LETRAMENTO E ENSINO SUPERIOR: O PROFESSOR UNIVERSITÁRIO COMO MEDIADOR DE PRÁTICAS
DE LETRAMENTO NA FORMAÇÃO INICIAL EM UM CURSO DE PEDAGOGIA
EDNA GUIOMAR SALGADO OLIVEIRA GUEDES
Núcleo de Estudos e Pesquisas: Formação de Professores - Doutoranda
Orientadora: Profa. Dra. Maria Nazaré Cruz
Introdução
O presente estudo tem como foco práticas e fazeres do professor universitário em sala
de aula com alunos do curso de pedagogia, em um dos campi universitários da Universidade
Estadual de Montes Claros, no Norte de Minas Gerais. Discute a problemática desse professor
universitário como mediador de práticas de letramento no Ensino Superior, com a possibilidade
de sinalizar, para a universidade, as transformações necessárias “para formar professores que
façam uma diferença, se o que se exige dele é que forme alunos que façam uma diferença no
mundo dominado pela escrita” (KLEIMAN, 2006, p.89).
Espera-se, do mesmo modo, que ele possa contribuir para a reflexão sobre
possibilidades de ação pedagógica com a linguagem verbal, oral e escrita, que favoreçam a
formação de sujeitos criticamente letrados. Tal formação estaria intimamente relacionada à
construção da autoria e da cidadania, à medida que associamos estas condições à condição
letrada, isto é, à inclusão e participação dos sujeitos no tecido social por meio da apropriação
de diferentes textualidades da linguagem escrita.
Na linha acima apontada, o objetivo do presente estudo foi investigar aspectos de como
os modos de ser letrado se constituem no espaço educativo, em especial no espaço da
universidade. Mais especificamente, indagamos como os professores universitários de um
curso de pedagogia têm contribuído na formação inicial de futuros professores dos anos
iniciais da educação básica, no que diz respeito à constituição do letramento desses
alunos.
A opção por desenvolver esta investigação deve-se à minha formação profissional,
licenciada em pedagogia, e à experiência como formadora de professores em programas de
formação inicial semi-presencial (Projeto VEREDAS e Cursos de Formação inicial em
Licenciatura em Magistério Superior, financiados pelas prefeituras em parceria com a
Universidade), e como professora universitária. Estas experiências têm revelado, a cada ano,
as dificuldades dos alunos que chegam ao ensino superior com problemas diversos,
principalmente no que tange ao letramento. A constatação torna-se mais evidente ao participar
de bancas e de orientação a monografias, além da própria reflexão no fazer diário da sala de
aula, no qual lido diretamente, com a linguagem dos acadêmicos.
Tenho compreendido que cabe aos professores universitários o papel de mediar
conhecimentos científicos, que são aprendidos através da linguagem oral e escrita,
possibilitando aos acadêmicos o acesso e condições de se apropriarem e de (re)elaborarem
tais conhecimentos, bem como a própria linguagem.
Isso implica que, na formação inicial – no caso da licenciatura em pedagogia - tais
conhecimentos, precisam ser disponibilizados, pensados e refletidos pelos formadores por
meio de seus processos de ensino, para serem apropriados e (re) elaborados pelos
acadêmicos. Não cabe à universidade, apenas sentir os sintomas e lacunas trazidas pelos
licenciandos, mas refletir a condição de constituição do seu pensar e agir docente. Partindo
desse pressuposto, é interesse nessa pesquisa evidenciar a importância do papel mediador
desses formadores no ensino superior, para atuação de futuros docentes da educação básica.
Referenciais teóricos
Referenciais teóricos e analíticos das ciências da linguagem fazem parte do constructo
teórico em delineamento, compatíveis com a concepção básica de que a linguagem é uma
atividade social, conforme postulam Bakhtin e Vygotsky. Desta forma, faz-se necessário
compreender o significado de letramento e as contribuições de vários autores que têm como
foco de estudo esse objeto. Autores brasileiros como Tfouni (1995, 1988), Kleiman (1995,
2006), Soares (1995, 1998, 2002, 2003), Rojo (2002) Marcuschi (2008), entre outros, têm
constituído uma importante produção acadêmico - cientifica sobre essa questão, buscando
explorar diferentes aspectos e problemas nela envolvidos, a partir de diferentes perspectivas
teóricas.
Desde a década de 80, figura no meio acadêmico o termo letramento; tem sido tema de
debates e congressos e, apropriado pelo discurso oficial, tem chegado às escolas na forma de
diretrizes curriculares e pedagógicas, com a preocupação de vê-lo concretizar-se nas práticas
de alfabetização em sala de aula. Letramento tem sido definido como o desenvolvimento das
habilidades de leitura e escrita no contexto social, visando à inserção do sujeito nas práticas
sociais que exigem tais habilidades.
