanga. Como instrumentos de coleta de dados utilizou-se um roteiro de entrevista semiestruturada aplicada à consultora Patrícia Mazon que atuou diretamente no processo de elaboração e solicitação do reconhecimento da indicação geográfica em questão. 3-FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: Para atender os objetivos elencados, o trabalho contempla duas importantes divisões. A primeira parte concentra-se na abordagem de aspectos referentes à caracterização histórica do instituto da indicação geográfica no Brasil, sua aplicabilidade no âmbito brasileiro e uma breve caracterização da legislação pertinente. A segunda parte aborda a relação entre as indicações geográficas e o desenvolvimento territorial, utilizando-se para isso da experiência dos “Vales da Uva Goethe”, primeira indicação geográfica reconhecida no Estado de Santa 3 Catarina. 3.1 – Caracterização do Instituto das Indicações Geográficas: O instituto das indicações geográficas se desenvolveu de forma natural e gradativa no decorrer da história. Esse processo teve inicio com o vinho, no momento em que produtores, comerciantes e consumidores verificaram que determinados produtos apresentavam qualidades e características atribuíveis a sua origem geográfica, consequentemente, passaram a denominá-los com o nome geográfico de sua procedência. Para Falcão (2008, p. 14), o costume de designar aos produtos o nome do lugar de sua fabricação ou colheita vem de longa data. Por exemplo, o queijo Roquefort adquiriu sua notoriedade sob o nome de seu local de origem já no século XIV. Segundo Lagares; Lages; Braga apud Falcão (2008, p. 14): Na Europa, alguns exemplos de produtos certificados e identificados com indicações geográficas podem ser citados, tais como: os vinhos espumantes oriundos da região de Champagne, os vinhos tintos da região de Bordeaux, os vinhos licorosos da região do Porto, o presunto de Parma e os queijos de Roquefort. Na Europa existe mais de três mil marcas de produtos protegidos, só o setor vitivinícula é responsável por 87% das AOCs, designação mais antiga de qualidade na Europa. No que tange ao cenário brasileiro, a proteção às indicações geográficas é recente e surge por influência de alguns acordos internacionais. Dentre os principais acordos é possível destacar a Convenção da União de Paris, criada em 1883, tendo o Brasil ratificado apenas em 1975 e o Acordo de Lisboa, que entrou em vigor no Brasil apenas em 1966. Tais acordos tinham por objeto a repressão às falsas indicações geográficas. Na opinião de Leonardo apud Corrêa (2012, p. 4), o tratado mais influente para regulamentação da propriedade industrial no Brasil, ocorreu no âmbito da Organização Mundial do Comércio(OMC), na Rodada do Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT. O Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Industrial Relacionados ao Comércio – TRIPS começou a viger na esfera nacional em 1º de janeiro de 1995, efetivado através do Decreto n.º 1.355 de 30 de dezembro de 1994. Este acordo estabelecia patamares mínimos de proteção aos direitos da propriedade industrial, ainda que de forma diversa para os países-membros. Na intenção de regulamentar os direitos relativos à propriedade industrial no Brasil, o instituto das indicações geográficas é protegido através de alguns Decretos, os quais também 4 protegiam as falsas indicações geográficas, não fazendo qualquer menção as exigências presentes na atual legislação. Segundo Porto (2007, p. 21), para adequar a legislação nacional ao TRIPS, em 1996 o Brasil instituiu a atual Lei 9.279/96 – Lei de Propriedade Industrial, que inova em diversos aspectos a abordagem sobre as indicações geográficas, dentre eles, a subdivisão em: indicação de procedência e denominação de origem. No Brasil, o primeiro grupo a obter o reconhecimento de uma indicação geográfica foi a Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos, concedida pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial em novembro de 2002, na modalidade de indicação de procedência (FALCÃO, 2008, p. 14). Atualmente o país conta com vinte e oito indicações geográficas reconhecidas4, conforme dados colhidos no site Instituto Nacionais de Propriedade Industrial. (INPI, 2012). 