João Bosco Bezerra Bonfim, poeta, doutor em Lingüística,
com pesquisas na área de Análises de Discursos, Gênero e Cordel.
Cearense nascido na cidade de Novo Oriente,, vive em Brasília desde
1972, onde, em 1986, formou-se em Letras. Antes de se tornar
Consultor Legislativo do Senado Federal, atuou como professor de
português e literatura no Ensino Médio e com Alfabetização de
Adultos, no Movimento de Educação de Base, da CNBB.
A arte de fazer um
cordel e se tornar um
menestrel
João Bosco Bezerra Bonfim
A arte de fazer um cordel e se tornar um
menestrel
João Bosco Bezerra Bonfim
Vou cantar para vocês
Uma maneira inventiva
Que resolve de uma vez
O problema de escrever
História grossa ou cortês.
Primeiro de tudo assente
Onde vai acontecer
Essa história é de invenção
Ou esse universo vai ser
Igualzinho ao de sua rua
E com você parecer?
Como é que são as casas?
Onde é esse país?
As ruas são sempre planas?
Ou com vasta cicatriz?
É na cidade ou na roça
Essa história que você diz?
Falo da necessidade
De a história ter um lugar
Para onde vá o leitor
Quando você o transportar
De sua cadeira ou poltrona
Pra o reino do imaginar.
Desde sempre o contador
Teve consigo a certeza
De que ele manda na mente
Daquele que em singeleza
Aceita ler sua história
E a enxerga com grandeza.
Pois pinte logo o cenário
Onde se passa a história
Faça uma paisagem feia
Contando com a memória
Ou então belos castelos
Vindos da era de outrora.
O leitor logo se apega
Ao inventado lugar
Seja o deserto vazio
Seja a cratera lunar
Seja a cidade bem cheia
Seja o vazio de um bar.
Como é o personagem
Com quem ele se parece?
Será bonito e vistoso?
Ou feio como uma peste?
Será mulher ou menina
Cavaleiro ou anjo celeste?
Para longe, muito longe,
A história leva o leitor
Pois ele já está cansado
Do dia a dia opressor
Ao ler, ele quer fugir
Ao paraíso enganador.
Essa pessoa é do mundo
Feita de carne e de osso?
Será só inteligência?
Vida acima do pescoço?
Ou será bem sensual
Será velha ou será moça?
Depois de ver o lugar
Onde se assenta a história
É preciso dar um jeito
Urgente e sem demora:
Quem é que vive no mundo
Inventado em sua memória?
Pense que o leitor
Se apega a duas coisas
Ou a alguém como ele
Ou a quem ele recusa:
Terá valores iguais?
Será vilão ou sua musa?
Será um protagonista
Que entra nesse enredo?
Serão dois ou serão três?
Quem ajuda e quem faz medo?
Não se demore a escolher,
Que a história começa cedo.
Lembre-se sempre de que
A história tem propósito:
Não se conta história à toa
Mesmo quando está no ócio
Sendo para divertir
Já está feito o negócio.
Depois do lugar e pessoas
Escolha agora um tempo:
Quando se passa a tramoia?
É de outra era ou estou dentro?
Fala do tempo antigo
Ou do que virá com o vento?
História do tempo antigo
Ou do tempo do futuro
Sempre nos atraem mais
Pois estamos inseguros
Nesse tempo em que vivemos
Sempre em cima do muro.
Esse tempo é no futuro?
Ou será bem no passado?
É presente como eu?
Ou é um tempo embolado
Começando pelo fim
E voltando ao começado?
No passado, os ideais
De um homem sempre puro
Quando a honra e a verdade
Habitavam homens maduros
E onde o vilão era punido
Pelo chicote mais duro.
Gosto do tempo antigo
Porque lá estou liberto
Lá não tem conta de luz
Nem cheque a descoberto
Bravos soldados em luta
Sabendo sempre o que é certo.
Como inimigo, talvez
Haja um dragão malvado
Ou um mouro de outro mundo
Que assaltou algum roçado
Ou mesmo um bruxo malvado
Com seu vibrante cajado.
Ou com damas em perigo,
Sempre calmas e ofendidas
Por um vilão malvado
A quem deram guarida
E que se aproveito
Ameaçando sua vida.
Sempre que vou ao passado
Vou em busca de um sonho
Pois não aguento o presente
Sempre opressivo e medonho
Por isso procuro histórias
Onde esteja o abandono.
