Pseudo-quisto muscular. Situação incapacitante em atletas de competição. Tratamento cirúrgico com utilização de Fatores de Crescimento. A propósito de 3 casos clínicos. a) a) Texto publicado no Boletim nº 34, 2012, da Sociedade Portuguesa de Medicina Desportiva Dr. Henrique Jones Clinica Ortopédica do Montijo / Federação Portuguesa de Futebol Resumo As lesões musculares são comuns em Traumatologia do Desporto representando mais de 30% de todas as lesões desportivas. O atraso diagnóstico e a falta de tratamento adequado leva, muitas vezes, á cronicidade sintomática e funcional de lesões musculares parciais, ou totais, com formação de verdadeiras formações capsuladas de conteúdo hemático ou sero – hemático (pseudo-quisto), que necessitam de abordagem cirúrgica para a sua resolução. Face á raridade desta entidade o autor decidiram descrever metodologia de tratamento cirúrgico, e resultados, a propósito de 3 casos clínicos em atletas de competição. Abstract The muscular injuries are common in Sports Traumatology representing more than 30% of all sporting injuries. The diagnosis delay and the lack of adequate treatment lead, many times, to symptomatic, and functional chronic disability of muscle major strains showing true capsulated formations with hematic, or sero–hematic content (pseudocyst) that needs surgical approach for its resolution. Regarding the rarity of this entity the author decided to describe methodology of surgical treatment, and results, based on 3 clinical cases in competition athletes. Palavras-chave: músculo, pseudo-quisto, tratamento cirúrgico Keywords: muscle, pseudocyst, surgical treatment INTRODUÇÃO O acidente muscular no desportista coloca sempre 3 problemas ao médico avaliador (Quadro 1). Quadro 1 : Metodologia interpretativa da lesão muscular no desportista •O DIAGNÓSTICO – Clínico, em primeiro lugar, apoiado na Ecografia e na Ressonância Magnética. •O TRATAMENTO – Adaptado ao diagnóstico de gravidade eco – clínica, hoje bem codificado. •O PROGNÓSTICO – Condicionado por um diagnóstico precoce, e preciso, um tratamento adaptado e uma reinserção desportiva progressiva e doseada. Esta metodologia permite diferenciar as lesões musculares em lesões agudas (contractura / alongamento/arrancamento/ rotura - diferentes magnitudes), lesões crónicas e evolutivas (cicatriz fibrosa e aderências) e, finalmente, complicações (hematoma enquistado ou pseudo–quisto e miosite ossificante)4. Seja qual for o mecanismo de aparecimento, a lesão muscular recente associa uma rotura de fibras musculares, com ou sem lesão do tecido conjuntivo de suporte, e hematoma intramuscular. Nas lesões graves a cicatrização do tecido conjuntivo de suporte é essencial, envolve a regeneração da fibra muscular e produção de tecido conjuntivo cicatricial6. Este processo comporta 3 fases (Quadro 2). Quadro 2: Fases evolutivas do processo de cicatrização da lesão muscular FASE INFLAMATÓRIA – COM INICIO A PARTIR DA 2ª HORA E MAIOR EXPRESSÃO DO 2º ao 8º DIAS •Aporte de Fibrina •A importância da Fibronectina (Fujikawa e col.2) – Ligação Fibrina/Fibronectina •Produção de Fibroblastos (Kurkinen e col.5) – Adesão á matriz inicial F/F/C FASE DE REMODELAÇÃO – 8º AO 21º DIAS •Produção de Colagénio – Primeiro Tipo III, seguido de tipo I e ulteriormente tipos V e IV • Colagénio Tipo V e regeneração da Fibra muscular ( Von der Mark7 ) •Reorientação das fibras de colagénio FASE DE MATURAÇÃO – A PARTIR DO 21ºDIA ATÉ AO 60º DIA •Maturação e Organização do Colagénio Quando estas fases de evolução cicatricial não são cumpridas quer seja por motivos intrinseco (qualidade da resposta metabólico - reparadora) ou extrinseco (manobras inadequadas, desrespeito pelos tempos evolutivos ou ações medicamentosas desnecessárias, nomeadamente administracção de Anti – inflamatórios não esteroides em fase aguda), poderão surgir complicações a ter em conta face à persistência, ou recidiva, de impotência funcional dolorosa (fibrose, hérnia muscular, calcificações, hematoma enquistado). O diagnóstico engloba avaliação clinica e testes musculares complementado por Rx, Ecografia das partes moles ( Fig. 1) e Ressonância Magnética. Fig.1 Aspeto ecográfico do hematoma intramuscular HEMATOMA ENQUISTADO OU PSEUDO – QUISTO MUSCULAR Complicação frequente3 (cerca de 8% dos casos, Fig.2) de diagnóstico tardio ( 3 a 6 meses), o pseudo–quisto traduz-se clinicamente pela persistência, ou aparecimento tardio, de uma tumefação flutuante, no local da lesão inicial, dolorosa á palpação e mobilização (alongamento ou contração contra resistência ) implicando uma impotência funcional moderada, mas persistente, impedindo o regresso ao desporto de competição . 