3.2 – Requisitos para a obtenção da Indicação Geográfica Em relação à concessão da indicação geográfica, a Lei 9.279/96 atribuí ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial, em seu art. 182, parágrafo único, a competência para delimitar os requisitos para o reconhecimento de uma indicação geográfica. Nesse sentido o Instituto Nacional de Propriedade Industrial, através da Resolução 075/2000, em seu art. 5° determinou os legitimados para requerem o registro da indicação geográfica: Art. 5º Podem requerer registro de indicações geográficas, na qualidade de substitutos processuais, as associações, os institutos e as pessoas jurídicas representativas da coletividade legitimada ao uso exclusivo do nome geográfico e estabelecidas no respectivo território. § 1º Na hipótese de um único produtor ou prestador de serviço estar legitimado ao uso exclusivo do nome geográfico, estará o mesmo, pessoa física ou jurídica, autorizado a requerer o registro da indicação geográfica em nome próprio. § 2º Em se tratando de nome geográfico estrangeiro já reconhecido como indicação geográfica no seu país de origem ou por entidades/organismos internacionais competentes, o registro deverá ser requerido pelo titular do direito sobre a indicação geográfica. Sobre este aspecto, explica Barbosa (2003, p. 916): 4 Destas, vinte e uma referem-se a indicações de procedência e sete referem-se a denominações de origem. Os três Estados com maior número de indicações geográficas concedidas são: Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Rio de Janeiros, respectivamente (INPI, 2012) 5 Exercendo a delegação normativa prevista no CPI/96, o INPI optou por criar um registro específico de indicações geográficas, deferindo a legitimidade ad adquirendumaos sindicatos, associações, institutos ou qualquer outra pessoa jurídica de representatividade coletiva, com legítimo interesse e estabelecida no respectivo território, como substituto processual da coletividade que tiver direito ao uso de tal nome geográfico’. O Instituto Nacional de Propriedade Industrial, na Resolução 075/2000, em seu artigo 6º e incisos determina quais os documentos que deverão constar no pedido do registro, conforme relacionado abaixo: Art. 6º O pedido de registro de indicação geográfica deverá referir-se a um único nome geográfico e, nas condições estabelecidas em ato próprio do INPI, conterá: I - requerimento, no qual conste: a) o nome geográfico; b) a descrição do produto ou serviço; e c) as características do produto ou serviço. II - instrumento hábil a comprovar a legitimidade do requerente, na forma do art. 5º; III - regulamento de uso do nome geográfico; IV - instrumento oficial que delimita a área geográfica; V - etiquetas, quando se tratar de representação gráfica ou figurativa da denominação geográfica ou de representação geográfica de país, cidade, região ou localidade do território; VI - procuração, se for o caso, observado o disposto nos arts. 13 e 14; e VII - comprovante do pagamento da retribuição correspondente. Observa-se ainda que a Resolução 075/2000 estabelece requisitos distintos para indicação de procedência e denominação de origem. Para obtenção de uma indicação de procedência, a Lei nº. 9.279/96 determina que o grupo de produtores interessados deve comprovar que a região tem se tornado conhecida como centro de extração, fabricação ou prestação de determinado produto ou serviço. No que tange aos documentos que comprovem a notoriedade, apresenta-se entendimento dado por Porto (2007, p. 76): Ao exigir “documentos oficiais que delimitem a região que deseja ser reconhecida como IP”, a norma não especifica que tipo de documentos serão válidos para tal fim. Em nossa opinião, documentos como panfletos turísticos, dentre outros, que chamem a atenção deste lugar para a produção de determinado produto ou a prestação de determinado serviço já seriam documentos 6 aceitáveis. Ainda, em relação ao pedido de registro, segundo regulamentação do INPI, primeiramente este deverá ser protocolado e submetido a exame formal, período em que o Instituto Nacional de Propriedade Industrial poderá formular exigências para sua adequação, que deverão ser cumpridas no prazo de 60 (sessenta) dias. Na opinião de Locatelli (2007, p. 243), “observa-se que o registro atua como importante meio de prova na defesa dos direitos dos titulares da indicação geográfica contra a utilização indevida por terceiros, facilitando a comprovação da legitimidade dos direitos dos titulares”. 3.3 – Titularidade e Natureza Jurídica da Indicação Geográfica Segundo o art. 182, da Lei nº. 9.279/96, o uso da indicação geográfica é restrito aos produtores e prestadores de serviço estabelecidos no local. Nesse sentido, observa-se a exclusividade na utilização da indicação geográfica. Sobre este aspecto Locatelli (2009, p. 238) explica: A titularidade, por sua vez, assegura a exclusividade no uso da indicação geográfica e a consequente prerrogativa de defendê-la perante terceiros. No que diz respeito, no entanto, à legitimidade para reclamar a utilização indevida de uma Indicação Geográfica, entende-se que cada produtor ou prestador de serviço pode, individualmente, exercer esta prerrogativa, considerando que se trata de direitos coletivos. Ademais, os organismos com legitimidade a solicitar o registro em nome da coletividade tem, da mesma forma, a prerrogativa de exercer a defesa dos direitos coletivos. A titularidade da indicação geográfica é coletiva, pois é um direito extensivo a todos os produtores ou prestadores de serviço que estejam na área demarcada e que explorem o produto ou o serviço objeto da indicação. (MAPA, 2010, p.71) Nesse sentido, tal instituto é considerado o mais social dos direitos de propriedade industrial, já que se destina a beneficiar toda uma comunidade, indistintamente, não havendo um proprietário específico que possa explorar as vantagens concedidas pela indicação sem o proveito dos outros produtores. (MAPA, 2010, p. 236). Conforme Barbosa apudLocatelli (2007, p. 237): [...] não há exclusividade subjetiva no tocante às indicações geográficas: a propriedade personalizada de tais signos distintivos é impossível por sua própria natureza. A lei determina que o uso da indicação geográfica é facultado (e restrito) a todos os produtores e prestadores de serviço estabelecidos no local. 