Por isso, um cavaleiro
Vem salvar sua princesa
Contra tiranos perverso
Que assaltaram cama e mesa
Não importando os perigos,
Ou as chamas mais acesas.
Ou então, para o futuro
Fujo com minhas naves,
Pois não vejo no presente
Se não trevas, se não traves,
E no espaço sideral
Encontro minha coragem.
Com armaduras letais
Punirei meus inimigos
Que, se valendo de astúcia,
Me trarão sério perigo,
Por isso, bem mais esperto,
Eu os venço, com um zumbido.
Comece com um clima ameno,
Quando tudo ia bem,
As vacas iam ao pasto,
As naves valiam cem,
Os meninos protegidos,
As mulheres em amém.
Então já temos três coisas
Para compor nossa trama:
Onde, quem e quando
Já vão fornecendo rama
Para os galhos da história
Que escrevo esta semana.
Faça com que o leitor
Sonhe com um sonho real
De ir também a essa terra
Com uma sensação tal
Que se chover na história
Cheira a molhado o quintal.
Tenho o mundo e a pessoa
Tenho o tempo em que se passa
Só falta o acontecimento
Que traga uma ameaça
Pois história boa é aquela
Onde se enfrenta a trapaça.
Depois de pintar um quadro
De vera maravilha
De um oásis no deserto
Ou de uma perdida ilha
Onde tudo é beleza,
Faça tudo ir noutra trilha:
Invente um grande vilão
Que faz ameaça tirana
À natureza que é pura
Ou à donzela gitana
Faça a mata virar cinza
Faça o açude virar lama.
Uma emoção invade
Ao leitor em seu final
Vendo que o mal não triunfa
E que, mesmo simples mortal
Vence as forças superiores
Que ameaçaram fatais.
Pronto, está feita a desgraça
Que faz o leitor saltar
Do bem bom de sua poltrona
E começar a chorar
Pelo destino do herói
Que, agora é que vai penar.
Que mais falta em sua história
Para ela ser de cordel?
Bote tudo em rimas
Como fosse um menestrel,
Em frases de sete sílabas
Ajeite o seu carretel.
Não se quantas peripécias
Cabem nesse vai e vem
Só sei é que no final
Tudo se acaba bem
Restaurada a harmonia
E o valor de quem o tem.
Junte os versos seis em seis
Que é a sextilha chamada
Com rimas de par em par
Para dar um bom gingado
Fazendo uma melodia
Que a todos deixa vidrado.
E está pronto o cordel
Só falta agora ilustrar
Pegue uma xilogravura
Para na capa botar
E imprima num folheto
E vá na corda pendurar.
Toda história, se é boa
Independente da idade
Desperta em quem a ouve
Grande curiosidade
Por isso, amigo leitor,
Ouça bem as novidades.
Era uma vez um pavão
Que avoou pelos céus
E deixou Conde Raivoso
Fazendo um escarcéu;
E dentro da ave a noiva
Fugida de pai cruel.
Essa é só uma história
Nascida em verso e cordel
Para alegrar moço e moça
E até alguém sem papel
Que, tendo memória boa,
Diz versos em carrossel.
Era outra vez Lagartixa
Que casou com um Calango
Que era tão preguiçoso
Só promovia o engano:
Dizia sim com a cabeça
E o não com o rabo, malandro.
Vou revelar pra vocês
Que um Misterioso Touro
Fugiu de todos vaqueiros
Mesmo cobertos de ouro
Até que foi pro céu
Em um combate de estouro.
Ou Patativa do Assaré
Essa e outras Leandro
De Barros a nós deixou
Arievaldo Viana
Junto com outras quinhentas
Que escreveu e espalhou
Por nosso Brasil afora,
Foi poeta de louvor.
Junto a Martins de Athayde,
Rouxinol do Rinaré
Do tempo antigo e de agora
Todos poetas de fé.
Pagou com um bom dinheiro
Pelo cavalo ao sabido,
Mas o que viu foi estrume
E ficou no prejuízo.
Por isso, morto de inveja
Foi parar no precipício.
Posso falar pra vocês
De um cavalo afamado
Defecador de moedas
E de um conde abobado
Que se deixou enganar
Pelo compadre explorado:
Conto também pra vocês
Da chegada de Lampião
E como aos diabos, no Inferno,
Causou grande afobação,
Vencendo o Belzebu
E voltando pra o sertão.
E tem a história da Moça
Que Dançou Depois de Morta
Com o filho de um fazendeiro
Que até lhe fez proposta,
Mas quase morreu de susto
Quando viu da cova a porta.
