PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ Vistos e examinados estes autos de Ação Civil Pública, registrados sob nº 3355-17.2012.8.16.0021 etc. 1. Relatório Ministério Público do Estado do Paraná, através de seu representante, ajuizou a presente Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa em face de Francisco Menin, brasileiro, separado judicialmente, portador da cédula de identidade RG nº 10.906.705-9 e inscrito no CPF sob nº 308.995.75072, com endereço situado à Rua Santa Catarina, nº 1982, Centro, município de Cascavel/PR. Narrou o autor, em resenha, que no início do ano de 2001, o réu, na qualidade de Prefeito do Município de Santa Tereza do Oeste/PR, elaborou um plano para apropriar-se de grande quantia em dinheiro oriunda dos cofres municipais, através da utilização da empresa Tenavel, fundada no ano de 2000 por seu tio. Afirmou que o réu determinou ao seu cabo eleitoral - JOSÉ PASA - que adquirisse a empresa Tenavel, o que de fato foi feito, sendo a mesma registrada em nome de EVA PASA (empregada doméstica) e SILVANA VAZATTA (vendedora de loja de calçados) que eram, respectivamente, mãe e esposa de JOSÉ PASA, as quais afirmaram que jamais 1 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ realizaram atos de gestão da empresa, demonstrando assim que figuravam apenas como ‘laranjas’. Alegou que o réu se utilizou da referida empresa com intuito de cometer fraudes, tanto é que foi condenado pelos crimes previstos nos artigos 89 e 90 da Lei nº 8.666/93 e artigo 1º, I, do Decreto-Lei nº 201/67 na ação penal nº 4159-29.2005.8.16.0021 que tramitou perante a 2ª Vara Criminal desta Comarca. Aduziu que o Município de Santa Tereza do Oeste, através do réu, firmou contrato de prestação de serviços de iluminação pública com a empresa Tenavel, pelo valor mensal de R$1.200,00 (um mil e duzentos reais), no período de 04/01/2001 a 04/07/2001, sem realizar procedimento licitatório e sem observar o procedimento de dispensa regular da licitação. Informou que houve a realização de um 2º contrato nos mesmos termos com vigência entre 06/07/2001 a 05/01/2002, o qual decorreu de licitação simulada. Em 01/02/2002 foi novamente entabulado um 3º contrato com validade até 31/01/2003, redundando em distrato em junho/2002. Mencionou que os 03 (três) contratos supracitados foram fraudulentos, violando a lei e a moralidade pública, vez que foram firmados em desacordo com as formalidades legais e que não houve a prestação de quaisquer serviços, gerando um prejuízo ao erário municipal no valor de R$ 20.400,00. Asseverou que a referida sociedade empresária não possuía funcionários, sede ou estoque para prestar os serviços contratados, tratando-se de ‘empresa de fachada’. 2 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ Afirmou que uma empresa pertencente a RENATO LUX - que tinha estoque de materiais de construção - foi incorporada a empresa Tenavel, de modo que, durante os anos de 2001 e 2002 o réu determinou a aquisição direta de materiais da Tenavel em valores inferiores a R$ 8.000,00 visando evitar licitação que era imprescindível. Sustentou que houve a simulação de várias licitações, com a apresentação de propostas frias, a fim de que a empresa Tenavel fosse vencedora. Expôs que foram emitidas diversas notas fiscais de aquisição de materiais elétricos, no entanto, foram entregues materiais de construção, os quais foram desviados e utilizados na construção do shopping e na chácara pertencentes ao réu, caracterizando apropriação ilegal de bens públicos. Informou que JOSÉ PASA confirmou em depoimento que as propostas foram preenchidas por determinação do réu e que as empresas proponentes somente assinaram tais propostas, o que demonstra a irregularidade dos atos, além do que os preços apresentados pela Tenavel eram sempre mais baixos que das outras empresas. Alegou que o réu emitia empenhos e a empresa Tenavel emitia notas fiscais sem realizar a efetiva entrega dos materiais, sendo que JOSÉ PASA recebia o pagamento das notas fiscais em cheque, sacava o dinheiro no banco e entregava ao réu, gerando enriquecimento ilícito ao mesmo. Aduziu que a empresa Tenavel teve suas atividades encerradas em 30/04/2002, mas mesmo após seu encerramento houve a emissão de empenhos pelo Município até julho/2002. 3 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ Disse que a empresa Tenavel não fazia movimentação bancária visando facilitar a fraude, sendo que através da quebra do sigilo bancário foi demonstrado que o movimento financeiro era feito ‘via caixa’ para ocultar a destinação dos valores repassados pelo Município. Afirmou que a empresa Tenavel foi criada e direcionada para participar de compras e de prestação de serviços de forma fraudulenta, servindo apenas para atender a interesse particular do réu através de ‘laranjas’, o que configura ato de improbidade administrativa. Asseverou que houve alteração da Lei Municipal nº 233/97 para beneficiar a empresa Tenavel, autorizando a concessão de incentivos pelo Município materiais de construção - para empresas que se instalassem no distrito industrial. Mencionou que, ao final do mandato do réu como Prefeito, seu patrimônio cresceu de forma desproporcional e incompatível com os ganhos anuais, construindo mais de 1.500,00m2 de construção civil com verbas e materiais desviados ilegalmente do erário municipal. Sustentou que as condutas praticadas pelo réu importaram em enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário municipal e violação aos princípios da administração pública, previstos no art. 9º, XI, art. 10, VIII e art. 11, caput, todos da Lei nº 8.429/92. Requereu, ao final, a procedência dos pedidos para que o réu seja incurso nas práticas tipificadas nos art. 9º, XI e 10, VIII, ambos da Lei nº 8.429/92 com a aplicação das sanções previstas no art. 12, incisos I e II, ou, subsidiariamente, no art. 11, 4 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ caput, com imposição das penalidades do art. 12, III, do mesmo normativo legal, além do pagamento das verbas de sucumbência (evento 1.3). A inicial se fez acompanhar de documentos (evento 1.4/1.83). Devidamente notificado (evento 1.86), o réu apresentou defesa prévia alegando, preliminarmente, a falta de interesse de agir. No mérito, sustentou que a presente ação está fundada em meras especulações com intuito político, tanto é que JOSÉ PASA e os supostos ‘laranjas’ da empresa Tenavel - EVA PASA e SILVANA VAZATTA - retrataram-se de suas declarações iniciais, as quais foram obtidas mediante manipulação nas oitivas conduzidas pelo Promotor de Justiça. Alegou que nunca existiu a apropriação alegada, restando, inclusive, comprovada a devolução de R$50.000,00 pelo Instituto São Paulo - ISP, que os serviços foram efetivamente prestados e que os materiais adquiridos efetivamente utilizados pelo Município de Santa Tereza do Oeste, não havendo que se falar em ressarcimento pelo réu. Afirmou que foi desconsiderada a existência de uma ação penal para apuração da culpabilidade do réu, motivo pelo qual não é possível o reconhecimento dos pedidos formulados nesta ação, os quais são fundados em alegações vazias e abstratas. Aduziu que a prolação de decisões judiciais contraditórias pode ocasionar dano irreparável ao réu, devendo o juízo suspender a presente ação civil pública até o julgamento final da ação penal. Asseverou que JOSÉ PASA imputou falsas denúncias ao réu, tanto é que, ao ser ouvido em juízo, negou o conteúdo de todas as declarações extrajudiciais, não havendo, portanto, comprovação da prática dos atos imputados ao réu. 5 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ Mencionou que é pessoa idônea, cuja honestidade é reconhecida e ratificada pelos vários mandatos que exerceu como Prefeito do Município de Santa Tereza do Oeste, bem como que sua renda pode ser facilmente verificada pelas declarações anuais de imposto de renda, as quais demonstram a inexistência de aumento patrimonial. Sustentou a ausência de dolo e de prejuízo ao erário municipal, inexistindo comprovação da prática de ato de improbidade administrativa, vez que todos os valores questionados foram devolvidos. Disse que não houve quaisquer irregularidades ou manipulações nas licitações, bem como que os serviços de reparos de iluminação pública foram devidamente prestados. Ressaltou que a empresa Tenavel foi vencedora dos certames por ter sempre oferecido a melhor proposta, tendo efetivamente realizado os reparos com a utilização de materiais elétricos, inexistindo, portanto, prejuízo ao erário municipal. Alegou que várias pessoas prestaram declarações desmentindo as irregularidades apontadas por inimigos políticos. Afirmou a regularidade da construção do shopping e do salão de festas de sua chácara, cujas verbas e materiais de construção não são provenientes do Município de Santa Tereza do Oeste. Informou que, na realidade, não se trata de um shopping center, mas sim de um centro comercial que não foi construído por inteiro, mas apenas reformado pelo réu com recursos próprios no segundo semestre do ano de 2001. 6 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ Aduziu que o suposto salão de festas construído em sua chácara se trata de um barracão que foi feito apenas no ano de 2005, ou seja, muito tempo depois das irregularidades apontadas pelo autor - 2002. Expôs que não houve desvio de quaisquer recursos financeiros do Município ou utilização de materiais de construção da empresa Tenavel em suas propriedades particulares. Asseverou que a liberação de incentivos em materiais de construção à empresas que se instalassem no distrito industrial foi plenamente válida e legal e visava o crescimento e desenvolvimento econômico do Município. Ressaltou que o valor de R$50.000,00 liberado em favor do Instituto São Paulo - que pretendia instalar 04 empresas na localidade - foi devolvido mediante contrato de confissão de dívida, o que demonstra a inexistência de prejuízo ao erário. Impugnou os valores apresentados pelo autor a título de ressarcimento, expondo que não subtraiu qualquer valor para si. Pugnou, assim, pela extinção do feito sem resolução do mérito, ante a falta de interesse de agir, ou, subsidiariamente, pela improcedência dos pedidos ou a revisão dos valores pleiteados a título de ressarcimento dos danos supostamente causados (evento 1.89/1.92). Juntou documentos (evento 1.92/1.105). Pela decisão de evento 1.105/14.106 restou afastada a preliminar de falta de interesse de agir e recebida a petição inicial (evento 1.105/1.106). 7 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ Devidamente citado (evento 1.106 - fl. 2028 do processo físico), o réu apresentou contestação reiterando a preliminar de falta de interesse de agir por. No mérito, ratificou os apontamentos já lançados aos autos por ocasião da defesa preliminar, requerendo, mais uma vez, a extinção do feito sem resolução do mérito ou, subsidiariamente, a improcedência dos pedidos (evento 1.106/1.110 - fls. 2032/2118 do processo físico). Juntou documentos (evento 1.110/1.122 - fls. 2119/2332). Houve réplica (evento 1.123). Instados a se manifestar (evento 1.124 - fl. 2351), o autor informou não ter interesse na produção de outras provas (evento 1.25) enquanto o réu requereu a produção de prova oral (evento 1.126). Foi declinada a competência para o processamento e julgamento do feito a este Juízo (evento 1.127). Sobreveio manifestação pelo réu com a juntada de novos documentos (evento 1.130/1.138 - fls. 2363/2567). Digitalização do Inquérito Civil nos eventos 1.141/1.157. Devidamente notificado nos termos do art. 17, §3º da Lei nº 8.429/92, o Município de Santa Tereza do Oeste manifestou-se no evento 17.1, juntando documentos e procuração. O autor se manifestou impugnando os documentos juntados pelo réu (evento 21.1). 