7 No tocante a natureza jurídica das indicações geográficas, explica Locatelli (2007, p. 239) que existe vasta discussão acerca da natureza jurídica desse instituto na doutrina estrangeira, sendo bastante controversa, porém tocante à doutrina brasileira, esta se mostra ainda incipiente. A autora faz uma análise das várias teorias apresentadas por alguns doutrinadores neste tema. Para Alberto Francisco Ribeiro Almeida apudLocatelli (2007, p. 240), o direito sobre as indicações geográficas constitui-se em “direito de participação em sociedade pública: segundo esta teoria, o titular é membro de uma espécie da sociedade pública que detém – coletivamente – a titularidade da indicação geográfica.” A autora ainda apresenta outro posicionamento de Alberto Francisco Ribeiro (2007, p. 241), onde a natureza jurídica pode apresentar o seguinte entendimento: Direito de propriedade: esta teoria entende que o direito às indicações geográficas é um direito real, no caso especifico, um direito de propriedade sobre um bem incorpóreo. Ela se fundamenta nas características inerentes ao direito de propriedade, quais sejam: um direito exclusivo, absoluto e oponível erga ommes. Com relação a esta teoria a autora efetua a seguinte análise: Tal direito, segundo esta teoria, atribui ao seu titular o direito de usar (jus utendi) e de retirar frutos (jus fruendi). No que tange ao direito de dispor de bem (jus abutendi), por sua vez, a configuração não é tão clara, considerando que o titular não pode dispor livremente do seu direito sobre uma indicação geográfica. Quanto ao jus abutendi , tem-se, como exemplo, o fato de que, se um titular vende a parcela de seu solo no qual produz os bens que são designados pela indicação geográfica, não estará vendendo conjuntamente o direito ao uso desta, a qual está vinculada a outras condições que não somente à propriedade do solo, como por exemplo, no caso das denominações de origem, a certos requisitos obrigatórios. Isto significa que o direito às indicações geográficas não é transferido imediatamente com a mera alienação do solo, mas somente a prerrogativa deste direito, que se efetivará se cumpridos os outros requisitos específicos exigidos. (LOCATELLI, 2007, p. 241) Importante ainda, destacar o entendimento apresentado por Pontes de Miranda apud Porto (2007, p. 45), no qual as indicações geográficas não podem ser alienadas, nem mesmo são suscetíveis de penhor, nem de quaisquer medidas constritivas. O critério para aquisição de uma indicação geográfica é sempre geográfico, nesse sentido os herdeiros devem satisfazer os pressupostos da indicação geográfica para que possam fazer uso da mesma. No tocante à natureza jurídica do registro das indicações geográficas, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial, através da Resolução 075/2000, determinada que o registro é meramente declaratório. Nesse sentido, para Barbosa apudLocatelli (2007, p. 243), “o direito nasce do 8 conhecimento do local como origem da atividade econômica e não do registro, ainda que este possa ser requisito quanto aos efeitos das indicações geográficas na via administrativa”. Isto posto, verifica-se que o instituto das indicações geográficas ainda é novo e pouco difundido no Brasil, dificultando desta forma algumas definições, bem como sua concretização. 3.4 – As Indicações Geográficas e o Desenvolvimento Territorial: uma breve abordagem O debate regional e urbano sempre foi marcado por duas grandes matrizes teóricas, antagônicas e com distintas concepções sobre a natureza do território. Aquela que vê o espaço, estaticamente, sem textura ou entorno. Neste caso os espaços são meros recipientes ou plataformas a propagandearem suas vantagens comparativas e a disputarem as inversões de capital. E aquela que vê o espaço, dinamicamente, como construção social, como produto de conflitos e disputas em torno do espaço construído pela ação das classes sociais em seu processo de reprodução histórica (BRANDÃO, 2004). Em relação ao desenvolvimento territorial5 é importante reforçar que a noção de território vai muito além da questão geográfica. Nela insere-se, por exemplo, os atores e as relações institucionais que os inter-relacionam. Como destaca Carriàre e Cazella (2006 p.33), os territórios são realidades em movimento, nas quais imperam as relações sociais. A noção de território