Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 830.910 - RS (2006/0058110-3)
RELATORA
RECORRENTE
RECORRIDO
ADVOGADO
:
:
:
:
MINISTRA DENISE ARRUDA
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
MUNICÍPIO DE NOVO HAMBURGO
FERNANDO MIZERSKI E OUTRO
DECISÃO
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA.
DECLARAÇÃO
INCIDENTAL
DE
INCONSTITUCIONALIDADE.
LEI MUNICIPAL.
CONTROLE
DIFUSO. CAUSA DE PEDIR. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO
STF E STJ. PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL.
1.Trata-se de recurso especial interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO
DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL com fundamento no art. 105, III, a e c, da
Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,
assim ementado (fl. 289):
"AGRAVO
DE
INSTRUMENTO.
CONSTITUCIONAL
E
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEMANDA VISANDO A
DESCONSTITUIÇÃO DE ATOS ADMINISTRATIVOS DE NOMEAÇÃO
PARA CARGOS EM COMISSÃO CRIADOS POR LEI MUNICIPAL E
CONDENAÇÃO POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CRIAÇÃO DE
CARGOS EM COMISSÃO. ALEGAÇÃO DE DESVIO DE FINALIDADE.
ATRIBUIÇÕES QUE FIGURAM COMO ESPECÍFICAS DE CARGO DE
PROVIMENTO
EFETIVO.
CONTROLE
DIRETO
DA
CONSTITUCIONALIDADE. LEI EM TESE. PEDIDO DE ANULAÇÃO DE
LEI COM EFEITO 'ERGA OMNES'. DESCABIMENTO DA AÇÃO CIVIL
PÚBLICA.
PRELIMINAR
DE IMPOSSIBILIDADE
ACOLHIDA.
TRATANDO-SE DE PEDIDO DE ANULAÇÃO DE LEI EM TESE,
FIGURANDO
HIPÓTESE
DE
CONTROLE
DIRETO
DA
CONSTITUCIONALIDADE, EM ABSTRATO OU CONCENTRADO, COM
EFEITOS 'ERGA OMNES', MOSTRA-SE DESCABIDA A AÇÃO CIVIL
PÚBLICA, POR NÃO FIGURAR COMO SUBSTITUTIVO NEM
SUCEDÂNEO DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE,
CABÍVEL À ESPÉCIE. ACOLHIMENTO DA PRELIMINAR DE
EXTINÇÃO DO FEITO POR IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA, NA
FORMA DO ART. 267, VI, DO CPC. PRECEDENTES DESTA CÂMARA.
DERAM
PROVIMENTO
AO
AGRAVO
DE
INSTRUMENTO,
EXTINGUINDO O PROCESSO, SEM JULGAMENTO DE MÉRITO,
COM FULCRO NO ART. 267, INC. VI, DO CÓDIGO DE PROCESSO
CIVIL,
RECONHECENDO
A CARÊNCIA
DE
AÇÃO
POR
IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO."
Sustenta o recorrente, em síntese, além de divergência jurisprudencial, que
o acórdão recorrido negou vigência aos arts. 267, VI, do Código de Processo Civil, 25, IV, a, da
Lei 8.625/93 e 1º, IV e 5º, da Lei 7.347/85. Alega que é possível a declaração incidental de
inconstitucionalidade de lei municipal em ação civil pública desde que não configure o objeto
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principal e único da ação. Assevera que "no caso dos autos, a declaração de
inconstitucionalidade não é objeto principal e único da ação, mas, sim, mera questão
prejudicial, ligada a causa de pedir, ao efeito de possibilitar a desconstituição da
nomeação dos recorridos, conforme se depreende do pedido inicial" (fl. 327). Requer o
provimento do recurso especial para reformar o aresto recorrido.
O recorrido apresentou contra-razões ao recurso (fls. 344/384).
Admitido o recurso na origem, subiram os autos.
O Ministério Público Federal nesta Corte Superior, opinou pelo parcial
conhecimento e provimento do recurso especial.
É o relatório.
