PROLETÁRIAS DO LAR: O ATUAL CENÁRIO DO TRABALHO DOMÉSTICO EM MINAS GERAIS Guélmer Júnior Almeida de Faria1 Caroline Marci Fagundes Coutinho2 Luiz Antonio Matos Macedo3 Resumo: Este trabalho tem por objetivo apresentar algumas considerações sobre o atual mercado de trabalho das trabalhadoras domésticas. Para isto, concatenam-se um estudo exploratório e um estudo feito pela Fundação João Pinheiro sobre o mercado de trabalho e gênero com base nos dados da Pesquisa por Amostra de Domicílios no estado de Minas Gerais no ano de 2011, pretende-se analisar o atual mercado de trabalho das trabalhadoras domésticas em Minas Gerais. Especificamente, discutir sobre o trabalho doméstico e suas novas e velhas configurações e analisar as principais características desta atividade. O mercado de trabalho por gênero é um tema relevante para suscitar o debate sobre a equidade das relações entre homens e mulheres. Outro ponto são as assimetrias em relação ao mercado de trabalho, onde as mulheres perdem espaço e persiste a desigualdade de rendimento. O trabalho doméstico é uma atividade que há muito absorve a mão-de-obra feminina sendo majoritariamente composto por pardas, em função da autodeclaração. Quanto à escolaridade, pode-se observar que o Ensino Fundamental Incompleto prevalece. A faixa etária mais representativa é de 40 a 59 anos das mensalistas com carteira assinada. Verifica-se um aumento do envelhecimento dessa categoria como um todo. Nas regiões Norte e Jequitinhonha/Mucuri chamam atenção o maior grau de informalidade do trabalho doméstico, as domésticas mensalistas sem carteira assinada representam mais da metade dessas trabalhadoras. As com carteira assinada passam mais horas no trabalho e menos nesse tipo de atividade na própria casa, totalizando 60 horas semanais com atividades domésticas. Pode-se perceber que as mulheres desempenham uma jornada de trabalho em atividades domésticas (auto-consumo) em média, três vezes superior àquela realizada pelos homens. Palavras-chave: trabalho feminino, mercado de trabalho, gênero, Minas Gerais Introdução O presente artigo tem como objetivo analisar o atual mercado de trabalho dos trabalhadores domésticos4 em Minas Gerais. Esta atividade que há muito instiga 1 Mestrando do Programa de Pós-Graduação Desenvolvimento Social/PPGDS/UNIMONTES. Bolsista CAPES. E-mail: [email protected] 2 Mestrando do Programa de Pós-Graduação Desenvolvimento Social/PPGDS/UNIMONTES. E-mail: [email protected] 3 Professor do Programa de Pós-Graduação Desenvolvimento Social/PPGDS/UNIMONTES. E-mail: [email protected] 4 A legislação brasileira, de forma semelhante a muitos países no mundo, define o trabalho doméstico remunerado como aquele “realizado por pessoa maior de 16 anos que presta serviços de natureza contínua (frequente, constante) e de finalidade não-lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas”. Compõem a categoria, na legislação brasileira, as pessoas que trabalham como cozinheiro(a), governanta, babá, lavadeira, faxineiro(a), vigia, motorista particular, jardineiro(a), acompanhante de idosos(as), entre outras. O(a) caseiro(a) também é considerado(a) empregado(a) doméstico(a), quando o sítio ou local onde exerce a sua atividade não possui finalidade lucrativa. (SANCHES, 2009, p. 880). 1 pesquisadores na tentativa de elucidar os meandros de uma ocupação onde se dá o alargamento das atividades cotidianas e sua colocação à disposição do mercado. Com a expansão da classe média via processo de urbanização e industrializações transformaram a relação trabalho doméstico - serviçal em serviço doméstico. Brites (2000) evidencia que o processo de urbanização e modernização da nossa sociedade brasileira ocorreu o deslocamento das relações de poder, apesar do distanciamento cada vez mais acentuado entre dominantes e subalternos, a empregada doméstica constituiuse em personagem importante, capaz de ligar mundos bastante díspares. Os serviços dos empregados domésticos são considerados parte importante na reprodução das famílias, tanto em áreas urbanas quanto nas rurais, entre as vantagens desta atividade se