designa aqui o resultado da confrontação dos espaços individuais dos atores nas suas dimensões econômicas, socioculturais e ambientais. Os territórios são resultados da maneira como as sociedades se organizam para usar os sistemas naturais em que se apóia sua reprodução, o que abre um interessante campo de cooperação entre ciências sociais e naturais no conhecimento desta relação (ABRAMOVAY, 2010 p.30). Para Becker e Santos (2007), o território tem que ser entendido como o território usado. Não o território em si. O território usado é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é o fundamento do trabalho, o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida. Jean (2010) defende que o conceito de desenvolvimento territorial 6 rompe com uma 5 6 9 O tema também é tratado por Andion (2010), embora com um enfoque específico no meio rural. Nessa discussão emerge também o conceito de desenvolvimento territorial solidário que, de acordo com Jean tradição mais antiga de estudos sobre o desenvolvimento regional e não dispõe ainda de um arcabouço doutrinário ou de teorias já estabilizadas. Articula duas noções: desenvolvimento e o território. O território não se define por sua escala, e sim pelo modo de organizaçãoe pela maneira segundo a qual os atores constitutivos dos territórios conseguem coordenar suas ações7. Pecqueurapud Jean (2010) destaca que o território é antes de tudo uma construção de atores sociais visando resolver um dado problema produtivo. A noção de território abre caminho para um avanço notável no estudo do próprio desenvolvimento já que sugere uma ênfase na maneira como os diversos atores (privados, públicos e associativos) relacionam-se no plano local. Para o autor, o processo de desenvolvimento é o resultado da forma específica como são usados os fatores materiais e imateriais disponíveis, com base nestas relações (ABRAMOVAY, 2010). Neste contexto, emergiram recentemente importantes discussões voltadas as contribuições que as indicações geográficas poderiam oferecer ao desenvolvimento territorial. As indicações geográficas são muito comuns na Europa8, principalmente as originárias de espaços rurais, e ainda pouco implementadas no Brasil e na América do Sul. Portanto, poderiam tornar-se uma alternativa importante para dinamizar o desenvolvimento no território. Podem ser entendidas como uma possibilidade de agregação de valor a produtos ou serviços que tem características próprias relacionadas ao território ao qual estão inseridas. Essa agregação de valor pode representar um aumento na renda dos produtores envolvidos, seja através do aumento no preço dos produtos oferecidos ou na conquista de novos mercados. Representam também uma valorização das tradições locais associadas ao fortalecimento de uma identidade cultural própria. Nesta mesma esteira de pensamento, Dullius (2009) reforça que as indicações geográficas valorizam o território e constituem-se em uma importante estratégia de agregação de valor aos produtos locais, possibilitando maior competitividade. Alem disso, por estarem pautadas nos saberes, modo de ser e de fazer local, servem de apoio para a preservação do patrimônio material e imaterial. Também representam uma importante ferramenta para o desenvolvimento territorial, pois permitem que os territórios promovam seus produtos através (2010 p. 60), repousa no reconhecimento dos direitos das comunidades rurais de se desenvolver valorizando os recursos disponíveis em seu território. 7 Para Abramovay (2010) a sociologia econômica contemporânea pode oferecer ferramentas especialmente importantes para o estudo da ligação entre territórios e as forças sociais que os compõem. 8 Em Portugal são chamadas de Denominação de Origem Controlada (DOC), na Itália Denominazionedi Origine Controllata (DOC) e na Espanha Denominación de Origen (DO). 10 da autenticidade da produção ou peculiaridades ligadas a sua história, cultura ou tradição, estabelecendo o direito reservado aos produtores estabelecidos no referido território. Caldas, Cerqueira e Perin (2005) que aproximam a ideia de indicação geográfica com a de arranjos produtivos locais9, onde as duas podem ser consideradas como estratégias de desenvolvimento local, destacam que as indicações geográficas, embora ainda em fase embrionária no Brasil, podem ser entendidas como uma qualificação para o desenvolvimento do arranjo produtivo, por incluir em seus critérios, físicos, sociais e subjetivos, as características essenciais de uma nova forma de olhar o território. Na Europa o instituto das indicações geográficas é antigo e difundido em muitos produtos, como o mármore da região de Carrara e o presunto de Parma, na Itália, ou os queijos da região de Roquefort na França, a massa de pão de Toledo na Espanha e milhares de outros. Na América do Sul destaca-se o café da Colômbia, o pisco no Chile e Peru e na América Central os charutos cubanos. Embora seja um instituto muito difundido em diversos países, no Brasil ainda