8 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ Proferida decisão saneadora afastando as preliminares deduzidas pelo réu, fixando os pontos controvertidos, deferindo a produção de prova documental, intimando as partes sobre o interesse na prova emprestada da ação penal e solicitando informações sobre o trânsito em julgado da sentença prolatada pelo Juízo da 2ª Vara Criminal nos autos n. 2005.3496-9 (evento 24.1). O autor manifestou interesse na prova emprestada, com o que anuiu o Município de Santa Tereza do Oeste (evento 34.1), tendo o réu insistido na produção de prova oral (evento 35.1). Pela decisão de evento 39.1 restou deferida a produção da prova emprestada, assim como da prova oral requerida, designando-se audiência de instrução e julgamento. O réu juntou novos documentos (evento 61.1/61.7). Em sede de audiência de instrução e julgamento foi deferido o ingresso do MUNICÍPIO DE SANTA TEREZA DO OESTE como assistente litisconsorcial ativo, tomado o depoimento pessoal do réu e inquiridas sete testemunhas por este arroladas, concedendose, ao final, prazo para apresentação de memoriais pelas partes após a juntada da prova emprestada (evento 62.1). Sobreveio cópia de documentos oriundos da ação penal nº 2005.34969 que teve trâmite perante a 2ª Vara Criminal desta Comarca (evento 66.1) e da prova oral lá produzida, aqui recepcionada como prova emprestada (evento 71.1/72.1). 9 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ As partes apresentaram alegações finais (eventos 74.1, 79.1 e 86.1), vindo os autos, a seguir, conclusos para sentença. Eis o que havia a relatar. DECIDO. 2. Fundamentação Trata-se de ação civil pública por ato de improbidade administrativa em que se requer a condenação do réu como incurso nas condutas tipificadas nos arts. 9º, XI e 10, VIII, ambos da Lei nº 8.429/92 com a aplicação das sanções previstas no art. 12, incisos I e II, da mesma lei, ou, subsidiariamente, a condenação do réu nos termos do art. 11, caput c/c art. 12, III, do mesmo texto normativo. Antes de adentrar na questão fática posta aos autos, cumpre tecer algumas considerações. Conforme ensinamento de MARCELO FIGUEIREDO, o termo improbidade administrativa provém “Do Latim improbitate. Desonestidade. No âmbito do Direito o termo vem associado à conduta do administrador amplamente considerado. (...) genericamente, comete maus-tratos à probidade o agente público ou particular que infringe a moralidade administrativa. (...) a probidade é espécie do gênero ‘moralidade administrativa’ à que alude, v.g., o art. 37, caput e §4º, da CF. O núcleo da probidade está associado (deflui) ao princípio maior da moralidade administrativa; verdadeiro norte à Administração em todas as suas manifestações.”1 1 FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade Administrativa, 4ª ed., fl. 23, São Paulo, Malheiros Editores, 2000. 10 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ Conveniente transcrever a lição de MARINO PAZZAGLINI FILHO, no sentido de que a “(...). A improbidade administrativa, sinônimo jurídico de corrupção e malversação administrativas, exprime o exercício da função pública com desconsideração aos princípios constitucionais expressos e implícitos que regem a Administração Pública. Improbidade administrativa é mais que mera atuação desconforme com a singela e fria letra da lei. É conduta denotativa de subversão das finalidades administrativas (...)” 2. Em obediência ao comando estabelecido no artigo 37, §4º, da Constituição da República, a lei de improbidade estabeleceu os atos considerados como improbidade administrativa e as sanções aplicáveis aos ímprobos, classificando-os em três ordens: atos que importam enriquecimento ilícito (artigo 9º), atos que causam prejuízo ao erário (artigo 10) e atos que atentam contra os princípios da administração pública (artigo 11). Segundo ALEXANDRE DE MORAES, para caracterizar o ato de improbidade a que alude o art. 9º da Lei nº 8.429/92 devem estar presentes na conduta do agente os seguintes elementos: a) dolo; b) obtenção de vantagem patrimonial; c) ilicitude da vantagem obtida e d) existência de nexo causal entre o exercício funcional e a vantagem indevida (nexo de oficialidade)3. Já aqueles previstos no art. 10 da referida lei, segundo o aludido doutrinador, exigem cinco requisitos, quais sejam: a) conduta dolosa ou culposa do agente; b) conduta ilícita; c) existência de lesão ao erário ou perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres; d) não-exigência de obtenção de vantagem patrimonial pelo agente e, finalmente, e) existência de nexo causal entre o exercício funcional e o prejuízo concreto gerado ao erário público (nexo de oficialidade)4. FILHO, Marino Pazzaglini. Lei de Improbidade Administrativa Comentada, fl. 13, São Paulo, Atlas, 2002. MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 4ª edição, Atlas, 2004, pág. 2714. 4 ob. cit. pág. 2717. 2 3 11 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ Por fim, os do artigo 11 restam configurados quando presentes os seguintes elementos: a) conduta dolosa do agente; b) conduta comissiva ou omissiva ilícita que, em regra, não gere enriquecimento ilícito ou não cause lesão ao patrimônio público; c) violação aos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições; d) atentado contra princípios da Administração e, por fim, e) existência de nexo causal entre o exercício funcional e o desrespeito aos princípios da Administração (nexo de oficialidade)5. Assim, para o enquadramento dos atos do réu como ímprobos deve, inicialmente, haver a prova da ação ou omissão dolosa ou ao menos culposa no que toca ao artigo 10 da Lei nº 8.429/1992. Feitas tais considerações e objetivando situar o cenário jurídico em testilha, a presente Ação de Improbidade Administrativa proposta pelo Ministério Público busca, em síntese, o enquadramento da conduta do réu à dicção textual prevista nos artigos 9º e 10 da LIA, em razão do cometimento de atos de improbidade administrativa que supostamente importaram em enriquecimento ilícito e dano ao erário, com a consequente condenação nas sanções previstas no artigo 12, incisos I e II, cada imputação a ser interpretada diante das peculiaridades concretas. Pois bem. Para melhor elucidar a problemática que se apresenta nos autos, necessário tecer uma breve digressão dos fatos. Narra a inicial, em síntese, que o réu, na qualidade de Prefeito do Município de Santa Tereza do Oeste, elaborou um plano para se apropriar de dinheiro público, tendo, para tanto, instruído o seu cabo eleitoral - Sr. JOSÉ PASA - a adquirir a empresa Tenavel 5 ob. cit. pág. 2719. 12 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ em nome de “laranjas” (mãe e esposa de José Pasa), cuja sede passou a funcionar na residência do mesmo. Afirmou que a empresa Tenavel foi transferida para EVA PASA (mãe de José Pasa) e SILVANA VAZZATA (esposa de José Pasa) em 09/01/2001, bem como que houve alteração do objeto social para incluir o ‘fornecimento de serviços e materiais elétricos e materiais de construção’. Alegou que o Município de Santa Tereza do Oeste, através do réu, firmou contratos de prestação de serviços de iluminação pública com a empresa Tenavel de forma fraudulenta, sem prévio procedimento licitatório ou processo de dispensa regular da licitação, e, em alguns casos, realizou licitações simuladas para aquisição de materiais de construção, com apresentação de propostas frias, visando beneficiar a referida empresa e a si próprio. Sustentou que parte dos objetos licitados de forma simulada - materiais de construção - foram desviados e utilizados pelo próprio réu em imóveis de sua propriedade, bem como que o réu emitia notas de empenho sem que o Município recebesse os materiais de construção. Asseverou, ainda, que o réu teria autorizado o Município a conceder incentivos a empresas que se instalassem no distrito industrial - através de materiais de construção - com o intuito de beneficiar a empresa Tenavel. Em resumo, são esses os principais fatos relatados pelo órgão ministerial, que dariam ensejo à condenação do réu por atos de improbidade administrativa, nos termos da Lei nº 8.429/92. 13 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ Da Tenavel a) Da criação e da fraude Pela análise dos documentos e informações trazidas aos autos, verificase que a empresa Tenavel foi constituída em 01/02/2000 para “prestação de serviços de relações públicas, serviços de assessoria empresarial e comercial, e empreendimentos imobiliários”, e tinha como sócios o Sr. Irineu Dressel – tio do réu – e a Sra. Suzan Carla Gracioli Picolli (evento 1.7 - fls. 117/119 do processo físico6). Logo após a assunção do réu ao cargo de Prefeito do Município de Santa Tereza do Oeste, em 09/01/2001, as cotas sociais da referida empresa foram adquiridas pelo Sr. José Pasa (conforme por ele próprio reconhecido), mas registradas em nome de EVA PASA e SILVANA VAZZATA – respectivamente, mãe e esposa do mesmo -, ocasião em que também restou alterada a sede da empresa (para o endereço residencial de JOSÉ PASA, de sua esposa e de sua mãe) e o seu objeto social para “prestação de serviços de manutenção e reparação de rede elétrica, rede hidráulica e comércio de materiais elétricos, de construção e ferragens” (evento 1.7 - fls. 120/1227). Segundo alegado pelo autor, a aquisição da referida empresa por JOSÉ PASA se deu a ‘mando’ do réu, com o intuito de beneficiar a si próprio e a terceiros, mediante a realização de licitações simuladas, de modo que a Tenavel fosse vencedora de todos os certames e pudessem obter vantagem financeira oriunda dos cofres públicos. 6 7 Carimbo - Cartório 2ª Vara Cível. Idem. 14 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ Pois bem. O cotejo probatório carreado aos autos não leva a conclusão diversa daquela narrada na inicial, existindo muitos elementos de prova nesse sentido. Explico. A empresa Tenavel foi adquirida do tio do réu e colocada em nome de pessoas que não tinham qualquer conhecimento sobre as atividades por ela desenvolvidas, as quais eram mãe e esposa de JOSÉ PASA que, por sua vez, era cabo eleitoral do réu em época de campanha no Município de Santa Tereza do Oeste. Ao ser ouvida, nas audiências de instrução e julgamento realizadas por este juízo e pelo juízo da 2ª Vara Criminal, a Sra. EVA PASA afirmou que ‘(...) a Tenavel estava no seu nome, mas não sabia de nada que se passava lá; que não sabe qual era a atividade desenvolvida pela Tenavel; (...); que nunca trabalhou na Tenavel e não sabe das contratações que a empresa fez com o Município de Santa Tereza do Oeste; (...).’ – grifei. Além disso, a Sra. EVA PASA - formalmente sócia proprietária da Tenavel - afirmou em audiência realizada perante este juízo que ‘é amiga do réu e que tem interesse na absolvição dele’. A outra sócia da empresa Tenavel – Sra. SILVANA VAZZATA - também prestou depoimento em juízo informando que ‘nunca entrou na Tenavel e não participou de nada, não sabendo nem mesmo o que tinha dentro da empresa; que não lembra de quem era a empresa antes de ser transferida para o seu nome e de sua sogra; que não explicaram o motivo de colocar a empresa no seu nome e só aceitou para ajudar o esposo José Pasa; que não sabe se a empresa estava registrada ou tinha sede no endereço de sua residência.’ – grifei. Constata-se também que a empresa Tenavel foi transferida para EVA PASA e SILVANA VAZZATA em 09/01/2001 (1ª alteração contratual - evento 1.7 - fls. 120/122), 15 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ mas antes mesmo disso, em 04/01/2001, apenas 04 (quatro) dias após a assunção do réu no mandato de Prefeito, já havia sido formalizado o 1º contrato de prestação de serviços de iluminação pública com o Município e referida empresa (contrato firmado por EVA PASA como se vê de evento 1.23 – fl. 427/429) e, pasmem, sem qualquer licitação ou processo de dispensa regular da licitação, como se a Administração Pública pudesse simplesmente contratar uma empresa para prestar serviços sem qualquer procedimento prévio e adequado às regras da Lei nº 8.666/93 (art. 2º)8. Na fase do Inquérito Civil, o Sr. JOSÉ PASA prestou depoimento na sede do Ministério Público, ocasião em que afirmou ter ajudado o réu FRANCISCO MENIN na campanha eleitoral e, que em razão disso, o mesmo tinha prometido lhe ajudar caso fosse eleito, o que de fato fez assim que assumiu o cargo de Prefeito, realizando, ao alvedrio da lei, o contrato acostado no evento 1.23 - fls. 427/429 do processo físico9. Tal informação, aliás, foi confirmada pela testemunha OLIMPIO MARCELO PICOLI, o qual disse ‘que houve uma promessa por parte do Prefeito de que se o José Pasa ajudasse na campanha e fosse eleito, lhe daria a iluminação pública do Município; que foi o que de fato aconteceu; (...).’ – grifei. Outro fato que chama atenção é que a sede da Tenavel ficou estabelecida na Avenida Brasília, nº 1070, local este que era a residência de José Pasa, Eva Pasa e Silvana Vazzata, e nem de longe demonstrava a existência de uma empresa no local, o que restou comprovado pela verificação in loco realizada por servidor do Ministério Público - Art. 2o As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei. 9 Carimbo - Cartório 2ª Vara Cível. 8 16 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ PAULO MINGORI - (evento 1.8 - fls. 126/129) e pelo próprio depoimento judicial de EVA PASA que reconheceu o local como sendo sua residência. Aliás, o Sr. JOSÉ PASA, ao ser ouvido neste juízo, informou ‘que a sede da empresa foi na minha casa na época em que foi feita a alteração do contrato social; que ela ficou na Avenida Brasília, n. 1070; que ela não funcionava lá; que não lembra o nome da Avenida em que ela funcionava; que morou em Santa Tereza por 05 (cinco) anos e não sabe dizer onde funcionava a Tenavel; que não lembra o endereço da Tenavel de cabeça porque estava fora disso desde 2003 (...)’. – grifei. Ora, não se mostra crível que uma sociedade empresária, cujo objeto social consistia não só na prestação de serviços, mas também no comércio de materiais elétricos, de construção e ferragens, fosse constituída sem funcionários e sem estoque e estabelecida em um imóvel onde residem as sócias quotistas - Eva Pasa e Silva Vazzata - que afirmam nada saber sobre a empresa, conforme depoimentos judiciais supracitados. Aliás, ainda menos crível, é que essa mesma empresa, atualmente de modo totalmente ilegal, tenha conseguido firmar contrato com a administração pública. Ainda estranho, o fato de que o Sr. JOSÉ PASA, como administrador de fato da Tenavel, não lembrar onde funcionava a sede da própria empresa. É comum em alguns casos que, passados muitos anos dos fatos, as pessoas não se lembrem de todos os detalhes, mas não é razoável crer que alguém tenha uma sociedade empresária e poucos anos depois, quando perguntado, embora se recorde de detalhes muito mais específicos sobre os fatos, simplesmente se esqueça o local onde a mesma funcionava apesar de situada em cidade muito pequena em que residiu por 16 anos. Outrossim, em relação às demais evidências de fraude na criação da empresa Tenavel, verifica-se que o Sr. JOSÉ PASA afirmou que era o responsável pela 17 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ prestação dos serviços de iluminação pública ao Município, todavia, pelas provas produzidas nos autos, constatou-se que o mesmo não tinha qualquer experiência profissional na área, vez que trabalhava como vendedor de calçados antes de adquirir as cotas da referida sociedade empresária Tenavel. Vejamos, ainda, o teor da declaração prestada por JOSÉ PASA perante o Ministério Público na fase de investigação, a qual é bastante esclarecedora a respeito dos fatos e que se coadunam perfeitamente com as provas produzidas no feito: “(...). que o declarante morou em Santa Tereza do Oeste por dezesseis anos; que, neste tempo todo, conheceu bem FRANCISCO MENIN; que também conhece OLIMPIO MARCELO PICOLI; que o declarante tomou parte nas campanhas eleitorais de FRANCISCO MENIN, como cabo eleitoral; que, em 2000, após FRANCISCO MENIN ter sido eleito prefeito, foi até ele e pediu algum auxílio; que o declarante, nesta época, trabalhava com comércio de automóveis, porém com rendimento baixo; que, logo que FRANCISCO MENIN, em 2001, assumiu a Prefeitura, este ofereceu ao declarante a iluminação pública; que o declarante, então, foi orientado por FRANCISCO MENIN para montar uma empresa; que o declarante, em conversa com o contador JUDSON, perguntou se não conhecia alguma empresa de Santa Tereza do Oeste que estivesse inativa; que este informou ao declarante a existência da TENAVEL; que o declarante, então, adquiriu a TENAVEL por um preço simbólico e a transferiu para o nome de sua mãe EVA PASA e de sua esposa, na época, SILVANA VAZATTA; que conhecia os antigos sócios da TENAVEL, mas nega que estas pessoas tenham tido alguma participação nos negócios da TENAVEL; que foi outorgada ao declarante uma procuração para gerenciar a TENAVEL, sendo que, também, houve mudança na razão e objeto social da empresa; que CESAR JOSÉ SORDI era funcionário da TENAVEL e a procuração foi outorgada para ele também; que após a aquisição da empresa, o declarante mudou de contador, deixando os negócios sob a responsabilidade de JOSÉ DALCOL; que a sede da empresa ficou sendo 18 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ indicada como sendo Avenida Brasília, 1070, que era o local da residência do declarante; que reconhece a foto de fls. 95 (segunda foto) como a casa que foi indicada, primeiramente, como sede da TENAVEL; que a empresa TENAVEL não tinha barracão nem equipamentos; que a empresa atuou na cidade de Santa Tereza do Oeste por cerca de um ano e pouco; que o declarante comprou equipamentos e contratou técnico de iluminação; que, depois de um tempo, o declarante também negociou a aquisição de uma empresa de materiais de construção, comprando o estoque de RENATO LUX; que, após tal aquisição, transferiu a sede da TENAVEL para o local onde estava tal estoque e aumentou o objeto social da empresa, também para ramo de comércio de materiais de construção; que, com a empresa comprada, FRANCISCO MENIN garantiu que compraria materiais da empresa do declarante, o que foi efetivamente por cerca de um ano e meio; (...); que as sócias da empresa TENAVEL nunca souberam ou tomaram parte dos negócios com a Prefeitura de Santa Tereza; que, no meio de 2002, FRANCISCO MENIN chamou o declarante e afirmou que não compraria mais da TENAVEL, sendo que até hoje o declarante não sabe os reais motivos disto; que, nesta ocasião, MENIN indicou que o estoque estava com o declarante fosse vendido para outra empresa, a VITAPLUS MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO, que pertencia a ANDERSON de tal, filho do GAÚCHO DA PADARIA; que a empresa nunca recolheu impostos, nem federais, nem estaduais e nem municipais; (...).” – grifei. JOSÉ PASA confirmou também em audiência ‘que a empresa Tenavel, na realidade, nunca teve um estoque concreto; que ela sempre teve um nome e crédito em bancos, mas nunca teve um capital de R$10.000,00 por exemplo; (...).’ – grifei. Destarte, analisando os elementos de prova e as circunstâncias que envolvem o caso em tela, não há dúvidas de que a empresa TENAVEL foi criada de forma absolutamente fraudulenta, em nome de “laranjas” e para atender a interesses particulares do réu e de terceiros aos quais devia favores decorrentes de apoio político na candidatura a Prefeito. 19 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ b) Das licitações Primeiramente, antes de adentrar na questão relativa à ausência de licitação, dispensa indevida e licitação simulada, importante trazer à baila todos os contratos realizados entre a Tenavel e o Município de Santa Tereza do Oeste, através do réu FRANCISCO MENIN. Pois bem. O Município de Santa Tereza do Oeste firmou inicialmente 03 (três) contratos para prestação de serviços com a empresa Tenavel, nos seguintes termos: 1º CONTRATO s/nº - SEM LICITAÇÃO Data Serviço Mão de obra e 04/01/200110 manutenção das redes de iluminação pública Prazo/Período Valor 06 meses 04/01/2001 a R$1.200,0011 04/07/2001 por mês Evento/fls. Evento 1.23 fls. 427/429 2º CONTRATO nº 025/01 - Carta Convite nº 028/200112 Data Serviço Mão de obra e 06/07/2001 manutenção das redes de iluminação pública Prazo/Período Valor 06 meses 06/07/2001 a R$1.200,00 05/01/2002 por mês Evento/fls. Evento 1.22/1.23 - fls. 420/422 Primeiro contrato formalizado em 04/01/2001 quando a Tenavel ainda não havia sido adquirida por José Pasa (Eva Pasa e Silvana Vazzata). 11 A cláusula segunda do contrato previa que o valor de R$1.200,00 seria pago mediante apresentação de fatura, no entanto, nenhuma dessas faturas foi juntada aos autos, demonstrando que o valor era pago sem qualquer critério ou conferência da efetiva prestação do serviço. 12 Evento 1.23 - fls. 423/426 e 433. 10 20 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ 3º CONTRATO nº 008/2002 - Carta Convite nº 007/200213 Data Serviço Prazo/Período Mão de obra e 31/01/2002 Evento/fls. 01 ano manutenção das redes de iluminação pública Valor 01/02/2002 a R$1.200,00 31/01/200314 por mês Evento 1.16 fls. 289/291 Os referidos contratos foram firmados para prestação de serviços de mão de obra e manutenção das redes de iluminação pública, sendo que o último deles - 3º contrato -, com prazo de validade de 01/02/2002 a 31/01/2003, foi encerrado em 31/07/2002 através do Termo de Distrato Administrativo acostado no evento 1.16 - fl. 292 do processo físico. Além disso, o réu também fez em nome do Município 03 (três) outras contratações com a empresa Tenavel, através das cartas convites nºs 038/2001, 010/2002 e 019/2002. Vejamos: CARTA CONVITE OBJETO VALOR 038/200115 Materiais de construção R$13.135,00 010/200216 Materiais de construção R$60.124,00 019/200217 Materiais elétricos R$39.823,60 Listados os contratos entabulados entre a Administração Pública Municipal e a empresa Tenavel, passa-se a análise do procedimento utilizado para tais contratações. Evento 1.16 - fls. 293/295. Rescindido em 31/07/2002, antes do prazo previsto. 15 Carta convite nº 038/2001 (evento 1.25/1.26 – fls. 478/488) - agosto/2001. 16 Carta convite nº 010/2002 (evento 1.7 - fls. 110/114) - fevereiro/2002. 13 14 17 Carta convite nº 019/2002 (evento 1.28 - fls. 526/532) - março/2002. 21 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ Em relação ao 1º contrato firmado para prestação de serviços de iluminação pública, já é possível vislumbrar facilmente a existência de ilegalidades. Isso porque, o mencionado contrato foi firmado sem qualquer procedimento licitatório prévio ou dispensa regular do certame, sem publicação de edital ou instrumento de convocação, em flagrante ofensa ao disposto no art. 2º da Lei nº 8.666/9318. Não bastasse isso, o mesmo ainda foi formalizado em data de 04/01/2001 (evento 1.23 - fls. 427/429), quando ainda não havia sido realizada a alteração do contrato social que alterou o quadro societário (ingresso de Eva Pasa e Silvana Vazzata) e o objeto social dentre outras, o que se deu somente em 09/01/2001 (evento 1.7 - fls. 120/122). Ora, como poderia a sociedade empresária que – segundo declaração do Sr. JOSÉ PASA perante o Ministério Público – se encontrava inativa quando da aquisição de suas cotas sociais por ele, firmar contrato de prestação de serviços com a Administração Pública sem participar de qualquer licitação ou sem que tenha havido a regular dispensa do certame, e pior, antes mesmo do ingresso da sócia EVA PASA, a qual firmou o contrato administrativo? A alteração contratual (quadro societário e objeto social) deve contar com regular registro na Junta Comercial19 para ter validade, razão pela qual não poderia, sob hipótese alguma, ter havido a referida contratação. Tal circunstância evidencia o intuito do réu e de terceiros em fraudar licitações e se beneficiar de contratos entabulados sem qualquer respaldo legal, sobretudo se considerado que o pacto foi celebrado apenas 04 (quatro) dias depois da assunção do réu no Art. 2o As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei. 18 Art. 985. A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150). 19 22 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ mandato de Prefeito com sociedade empresária que pertenceria à mãe e à esposa de seu cabo eleitoral. Com relação aos demais contratos entabulados para prestação de serviços de iluminação pública (2º e 3º contratos), verifica-se que os mesmos foram feitos logo em seguida ao vencimento dos anteriores, também com a empresa Tenavel que, coincidentemente, sempre apresentou as melhores propostas, não vindo a perder em nenhuma licitação. Os referidos pactos foram celebrados todos no mesmo valor de R$1.200,00 por mês sem qualquer justificativa plausível sobre o que consistiria tal montante. Ainda, curioso o fato de que a Tenavel sempre apresentou os melhores preços de toda a região, de modo que não perdia nenhuma ‘licitação’ lançada pelo Município de Santa Tereza do Oeste. Note-se, aliás, que o efetivo administrador da empresa Tenavel, CÉSAR JOSÉ SORDI, afirmou em audiência ‘que conhece a empresa Tenavel e foi gerente administrativo dela; (...); que para ganhar as licitações tinha que baixar o preço lá embaixo; que a empresa tinha dificuldade de capital de giro; que trabalhava praticamente sem margem de lucro pra ganhar as licitações; (...).’ (grifei) Corroborando tal informação, JOSÉ PASA disse ‘que os valores das licitações permitiam muito pouca margem de lucro, tanto que a Tenavel faliu em decorrência de pequenos faturamentos; (...)’. Ora, que tipo de empresa se submete a fazer um esforço descomunal para participar de licitações, inclusive, trabalhando sem margem de lucro para vencê-las? Em 23 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ geral, o que se tem, são empresas participando de licitações junto à Administração Pública justamente para obter lucro – ainda que mínimo – e não o contrário, como curiosamente fez a Tenavel. Uma empresa constituída normalmente para vender seus produtos e que participa de licitações, ao verificar a ausência de lucro e até mesmo a ocorrência de prejuízos, obviamente que não participaria mais dos certames, todavia, contrariamente a isso, a Tenavel continuava participando e sempre se sagrava vencedora. Com relação às demais contratações - cartas convite nºs 038/2001, 010/2002 e 019/2002 -, igualmente é possível constatar a existência de indícios de simulação dos certames, vez que o preenchimento das cartas convites possuem grafia extremamente semelhante, indicando que foram preenchidas pela mesma pessoa, o que se coaduna com o primeiro depoimento prestado por JOSÉ PASA perante o Ministério Público na fase de investigação, o qual afirmou que ele mesmo preenchia as propostas para licitação e as entregava para o réu. Tal fato também restou confirmado em audiência pelo Sr. JOSÉ PASA com a única diferença de que atribuiu a culpa pelo preenchimento das propostas frias ao outro administrador da Tenavel, Sr. CÉSAR JOSÉ SORDI. De qualquer modo, independentemente de quem tenha preenchido as propostas em nome de outras empresas - JOSÉ PASA ou CESAR JOSÉ SORDI -, certo é que não cabe ao particular concorrente obter e preencher as propostas de outras empresas participantes para entregar ao ente municipal, já que esse papel incumbe única e exclusivamente aos interessados e à própria Administração Pública. JOSÉ PASA disse em audiência ‘que não se lembra de ter preenchido proposta de licitação da Tenavel para a Prefeitura; que não procurou outras empresas e fez propostas em nome delas para participar de licitação da Prefeitura, mas o Cesar José 24 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ Sordi sim; (...); que sabe que o Cesar obtinha propostas de outras empresas para as licitações; que não sabe como ele obtinha as propostas das outras empresas (...).’ (grifei) Na fase do Inquérito Civil, o Sr. FERNANDO PRADO prestou declarações perante o Ministério Público, expondo ‘que o declarante foi secretário da Administração do Município de Santa Tereza do Oeste de 2001 a março de 2004; que o declarante, neste cargo, tinha a função de ser responsável pela organização de todas as secretarias, recursos humanos; que além disso agregava a função de Presidente da Comissão Permanente de Licitação, no ano de 2001; (...); que com relação aos fatos declarados por JOSÉ PASA e lidos ao declarante nesta ocasião, o declarante confirma que, efetivamente, foram entregues a ele as propostas para cartas-convites, inclusive de outras empresas; que não foi o declarante quem entregou tais propostas mas sim a secretária de finanças, FERNANDA; (...); que o declarante confirma que, mesmo conhecendo as irregularidades nas entregas de cartas convites diretamente a JOSÉ PASA acabava, quando era presidente da Comissão de Licitação, por homologá-las, isto porque exercia cargo em confiança e corria o risco de demissão se de alguma forma discordasse; que foi o primeiro cargo público que o declarante exerceu em sua vida; que na Administração de Santa Tereza não havia fiscalização da procedência das notas fiscais; que, em muitos casos, era o FRANCISCO MENIN quem indicava de quem deveria ser comprado o produto para a Prefeitura, sendo que este não admitia que se comprasse de adversários políticos.’20 (grifei) As declarações prestadas pela referida testemunha, restaram corroboradas pelo depoimento de OLIMPIO MARCELO PICOLI, o qual disse ‘que José Pasa procurava duas outras empresas para fornecer a proposta; que o próprio José Pasa fazia as propostas e só pegava a assinatura das empresas; que na verdade só o José Pasa 20 Termo de Declarações (evento 1.12 – fls. 210/211) 25 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ acabava participando das licitações, já que as empresas apresentavam proposta de valor maior e ele colocava o preço que queria; (...).’ (grifei) Analisando as informações colhidas nos autos, retrata-se evidente que as cartas convites eram entregues diretamente a JOSÉ PASA - representante da Tenavel – que as preenchia, simulando a existência de propostas por outras empresas, de modo a conferir ares de legalidade a procedimento licitatório inexistente e garantir que a Tenavel fosse vencedora dos certames simulados em benefício do réu e de terceiros. A título de exemplo, menciona-se as propostas realizadas nas cartas convites nºs 010/2002 e 019/2002, cujos valores ali discriminados possuem grafia praticamente idêntica, bastando analisar superficialmente os documentos para chegar a tal conclusão. Ora, as propostas foram apresentadas, em tese, por 03 (três) empresas diferentes, mas os valores nelas constantes foram preenchidos pela mesma pessoa (evento 1.7 - fls. 112/114 e evento 1.28 - fls. 529/531), o que indica a simulação das licitações. Não bastasse isso, constata-se também, que o réu, representando o Município de Santa Tereza do Oeste, realizava licitação na modalidade convite, sem, no entanto, cumprir os requisitos previstos em lei para tanto, e desvirtuava a previsão de dispensa de licitação. Os artigos 22 a 24 da Lei nº 8.666/93 tratam das modalidades de licitação e as hipóteses de dispensa nos seguintes termos: “Art. 22. São modalidades de licitação: (...); III - convite; (...). § 3o Convite é a modalidade de licitação entre interessados do ramo pertinente ao seu objeto, cadastrados ou não, escolhidos e convidados em número mínimo de 3 26 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ (três) pela unidade administrativa, a qual afixará, em local apropriado, cópia do instrumento convocatório e o estenderá aos demais cadastrados na correspondente especialidade que manifestarem seu interesse com antecedência de até 24 (vinte e quatro) horas da apresentação das propostas. Art. 23. As modalidades de licitação a que se referem os incisos I a III do artigo anterior serão determinadas em função dos seguintes limites, tendo em vista o valor estimado da contratação: II - para compras e serviços não referidos no inciso anterior: a) convite - até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais); Art. 24. É dispensável a licitação: II - para outros serviços e compras de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea "a", do inciso II do artigo anterior e para alienações, nos casos previstos nesta Lei, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez; (...).” Da leitura do disposto no §3º do art. 22, é facilmente perceptível que o réu deixou de observar as regras ali insertas, já que, além de ter simulado as licitações com apresentação de propostas frias, não fixou cópia do instrumento de convocação em local adequado e não fez qualquer publicação do ato de modo a estender o convite a outras empresas interessadas. Além disso, a hipótese versada nos autos não poderia nem mesmo ser enquadrada na dispensa de licitação, vez que os produtos adquiridos pelo ente municipal ultrapassaram o valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais) - correspondente a 10% do valor máximo estipulado para modalidade convite. 27 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ Apesar de alegar o réu que as contratações teriam sido inferiores a R$ 8.000,00 (oito mil reais), o que possibilitaria a dispensa do certame, certo é que os empenhos conjuntamente foram emitidos sempre em valores superiores a este - no período de 01, 02 ou 03 meses – e, ainda, para o pagamento de um mesmo serviço/produto (materiais de construção e/ou materiais elétricos), em desacordo com o art. 24, II, da Lei de Licitações. Como se sabe, a dispensa de licitação não pode servir para mascarar licitação fraudulenta, nem mesmo para atender interesses escusos do administrador municipal ou de terceiros, como ocorreu no caso em tela. Não bastasse todas as circunstâncias até aqui esposadas, constata-se também que a empresa Tenavel funcionou apenas durante o período em que teve contratos com o Município de Santa Tereza do Oeste, tendo encerrado suas atividades no mesmo ano em que houve o Termo de Distrato acostado no evento 1.16 - fl. 292, o que encontra respaldo nas declarações iniciais de JOSÉ PASA que afirmou ter adquirido por preço simbólico uma empresa inativa para viabilizar as contratações com o poder público conforme previamente acordado com o réu, sem nunca ter recolhido qualquer tributo. Ou seja, se a empresa Tenavel não tivesse a intenção de praticar os fatos narrados na inicial em conluio com o réu, certamente continuaria a exercer suas atividades mesmo após ter encerrado os contratos com a Administração Pública Municipal. Todavia, cessando estes, estranhamente deu baixa na inscrição estadual em 30/04/200221, muito embora tenha continuado a receber pagamentos do Município de Santa Tereza do Oeste, conforme Relatório de Auditoria elaborado pelo Ministério Público (evento 1.12/1.13 - fls. 216/223), o qual não foi desconstituído pelo réu. A Tenavel encerrou suas atividades em 30/04/2002 (evento 1.13 - fl. 225) e o Termo de Distrato Administrativo foi feito em 31/07/2002 (evento 1.16 - fl. 292). 21 28 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ Certamente, estando a empresa baixada/inativa, não poderia ter mantido o contrato com a Administração Pública (distrato se deu após o noticiado encerramento das atividades – evento 1.13 – fl.225), nada poderia receber do ente municipal, nem mesmo prestar serviços, entregar mercadorias e emitir notas fiscais, o que ocorreu por diversas vezes, conforme se extrai da tabela abaixo: EMPENHO DATA VALOR NF22 DATA CHEQUE EVENTO/FLS. 1129 30/04/2002 R$1.200,00 0032 30/04/2002 850081 1.15 - fls. 279/281 1140 30/04/2002 R$2.794,00 0155 30/04/2002 850083 1.26 - fls. 489/490 1277 09/05/2002 R$7.500,00 0156 09/05/2002 1367 16/05/2002 R$54,00 0164 16/05/2002 422854 1.18 - fls. 324/326 1368 16/05/2002 R$89,70 0163 16/05/2002 850100 1.27 - fls. 520/522 1369 16/05/2002 R$6.278,00 0162 16/05/2002 850100 1.27 - fls. 517/520 1575 29/05/2002 R$1.207,00 0170 29/05/2002 850112 1.26 - fls. 498/499 1576 29/05/2002 R$207,65 0173 29/05/2002 850112 1.26 - fls. 500/503 1597 29/05/2002 R$335,60 0172 29/05/2002 138710 1.28 - fls. 523/525 1577 01/06/2002 R$1.200,00 0034 01/06/2002 850112 1.27 - fls. 503/505 1720 10/06/2002 R$2.540,00 0178 10/06/2002 850143 1.27 - fls. 510/513 2127 02/07/2002 R$1.200,00 0035 02/07/2002 549759 1.15 - fls. 276/278 209075 850089 1.26 - fls. 494/497 Valor total de Notas Fiscais emitidas após encerramento das atividades R$24.605,95 Constata-se, ainda, que a grande maioria das vendas feitas pela empresa Tenavel eram para o Município de Santa Tereza do Oeste, conforme se extrai das notas fiscais relacionadas pelo autor e do depoimento de JOSÉ PASA, o qual afirmou ‘que o maior 22 Nota fiscal 29 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ cliente da Tenavel na época era a Prefeitura; que não existiu outro cliente da Tenavel que tenha gerado a movimentação financeira obtida através do Município.’ Outro episódio que causa estranheza é o fato de que as vendas realizadas pela Tenavel e sua respectiva formalização (emissão de nota fiscal, nota de empenho e cheques) ocorriam de forma extremamente rápida, muitos no mesmo dia ou em datas muito próximas. A título de exemplo, cita-se: EMPENHO DATA NF23 DATA CHEQUE DATA EVENTO/FLS. 1645 16/07/01 0005 16/07/01 163748 16/07/01 1.20 - fls. 362/364 1818 14/08/01 0022 14/08/01 041003 14/08/01 1.20 - fls. 378, 383/384 1819 14/08/01 017 14/08/01 041003 14/08/01 1.20 - fls. 378, 381/382 1820 14/08/01 018 14/08/01 041003 14/08/01 1.20 - fls. 378/380 1821 14/08/01 020 14/08/01 041003 14/08/01 1.20 - fls. 378, 385/386 1930 27/08/01 0024 27/08/01 040761 27/08/01 1.21 - fls. 399/401 1938 30/08/01 0030 30/08/01 040760 03/09/01 1.21 – fl. 390/392 1939 30/08/01 0029 30/08/01 040760 03/09/01 1.21 - fl. 390, 397/398 1940 30/08/01 0027 30/08/01 040760 03/09/01 1.21 - fl. 390, 395/396 1941 30/08/01 0026 30/08/01 040760 03/09/01 1.21 - fl. 390, 393/394 Ora, em caso de pagamentos a serem efetuados por ente da Administração Pública, sabe-se que o seu processamento é, de certa forma, burocrático, o que praticamente inviabiliza a emissão de nota fiscal, nota de empenho e cheques na mesma data, como ocorreu no caso da Tenavel por diversas vezes. 23 Nota fiscal 30 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ Gize-se que, apesar de ter havido retratação do Sr. JOSÉ PASA quanto ao depoimento extrajudicial prestado junto ao Ministério Público, não se afigura razoável e coerente dar credibilidade à escritura lavrada em cartório público (evento 1.79 - fls. 1648/1649 do processo físico). A uma, porque as provas acostadas nos presentes autos condizem perfeitamente com as declarações extrajudiciais colhidas pelo ente ministerial na fase do Inquérito Civil; a duas, porque o próprio réu afirmou em seu depoimento pessoal que, ao saber da denúncia feita pelo Sr. JOSÉ PASA ao órgão ministerial, foi orientado por seu advogado para que este fizesse uma escritura pública desmentindo os fatos inicialmente denunciados, ou seja, inocentando o réu. Note-se, aliás que, neste ponto, é possível constatar a contradição do terceiro depoimento do Sr. JOSÉ PASA – agora já tendente a inocentar o réu –, quando afirmou ter ido ao cartório extrajudicial para lavrar escritura pública por conta própria, sem nunca ter contatado o réu FRANCISCO MENIN, ao passo que este, disse exatamente o contrário. Vejamos o teor das declarações contraditórias prestada pelo réu FRANCISCO MENIN e por JOSÉ PASA, respectivamente. FRANCISCO MENIN disse: “(...) que só ficou sabendo de toda essa armação pelo José Pasa; que um dia José Pasa chegou no gabinete do depoente dizendo que tinha feito um negócio muito ruim contra ele; que perguntou o que ele tinha feito e ele respondeu que o Olimpio Marcelo Picoli o fez dar uma declaração pública dizendo que o depoente era sócio dele; que o José Pasa disse ter feito isso porque precisava, por que foi pressionado; que o Marcos Espindola e o Olimpio Marcelo Picoli levaram o José Pasa no Promotor e deram esse declaração; que ficou muito ruim contra o depoente; que nem sabia, ainda não tinha sido nem citado pelo Ministério Público ou mesmo pelo Oficial de Justiça; que o depoente falou com seu advogado e este orientou que fosse feita 31 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ uma outra declaração pública desmentindo a denúncia; que o depoente perguntou para José Pasa se ele faria uma declaração desmentindo tudo e ele disse que sim; que o depoente pegou a declaração, veio no Ministério Público, entregou a declaração pública e achou que uma desmentia a outra e ficava zero a zero; (...).’24 (grifei) JOSÉ PASA afirmou: “(...) que esteve no cartório Mion fazendo uma declaração pública em cartório desdizendo a declaração anterior; que isso não ocorreu a pedido de Francisco Menin; que nunca conversou com Francisco Menin a respeito dessa declaração; que não conversou com o réu Francisco Menin explicando porque teria feito a denúncia no MP; que o réu não solicitou que o depoente desfizesse a denúncia feita ao MP; (...).25 (grifei) “(...) que prestou declaração em cartório sobre os fatos; que no cartório declarou a verdade como aqui; que foi no cartório porque não aceitou a injustiça da Tenavel estar nessa situação que se encontra hoje; que o depoente foi sozinho no cartório; (...); que achou melhor ir em cartório público porque não tinha que fazer isso escondido de ninguém; que ninguém foi junto com o depoente ao cartório; (...).”26 (grifei) Da leitura dos depoimentos prestados em juízo, é facilmente perceptível que o réu FRANCISCO MENIN, seguindo orientação de seu advogado, solicitou que o Sr. JOSÉ PASA fizesse outra declaração pública em cartório no intuito de se ver livre das denúncias feitas perante o Ministério Público. Depoimento pessoal do réu FRANCISCO MENIN em audiência de instrução e julgamento realizada por este juízo. Depoimento prestado por JOSÉ PASA em audiência de instrução e julgamento realizada por este juízo. 26 Depoimento prestado por JOSÉ PASA perante o juízo da 2ª Vara Criminal. 24 25 32 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ Ora, dos elementos de prova carreados aos autos, conclui-se que JOSÉ PASA foi cabo eleitoral do réu FRANCISCO MENIN e de OLIMPIO MARCELO PICOLI27, e, nessa qualidade, fazia campanha eleitoral para os dois candidatos que, à época, eram aliados políticos. Nessa condição, considerando que JOSÉ PASA auxiliou o réu na campanha e ele obteve êxito nas eleições, foi beneficiado pelo réu mediante a contratação para prestação de serviços de iluminação pública e compra de materiais de construção através de licitações simuladas com a empresa Tenavel adquirida para tal fim. Nesse sentido, colhe-se o teor das informações trazidas por OLIMPIO MARCELO PICOLI28, o qual disse ‘que em 2000 tiveram a campanha eleitoral e José Pasa era cabo eleitoral do depoente e do réu Francisco Menin; que o depoente e o réu Francisco Menin eram aliados políticos naquela ocasião; que houve, inclusive, uma promessa por parte do Prefeito de que se o José Pasa lhe ajudasse a se eleger, daria a ele a iluminação pública do município; que foi o que de fato aconteceu; que o José Pasa não trabalhava com eletricidade; (...).’(grifei) Registre-se que, muito embora exista indícios e que se mostre provável o envolvimento do Sr. OLIMPIO MARCELO PICOLI com a empresa Tenavel, tal situação não restou devidamente esclarecida nos autos, posto que algumas testemunhas afirmaram que o mesmo era o verdadeiro proprietário da empresa - apesar de não constar no quadro societário , enquanto ele negou veementemente tal condição. O que ficou robustamente demonstrado é o fato de que a empresa Tenavel teve suas cotas sociais adquiridas por JOSÉ PASA, que as registrou em nome de sua Candidato a Vereador do Município de Santa Tereza do Oeste que foi eleito para o quadriênio 2001/2004 e se tornou Presidente da Câmara de Vereadores. 28 Depoimento prestado por OLIMPIO MARCELO PICOLI perante o juízo da 2ª Vara Criminal. 27 33 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ mãe e de sua esposa (Eva Pasa e Silvana Vazzata) por orientação do réu, à época Prefeito Municipal, com intuito de beneficiar a si próprio e a terceiros. Veja-se que o que desencadeou o distrato com a empresa Tenavel e o rompimento dos negócios escusos aqui tratados, foi o desentendimento havido entre OLIMPIO MARCELO PICOLI e o réu FRANCISCO MENIN, conforme se extrai dos depoimentos prestados por JOSÉ PASA. Vejamos: “(...) que houve uma desavença entre o réu Francisco Menin e Olimpio Marcelo Picoli, tanto que acabou a empresa Tenavel; que esse com certeza foi o motivo da empresa Tenavel ter acabado; que não sabe responder qual o motivo do desentendimento entre eles; (...).”29 (grifei) “(...) que na época houve um desentendimento entre o Olimpio Marcelo Picoli e o réu, mas não sabe por qual motivo; (...)”30 (grifei) Consigne-se aqui que, neste momento da audiência, em que o Sr. JOSÉ PASA foi perguntado sobre o desentendimento ocorrido entre o réu FRANCISCO MENIN e OLIMPIO MARCELO PICOLI, o mesmo, após ter afirmado que era sócio de OLIMPIO MARCELO, desconversou, dando respostas evasivas e mudando de assunto. Confira-se: Perguntado se chegou a fazer uma declaração pública falando alguma coisa ou envolvendo o Francisco Menin, respondeu “que na época houve um desentendimento, como a gente éramos sócio; que eu e o Marcelo, nós éramos sócios da Tenavel material de construção; (...); que na época, o Marcelo que se desentendeu... não sei por qual vínculo que houve o desentendimento, por 29 30 Declaração prestada perante o juízo da 2ª Vara Criminal. Declaração prestada perante este juízo da Fazenda Pública. 34 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ exemplo... é normal nessa época pra mim, a confiança que eu tinha na pessoa dele, na... de.... documentos, por exemplo, eu largava talão de cheques da minha empresa, da empresa que tava no nome da minha mãe assinado pro Cesar; que quando eu fui ver, que tinha verificado que era uma declaração pública feita que... aí eu fui, passado o tempo, que eu tomei conhecimento do que era; (...).” Note-se, também, que a esposa de OLIMPIO MARCELO PICOLI – Sra. SUZAN CARLA GRACIOLI PICOLI – foi nomeada Secretária do Município de Santa Tereza do Oeste pelo réu em 02/01/2001, ou seja, logo após a assunção deste no cargo de Prefeito. Posteriormente, em setembro/2002, logo após o distrato com a empresa Tenavel, a mesma foi exonerada do referido cargo. Disso tudo, é possível extrair que, enquanto o réu FRANCISCO MENIN e OLIMPIO MARCELO PICOLI eram aliados políticos, tudo transcorria normalmente, sendo que, após o desentendimento citado por JOSÉ PASA, tudo se desfez, ou seja, houve o distrato com a Tenavel e a exoneração da esposa de Olimpio Marcelo Picoli do cargo que exercia31. Por fim, além de todas as circunstâncias até então esposadas, releva salientar alguns trechos dos depoimentos colhidos nas audiências e também na fase do Inquérito Civil, que permitem concluir que a primeira denúncia levada a efeito por JOSÉ PASA junto ao Ministério Público efetivamente retrata a realidade dos fatos e não a nova versão apresentada em juízo. Isso porque, a primeira declaração extrajudicial denunciando todas as irregularidades envolvendo o réu e a empresa Tenavel se coaduna perfeitamente com o cotejo probatório acostado aos autos, além do que, os depoimentos prestados em juízo são eivados de Termo de Distrato Administrativo feito em 31/07/2002 (evento 1.16 - fl. 292). Nomeação de Suzan Carla Gracioli Picoli em 02/01/2001 e exoneração em 23/09/2002 (evento 1.15 - fls. 273/275) 31 35 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ contradições e informações desencontradas, demonstrando o intuito de acobertar os atos praticados pelo réu. Então, vejamos. FRANCISCO MENIN afirmou em seu depoimento pessoal: “(...) que não lembra se José Pasa chegou a trabalhar com o depoente como cabo eleitoral; que não tem conhecimento; que não lembra disso; (...); que só ficou sabendo de toda essa armação pelo José Pasa; que um dia José Pasa chegou no gabinete do depoente dizendo que tinha feito um negócio muito ruim contra ele; que perguntou o que ele tinha feito e ele respondeu que o Olimpio Marcelo Picoli o fez dar uma declaração pública dizendo que o depoente era sócio dele; que o José Pasa disse ter feito isso porque precisava, por que foi pressionado; que o Marcos Espindola e o Olimpio Marcelo Picoli levaram o José Pasa no Promotor e deram esse declaração; que ficou muito ruim contra o depoente; que nem sabia, ainda não tinha sido nem citado pelo Ministério Público ou mesmo pelo Oficial de Justiça; que o depoente falou com seu advogado e este orientou que fosse feita uma outra declaração pública desmentindo a denúncia; que o depoente perguntou para José Pasa se ele faria uma declaração desmentindo tudo e ele disse que sim; que o depoente pegou a declaração, veio no Ministério Público, entregou a declaração pública e achou que uma desmentia a outra e ficava zero a zero; (...) que José Pasa nunca foi empregado do depoente.’32 (grifei) JOSÉ PASA informou: “(...); que já trabalhou em campanha política; que conhece Francisco Menin e sempre apoiou a candidatura dele; que também apoiou a candidatura de Olimpio Marcelo Picoli como Vereador; que os dois foram candidatos na mesma época; 32 Depoimento pessoal do réu FRANCISCO MENIN em audiência de instrução e julgamento realizada neste juízo. 