dá pela diminuição da sobrecarga do trabalho de casa e a inclusão das mulheres, sobretudo as mães, no mercado de trabalho. De acordo com Brites (2007) se de um lado, existem pessoas que necessitam dessas tarefas de cuidado e manutenção das famílias, de outro, estão na maioria das vezes mulheres pobres, que reproduzem um sistema altamente estratificado de gênero, classe e cor. No Brasil, considera-se que são características do período contemporâneo as mudanças no cenário do trabalho e dos direitos para as empregadas domésticas. Segundo Schneider (2012) as pautas de reivindicação destas profissionais entram na agenda pública e os direitos destas estão sendo, aos poucos, reconhecidos em meio a ambigüidades de um trabalho com marcas culturais da atividade doméstica não remunerada, da escravidão e da servidão. Em consequência, há outros significados que podem ser atribuídos às trajetórias profissionais e de gênero destas trabalhadoras. Assim, de acordo com a OIT (2010) o trabalho doméstico é uma significativa fonte de ocupação para muitas mulheres no mundo e porta de entrada no mercado de trabalho para as mulheres mais pobres. A demanda pelo trabalho doméstico remunerado tem crescido em todas as partes do mundo. Mudanças na estrutura familiar e na organização do trabalho contribuem tremendamente para isso. A entrada massiva das mulheres no mercado de trabalho e a freqüente insuficiência ou ausência de políticas públicas, programas e ações que promovam a conciliação entre o trabalho e a vida familiar são aspectos marcantes destas mudanças. Contribuem ainda para este quadro o envelhecimento da população e a intensificação da jornada de trabalho nos anos mais recentes. A persistência de uma demanda expressiva por esse serviço em países como o Brasil, ao lado de seu papel absorvedor de mulheres de baixa renda, anuncia a relevância do seu estudo nas considerações sobre trabalho doméstico e mercado de trabalho. Pensar numa sociedade como a brasileira, onde há anos este serviço esteve à franja do mercado, em constante oscilação, nota-se uma transformação gradual dentro da própria categoria “doméstica”. Diante de tais constatações, e adotando como metodologia uma pesquisa feita pela Fundação João Pinheiro sobre o mercado de trabalho e gênero com base nos dados 2 da Pesquisa por Amostra de Domicílios no estado de Minas Gerais no ano de 2011, pretende-se analisar o atual mercado de trabalho das trabalhadoras domésticas em Minas Gerais. Especificamente, discutir sobre o trabalho doméstico e suas novas e velhas configurações e analisar as principais características desta atividade. Metodologia O mercado de trabalho por gênero é um tema relevante para suscitar o debate sobre a equidade das relações entre homens e mulheres, por entender que as diferenciações e hierarquizações pesam nesta dinâmica, e são as mulheres que desprendem mais tempo entre o tempo dedicado as tarefas domésticas do que os homens. Outro ponto são as assimetrias em relação ao mercado de trabalho, onde as mulheres perdem espaço e persiste a desigualdade de rendimento. A inserção das mulheres brasileiras no mercado de trabalho é um dos fatores mais importantes para sua emancipação econômica, e, como corolário, para sua emancipação social. Por isso, neste processo de constituição de maiores padrões de igualdade entre gêneros, é central a intensidade do crescimento da atividade feminina. A População Economicamente Ativa feminina observou incrementos consideráveis no Brasil. Sua taxa de atividade aumentou de 47% para 53% entre 1993 e 2005 (BRUSCHINI, 2007). Os dados da PAD-MG são um importante instrumento de análise de questões como as mencionadas. Além da sua abrangência geográfica, uma vez que ela permite desagregar por região de planejamento, mesorregião e situação do domicílio (rural e urbano), a pesquisa possui uma gama de informações capazes de caracterizar as populações de interesse e, dessa forma, explorar a dinâmica do mercado de trabalho de Minas Gerais numa perspectiva de gênero. A PAD-MG de 2011 alcançou aproximadamente 18 mil domicílios em 1200 setores censitários