que a legislação estabeleça o reconhecimento de indicações geográficas para produtos e serviços, as iniciativas são incipientes, porém, representativas. Atualmente o Brasil conta com vinte e oito indicações geográficas reconhecidas peloInstituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI, com destaque para: o café da região do Cerrado Mineiro, o vinho tinto, branco e espumante do Vale dos Vinhedos (RS), a carne bovina e seus derivados do Pampa Gaúcho e da Campanha Meridional (RS), arroz irrigado do Litoral Norte Gaúcho e uvas de mesa e manga do Vale do Submédio São Francisco. Recentemente o Estado de Santa Catarina obteve o reconhecimento da primeira indicação geográfica. Trata-se dos Vale da Uva Goethe10 que recebeu o registro devido a qualidade, tipicidade e identidade do vinho da uva goethe na região de Urussanga. Graças às características relacionadas à sua colonização, Santa Catarina11 tem grande potencial para 9 Os Arranjos Produtivos Locais (APLs), podem ser entendidos como uma nova forma de organização da produção local, na qual abandona-se a idéia de trabalhar isoladamente e passa-se a trabalhar de forma integrada. É uma oportunidade principalmente para que pequenas e micro empresas possam participarde um mercado, cada vez mais globalizado e exigente, gerando renda e trabalho para a população local. Para Sachs (2003), nos sistemas organizados em APLs pode-se observar sinergias altamente benéficasentre empreendedores de uma mesma atividade. O fato de competirem entre si não exclui iniciativas e ações compartilhadas, voltadas a soluções de problemas comuns, ao aprimoramento da infra-estrutura e da rede de serviços locais, à atuação conjunta nos mercados para compra e vendas compartilhadas, à negociação com poderes públicos locais e nacionais. 10 O site da PROGOETHE: http://www.progoethe.com.br/,pode dar uma idéia da importância da conquista da IG do Vale da Uva Goethe para o município de Urussanga e para toda a região. 11 O Sebrae atualmente está desenvolvendo um mapeamento das potencialidades em todo o Estado. Algumas iniciativas estão em discussão como, por exemplo: ostras em Florianópolis, queijo serrano na região de Lages, embutidos no Oeste, Erva Mate na região Norte do Estado, Vinhos na região de São Joaquim e CervejaArtesanal 11 oreconhecimentode indicações geográficas em praticamente todas as regiões do Estado. Outro fator importante a ser destacado refere-se às atividades complementares que podem surgir após a conquista de uma indicação geográfica. Um exemplo são as atividades voltadas ao turismo no espaço rural como pode ser muito bem observado no Vale dos Vinhedos12que estruturou roteiros pelas vinícolas (roteiro enológico, gastronômico e cultural) aumentando significativamente o fluxo de turistas na região e complementando a renda dos produtores, principalmente das pequenas vinícolas. 4 - A INDICAÇÃO GEOGRÁFICA DOS VALESDA UVA GOETHE A região de Urussanga se localiza no sul do Estado de Santa Catarina, formada por vários municípios que compartilham história e cultura: Urussanga, Pedras Grandes, Cocal do Sul, Siderópolis, Treviso, Morro da Fumaça, Nova Veneza e Içara. Esta região se caracteriza pela presença de vales e é banhada por três principais rios: o urussanga, o tubarão e o azambuja. A região começou a ser colonizada em meados de 1878, por imigrantes italianos, em sua maioria oriundos da região do Vêneto na Itália, que mantiveram a cultura e a tradição da produção da uva e do vinho (VARGAS, 2008). Em relação ao desenvolvimento da vitivinicultura da região, destaca-se que as “videiras foram plantadas logo no inicio da colonização e trazidas da Itália nos navios, cobertas com musgos para sobreviver à viagem”(REBOLLAR et. al, 2007, pag. 18). Vettorettiapud Vargas (2008, p. 68), reforça que “as primeiras videiras cultivadas na região foram plantadas no Vale do Rio Carvão, e logo em seguida outras foram plantadas em Rancho dos Bugres por outras famílias”. Segundo o autor, a produção de vinho era desenvolvida por praticamente todas as famílias das colônias de Azambuja e Urussanga para o consumo próprio, cuja produção, juntas, já alcançava cerca de 22.000 litros de vinho. Ainda, segundo Vargas (2008, p. 68): Dentre as variedades de uvas que foram implantadas na região, sejam elas européias, híbridas ou americanas, a Goethe merece destaque. Embora esta variedade seja uma híbrida, ela é resultado de alguns cruzamentos, sendo a maioria das plantas selecionadas para tal da espécie Vitisvinifera. Além de ter apresentado boas adaptações às condições da região, o vinho elaborado a partir dela apresenta características peculiares que a diferenciam dos outros vinhos ali produzidos, sendo apreciado pela população e marcando fortemente a sua história. e Cristais no Vale do Itajaí. 