Em termos gerais, o letramento estaria relacionado ao conjunto de práticas sociais orais
e escritas de uma sociedade e também, segundo Tfouni (1995), à construção da autoria.
Soares (2005) expõe as noções de alfabetização e letramento como conceitos distintos, por
entender que a alfabetização está associada à aprendizagem inicial da leitura e da escrita,
sendo o processo de aquisição da “tecnologia da escrita”. O conceito de letramento, por sua
vez, refere-se ao processo de apropriação das práticas sociais de leitura e de escrita, é o
envolvimento do sujeito com essas práticas. Segundo a autora, a alfabetização incorpora o
caráter mais técnico da apropriação da leitura e da escrita, ao passo que o letramento abarca o
caráter mais social do processo de uso da leitura e da escrita. Apresenta letramento como: “o
estado ou condição de indivíduos ou de grupos sociais de sociedades letradas que exercem
efetivamente as práticas sociais de leitura e de escrita, participam competentemente de
eventos de letramento” (SOARES, 2002, p. 145).
Como a sociedade vai se tornando cada vez mais dependente do universo escrito, não
basta ser escolarizado; é preciso ser letrado, ou seja, “não só aquele que sabe ler e escrever,
mas aquele que usa socialmente a leitura e a escrita, pratica a leitura e a escrita, responde
adequadamente às demandas sociais de leitura e de escrita.” (SOARES, 2005, p.40)
Mas como caracterizar um sujeito letrado? Há diferentes formas de ser letrado? Que
agências, pessoas, instituições, objetos, histórias, definiriam condições de letramento? É difícil
especificar, de uma maneira não arbitrária, uma linha divisória entre letrados e iletrados, uma
vez que nas sociedades modernas não existiria o grau zero de letramento.
as competências que constituem o letramento são distribuídas de maneira contínua, cada
ponto ao longo desse contínuo indicando diversos tipos e níveis de habilidades,
capacidades e conhecimentos, que podem ser aplicados a diferentes tipos de material
escrito. Em outras palavras, o letramento é uma variável contínua, e não discreta ou
dicotômica (SOARES, 2005, p.71).
Ainda para Soares (2005), o que é fundamental na questão do letramento são os
chamados eventos de letramento, conceituados por Heath (1982, p. 93), assim traduzido: “um
evento de letramento é qualquer situação em que um portador qualquer de escrita é parte
integrante da natureza das interações entre os participantes e de seus processos de
interpretação”.
Kleiman (1995), com base em Scribner e Cole (1981), define letramento como um
conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto
tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específicos. Por prática social
entendemos uma seqüência de atividades recorrentes e com um objetivo comum, que
dependem de tecnologias, de sistemas de conhecimento específicos e de capacidades para
a ação que permitem aplicar esses sistemas de conhecimentos numa situação específica
(KLEIMAN, 2006, p.82).
Ainda nessa linha de raciocínio, reforçando essas concepções, Marchuschi (2001)
mostra que letramento é um processo de aprendizagem social e histórica da leitura e da
escrita, em contextos formais e informais e para usos utilitários, por isso, é um conjunto de
práticas.
Por práticas de letramento designam-se tanto os componentes exercidos pelos
participantes num evento de letramento quanto as concepções sociais e culturais que
configuram, determinam sua interpretação e dão sentido aos usos da leitura e/ou da escrita
naquela particular situação (STREET apud SOARES, 2004, p.105). Consiste também de um
“grande número de diferentes habilidades, competências cognitivas e metacognitivas,
aplicadas a um vasto conjunto de materiais de leitura e gêneros de escrita, praticadas em
contextos sociais diferentes” (SOARES, 2005, p. 107). A esse conjunto dá-se o nome de
práticas de letramento, ou seja, são práticas sociais que envolvem direta ou indiretamente o
uso da língua escrita e seu impacto na sociedade.
As abordagens sobre letramento, levando em conta os diversos modelos, tipos e
versões propostas, nos levam a considerar a impossibilidade de formular um conceito único de
letramento, abrangente a toda estrutura social, pois de fato há uma grande heterogeneidade
das sociedades e das atividades que os sujeitos desenvolvem. Nessa perspectiva, “seria mais
apropriado referimo-nos a ‘letramentos’ do que a um único letramento” (STREET, apud
SOARES, 2005, p.81).
Nosso interesse de pesquisa se concentra, portanto, no aprofundamento da
compreensão de processos e fatores envolvidos na construção daquela condição letrada, na
esfera do universo acadêmico. Nesse sentido, a pesquisa, pretende analisar as práticas de
letramento no âmbito do ensino superior, discutindo-as de forma a compreender as
intervenções que pode fazer o professor universitário na contribuição para o desenvolvimento
dessa condição.