2. A pretensão recursal merece acolhimento.
A questão controvertida dos autos já foi analisada inúmeras vezes por
este Tribunal Superior, que firmou o seu entendimento no sentido de admitir a possibilidade de
declaração incidental de inconstitucionalidade de lei em ação civil pública, em controle difuso,
desde que o ato normativo seja impugnado como causa de pedir, não como o próprio pedido.
O controle difuso de constitucionalidade através da ação civil pública,
principalmente se exercitada perante um caso concreto, não equivaleria a uma ação direta de
inconstitucionalidade. Considerando-se o pedido lançado na petição inicial, quando o autor requer
a procedência da ação, para que seja declarada, incidenter tantum , a inconstitucionalidade da Lei
Distrital 754/94, especialmente por força de sua ilegalidade em face da Lei Orgânica do Distrito
Federal, não se há de considerar que a hipótese seria de declaração direta de
inconstitucionalidade. Acrescente-se que, pelo pedido, o objetivo seria obstar a expedição de
alvarás para as finalidades elencadas na aludida lei, em comando de efeito mandamental,
encerrando obrigação de não fazer.
Sobre o tema a lição de Alexandre de Moraes, ao afirmar que "...em tese,
nada impedirá o exercício do controle difuso de constitucionalidade em sede de ação civil
pública, seja em relação às leis federais, seja em relação às leis estaduais, distritais ou
municipais, em face da Constituição Federal... " (Direito Constitucional, 15ª ed., São Paulo:
Atlas, 2004, p. 614).
Esse entendimento vem sendo prestigiado pelo Colendo SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL, v.g.: "Recurso Extraordinário. Ação Civil Pública. Ministério
Público. Legitimidade. 2. Acórdão que deu como inadequada a ação civil pública para
declarar a inconstitucionalidade de ato normativo municipal. 3. Entendimento desta Corte
no sentido de que 'nas ações coletivas, não se nega, à evidência, também, a possibilidade
de declaração de inconstitucionalidade, incidenter tantum, de lei ou ato normativo federal ou
local.' 4. Reconhecida a legitimidade do Ministério Público, em qualquer instância, de
acordo com a respectiva jurisdição, a propor ação civil pública (CF, arts. 127 e 129, III).
5. Recurso extraordinário conhecido e provido para que se prossiga na ação civil pública
movida pelo Ministério Público " (RE 227.159/GO, 2ª Turma, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ de
17.5.2002, p. 73).
A propósito da questão, o Ministro Celso de Mello, apreciando a
Reclamação 1.898-9/DF, em decisão onde analisa minuciosamente algumas questões similares a
destes autos, proclamou que "O Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a legitimidade da
utilização da ação civil pública como instrumento idôneo de fiscalização incidental de
constitucionalidade, pela via difusa, de quaisquer leis ou atos do Poder Público, mesmo
quando contestados em face da Constituição da República, desde que, nesse processo
coletivo, a controvérsia constitucional, longe de identificar-se como objeto único da
demanda, qualifique-se como simples questão prejudicial, indispensável à resolução do
litígio principal. Precedentes. Doutrina. " (D.J. 35, de 19.02.2004).
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Nesse sentido, a orientação deste Tribunal Superior:
"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PEDIDO DE
CONDENAÇÃO DO DF A NÃO CONCEDER TERMOS DE OCUPAÇÃO
E A PROMOVER A DEMOLIÇÃO DE CONSTRUÇÕES EM QUADRA
RESIDENCIAL
DE
BRASÍLIA,
SOB
ALEGAÇÃO
DA
INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI DISTRITAL 754/94. EXERCÍCIO
DO
CONTROLE
DIFUSO
DE
CONSTITUCIONALIDADE.
INOCORRÊNCIA DE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIAS, TANTO DOS
ÓRGÃOS QUE DETÊM INICIATIVA PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, QUANTO DAQUELES QUE
DETÊM A INCUMBÊNCIA DE JULGÁ-LA, JÁ QUE PRESERVADA A
APLICAÇÃO DA NORMA A TODAS AS DEMAIS SITUAÇÕES E
PESSOAS A QUE SE DESTINA – RESULTADO DISTINTO, PORTANTO,
DAQUELE QUE SE PODERIA OBTER PELA VIA DO CONTROLE
CONCENTRADO. PRECEDENTE DO STJ EM CASO IDÊNTICO.