Não me deixem esquecer
Da esperteza de João Grilo
Um Amarelo pançudo
Mas que era bem sabido
A enganar rico tolo
Graças a seu bom juízo.
E quem foi que ouviu falar
Do tal Cachorro dos Mortos?
Desmascarou o assassino
De seus donos tão formosos
Evitando uma injustiça
Mesmo vivendo de ossos.
E traga de lá Camões
Conte também de Bocage
Que em sendo safadeza
São campeões da molecagem
Seduzindo belas damas
E ao rei fazendo visagem.
Neste Brasil sem memória
A luta dos cangaceiros
Só ficou para a história
Por causa dos folheteiros
Que escreveram a glória
Desses grandes bandoleiros.
Lampião tem muita história
Antônio Silvino, também,
Mas Jesuíno Brilhante,
Foi cordelista de bem,
Contando a própria história
Em versos que valem cem.
Trago também para vocês
Histórias deste poeta
Que se não inventa, aumenta
Faz de cavalo asa delta;
Faz vaqueiro voar solto,
E até laçar bicicleta.
Traz Andersen para hoje
Em versos, que desatino:
Um Soldadinho de Chumbo,
E o seu dono, Menino;
E o Rei que andava nu
Por ser vaidoso e mofino.
E que ler um bom cordel
Desperta a curiosidade.
E tem a história de um lobo
Um Lobo-Guará de Hotel,
Que, cansado de fugir,
Livrou-se bem do tropel
Da cidade de Brasília
E criou seu próprio céu.
Vou parando por aqui,
Lembrando a todas as idades:
Que história não tem data
As gostosas dão saudade.
Publicações e Monografias
Bosco Bezerra Bonfim
de
João
8.
Palavra de Presidente, Vol. II
–
Sob o signo de Ruy Barbosa, ensaio e
antologia, LGE Editora, Brasília, 2006
1.
amador amador, de poesias, Ed. do
Autor, Brasília, 2001
9. Passagens terrâneas e subterrâneas,
com arte de Ana Lomonaco, LGE Editora,
Brasília, 2004.
2. Pirenópolis pedras janelas quintais,
de poesias, com fotos de Sílvio Zamboni
e arte de Wagner Alves, Ed. Plano,
Brasília, 2002
3.
A fome que não sai no jornal,
ensaio, Ed. Plano, Brasília, 2002
4.
Era uma vez uma maria farinha,
infantil, com ilustrações de Daniele
Lincoln, LGE Editora, Brasília, 2003
5. Teoria do beijo, poesias, com arte
de Ana Lomonaco, Ed. do Autor, Brasília,
2003
6. Romance do Vaqueiro Voador, cordel,
com
arte
de
Wagner
Alves,
sobre
fotogramas
de
Vladimir
Carvalho
e
xilogravuras
e
Abraão
Batista,
LGE
Editora, Brasília, 2004
7.
Palavra de Presidente, vol I
–
discursos de posse de Deodoro a Lula,
ensaio
e
antologia,
LGE
Editora,
Brasília, 2004
10. O Jipe Cangaceiro na Chapada dos
Veadeiros, com arte de Ana Lomonaco, LGE
Editora, Brasília, 2005
11. Chronica de D. Maria Quitéria dos
Inhamuns
–
poema-em-drama,
com
ilustrações de Côca Torquato e arte de
Wagner Alves, LGE Editora, Brasília,
2005.
12. Uma Traça de Casaca na Casa de Rui
Barbosa, infantil, com arte de Renato
Palet, LGE Editora, Brasília, 2005
13. A peleja do letrado contra as trevas
do atraso,cordel, LGE Editora, Brasília,
2007
14. São Chiquinho ou o rio
menino, infantil, com arte de
Rios, Ed. Biruta, SP, 2008
quando
Mateus
15. No reino dos preás, o rei carcará,
cordel, infantil, com arte de Mateus
Rios, Ed. Elementar, São Paulo, 2009;
16. in feito,
Brasília, 2009
poesias,
Ed.
do
Autor,
17. O Soldadinho de Chumbo recontado em
cordel, Ed. Prumo, São Paulo, 2009.
18.
Um
Pau-de-Arara
para
cordel com ilustrações de
Teles, Ed. Biruta, 2009
Brasília,
Alexandre
19. A Rabeca de Seu Chico Joana, com
ilustrações de Jô Oliveira, Ed. Prumo,
2009.
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A arte de fazer um cordel e se tornar um menestrel