12 Para entender a importância da indicação geográficano desenvolvimento da região do Vale dos Vinhedos, verificar: http://www.valedosvinhedos.com.br/ 12 Corroborando e reforçando as afirmações do autor, Vieira, Vatanabe e Bruch (2012) destacam que esse território, localizado entre o mar e as montanhas, apresenta um diferencial de gradientes térmicos: altas temperaturas no verão e massas de ar frio que vêm do planalto com temperaturas negativas no inverno. A variedade Goethe se adaptou a região, onde os solos são ricos em enxofre, elemento decisivo para o desenvolvimento da variedade. Salienta-se ainda, outros aspectos importantes da uva goethe, apresentados por Rebollaret et al, apud Vargas (2008, p. 71): As plantações de uvas Goethe que se espalharam por toda a região, o aroma das videiras floridas e, mais tarde, dos frutos maduros, além da grande extensão dos parreirais, presentes até mesmo em áreas centrais que hoje estão plenamente urbanizadas, como a Praça Anita Garibaldi, são uma imagem viva nas memórias da comunidade. A Goethe se tornou a uva mais típica, apresentando características específicas que a diferenciam das demais variedades cultivadas na região. Em relação à produção de vinho a partir da uva goethe, importante salientar relatos apresentados porRebollar et. al ( 2007, pag. 29): A produção comercial de vinhos de uva Goethe foi sendo ampliada desde sua instalação. Varias vinícolas se estabeleceram, como as vinícolas Caruso MAcDonald, com o vinho Urú e Urussanga; Lorenzo Cadorin, com o vinho Cadorin; VictórioBezBatti, com o vinho Samos, chamado depois de Santé; AntonioFerraro, com o vinho Salute, e DomênicoFontanella, com o vinho Rosa, em homenagem às suas respectivas esposas; Silvio Ferraro, filho de Antonio, com o vinho Piemonte; Pietro Trevisol, com o Trevisol; Pietro Damian, com Lacrima Christi; Ernesto Bettiol, com o vinho Cometa, além dos vinhos Primaz e Lótus produzidos na vinícola Cadorin, mas engarrafados e comercializados por GialdinoRosalino Pilo Damian. Efetuada a caracterização histórica da região que compõe os Vales da Uva Goethe, é o momento de apresentar e analisar os dados primários. Inicialmente identificou-se que a preocupação em fortalecer o desenvolvimento territorial da região iniciou ainda em 1993 quando o Sebrae/SC passou a realizar estudos e elaborar planos para o desenvolvimento turístico da região. Os estudos e a elaboração de estratégias de desenvolvimento estenderamse por vários anos e os resultados comprovaram a capacidade e aptidão do território para o desenvolvimento do enoturismo. Neste contexto, para fortalecer a vitivinicultura, especialmente a produção de vinhos a partir da uva goethe, ocorreu em 2005 a fundação da PROGOETHE – Associação dos Produtores de Uva e do Vinho Goethe da Região de Urussanga. O objetivo da associação foi promover a união dos produtores de uva e do vinho goethe para fortalecer a imagem do produto no cenário nacional e internacional. Entre os objetivos da associação destacam-se: a) a promoção da pesquisa e dodesenvolvimento da vitivinicultura na região; b) a constituição, acompanhamento e 13 promoção de um programa de certificação de origem; c) atuação através da celebração de parcerias com universidades regionais, estaduais, federais e demais instituições nacionais e internacionais; d) promover a participação me eventos nacionais e internacionais; e) promover capacitações, treinamentos e consultorias sobre vitivinicultura; f) promover o ensino e a extensão sobre vitivinicultura; g) promover e executar o comércio de produtos da uva e do vinho Goethe; h) promover a integração entre produtores, vinícolas e consumidores e i) promover o turismo enogastronômico. Desta formação, resultou também a criação do Estatuto da Associação dos Produtores de Uva e Vinho Goethe da Região de Urussanga, conforme se verifica em seu artigo abaixo citado: Artigo lº. - Sob a denominação da Associação de PRODUTORES DA UVA E DO VINHO GOETHE, abreviada PROGOETHE, fica constituída esta entidade de direito privado, distinta juridicamente de seus membros, sem fins lucrativos, de duração indeterminada, de âmbito da região compreendida pelos municípios de URUSSANGA, PEDRAS GRANDES, MORRO DA FUMAÇA, COCAL DO SUL, TREZE DE MAIO, ORLEANS, NOVA VENEZA, IÇARA, com sede e foro na cidade de Urussanga, no Estado de Santa Catarina. Parágrafo único – Compreende - se como PRODUTORES DA UVA E DO VINHO GOETHE, todos os envolvidos com a atividade da vitivinicultura ou cadeia produtiva da uva e do vinho Goethe e da enogastronomia, compondo-se assim o grupo denominado como Produtores da Uva e do Vinho Goethe da Região. É importante destacar que durante o processo de formação da PROGOETHE algumas dificuldades foram encontradas. Inicialmente alguns órgãos de apoio local e regional que estiveram envolvidos no processo de formação da mencionada associação não transmitiam a credibilidade necessária para os produtores de vinho, pois inexistia engajamento entre seus profissionais e os produtores. Outra dificuldade encontrada foi à incerteza da real intenção das instituições proponentes com relação à aplicação dos recursos financeiros conquistados, ou seja, se estes recursos seriam realmente repassados à comunidade interessada. Além disso, outra questão importante a ser superada naquele momento, e que persiste até hoje, é a dificuldade em garantir a participação e engajamento dos produtores de uva e vinho goethe nas reuniões da associação e nos eventos realizados na região. Em parte, essa dificuldade pode ser entendida em razão de que os produtores exercem funções em suas empresas e também em suas propriedades rurais. A sobrecarga de trabalho existente nas vinícolas familiares pode ser explicada pela dificuldade financeira em contratar mão-deobra,ocasionada, principalmente pela elevada carga tributária imposta às pequenas vinícolas. 