RECURSO ESPECIAL PROVIDO."
(EREsp 327.206/DF, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 15.3.2004)
"PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DECLARAÇÃO
INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE - POSSIBILIDADE EFEITOS.
1. É possível a declaração incidental de inconstitucionalidade, na ação civil
pública, de quaisquer leis ou atos normativos do Poder Público, desde que a
controvérsia constitucional não figure como pedido, mas sim como causa de
pedir, fundamento ou simples questão prejudicial, indispensável à resolução
do litígio principal, em torno da tutela do interesse público.
2. A declaração incidental de inconstitucionalidade na ação civil pública
não faz coisa julgada material, pois se trata de controle difuso de
constitucionalidade, sujeito ao crivo do Supremo Tribunal Federal, via
recurso extraordinário, sendo insubsistente, portando, a tese de que tal
sistemática teria os mesmos efeitos da ação declaratória de
inconstitucionalidade.
3. O efeito erga omnes da coisa julgada material na ação civil pública será
de âmbito nacional, regional ou local conforme a extensão e a
indivisibilidade do dano ou ameaça de dano, atuando no
plano dos fatos e litígios concretos, por meio, principalmente, das tutelas
condenatória, executiva e mandamental, que lhe asseguram eficácia prática,
diferentemente da ação declaratória de inconstitucionalidade, que faz coisa
julgada material erga omnes no âmbito da vigência espacial da lei ou ato
normativo impugnado.
4. Embargos de divergência providos."
(EREsp 439.539/DF, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 28.10.2003)
"EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO
CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E
TERRITÓRIOS. OCUPAÇÃO DE ÁREA TOMBADA NO DISTRITO
FEDERAL (ACAMPAMENTO DA TELEBRASÍLIA). PEDIDO DE
DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI DISTRITAL N.
161,
DE
04.09.1991.
POSSIBILIDADE.
CONTROLE
DE
CONSTITUCIONALIDADE INCIDENTAL. PRECEDENTE: RESP N.
175.222/SP, RELATOR O SUBSCRITOR DESTE, DJU 28.02.2000.
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É admissível a propositura de ação civil pública com base na
inconstitucionalidade de lei distrital, ao fundamento de que, nesse caso se
trata de controle difuso de constitucionalidade, passível de correção pela
Suprema Corte pela interposição do recurso extraordinário.
Na verdade, o que se repele é a tentativa de burlar o sistema de controle
constitucional para pleitear, em ação civil pública, mera pretensão de
declaração de inconstitucionalidade, como se de controle concentrado se
tratasse.
Admitida a declaração incidenter tantum da inconstitucionalidade da Lei
Distrital n. 161/91 nos autos da presente ação civil pública, devem estes
retornar ao r. Juízo de primeiro grau para que examine as demais questões
envolvidas na demanda.
Embargos de divergência acolhidos."
(EREsp 303.174/DF, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 1º.9.2003)
No mesmo sentido, os seguintes precedentes desta Corte Superior: AgRg
no REsp 439.515/DF, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJ de 4.6.2007; REsp 794.145/RS,
2 Turma, Rel Min. Eliana Calmon, DJ de 2.10.2007; REsp 610.439/DF, 2ª Turma, Rel. Min.
Castro Meira, DJ de 1º.9.2006; REsp 401.554/DF, 2ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha,
DJ de 26.5.2006; AgRg no REsp 617.284/DF, 1ª Turma, Rel. p/ acórdão Min. Francisco Falcão,
DJ de 1º.7.2005; REsp 728.406/DF, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de 2.5.2005; REsp
419.781/DF, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 19.12.2002.
3. Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial, com fundamento
no art. 557, 1º-A, do Código de Processo Civil, para admitir a possibilidade da declaração
incidental de inconstitucionalidade em ação civil pública, determinando-se o retorno dos autos ao
Juízo de origem para que analise o mérito da referida ação.
4. Publique-se. Intimem-se.
Brasília (DF), 07 de outubro de 2008.
MINISTRA DENISE ARRUDA
Relatora
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