17% 8% 46% Cura sem sequelas Fibrose Recidiva 29% Quisto EEv Fig 2. Evolução mais frequente das lesões musculares (Greco A. McNamara M.T) Neste contexto, e tendo em conta as exigências competitivas e a incapacidade álgico-funcional presente, o tratamento preconizado pelo autor é a cirurgia com os objectivos de : drenagem do hematoma, excisão completa da formação capsular envolvente, excisão de tecido fibrótico – necrótico peri – lesional, aproximação dos topos musculares e aadministração local de Plasma Rico em Plaquetas (PRP) no sentido de estimulação, em termos qualitativos, da reparação tecidular tendo em conta as capacidades dos fatores de crescimento existentes nos trombócitos. MATERIAL E MÉTODOS 1. Revisão de 3 casos de roturas musculares de grau III / IV, com evolução ulterior para Pseudo-Quisto, com um período de instalação média de 8.3 meses, aquando da cirurgia e um seguimento médio de 11 meses. Duas das 3 lesões eram do reto anterior da coxa e a 3ª do gémeo interno, sendo a evolução para a recuperação total, com média de 12.3 semanas, para regresso á competição. 2. Casos Clínicos – Apresentação Caso 1 – JMC, 33 anos, Futebol, Rotura grau IV do Reto Anterior Dto. com 13 semanas de evolução na 1ª observação. Cirurgia às 16 semanas. (Fig. 3) a b c d e f Fig. 3 a. Aspeto clinico da lesão do reto anterior da coxa b. Imagem da lesão em RM c. Abordagem da lesão quística com drenagem de líquido seroso d. Retração fibrótica cordonaldo topo muscular proximal e. Técnica pessoal de reparação em botoeira f. Encerramento dos planos superficiais. CASO 2 – G.E. 19 anos, Circuito Internacional de Surf. Acidente em prova no Hawai, envolvendo o Gémeo Interno, 4 semanas antes. Operado às 6 semanas (Fig. 4). F F Fig.4 a. Aspeto da lesão em Ressonância magnética, corte sagital T2 com supressão de gordura b. Evacuação do hematoma c. Excisão da formação capsular quística d. Aplicação de PRP, após encerramento dos planos profundos e. Encerramento dos planos superficiais f. Peça operatória. Caso 3 - M.J.C., 28 anos, ciclismo. Rotura grau III do recto anterior da coxa, 8 semanas antes da 1ª observação. Cirurgia às 9 semanas (Fig.5) a b Fig.5 a. Aspecto clinico da lesão b. Imagem ecográfica da lesão ( hematoma) 3.Metodologia Os atletas foram avaliados regularmente, tendo sido avaliados: perimetria muscular comparativa, amplitudes articulares, resistência máxima muscular, capacidade aeróbica, dinamometria Isocinética e RNM. Os 3 casos referidos cumpriram um programa reabilitacional semelhante, cujos objetivos apresentamos no Quadro 3. Os critérios de regresso á competição são apresentados no quadro 4. Quadro 3 : Objetivos do protocolo de reabilitação pós-cirúrgica PROGRAMA REABILITACCIONAL - OBJECTIVOS •Controle da qualidade cicatricial •Restauro da amplitude do movimento •Anulação da dor •Restabelecimento das capacidades musculares contractilidade e alongamento ) •Coordenação neuromuscular •Funcionalidade cicatricial •Integração no gesto desportivo •Regresso á competição (em termos de força, Quadro 4. Critérios de regresso á competição • • • • • • • • • • Normalidade clínica Silêncio sintomático Testes funcionais negativos Gestualidade normalizada Provas de terreno normais Evolução ecográfica normal Perimetria próximo do normal Amplitude articular normal Resistênc. Máx. Muscular Normal Avaliação isocinética prox. normal RESULTADOS A aspiração do conteúdo quistico e recessão em bloco da cápsula fibrosa, seguido de aplicação de PRP (factores de crescimento) mostrou ser uma técnica eficaz neste tipo de patologias, com restituição funcional (Fig.6) plena e tecido cicatricial de boa