14 Com a implantação da PROGOETHE, os esforços seguintes foram direcionados para a obtenção do reconhecimento da indicação geográfica dos Vales da Uva Goethe. O primeiro passo foi a construção de um arranjo institucional13 envolvendo Sebrae/SC, Epagri, Governo do Estado de Santa Catarina, Prefeitura Municipal de Urussanga e UFSC. A formação deste arranjo, de certa forma, auxiliou na superação das dificuldades relatadas acima quando da criação da PROGOETHE, principalmente no resgate da credibilidade de algumas organizações envolvidas. O processo de reconhecimento da indicação geográfica também enfrentou dificuldades, principalmente relacionadas a questões financeiras. Era necessário empregar recursos financeiros para contratação de mão-de-obra especializada, elaboração de projetos de rastreabilidade, aquisição de novas tecnologias produtivas para as vinícolas, entre outros gastos que não poderiam ser absorvidos diretamente pelas vinícolas num momento onde seus vinhos apresentavam baixa competitividade frente ao mercado. Além disso, de acordo com a entrevistada, os produtores não compreendiam o longo tempo necessário para obtenção da indicação geográfica e muitos não acreditavam na sua obtenção, tornando assim, a união dos interessados, fraca e vulnerável. No entanto, estas dificuldades começaram a ser superadas no momento em que a Prefeitura Municipal de Urussanga ofereceu uma sede e recursos humanos focados na assistência à PROGOETHE, agendando reuniões e dando suporte as necessidades da entidade. Outro fator determinante foi o especial engajamento de duas vinícolas (Urussanga e Mazon) que destacaram-se nas atividades relacionadas a busca da indicação geográfica, acreditando e apoiando com ênfase o projeto. A partir do apoio da Prefeitura Municipal, a articulação da PROGOETHE com as demais entidades do arranjo institucional foi facilitada e a parceria entre estas entidades, incluindo no final do processo a participação do MAPA14, culminou com a conquista da indicação geográfica para vinhos de uva goethe concedida pelo INPI em 16/11/201115. O caso dos Vales da Uva Goethe demonstra claramente a importância da construção de parcerias com entidades públicas e privadas em busca de um objetivo comum. E, mais do que isso, demonstra a importância da estruturação de um arranjo institucional eficiente e 13 Os Arranjos Institucionais compõe um conjunto de inter-relações de entidades e de normas legislativas que tem a finalidade de organizar (elaborar e implementar) planos ou ações, cujos objetivos são de interesse público. Esta etapa inicia-se pela determinação de uma organização líder que compõe o arranjo de um determinado local (SAMPAIO, 2000). 14 Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. 15 RPI 2132 de 16/11/2011 – Despacho da Diretoria de Contatos, Indicações Geográficas e Registros – DICIG – Indicação Geográfica: Cód. 373 – Pedido n201009 ( PROGOETHE, 2012) 15 articulado envolvendo todas as entidades participantes. Como destaca a entrevistada: Não fosse pela Prefeitura Municipal de Urussanga ter efetivado o convenio com a Estrada de Ferro Tereza Cristina para instalar a sede da PROGOETHE e efetuar a manutenção da mesma com estrutura física, equipamentos, material de consumo e estagiários além a gestão do turismo compartilhada, não existiria mais associação, pois falta recursos para a gestão. Finalmente, a pesquisa buscou identificar, mesmo que superficialmente, os impactos positivos gerados pelo reconhecimento da indicação geográfica na região. É possível observar algumas vantagens econômicas importantes. A primeira refere-se à agregação de valor aos produtos. Em alguns casos a garrafa de vinho goethe que antes do reconhecimento era comercializada por cerca de R$ 6,00 (seis reais), agora, após o reconhecimento, é comercializada em media por R$ 18,00 (dezoito reais). O segundo reflexo importante referese ao acesso a novos mercados consumidores. O reconhecimento do vinho goethe auxiliou as vinícolas a comercializarem seus produtos nas gôndolas de importantes redes de supermercados na região. Além disso, outras importantes vantagens estão sendo potencializadas. O próprio aumento no consumo do vinho produzido na região pode ser observado entre consumidores locais e regionais, que