e 428 municípios mineiros5. O estudo foi realizado no estado de Minas Gerais sendo incorporadas as regiões de planejamento e a região metropolitana de Belo Horizonte, são elas: Norte, Rio Doce, Zona da Mata, Noroeste, Central, Sul, Triângulo Mineiro, Alto Paranaíba, Centro Oeste, Jequitinhonha/Mucuri. Cujo objetivo foi abordar o mercado de trabalho, um dos itens importantes para calcular o crescimento da economia. Todas as informações foram descritas a partir de suas variações espaciais, como já citado, além das variações relativas ao perfil sociodemográfico do trabalhador, com a consideração de variáveis como, faixa de idade, raça, grau de instrução e rendimento, e características do trabalho desempenhado, como horas trabalhadas e local onde a atividade econômica é desenvolvida. Por fim, foi considerada a população com idades superiores a dez anos: a População em Idade Ativa (PIA). Nosso foco se deu nas questões referentes ao trabalho doméstico. 5 Para maiores detalhes metodológicos, ver FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Boletim PAD – MG/2011. Indicadores básicos/Documento metodológico, Ano 1, n.3, Jun. 2012. 3 Trabalho doméstico: novas e velhas expressões Segundo Sanches (2009) transformar a situação atual das trabalhadoras domésticas em todo o mundo significa ultrapassar incontáveis preconceitos, estereótipos e discriminações que pesam sobre essa atividade, que são fruto de heranças históricas do patriarcalismo, da servidão e da escravatura e que se reconstruíram, de outras formas, nas sociedades capitalistas modernas. Este ano é para o trabalho doméstico um marco fundamental para a formalização de uma das atividades mais complexa exercida pelas mulheres no Brasil. Trata-se da PEC 66/2012 ou PEC das Domésticas, que equipara os direitos dos trabalhadores domésticos aos dos demais profissionais. Neste sentido, Mattos (2009) afirma que o mercado de trabalho doméstico tem de ser considerado como de fato é, um ambiente relacional, em um país de desigualdade de renda e oportunidades, mas onde o pacto de mútuo benefício deve ser protegido e incentivado, favorecendo a livre empregabilidade, expurgando aqueles que confundem a proximidade da relação de emprego dentro de casa com o direito ilimitado ao trabalho do outro. Para Brites (2007) a literatura sobre serviço doméstico é unânime em reconhecer a complexidade das relações de trabalho desta atividade profissional que se desenvolve no ambiente privado, apontando questões acerca da definição do que seja trabalho, das relações de poder entre as mulheres (paternalismo/maternalismo), dos laços de dependência, dos pagamentos extrasalariais. O que une os argumentos destes estudos é a percepção de que atitudes dos patrões em relação às empregadas domésticas tendem a ser pouco profissionais: burlam a concessão de direitos, substituindo-os por doações extra-salariais. O trabalho doméstico remunerado empregava, em 2009, cerca de 7,2 milhões de trabalhadores e trabalhadoras, ou 7,8% do total de ocupados no país. Do conjunto das mulheres ocupadas em 2009, 17%, ou 6,7 milhões de mulheres, tinham o trabalho doméstico como principal fonte de renda. (IPEA, 2011). A categoria doméstica no Brasil, já não é mais a maioria. Em recente pesquisa, com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (PNAD) 2011, houve uma diminuição de 17% (2009) para 15,7% (2011) de faxineiras, babás, cozinheiras e responsáveis por serviços gerais nos domicílios. A configuração atual dessa categoria é de 6,2 milhões em (2011) e 70% não tem carteira assinada. Ainda continua sendo a porta de entrada de mulheres negras no mercado de trabalho. Segundo o IPEA (2011) o trabalho doméstico é ainda mais importante para as mulheres negras, respondendo, em 2009, por 21,8% da ocupação das mulheres deste grupo racial contra 12,6% da ocupação das trabalhadoras brancas. O aquecimento do mercado de trabalho, com queda nas taxas de desemprego, também está provocando mudanças no tipo de ocupação das brasileiras. Com mais ofertas de emprego em atividades variadas e melhores níveis de qualificação, elas