qualidade e tolerância. De entre os critérios de avaliação dos resultados escolhemos a evolução cicatricial, o ganho de massa muscular através da perimetria comparativa e o tempo decorrido até ao regresso á competição (Quadro 5) Quadro 5: Resultados evolutivos dos 3 casos descritos no contexto de cicatrização da lesão, perimetria e data de regresso á competição. Critérios Caso 1 Caso 2 Caso 3 Cicatrização RM (sem) 10 6 8 Perimetria (diferença cm/ contralateral) 1 0.5 1.5 Regresso à competição (sem) 16 10 11 Fig. 6 a. Caso 1 (reto anterior esquerdo) ás 10 semanas b. caso 2 (gémeo interno esquerdo) ás 8 semanas Os 3 atletas foram seguidos em consulta com um seguimento médio de 11 meses não se tendo constatado qualquer recidiva e mantendo uma actividade desportiva regular. DISCUSSÃO As lesões musculares do recto anterior da coxa e gémeos podem acontecer quer em contracção excêntrica, quer em contracções explosivas do musculo, sendo a evolução para a cronicidade, e as sequelas funcionais, importantes no caso de tratamento inadequado1. No caso do Pseudo Quisto Muscular, o compromisso articular, em termos de amplitude, poderá estar envolvido, além das sequelas dolorosas e incapacidade para prática desportiva. Os trabalhos de A. Greco e colaboradores 3 revelam em 20% dos casos recorrência lesional e formação de neo-hematoma, situação que não aconteceu no presente estudo. A aspiração do conteúdo quistico e recessão em bloco da cápsula fibrosa, seguido de aplicação de PRP (factores de crescimento) mostrou ser uma técnica eficaz neste tipo de patologias, com restituição funcional plena, num prazo considerado excelente face a outros trabalhos da literatura, e tecido cicatricial de boa qualidade e tolerância. CONCLUSÕES A importância do conhecimento do mecanismo causal, localização, extensão da lesão e processo de reparação cicatricial são fundamentais no tratamento das lesões musculares em atletas. Numa época em que se previlegia a importância física, económica e psicológica de uma recuperação rápida, e sobretudo, adequada, em alta competição é de vital importância uma programação terapêutica e inserção competitiva, cuidadas. A decisão cirurgica no caso do Pseudo Quisto Muscular, como entidade clínica sequelar a uma solução de continuidade do musculo, apresenta, de um modo geral, um bom prognóstico e um bom resultado final pós cirurgico desde que respeitadas etapas fundamentais da reabilitação e critérios de regresso á competição. Apesar da amostra ser limitada, o que se compreende pela raridade da patologia6, pensamos que a técnica cirúrgica, o protocolo reabilitaccional e, sobretudo a utilização de PRP (FC) , poderão ser decisivos, no sucesso terapêutico. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1.Charles Hughes IV, Carl T. Hasselman, Thomas M. Best, Salutario Martinez, and William E. Garrett, Jr.Incomplete, Intrasubstance Strain Injuries of the Rectus Femoris Muscle. Am J Sports Med July 1995 23 500-506. 2.Fujikawa, L. S., C. S. Foster, T. J. Harrist, J. M. Lanigan, H. F. Dvorak, and R. B. Colvin. 1982. Fibronectin in healing rabbit corneal wounds. Lab. Invest. 45:120-128. 3.Greco A, McNamara MT, Escher RM, Trifilio G, Parienti J. Spin – echo and STIR MR imaging of sports-related muscle injuries at 1.5 T. .Department of Magnetic Resonance Imaging , Centre Hospitalier Princesse Grace, Principality of Monaco – 1991. 4.Järvinen TA, Järvinen TL, Kääriäinen M, Kalimo H, Järvinen M. Muscle injuries: biology and treatment. Am J Sports Med. 2005 May; 33(5): 745-64. 5.KURKINEN, M. Sequential Appearance Of Fibronectin And Collagen In Experimental Granulation Tissue. Lab Invest, v.43, n. 1, p. 47-51. 1980. 6.Tedi Cicvari}1, Ksenija Lucin2, [andor Roth3, Aldo Ivan~i}1, Marin Marinovi}1 and Veljko [anti}4. Giant Pseudocyst of the Rectus Femoris Muscle – Repetitive Strain Injury in Recreational Soccer Player. Coll. Antropol. 34 (2010) Suppl. 2: 53–55 Original scientific paper. 7.VON DER MARK, K., VON DER MARK, H. & GAY, S. (19766). Study of differential collagen synthesis during development of the chick embryo by immunofluorescence. II. 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