o adquirem nos restaurantes e nas próprias vinícolas. Outro ponto importante é a possibilidade de desenvolver atividades complementares a vitivinicultura como, por exemplo, o turismo rural. Neste sentido, a região prepara-se para elaborar um plano de desenvolvimento da atividade turística no espaço rural de maneira integrada com todos os municípios da região, contribuindo para o desenvolvimento territorial destes municípios. Os desdobramentos da experiência em questão corroboram com Velloso (2008, p. 46), quando destaca que: Embora as indicações geográficas não tenham sido concebidas para promover o desenvolvimento territorial, elas podem servir como ferramenta para tal. Para que esta premissa se torne fato, no entanto, estratégias e projetos para o território se fazem necessários. Neste caso, a participação dos atores do território é imprescindível para chegar a seus fins. É preciso que os atores mobilizem, se apropriem e utilizem diferentes conhecimentos e se apóiem sobre valores também diferenciados. O reconhecimento da indicação geográfica pode promover ainda a entrada de novos vitivinicultores, o surgimento de novos produtos, o desenvolvimento de um turismo de qualidade, uma melhor arrecadação de renda e o desenvolvimento dos demais segmentos envolvidos com o produto ou serviço. E ainda tende a agregar valor ao produto objeto da 16 indicação geográfica (VELLOSO, p.20). Finalmente, e não menos importante, os produtos que carregam a certificação da indicação geográfica trazem consigo uma carga cultural, enraizada nas tradições da região, preservando desta maneira a identidade do local e valorizando o território. 5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme proposto na introdução, o objeto deste artigo constituiu-se no estudo do instituto das indicações geográficas, previsto na Lei 9.279/96, identificando-se como esse mecanismo se desenvolveu ou vem se desenvolvendo no Brasil. Para tanto, foram analisados os principais requisitos determinados pela Lei 9.279/96, bem como os requisitos para o registro estabelecidos pela Resolução 075/2000 do Instituto Nacional de Propriedade Industrial. Dentre eles, a titularidade para requerer a indicação geográfica e a natureza jurídica deste instituto. Em relação à questão prática, buscou-se verificar as possíveis contribuições que o reconhecimento de uma indicação geográfica poderia oferecer para o fortalecimento do desenvolvimento territorial. Para tanto, utilizou-se como análise a experiência dos Vales da Uva Goethe, da região de Urussanga – SC, primeira e única indicação geográfica reconhecida no Estado de Santa Catarina. Foi possível observar que, embora o processo de obtenção de uma indicação geográfica apresente muitos desafios a serem superados, principalmente relacionados a dificuldades financeiras e de organização das entidades representativas, as IGs podem contribuir para o fortalecimento do desenvolvimento territorial. Os principais benefícios relacionam-se a aspectos econômicos como a agregação de valor aos produtos e serviços, aumento na demanda e acesso a novos mercados. No entanto, é possível identificar também contribuições significativas no aspecto cultural, em razão de que as IGs estimulam a manutenção das tradições e do modo de fazer peculiar de um determinado território, preservando sua identidade local. Em relação aos principais desafios, entende-se que o ponto nevrálgico para a superação destes desafios é a construção de um eficiente arranjo institucional, articulando instituições públicas e privadas, em busca de um objetivo comum. Isto pode ser muito bem observado na experiência dos Vales da Uva Goenthe. Nesta experiência, as parcerias, e principalmente a articulação construída entre as várias organizações envolvidas foram fundamentais para a 17 conquista e, neste momento, para a manutenção da Indicação Geográfica, que consiste em outro grande desafio. Por fim, espera-se ter demonstrado que o instituto das indicações geográficas pode atuar como instrumento de valorização econômica, das tradições e da cultura de cada região, podendo ainda, ser forte instrumento de desenvolvimento regional, facilitando a inserção de pequenos produtores no mercado, cada vez mais globalizado e excludente. 6- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ABRAMOVAY, R. Para uma teoria dos estudos territoriais.In. VIEIRA, P. F. et al. Desenvolvimento Territorial Sustentável no Brasil. Florianópolis: APED: SECCO, 2010. ANDION, C. Atuação das organizações não governamentais (ONGS) nas dinâmicas de desenvolvimento no meio rural de Santa Catarina. In. VIEIRA, P. F. et al. Desenvolvimento Territorial Sustentável no Brasil: subsídios para uma política de fomento. Florianópolis: APED: SECCO, 2010. APROVALE – Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos. Disponível www.valedosvinhedos.com.br. Acesso em 23 jun de 2012. BARBOSA, D. B. Indicações geográficas. 2003. 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