vão 4 assumindo, aos poucos, novas funções e, pela primeira vez, o trabalho doméstico deixou de ser a primeira opção para garantir o sustento próprio e da família entre as mulheres no país. Em relação à escolaridade deste grupo ocupacional, nota-se que, acompanhando o movimento de ampliação da escolaridade da população brasileira em geral, as trabalhadoras domésticas saltaram de uma média de 4,7 anos de estudo, em 1999, para 6,1 anos, em 2009, um aumento médio de 1,4 anos de estudo no prazo de uma década. De 2009 para 2011, 600 mil mulheres deixaram de trabalhar nos serviços domésticos no Brasil. A falta de reconhecimento, valorização, aumento da escolaridade, ampliação das áreas ligadas ao cuidado (saúde) e a expansão das empresas de telemarketing completam a mobilidade laboral das trabalhadoras domésticas. Outra característica que vem chamando a atenção de pesquisadores é o envelhecimento da categoria. Para Melo e Di Sabatto (2011) esse envelhecimento das domésticas fica evidente em 2009, chegava a 18,8% das trabalhadoras, quase 1,3 milhão de mulheres. As domésticas, como os demais trabalhadores, estão maciçamente nas faixas de 30 a 49 anos. É interessante chamar atenção para o fato de esta ser uma característica dessa última década. Entre 2001 e 2009, houve um significativo aumento do contingente de trabalhadoras com idade entre 30 e 49 anos. De acordo com o IPEA (2011), dado o processo de envelhecimento populacional e o surgimento de novas possibilidades ocupacionais para as jovens trabalhadoras, o trabalho doméstico, da forma como conhecemos hoje, tende a reduzir-se drasticamente. Neste sentido, pensar numa sociedade escravista, patriarcal, que sempre teve no servilismo seu alicerce para as bases sociais, é um fenômeno que necessita reflexões. E há também uma nova conformação da categoria que são as diaristas, que em 1999 representavam 1,2 milhão de trabalhadoras domésticas e em 2011 elas representam 2 milhões, ou seja, 30% do total de domésticas do país. Uma das explicações é de que os ganhos são maiores, mas, há que se advertir para a perda da proteção social. A queda da procura pelo trabalho doméstico em países como o Brasil, já foi vivenciado por outras economias internacionais. No século XIX a Inglaterra assistiu a escassez de mão-de-obra e as implicações da abertura do mercado de trabalho, o que acabou surtindo em uma auto-suficiência e reconhecimento desta atividade. No Brasil recente, o cenário do trabalho doméstico está em mutação, à herança cultural de servilismo pode estar com os dias contados? O trabalho doméstico que sempre esteve a serviço da classe média, pode vir a se tornar um “serviço de luxo”? A PEC 66/2012, aprovada pela Câmara dos Deputados em novembro de 2012 modifica o parágrafo único do artigo 7º da Constituição, acrescentando novos direitos àqueles que já são garantidos aos empregados domésticos. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), entre 1999 e 2009, o percentual de empregados domésticos formalizados aumentou timidamente de 23,7% para 26,3%. No entanto, 5 forças sindicais e outros setores da sociedade ainda são temerosos sobre essa nova legislação. Com a formalização pode haver uma queda nos contratos e estimulo à informalidade. Segundo alguns economista o impacto da adoção da “PEC das Domésticas” sofrerá um acréscimo de 10%. Na visão de Melo e Di Sabatto (2011) contrariando o senso comum de que a tendência do desenvolvimento capitalista ensejaria maior reconhecimento a esta categoria e valorização da atividade, isto não corresponde à realidade nacional. O ranço patriarcal ainda continua presente no exercício destas tarefas no mundo do trabalho do país. Análise do atual cenário do trabalho doméstico em Minas Gerais Dentro da atual conformação do trabalho doméstico caminhando para uma maior formalização, as análises que se seguem partem de um grupo especifico de mulheres em separado, uma vez, que se trata de uma atividade majoritariamente exercida pela população feminina e com características peculiares. A PAD/ 2011 levou em consideração o tipo de vínculo das domésticas (mensalista com carteira, mensalista sem carteira e diarista). Além disso, em alguns momentos, fez-se uma comparação com a população total feminina ocupada, sempre com o corte etário de dez anos ou mais. Os trabalhadores domésticos representavam em 2011, 2,8 % (232.493 pessoas) da população ocupada de Minas Gerais. Dada a representatividade feminina, os homens representam apenas 3,2% desses trabalhadores. Um dado importante que 86,2% dos trabalhadores domésticos do sexo masculino se enquadravam na categoria diarista (tabela 1). Sendo as domésticas, 7,0% da população ocupada, subdivididas em 1,5% mensalistas com carteiras assinada, 2,0 % mensalista sem carteira e 3,5% diaristas. Para as mulheres trabalhadoras domésticas entre as mensalistas (50,4%) e diaristas (49,6%). Verifica-se que embora os homens ocupem funções como faxineiros, motoristas ou jardineiros, são as mulheres sempre a imensa maioria no trabalho doméstico. Para Sanches (2009, p. 880) “a ocupação no trabalho doméstico continua em nível elevado não somente nos países em desenvolvimento, mas inclusive nos países desenvolvidos. Do ponto de vista da demanda por esse serviço, vêm concorrendo para isso mudanças na organização e na intensificação do trabalho, diminuição do gasto público com serviços sociais, envelhecimento das populações e falta de políticas de conciliação entre trabalho e responsabilidades familiares”. 6 Tabela 1 Distribuição da população de dez anos ou mais de idade trabalhadora doméstica por sexo e tipo de vínculo – Minas Gerais - 2011 Em % Especificação Trabalhador (a) Trabalhador (a) Trabalhador (a) doméstico (a) com doméstico (a) sem doméstico (a) carteira assinada carteira assinada Diarista Homem Mulher Ambos os sexos 21,4 20,7 13,8 29,0 28,6 86,2 49,6 50,8 Fonte: PAD/2011- Fundação João Pinheiro Em relação à idade das trabalhadoras domésticas, 63,1% estavam representadas pelas mensalistas com carteira assinada com idade entre 40 a 59 anos, seguidas pelas diaristas com 51,6% (tabela 2). Os números reforçam velhas práticas dessa atividade, que é a porcentagem de mensalistas sem carteira assinada na faixa etária de 10 a 17 anos, o trabalho doméstico infanto-juvenil funcionando como porta de entrada no mercado de trabalho. Segundo o DIEESE (2012) a valorização da experiência no desempenho dos serviços domésticos faz com que as famílias, naturalmente, tenham preferência por recrutar mulheres adultas para exercerem as tarefas domiciliares. Ademais, estas mulheres pertencem a uma geração que enfrentou fortes restrições no acesso à escolaridade e o serviço doméstico é uma das poucas atividades que abre espaço para mulheres adultas com baixo nível de instrução formal. Acrescente-se a isso, o fato de que muitas empregadas domésticas tendem a permanecer mais tempo nessa ocupação por não contribuírem para a previdência, o que acarreta maiores dificuldades para se aposentar. 7 Tabela 2 Distribuição das mulheres com dez anos ou mais de idade trabalhadoras domésticas por grupos etários – Minas Gerais - 2011 Em % Faixa Mensalista com Mensalista sem Diarista Todas as etária carteira assinada carteira assinada empregadas domésticas 0,6 6,1 0,9 2,4 10 a 17 anos 4,6 16,5 6,3 8,9 18 a 24 anos 31,7 36,8 38,1 36,4 25 a 39 anos 63,1 35,0 51,6 49,3 40 a 59 anos 0,0 5,6 3,0 3,1 60 anos e mais Fonte: PAD/2011- Fundação João Pinheiro Quanto à escolaridade, o ensino fundamental incompleto é o mais representativo, 62,2% das empregadas domésticas. Quando se analisa pela condição de trabalho, as diaristas são 67% maior em relação às mensalistas com carteira assinadas, 63,5% (tabela 3). A proporção de trabalhadoras domésticas com pelo menos ensino médio completo era de 14,8% contra 51,6% de todas as mulheres ocupadas. Comparativamente aos demais tipos de vínculos, as mensalistas com carteira possuíam menores proporções de pessoas sem instrução. (PAD, 2011). Na visão de Melo (1998, p. 19) “a análise do nível de escolaridade dos trabalhadores domésticos revela que essa atividade é a principal fonte de emprego das mulheres e homens que têm opções limitadas de inserção no mercado de trabalho dado o seu baixo nível de qualificação. Socialmente o exercício dessas tarefas requer apenas as habilidades que fazem parte do “ser mulher” do treino secular do papel feminino: mãe e dona-de-casa”. 