36 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ (...); que demorou um tempo até a Tenavel se habilitar para vender para a Prefeitura; que isso ocorreu somente após a constituição, instalação e funcionamento da Tenavel, após todo esse trâmite relativo a capital de giro, estoque e cadastro na Prefeitura; que o depoente prestou a primeira declaração no Ministério Público denunciando o réu Francisco Menin a mando de Olimpio Marcelo Picoli e na esperança de obter um favor; (...); que não teve contato ou conversou sobre a Tenavel com Antônio Marcos Espindola; que esta pessoa fez denúncia sobre os fatos no rádio; que conhece ele; que quando fez a denúncia no Ministério Público, o Olimpio Marcelo Picoli e o Antônio Marcos Espindola vieram com o depoente até o fórum; que a declaração pública prestada no cartório é a verdade dos fatos; que foi no cartório porque não aceitou a injustiça; que foi sozinho ao cartório; que achou melhor ir em cartório público porque não tem nada pra fazer escondido de ninguém; (...).”33 (grifei) “(...) que não foi vizinho ou morou próximo da casa do réu Francisco Menin; que sua mãe também não foi vizinha do réu; que esteve no cartório Mion fazendo uma declaração pública em cartório desdizendo a declaração anterior; que isso não ocorreu a pedido de Francisco Menin; que nunca conversou com Francisco Menin a respeito dessa declaração; que não conversou com o réu Francisco Menin explicando porque teria feito a denúncia no MP; que o réu não solicitou que o depoente desfizesse a denúncia feita ao MP; (...).34 (grifei) Ao ser inquirida, EVA PASA afirmou que: “(...); que não sabe se o filho trabalhou com o réu Francisco Menin antes de comprar a Tenavel; (...); que o filho da depoente José Pasa conhecia Francisco 33Depoimento 34 prestado por JOSÉ PASA em audiência realizada pelo juízo da 2ª Vara Criminal. Depoimento prestado por JOSÉ PASA em audiência de instrução e julgamento realizada por este juízo. 37 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ Menin; que o relacionamento deles era bastante... tinham amizade; que sempre tiveram amizade; que até moraram vizinhos do réu Francisco Menin por uma época; (...).”35 Verificando os depoimentos supracitados, os quais foram detidamente analisados e comparados por este juízo, retratam-se evidentes as contradições, omissões e inverdades aduzidas pelo réu e pelas testemunhas. O réu afirmou que soube da declaração (denúncia) feita ao Ministério Público pelo próprio JOSÉ PASA e que teria solicitado a este - por instrução de seu advogado que fizesse outra declaração pública em cartório desmentindo a versão dos fatos; ao ser inquirido, JOSÉ PASA disse que não conversou com o réu sobre a denúncia feita perante o Ministério Público, bem como que foi sozinho ao cartório prestar a declaração pública e não fez isso a pedido do réu. O Sr. JOSÉ PASA afirmou ter trabalhado em campanha política apoiando a candidatura do réu FRANCISCO MENIN, todavia, o réu disse não lembrar ou saber se JOSÉ PASA trabalhou para ele, assim como a testemunha EVA PASA, denotando nova contradição. JOSÉ PASA disse que levou um tempo até a empresa Tenavel se habilitar para participar de licitações, o que ocorreu apenas após a sua constituição, instalação e cadastramento junto a Prefeitura; todavia, a prova documental trazida aos autos demonstra exatamente o contrário, já que a primeira contratação entre o Município e a Tenavel ocorreu em 04/01/2001 (logo após o início do mandato de Prefeito e cujo contrato administrativo restou assinado por FRANCISCO MENIN e EVA PASA – evento 1.23 – fls. 427/429), ao passo que o 35 35 Depoimento prestado por EVA PASA em audiência de instrução e julgamento realizada por este juízo. 38 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ registro da alteração do contrato social da Tenavel só se deu – para espanto de todos – em data posterior (09/01/2001). JOSÉ PASA informou também que não teve qualquer contato ou conversa com a pessoa de ANTÔNIO MARCOS ESPÍNDOLA sobre os fatos que envolviam a Tenavel, contudo, logo em seguida, disse que foi ao Ministério Público denunciar a situação acompanhado justamente da referida pessoa, o que evidencia nova contradição. Finalmente, EVA PASA, que ao ser inquirida afirmou ser amiga do réu e ter interesse na sua absolvição, disse que foram vizinhos do réu FRANCISCO MENIN por “uma época”, ao passo que seu filho JOSÉ PASA negou tal informação, dizendo que nunca houve vizinhança com o réu. Não bastasse as contradições nos testigos colhidos perante este Juízo, o amplo lastro probatório existente nos autos permite concluir com segurança que as contratações realizadas entre o Município de Santa Tereza do Oeste - através do réu - e a empresa Tenavel foram fraudulentas e tinham objetivos escusos, o que caracteriza, sem sombra de dúvida, a prática de atos de improbidade administrativa pelo réu. c) Da vantagem patrimonial obtida pelo réu No que tange à alegada obtenção indevida de vantagem financeira pelo réu no valor de R$ 80.000,00 em decorrência dos contratos fraudulentos pactuados com a empresa Tenavel, razão assiste à parte autora. Justifico. 39 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ Primeiramente, é importante transcrever o teor dos depoimentos prestados por JOSÉ PASA e FERNANDO PRADO junto ao Ministério Público na fase do Inquérito Civil36: “(...); que o declarante confirma que, em determinadas ocasiões, o prefeito emitiu empenhos a empresa TENAVEL e a empresa TENAVEL emitiu notas fiscais, sem ter realizado a efetiva entrega destes materiais; que, nestas condições, o declarante recebia o cheque do pagamento da nota fiscal, se dirigia ao BANESTADO de SANTA TEREZA e, ali, sacava em dinheiro o valor do cheque e entregava este dinheiro nas mãos de FRANCISCO MENIN; que este dinheiro era entregue no gabinete do prefeito FRANCISCO MENIN, pessoalmente, pelo declarante; que nesta situação, o declarante acredita que tenha entregue pessoalmente a MENIN cerca de R$60.000,00 a R$70.000,00; que confirma que, embora as notas fiscais fossem emitidas, o material não era entregue; que pelo que o declarante pode afirmar o custo de manutenção de iluminação pública, com gastos em materiais girava em torno de R$10.000,00 por ano; (...).”37 (grifei) “(...); que o declarante não pode afirmar que tenha presenciado JOSÉ PASA entregar dinheiro para FRANCISCO MENIN, mas quando este recebia pagamentos do Município em cheques retornava no mesmo dia ou logo em seguida e mantinha conversas particulares com FRANCISCO MENIN; que o declarante viu JOSÉ PASA portar alguns envelopes quando ia ter com FRANCISCO MENIN, desconhecendo o que continha neste envelope; (...) que na Administração de Santa Tereza não havia fiscalização da procedência de notas ficais; (...).”38(grifei) Termo de Declarações (evento 1.12 – fls. 210/214) Termo de Declarações de José Pasa (evento 1.12 – fls. 212/214) 38 Termo de Declarações de Fernando Prado (evento 1.12 – fls. 210/211) 36 37 40 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ Compulsando os autos, verifica-se que vários cheques foram emitidos pelo Município de Santa Tereza do Oeste em favor da empresa Tenavel, os quais não foram depositados em sua conta bancária, mas retirados em espécie diretamente na boca do caixa para viabilizar e ocultar o desvio dos valores para o réu. Confira-se a tabela abaixo com a discriminação dos cheques emitidos e não depositados na conta bancária da Tenavel: CHEQUES QUE NÃO DERAM ENTRADA NA CONTA DA TENAVEL EMPENHO DATA VALOR 0685/2001 11/04/2001 R$ 4.570,20 0839/2001 27/04/2001 R$ 877,00 CHEQUE Evento/fl.39 280034 1.19 - fls. 343/344 280061 280251 1.19 - fls. 346/347 1.19 - fls. 353/354 0890/2001 02/05/2001 R$ 1.200,00 1004/2001 16/05/2001 R$ 3.008,00 280232 280283 1.19 - fls. 349/350 163747 1.20 - fls. 362/363 1645/2001 16/07/2001 R$ 1.298,20 163748 1.20 - fls. 378/379 1820/2001 14/08/2001 R$ 1.329,08 041003 1.25 - fls. 471/472 2398/2001 09/10/2001 R$ 1.000,00 607174 1.24 - fls. 450/451 2577/2001 18/10/2001 R$ 300,00 607217 2503/2001 29/10/2001 R$ 3.000,00 607268 1.24 - fls. 457/458 1.22 - fls. 411/412 39 Numeração de páginas do processo físico, conforme carimbo da 2ª Vara Cível. 41 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ 2569/2001 2679/2001 01/11/2001 R$ 1.200,00 01/11/2001 R$ 310,80 607418 1.25 - fls. 463/464 607440 1.17 - fls.313; 317 0398/2002 22/02/2002 R$ 316,24 758016 1.17 - fls. 315/317 0399/2002 22/02/2002 R$ 1.675,34 758016 1.17 - fls. 541/543 0440/2002 28/02/2002 R$ 11.600,00 758027 0673/2002 18/03/2002 R$ 4.500,00 208825 1.17 - fls. 318/320 1.29 - fls. 547/549 0680/2002 19/03/2002 R$ 15.000,00 850080 1.18 - fls. 321/323 0732/2002 25/03/2002 R$ 2.267,00 208866 1.16 - fls. 282; 0782/2002 01/04/2002 R$ 1.200,00 002123 0783/2002 01/04/2002 R$ 10.400,00 002123 1120/2002 25/04/2002 R$ 9.000,00 002149 1140/2002 30/04/2002 R$ 2.794,00 850083 1369/2002 16/05/2002 R$ 6.278,00 850100 1.28 – fl. 538 1.28 - fls. 538/539 1.27 - fls. 506/509 1.26 - fls. 489 1.27 - fls. 517/520 1.26 - fls. 498;503 1575/2002 29/05/2002 1576/2002 29/05/2002 1577/2002 01/06/2002 R$ 1.200,00 850112 1720/2002 10/06/2002 R$ 2.540,00 850143 2127/2002 02/07/2002 R$ 1.207,00 850112 R$ 207,65 850112 1.26 - fls. 500/503 1.27 - fls. 503/504 1.27 - fls. 510/513 1.15 - fls. 276/278 R$ 1.200,00 549759 42 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ Valor total dos cheques não depositados em conta e sacados diretamente no caixa R$89.478,51 O valor total constante da tabela acima se aproxima muito do montante entregue por JOSÉ PASA ao réu FRANCISCO MENIN, conforme relatado em seu depoimento supramencionado. Note-se, aliás, que na maioria das notas fiscais, não constam o carimbo e a assinatura de recebimento dos produtos/mercadorias, razão pela qual não é possível concluir que os serviços foram devidamente realizados e os materiais recebidos. Destarte, considerando o teor dos depoimentos supracitados que se coadunam perfeitamente com a relação de cheques emitidos e não depositados conforme tabela acima, revela-se inequívoco o fato de que o réu auferiu vantagem patrimonial para si no valor de, pelo menos, R$80.000,00 (oitenta mil reais). d) Do desvio de materiais de construção Sustentou o autor, ainda, que o réu teria se apropriado ilegalmente de materiais de construção adquiridos pelo Município, desviando-os e utilizando-os na construção de um shopping e de um salão de festas em uma chácara, ambos de sua propriedade. Em que pese os respeitáveis argumentos deduzidos pela parte autora, neste ponto não é possível aferir com certeza que o réu tenha desviado e utilizado os materiais de construção em proveito próprio. Isso porque, a única prova da prática de tal ato pelo réu, diz respeito ao depoimento prestado por JOSÉ PASA na fase de investigação dos fatos, ocasião na qual afirmou 43 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ ‘que parte do material de construção adquirido, todavia, foi entregue pelo declarante para a construção do shopping que pertence a FRANCISCO MENIN e parte foi levado para a chácara desta pessoa, onde foi construído um salão de festas; (...); que o declarante confirma que, em determinadas ocasiões, o prefeito emitiu empenhos a empresa TENAVEL e a empresa TENAVEL emitiu notas fiscais, sem ter realizado a efetiva entrega destes materiais; (...).’ A testemunha FERNANDO PRADO, por sua vez, ao ser inquirido pelo Ministério Público na fase do Inquérito Civil, afirmou ‘que presenciou a TENAVEL entregando materiais de construção junto ao Instituto São Paulo, e também no shopping de propriedade do prefeito e na chácara de propriedade de FRANCISCO MENIN, mas não sabe afirmar se houve aquisição de materiais de modo particular por FRANCISCO MENIN ou se o material entregue compunha as notas fiscais emitidas pelo Município; (...).’ Em que pese o conjunto dos autos leve a crer que os fatos realmente se deram conforme acima narrado, certo é que os testigos em questão são os únicos elementos de prova acerca do alegado desvio de materiais de construção, de modo que, se o primeiro atesta o desvio, o segundo suscita a dúvida em torno de eventual aquisição particular pelo réu, de modo que, ante a incerteza verificada, mostram-se insuficientes para a imposição de qualquer condenação ao réu neste ponto. Registre-se que, apesar de ter sido amplamente considerado o depoimento extrajudicial de JOSÉ PASA para fins de configuração das irregularidades praticadas pelo réu, certo é que sempre foi corroborado por outros elementos de prova - outras testemunhas, prova documental, etc. Reitere-se que, a despeito das informações trazidas por FERNANDO PRADO, no sentido de que teria presenciado a entrega de materiais de construção pela Tenavel 44 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ junto a propriedades particulares do réu, deve-se levar em conta que o mesmo também afirmou desconhecer a origem dos mesmos, não sabendo precisar se resultou de desvio dos materiais adquiridos pelo Município ou se foram obtidos de forma particular pelo réu. Não bastasse isso, compulsando os autos, verifica-se que o réu juntou contrato de financiamento para aquisição de materiais de construção, o qual foi pactuado de forma particular (evento 1.94 - fls. 1828/1832 e evento 1.117 - fls. 2219/2220), o que sugere que efetuou a compra de materiais de construção – pelo menos em parte – com recursos próprios. Registre-se, por fim, que outras testemunhas foram ouvidas em juízo a respeito dos fatos, dentre elas, VALMIR FELBER, EDENILSON JOSÉ BARAZZETTI, ADIR BARAZZETTI e CESAR JOSÉ SORDI, os quais foram unânimes em afirmar que não houve a entrega de materiais de construção da Tenavel no shopping e na chácara de propriedade do réu. As testemunhas VALMIR FELBER e EDENILSON JOSÉ BARAZZETTI informaram ‘que são pedreiros e prestaram serviços nos anos de 2001/2002 na construção de uma galeria de lojas e na chácara do réu; que recebiam materiais de construção nos referidos locais; que não recebiam materiais advindos da empresa Tenavel; que os materiais de construção vinham da Bigolin e da Marumbi; (...).’ (grifei) A testemunha ADIR BARAZZETTI, por sua vez, afirmou ‘que era Chefe da Divisão de Obras do Município de Santa Tereza durante a gestão do réu Francisco Menin; que solicitava a entrega dos materiais de construção onde precisava; (...); que os materiais de construção licitados não foram entregues na chácara e no shopping do réu.’ (grifei) Portanto, considerando que a prova acerca do alegado desvio se encontra isolada nos autos, tem-se por não devidamente comprovada a prática de ato de 45 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ improbidade administrativa decorrente do desvio de materiais de construção licitados e pertencentes ao Município de Santa Tereza do Oeste. e) Dos incentivos concedidos às empresas Aduziu o autor que houve a edição da Lei Municipal nº 233/97 autorizando a concessão de incentivos a empresas que se instalassem no distrito industrial de Santa Tereza do Oeste/PR, a qual visava beneficiar a empresa Tenavel. Entretanto, pelos documentos e informações trazidas aos autos, não é possível extrair que o objetivo da referida lei seria beneficiar a empresa Tenavel, ou então, que esta tenha obtido qualquer vantagem em razão de sua edição. Pelo contrário, foi emitida certidão pelo Município de Santa Tereza do Oeste dando conta de que a empresa Tenavel não recebeu quaisquer incentivos municipais com base na Lei nº 233/97, alterada pela Lei nº 461/03. O único incentivo concedido pelo Município que fora apresentado nos autos se refere ao Instituto São Paulo - ISP, o qual não tem qualquer relação com a presente demanda. Desse modo, também não se afigura razoável falar em prática de ato de improbidade pelo réu em razão da edição da Lei Municipal nº 233/97, alterada pela Lei nº 461/03. Da tipicidade das condutas 46 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ Sabidamente, os atos que configuram improbidade administrativa encontram-se discriminados nos artigos 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/92 e são divididos entre atos que configuram enriquecimento ilícito, atos que causam prejuízo ao erário e atos que violam os princípios da administração pública, respectivamente. No caso dos autos, restou demonstrado de forma inconteste que o réu, na qualidade de Prefeito Municipal, praticou vários atos em desacordo com a legislação aplicável à espécie - lei de licitações -, mediante a contratação irregular da empresa Tenavel com objetivos escusos de beneficiar a si próprio e a terceiros. Assim agindo, incorreu o réu na prática de atos de improbidade administrativa previsto nos artigos 9º, XI, e 10, VIII, ambos da Lei nº 8.429/92, vez que causou grave prejuízo ao erário municipal e obteve vantagem patrimonial indevida, consoante se extrai da fundamentação acima. Vejamos: “Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente: (...); XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei; Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: (...); 47 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente; (...).” Com relação ao disposto no art. 9º, XI, que trata do enriquecimento ilícito, é indiscutível a configuração do elemento subjetivo doloso na conduta do réu, uma vez que, segundo lições de EMERSON GARCIA e ROGÉRIO PACHECO ALVES, “Violado o dever jurídico de não enriquecer ilicitamente, ter-se á configurado o dolo, o que exige que a análise do elemento volitivo do agente não se mantenha adstrita unicamente à sua conduta, mas, primordialmente, ao fato de ter auferido vantagem não autorizada em lei” 40. (grifei) Ora, tendo em conta todas as provas produzidas nos autos, no sentido de que o réu auferiu para si vantagem patrimonial indevida no valor aproximado de R$80.000,00, mediante a realização de licitações fraudulentas ou dispensa indevida de licitações para contratação da empresa Tenavel, não resta qualquer dúvida sobre a presença do elemento volitivo doloso do réu, cabendo assim o seu enquadramento na conduta prevista no art. 9º, XI, da lei de improbidade. Por outro lado, no que tange à conduta prevista no art. 10, VIII, que trata da lesão ao erário, muito embora evidente nos autos o elemento volitivo, tem-se por irrelevante o dolo, ou seja, a intenção do agente não interfere na conclusão aqui alinhavada. Isso porque, a prática de ato de improbidade prevista no art. 10, da Lei nº 8.429/92 prescinde do elemento subjetivo dolo, sendo igualmente punível na forma culposa, ainda que leve o grau da culpa. Confira-se o magistério de EMERSON GARCIA: 40 ALVES, Rogério Pacheco; Garcia, Emerson. Improbidade Administrativa. 7. Ed. São Paulo, Saraiva, 2013, fl. 358. 48 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ “(...) agindo com dolo ou culpa (leve, grave ou gravíssima), sofrerá o agente político as sanções cominadas, não havendo previsão legal de um salvoconduto para que possa dilapidar o patrimônio público com a prática de atos irresponsáveis e completamente dissociados da redobra cautela que deve estar presente entre todos aqueles que administram o patrimônio alheio.”41 (grifei) Destarte, restando configurada a prática de atos de improbidade que causaram prejuízo ao erário e que importaram em enriquecimento ilícito do réu, cabível a aplicação das penalidades correspondentes previstas no art. 12, incisos I e II, da Lei nº 8.429/92, o que se fará a seguir. Das Penas Feitas as considerações acima, resta a aplicação das sanções decorrentes da prática de improbidade administrativa acima reconhecida. Prefacialmente, necessário tecer algumas considerações preliminares. A doutrina muito discutiu a respeito da aplicação cumulativa das sanções previstas na lei de improbidade, assegurada a autonomia das esferas penal, civil e administrativa. Nos dias atuais, têm se inclinado os autores no sentido da necessária aplicação das sanções da Lei nº 8.429/92 à luz do princípio da proporcionalidade, de modo a evitar sanções desarrazoadas em reação ao ato ilícito praticado, sem, contudo, privilegiar a impunidade. 41 GARCIA, Emerson. p. 377. 49 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ Entende-se, dessa forma, que, ao aplicar as sanções previstas na lei, até mesmo para decidir por sua cominação isolada ou conjunta, deve o magistrado atentar para as circunstâncias peculiares do caso concreto, avaliando a gravidade da conduta, a medida da lesão ao erário, o histórico funcional do agente público etc. Nessa linha de entendimento, CARLOS FREDERICO BRITO DOS SANTOS, ao enfrentar a questão da cumulatividade obrigatória das sanções versus a mitigação das mesmas, pondera que a interpretação literal do artigo 12 e incisos não parece a mais adequada, pois “não podemos prescindir de uma interpretação sistêmica, que leve em consideração a aplicação de um princípio, também constitucional, implícito, que é o princípio da proporcionalidade”42. Mais adiante, o referido autor traz a lição de FÁBIO MEDINA OSÓRIO, no sentido de que “(...) há que se analisar o feito no contexto social e político, extraindo as consequências adequadas e proporcionais” (...) “A proporcionalidade não pode traduzir arbítrio judicial, bem como par a sua excepcionalidade, consistindo a mitigação das sanções da lei de improbidade administrativa no afastamento, para determinados casos, daquelas mais graves, como a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos” 43. A jurisprudência também corrobora tal entendimento: “PROCESSUAL CIVIL – ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – INTEMPESTIVIDADE – ENTENDIMENTO DA CORTE ESPECIAL - SANÇÕES DO ART. 12 DA LEI DE IMPROBIDADE – CUMULAÇÃO DE PENAS. 1. A Corte Especial, no julgamento do REsp 776.265/SC, adotou o entendimento de que o recurso especial, SANTOS, Carlos Frederico Brito. Improbilidade Administrativa Reflexões Sobre a Lei Nº 8.429/92. 2. ed. Belo Horizonte: Editora Forense, 2007. 43 OSÓRIO, Fábio Medina. Improbidade Administrativa: observações sobre a Lei nº 8.429/92. Editora Síntese, São Paulo, 1998. 42 50 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ interposto antes do julgamento dos embargos de declaração opostos junto ao Tribunal de origem, deve ser ratificado no momento oportuno, sob pena de ser considerado intempestivo. 2. Consoante à jurisprudência desta Corte, as penas do art. 12 da Lei 8.429/92 não são aplicadas necessariamente de forma cumulativa, do que decorre a necessidade de se fundamentar o porquê da escolha das penas aplicadas, bem como da sua cumulação, de acordo com fatos e provas abstraídos dos autos, o que não pode ser feito em sede de recurso especial, diante do óbice da Súmula 7/STJ. 3. Recurso especial do réu não conhecido e improvido o do Ministério Público.” (STJ. REsp 658.389/MG. 2ª Turma. Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 26/06/2007) Daí o entendimento de que as sanções previstas nos incisos do artigo 12 não precisam incidir sempre e em bloco, cabendo ao julgador, com base no princípio da proporcionalidade, a tarefa de dosar a penalidade. Assim, passa-se à dosimetria das penalidades a serem aplicadas ao réu. No caso dos autos, restou cabalmente demonstrada a prática pelo réu de uma pluralidade de condutas ímprobas que se enquadram no artigo 9º, XI, e artigo 10, VIII, ambos da Lei 8.429/92. Inicialmente, conforme sobressai da lição de EMERSON PACHECO, “havendo pluralidade de atos, múltiplos serão os feixes de sanções a serem aplicados”. Desse modo, com relação à primeira conduta, que se consubstanciou no aproveitamento ilícito imediato relativo ao desvio de dinheiro público - cheques emitidos pelo 51 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ Município em favor da Tenavel retornavam em dinheiro para o réu -, deve se aplicar ao mesmo o feixe de sanções previsto no artigo 12, I da Lei 8.429/92 44. Na escolha das penalidades, segundo a Lei 8.429/92, deve o magistrado ponderar a extensão do dano causado e o proveito econômico obtido pelo agente (art. 12, parágrafo único).45 Nesse sentido, considerando que o réu FRANCISCO MENIN foi o principal beneficiado pelo esquema de desvios e fraudes; que o réu se enriqueceu ilicitamente de montante considerável; que se valeu da facilidade que a sua função pública de Prefeito lhe proporcionou para a prática do ato; e a extensão do dano causado, quer seja, o dano ao patrimônio público em sentido econômico, decorrente do enriquecimento ilícito, bem como ao patrimônio moral do Estado e da sociedade, de rigor sua condenação a penalidade de perda dos valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio no total de R$ 80.000,00 e ao ressarcimento integral do dano, o qual será determinado adiante. Da mesma forma, de fundamental importância a aplicação da suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 10 (dez) anos, considerando o grau de lesão à moralidade pública e o caráter pedagógico de tal medida, bem como da multa civil que estabeleço em 02 (duas) vezes o valor do acréscimo patrimonial obtido. Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações: I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos; 45 Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente. 52 44 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ Deixo de aplicar a penalidade de perda da função pública, vez que o réu já não ocupa o cargo de Prefeito Municipal, contudo, pertinente a aplicação da penalidade de proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, de modo que o agente não possa auferir qualquer benefício advindo de uma relação contratual com o ente estatal pelo prazo de 10 (dez) anos. Por sua vez, com relação ao segundo grupo de condutas, enquadráveis no artigo 10, VIII, da Lei 8.429/92 e sujeitas às sanções previstas no artigo 12, II da Lei de Improbidade Administrativa46, considerando que o réu FRANCISCO MENIN já sofreu as penas de perda dos valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio e ressarcimento integral do dano, ainda que urja a necessidade de se efetuar nova dosimetria em razão da multiplicidade de condutas, tem-se por inócua nova aplicação isolada destas penas, conforme sobressai da lição de EMERSON GARCIA e ROGÉRIO PACHECO ALVES, devendo e podendo, contudo, ensejar o agravamento ou a cumulação daquelas que admitem quantificação: “Havendo pluralidade de atos, múltiplos serão os feixes de sanções a serem aplicados. Para melhor compreensão desta proposição, deve-se incialmente observar que não apresentam maior dificuldade as sanções de perda da função pública, ressarcimento do dano e perda de bens de origem ilícita. Tal é justificável, pois, em havendo perda da função pública, impossível será que o agente a perca outra vez -salvo se houver ulterior aquisição de nova função e outros ilícitos sejam perpetrados; as demais sanções, por sua vez, somente poderão ser aplicadas em 46 Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações: (...) II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos; 53 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ estando presentes os pressupostos fáticos que as autorizam. Inexistirão, assim, maiores dificuldades na aplicação de tais sanções. No entanto, tratando-se de suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa e proibição de contratar com o Poder Público, maiores controvérsias surgirão. A suspensão dos direitos políticos e a proibição de contratar com o Poder Público são sanções que apresentam delimitação temporal, tornando-se efetiva a primeira, a teor do art. 20 da Lei 8.429/92, com o trânsito em julgado da sentença condenatória; e a segunda, a contrario sensu do referido preceptivo, com a prolação da sentença monocrática. [...] Igual entendimento será aplicado em sendo os diferentes atos de improbidade apurados no mesmo processo, o que, em termos práticos, culminará com a aplicação de uma única sanção de cada espécie, utilizando-se o órgão jurisdicional da maior determinação relativa (limites mínimo e máximo) prevista no art. 12.” Desta feita, em razão do desmazelo do réu FRANCISCO MENIN no trato da coisa pública, da afronta aos princípios da probidade, lealdade e moralidade administrativa, o que decorre da realização de contratos fraudulentos pactuados ao alvedrio de qualquer disposição legal ou regulamentar, atrelado, ainda, ao evidente intuito de enriquecimento ilícito próprio e de terceiros, aplico-lhe, de forma cumulada, a sanção da multa civil que estabeleço em 03 (três) vezes o valor do dano. No que tange à suspensão dos direitos políticos e proibição de contratação com o poder público, deixo de agravá-las, vez que já aplicadas no máximo previsto pelo art. 12, I, da Lei nº 8.429/92, qual seja pelo prazo de 10 (dez) anos, mostrando-se, espera-se, suficiente. Com relação a responsabilidade decorrente do dano causado ao erário, o ressarcimento deverá se dar no montante de R$161.162,27 (cento e sessenta e um mil, 54 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ cento e sessenta e dois reais e vinte e sete centavos), valor este que corresponde ao prejuízo experimentado pelo Município de Santa Tereza do Oeste decorrente dos pagamentos efetuados em favor da Tenavel nos anos de 2001 e 2002. No ano de 2001, o Município de Santa Tereza do Oeste efetuou o pagamento do valor de R$44.609,00 (quarenta e quatro mil seiscentos e nove reais) em favor da empresa Tenavel47; no ano de 2002, o Município efetuou o pagamento de R$89.853,27 até 25/04/200248, e, após o encerramento das atividades da empresa Tenavel (30/04/2002), foi efetuado o pagamento do valor de R$24.605,9549. Nos anos de 2001 e 2002, verifica-se, ainda, que o valor das notas fiscais emitidas pela Tenavel não corresponde ao valor empenhado pelo Município de Santa Tereza do Oeste, havendo uma diferença de R$2.094,05 (dois mil e noventa e quatro reais e cinco centavos), conforme Relatório de Auditoria elaborado pelo Ministério Público (evento 1.12/1.13 fls. 216/223). Assim, constata-se que o Município efetuou o pagamento desse valor sem que tenha havido a emissão de qualquer nota fiscal ou prestação de serviço ao Município. Logo, considerando as irregularidades de todas as contratações pactuadas com a Tenavel, por consequência, o valor total pago a referida empresa importou em prejuízo ao erário municipal, cujos valores somados 50 totalizam a quantia de R$161.162,27 (cento e sessenta e um mil, cento e sessenta e dois reais e vinte e sete centavos). Empenhos, notas fiscais e cheques emitidos no ano de 2001 (evento 1.18/1.20 - fls. 328/374; evento 1.20/1.22 - fls. 380/419; evento 1.23/1.25 - fls. 434/473) 48 Empenhos, notas fiscais e cheques emitidos até 25/04/2002 (evento 1.16 - fls. 282/286; evento 1.16/1.18 - fls. 296/323; evento 1.26 - fls. 491/493; evento 1.27 - fls. 506/509, 514/516; evento 1.28 - fls. 538/540; evento 1.29 - fls. 544/549). 49 Empenhos, notas fiscais e cheques emitidos após 30/04/2002 (evento 1.15/1.16 - fls. 276/281; evento 1.18 - fls. 324/326; evento 1.26 - fls. 489/490 e 494/500; evento 1.27 - fls. 503/505, 510/513 e 517/520; evento 1.28 - fls. 521/525). 50 R$44.609,00 + R$89.853,27 + R$24.605,95 + 2.094,05 = R$161.162,27. 55 47 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ Consigne-se, por fim, que muito embora tenha se apurado o valor de R$ R$89.478,51 referente aos cheques emitidos em favor da Tenavel pela Municipalidade e desviados para o réu, a responsabilidade pecuniária do réu – relativa ao acréscimo ilícito do patrimônio – deverá ficar limitada ao montante de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), seja porque se trata do valor apontado na inicial, seja porque muito se aproxima daquele informado por JOSÉ PASA em seu depoimento extrajudicial. 3. Dispositivo Ex positis e tudo mais que dos autos consta, resolvendo o processo com julgamento do mérito na forma do art. 269, I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado na inicial para, reconhecendo a prática de atos de improbidade administrativa pelo réu FRANCISCO MENIN condená-lo: a) Em decorrência da prática da conduta descrita no artigo 9º, inciso XI, da Lei nº 8.429/92: a.1) perda dos valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio no montante de R$ 80.000,00; a.2) ressarcimento integral do dano no valor de R$161.162,27; a.3) suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 10 anos; a.4) pagamento de multa civil de 02 (duas) vezes o valor do acréscimo patrimonial; 56 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ a.5) proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 10 (dez) anos. b) Em decorrência da prática da conduta descrita no artigo 10, VIII, da Lei nº 8.429/92: b.1) multa civil de 03 (três) vezes o valor do dano. Os valores deverão ser atualizados monetariamente pelo IPCA e acrescido de juros legais de mora de 0,5% ao mês até 10/01/200351 quando então deverão incidir juros (entrada em vigor do CC/2002) à base de 1% ao mês. Os juros e a correção monetária deverão incidir a partir de cada pagamento efetuado52. Por sucumbente, condeno o réu ao pagamento integral das custas processuais. Sem condenação em honorários advocatícios, eis que manejada por órgão ministerial53. Término da vigência do Código Civil de 1916, nos termos do art. 1.062 do CC/1916 ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO ANTES DO ACÓRDÃO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AUSÊNCIA DE REITERAÇÃO. EXTEMPORANEIDADE. SÚMULA 418/STJ. PENA DE RESSARCIMENTO DE DANO AO ERÁRIO. TERMO INICIAL DOS JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. ART. 398 DO CC. SÚMULAS 43 E 54/STJ. 1. O recurso especial interposto antes da publicação da decisão proferida nos embargos declaratórios, ainda que tenham sido opostos pela parte contrária, deve ser oportunamente ratificado pela parte recorrente, sob pena de ser considerado extemporâneo, conforme o teor da Súmula 418/STJ. 2. Resultando o dever de ressarcir ao Erário de uma obrigação extracontratual, a fluência dos juros moratórios se principiará no momento da ocorrência do dano resultante do ato de improbidade, de acordo com a regra do art. 398 do Código Civil ("Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora, desde que o praticou") e da Súmula 54/STJ ("Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual"). 3. É pacífica a jurisprudência do STJ, no sentido de que a correção monetária desde o evento danoso sobre a quantia fixada na condenação, nos termos da Súmula 43/STJ: "Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo". 4. Agravo em recurso especial não provido. 5. Recursos especiais do MPE/PR e do Estado do Paraná providos. (STJ - REsp: 1336977 PR 2012/0164707-5, Relator: Ministra ELIANA CALMON, Data de Julgamento: 13/08/2013, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/08/2013) 53 “EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA – PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – MINISTÉRIO PÚBLICO AUTOR E VENCEDOR. 1. Na ação civil pública movida pelo Ministério Público, a questão da verba honorária foge inteiramente das regras do CPC, sendo disciplinada pelas normas próprias da Lei 7.347/85. 2. Posiciona-se o 51 52 57 PODER JUDICIÁRIO JUÍ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CASCAVEL ESTADO DO PARANÁ Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Transitada em julgado, comunique-se a suspensão dos direitos políticos do réu à Justiça Eleitoral através do sistema INFODIP e ao Município de Santa Tereza do Oeste/PR via ofício. Cumpram-se as demais diligências necessárias, observando-se o Código de Normas da Egrégia Corregedoria Geral de Justiça, no que for pertinente. Cascavel, datado eletronicamente54 (rmop) SANDRA DAL’ MOLIN NEGRÃO Juíza de Direito STJ no sentido de que, em sede de ação civil pública, a condenação do Ministério Público ao pagamento de honorários advocatícios somente é cabível na hipótese de comprovada e inequívoca má-fé do Parquet. 3. Dentro de absoluta simetria de tratamento e à luz da interpretação sistemática do ordenamento, não pode o Parquet beneficiar-se de honorários, quando for vencedor na ação civil pública. Precedentes. 4. Embargos de divergência providos.” (EREsp 895.530/PR. 1ª Seção. Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 26/08/2009) 54 Nesta data em razão em razão do acúmulo involuntário do serviço, observado, ainda, que os presentes autos permaneceram conclusos com esta magistrada durante o gozo de suas férias regulamentares, período em que o prazo restou suspenso, tudo consoante o disposto no v. Acórdão nº 11210 do Conselho da Magistratura. 58