Abordagem metodológica
No tocante ao aspecto metodológico, a pesquisa é de base analítica - caracterizada por
colocar o foco na percepção que os participantes têm da interação lingüística e do contexto
social em que estão envolvidos- por meio de utilização de instrumentos como entrevistas,
vedeogravações de aulas, questionários individuais e observação e diário de campo. O objeto
de pesquisa toma os sujeitos em sua prática, no momento em que opera cognitivamente sobre
a linguagem em situações interativas de ensino/aprendizagem.
O município onde se situa o campi pesquisado está localizados a 320 km da capital
mineira e integra a Região Mineira do Nordeste (RMNE), incorporado à área de atuação da
extinta Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), atual Agência do
Desenvolvimento do Nordeste (ADENE). A Universidade tem seu campus principal na cidade de
Montes Claros e, até o ano de 2004, era a única instituição pública de ensino superior a atender as
regiões Nordeste, Noroeste, Vale do Jequitinhonha, Mucuri e Urucuia, estendendo sua área de
abrangência até o sul da Bahia. É a principal instituição do Distrito Geo-Educacional (DGE 17),
circunscrevendo mais de 150 municípios. A Universidade avança em direção ao processo de
expansão fora da sede, com a criação de mais nove campi, bem como com a criação de 15 novos
cursos regulares, no campus de Montes Claros.
A pesquisa de campo foi desenvolvida no segundo semestre de 2008 e incluiu quatro
estratégias metodológicas: questionários com questões fechadas e abertas aplicados aos
acadêmicos do 4º período de Pedagogia, com a finalidade de levantar dados sobre a leitura e
escrita dos acadêmicos e sobretudo, que apontassem os sujeitos da pesquisa, os professores
que mais contribuíram para a questão do letramento no cursos; observação de aulas, com
registro através de videogravação e diário de campo, e entrevistas semi-estruturadas,
realizadas após as observações, com as duas professoras apontadas pelos questionários.Os
quatro procedimentos básicos como instrumentos de pesquisa, se complementam, na medida
em que permitem a interpretação do processo social, por meio das pessoas envolvidas,
privilegiando suas falas e seus atos, reveladores de intencionalidade, significados,
subjetividades.
No tratamento dos dados da pesquisa, adoto como procedimento a análise das falas e
das práticas produzidas no cotidiano da aula universitária. O objetivo era realizar uma reflexão
e uma apreensão acerca da significação dos textos - texto aqui, tomado na concepção
bakthniana, como as formas de expressão falada, vivida e escrita; como unidade de análise
complexa de significados, que contém a totalidade das condições de produção, bem como a
leitura e o modos como as professoras pesquisadas lidam com seus fazeres em sala de aula.
Considerações finais
Por meio da análise das práticas lingüísticas e discursivas, pretendemos observar o que
estava acontecendo no contexto de eventos de letramento, como esses acontecimentos eram
organizados e o que significam para acadêmicos e professores no processo de ensino e
aprendizagem. Desse modo, estamos analisando como o professor universitário - mediador
nas práticas e eventos de letramento - cria condições para o acadêmico, futuro professor, se
letrar. Ou seja, temos analisado, a partir das observações feitas em sala de aula, as estratégias
utilizadas pelas professoras nas práticas, eventos e episódios de letramento assim como o seu
próprio discurso sobre essas práticas através das entrevistas.
Esperamos que essas análises possam contribuir para pensarmos a universidade e seus
agentes, professores e alunos, como mediadores na construção de eventos de letramento, e a
necessidade de uma formação continuada de professores universitários no processo de
ensino-aprendizagem, numa perspectiva reflexiva de sua própria práxis.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 1988.
KLEIMAN, A. B. Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social
da escrita. Campinas, São Paulo: Mercado das Letras, 1995.
KLEIMAN, A. B. “Letramento e formação do professor: quais as práticas e exigências no local
de trabalho?” In Ângela B. (org,) A formação do professor: perspectivas da lingüística
aplicada. Campinas: Mercado de Letras, 2001.
KLEIMAN, A.B. Letramento na formação do professor – integração a práticas discursivas
acadêmicas e construção da identidade profissional. In. CORREA, Manoel Luiz Gonçalves;
BOCH, Françoise (orgs). Ensino de língua: representação e letramento. São Paulo: Mercado
das letras, 2006.
MARCUSHUCI, L. A. Da fala para a escrita: Atividades de retextualizaçao. São Paulo: Cortez,
2008.
ROJO, R. (org). Alfabetização e letramento: perspectivas lingüísticas. Campinas: Mercado de
Letras, 2002.
SOARES, M.. Letramento e escolarização. In: RIBEIRO, Vera Masagão (org.) Letramento no
Brasil: reflexões a partir do INAF 2001. São Paulo: Global, 2004.
SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
TFOUNI. L.V. Letramento e alfabetização. São Paulo: Cortez, 2005.
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