8 Tabela 3 Distribuição das mulheres com dez anos ou mais de idade trabalhadoras domésticas por nível de instrução – Minas Gerais - 2011 Em % Especificação Mensalista Mensalista Diarista Todas as com carteira sem carteira empregadas domésticas assinada assinada 1,4 6,8 7,3 5,9 Sem instrução Fundamental 17,7 22,5 13,6 17,1 completo e Ensino Médio incompleto 63,5 53,1 67,0 62,2 Fundamental incompleto Médio completo e 17,4 17,6 12,1 14,8 Superior Incompleto Fonte: PAD/2011- Fundação João Pinheiro Em relação à raça/cor a autodeclaração representou 55,8% das trabalhadoras domésticas como pardas. Em relação ao vínculo empregatício, o número de mensalista sem carteira assinada brancas representa 29,6%, enquanto as pretas com carteira assinada foi de 23,8% (tabela 4). Segundo análise da PAD/2011, a proporção de pardas e pretas entre as empregadas domésticas era superior à verificada para a população feminina acima de dez anos de idade ocupada. Na visão de Montagner (2004) as diferenciações sexuais no mundo do trabalho, cabe um registro importante sobre questões relativas à etnia, de raça, porque a situação de mulheres brancas e mulheres negras não é a mesma. Negros e pardos recorrentemente ocupam postos de trabalho com menor qualificação e menor volatilização social, têm maior taxa de desemprego, maior dificuldade de reinserção e menores salários. Historicamente a mulher branca conseguiu alguma melhora no mundo do trabalho, porém isto não aconteceu com relação à mulher negra. 9 Tabela 4 Distribuição das mulheres com dez anos ou mais de idade trabalhadoras domésticas por raça/cor – Minas Gerais - 2011 Em % Especificação Mensalista com Mensalista sem Diarista Todas as carteira assinada carteira assinada empregadas domésticas 18,5 29,6 26,5 25,7 Branca 23,8 13,7 18,8 18,4 Preta 56,9 56,7 54,7 55,8 Parda 0,8 0,2 Outra Fonte: PAD/2011- Fundação João Pinheiro Quando se compara por regiões de planejamento, uma importante variável, já que o estado de Minas Gerais tem características bem heterogêneas de formação econômica, social e cultural. E que, portanto, o trabalho doméstico pode vir a sinalizar algumas discrepâncias nas relações de trabalho e mercado de trabalho. Segundo dados da tabela 5, em 2011, as maiores proporções de trabalhadoras domésticas sem levar em conta o tipo de vínculo empregatício estavam na RMBH, representando 25,5% da população feminina. Em relação às regiões, destacam-se, para a categoria diarista as regiões com maiores proporções: Zona da Mata (55,2%), Central (55,4%), Noroeste (62,1), Triângulo Mineiro (70,0), Centro-Oeste (55,4%) e RMBH (53,5%). Esta nova reconfiguração do mercado de trabalho doméstico brasileiro aponta para novas estratégias e camuflagens em que o trabalho doméstico se insere para garantir sua vitalidade. Esse novo formato muda as relações de trabalho, e traz vantagens e desvantagens. Se por um lado, percebe-se a profissionalização do emprego doméstico, gerado pela possibilidade de ir até o empregador, diminuindo os vínculos de exploração, relações de dependência afetiva e financeira. Por outro lado, reduz-se a possibilidade de que sejam formalizadas e amparadas pela lei e protegidas em relação aos riscos da capacidade laboral durante a vida. Melo (1998) aponta que para as externas/diaristas é possível separar mais facilmente a jornada de trabalho e definir melhor a relação entre patroa e empregada. Com a adoção da PEC 66/2012, aprovada pela Câmara dos Deputados em abril de 2013, muitos empregadores têm optado pela prestação de serviço das “diaristas”, o que não garante legalidade, pois, o vínculo empregatício é estabelecido com três dias de trabalho contínuo no local da residência. Quando se analisa pela situação do vínculo empregatício, os dados chamam atenção para o fato de as domésticas mensalistas sem carteira assinada representarem mais da metade dessas trabalhadoras no Norte (58,3%) e Jequitinhonha/Mucuri 10 (55,6%). Uma questão chave para tornar o trabalho doméstico reconhecido é a formalização do contrato de trabalho que se dá via carteira de trabalho assinada. Uma das garantias de proteção social, sendo condição para reconhecimento da profissão e até mesmo da valorização. Tabela 5 Distribuição das mulheres com dez anos ou mais de idade trabalhadoras domésticas por região de planejamento e Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) – Minas Gerais - 2011 Em % Especificação Mensalista com Mensalista sem Diarista carteira assinada carteira assinada 12,9 58,3 28,8 Norte 23,5 29,1 47,4 Rio Doce 36,0 8,8 55,2 Zona da Mata 5,4 32,5 62,1 Noroeste 14,5 30,1 55,4 Central 32,5 35,3 32,2 Sul 18,1 11,9 70,0 Triângulo Mineiro 30,5 16,2 53,4 Alto Paranaíba 15,4 29,2 55,4 Centro Oeste 5,6 55,6 38,7 Jequitinhonha/Mucuri 22,5 24,0 53,5 RMBH 21,4 29,0 49,6 Minas Gerais Fonte: PAD/2011- Fundação João Pinheiro A tabela 6 apresenta algumas informações de rendimento que possibilitam comparar as domésticas por tipo de vínculo e com o conjunto das mulheres ocupadas. Entre as trabalhadoras domésticas, as mensalistas com carteira foram as que apresentavam as melhores médias de remuneração mensal (723,45) e de rendimentohora (18,52). Apesar das diaristas declarem menor renda mensal (439,23) o rendimentohora (17,53) superou o das mensalistas sem carteira (12,97). Além disso, elas estavam há mais tempo no emprego. Ainda em relação às diaristas, que, em geral, apresentam mais de uma fonte de emprego, destaca-se que a renda de todos os trabalhos foi em média de R$ 446,13 (variando de R$ 10,00 a R$ 2400,00). A comparação com todas as mulheres ocupadas mostra que as mensalistas com carteira assinada ganhavam 81,5% da média de rendimento do salário principal das primeiras, e as diaristas, 49,5%. (PAD, 2011). De acordo com Melo (1998) a discussão dos rendimentos auferidos pelos trabalhadores domésticos remunerados deve considerar que a sociedade encara essas atividades como ocupação subalterna e fora do circuito mercantil. Uma ocupação nãoespecializada para quem a realiza: mulheres ou homens. O serviço doméstico é um dos 11 setores de ocupação profissional de pior remuneração dos trabalhadores, mesmo quando se tem em conta o salário em espécie. Tabela 6 Renda média do trabalho principal, rendimento – hora médio, tempo médio no trabalho principal, tempo médio gastos com afazeres domésticos próprios das mulheres com dez anos ou mais de idade ocupadas e trabalhadoras domésticas – Minas Gerais - 2011 Em % Especificação Mensalista Mensalista Diarista Todas as Todas as com carteira sem carteira empregadas mulheres assinada assinada domésticas ocupadas Renda Média do trabalho principal (R$) Rendimento – hora médio (R$) Tempo médio empregado no trabalho principal (anos) Número médio de horas semanais trabalhadas Tempo médio gastos com afazeres domésticos próprios 723,45 670,02 439,23 566,49 887,99 18,52 12,97 17,53 16,57 25,47 5,0 3,0 5,5 4,7 6,0 41,7 36,1 29,8 34,2 37,5 17,6 19,7 19,7 20,4 19,5 Fonte: PAD/2011- Fundação João Pinheiro Quanto ao tempo médio gasto com afazeres domésticos em suas próprias casas, as trabalhadoras domésticas passam em média 20,4 horas semanais desempenhando atividades além das realizadas no seu local trabalho. Considerando suas 34,2 horas, em média, no trabalho, pode-se dizer que a carga total com atividades domésticas era, em média, de 54,6 horas. As com carteira assinada passam mais horas no trabalho e menos nesse tipo de atividade na própria casa, totalizando 60 horas semanais com atividades domésticas. (PAD/2011). Assim, pode-se perceber que as mulheres desempenham uma jornada de trabalho em atividades domésticas (auto-consumo) em média, três vezes superior àquela realizada pelos homens. Para Dedecca (2004, p. 44) “nota-se que a dupla jornada de trabalho tende a estar associada à baixa remuneração. É razoável esse resultado, pois a maior renda permite à mulher inserida no mercado de trabalho, em princípio, contratar uma pessoa que realize boa parte dos afazeres domésticos. Ao contrário, a mulher inserida no mercado de trabalho de menor remuneração é obrigada a realizar 12 diretamente os afazeres domésticos, sendo mais intensivamente submetida à dupla jornada de trabalho”. Considerações Finais Por fim, este artigo procurou abordar o trabalho doméstico que há muito instiga pesquisadores na tentativa de elucidar os meandros de uma ocupação onde se dá o alargamento das atividades cotidianas e sua colocação à disposição do mercado. É inegável, que o ranço sobre o qual foi dirimindo esta atividade trouxe velhas expressões da desigualdade experimentadas há anos por distinção de gênero, raça/cor, idade, escolaridade. Deste modo, o trabalho doméstico é uma atividade que há muito absorve a mãode-obra feminina sendo majoritariamente composto por pardas. Observou-se um aumento da ocupação em função da autodeclaração. Tem maior proporção para as mulheres, condicionando a participação e a entrada das mulheres no mercado de trabalho. Quanto à escolaridade, pode-se observar que o Ensino Fundamental Incompleto prevalece. A faixa etária mais representativa é de 40 a 59 anos das mensalistas com carteira assinada. Percebeu-se que o aumento da formalização indica melhores condições de trabalho, sendo condição para reconhecimento da profissão e até mesmo da valorização. A PEC 66/12 (PEC das Domésticas) entrou em vigência em abril de 2013, há que se esperar as novas adequações pelas quais essa atividade agora com regulamentação em lei dos direitos trabalhistas para perceber o que há de novo no cenário do trabalho doméstico, e quais as estratégias vão ser criadas para se burlar a lei e finalmente notar como vai se dar essas relações culturais de uma nova geração que passará a enxergar o trabalho doméstico como uma atividade como outro qualquer. Verifica-se um aumento do envelhecimento dessa categoria como um todo. Uma das evidências apresentadas pode ser o fato do trabalho doméstico infanto-juvenil ter diminuído, devido às campanhas de conscientização, programas de transferências de renda, maior acesso a educação e a valorização da experiência no desempenho dos serviços domésticos. Para todas as regiões nota-se um aumento de diaristas que prestam serviço em mais de um domicílio, que podem ser chamadas de “diaristas”, com o advento das garantias do trabalhador doméstico, a saída para muitos empregadores está sendo a contratação de diaristas e redução das mensalistas. O que é um agravante para a classe, já que não há vinculo empregatício e, portanto, não há proteção social. Nas regiões Norte e Jequitinhonha/Mucuri chamam atenção o maior grau de informalidade do trabalho doméstico, as domésticas mensalistas sem carteira assinada representam mais da metade dessas trabalhadoras. 13 As com carteira assinada passam mais horas no trabalho e menos nesse tipo de atividade na própria casa, totalizando 60 horas semanais com atividades domésticas. Pode-se perceber que as mulheres desempenham uma jornada de trabalho em atividades domésticas (auto-consumo) em média, três vezes superior àquela realizada pelos homens. Assim, uma das contribuições mais importantes de estudos com foco no atual cenário do trabalho doméstico é perceber os obstáculos e as discrepâncias que permeiam o universo laboral das mulheres. Percebe-se que na sociedade brasileira, onde há anos este serviço esteve à franja do mercado, em constante oscilação, uma transformação gradual dentro da própria categoria “doméstica”. Apoio Financeiro: CAPES Referências Boletim PAD-MG. Mercado de trabalho e Gênero, ano 1, n. 1, maio 2011 – ...................Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro, Centro de Estatística e Informações, 2011. BRITES, J. “Afeto, desigualdade e rebeldia: bastidores do serviço doméstico”. Tese (Doutorado em Antropologia). Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2000. _____________. Afeto e desigualdade: gênero, geração e classe entre empregadas domésticas e seus empregadores. Cadernos Pagu, , n.29, p.91-109, 2007. BRUSCHINI, M. C. A. Trabalho e Gênero no Brasil nos últimos dez anos. 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