"Uma avaliação das restrições norte-americanas às importações de aço brasileiro nos últimos anos, à luz das regras da OMC”. *Embaixador Luiz Felipe de Seixas Correa A indústria siderúrgica brasileira passou por acentuado processo de reestruturação e modernização nos últimos anos, na esteira do programa de privatização levado a cabo no setor. Como conseqüência, o Brasil exibe atualmente elevados índices de produtividade na área. O mesmo não sucedeu, no entanto, com a indústria congênere norte-americana, que se depara com crescentes dificuldades na concorrência com produtos importados mais competitivos. O Governo dos EUA tem buscado, nas últimas décadas, responder de diversas formas ao progressivo declínio na competitividade de sua indústria. Tradicionalmente, tem lançado mão da imposição de direitos "antidumping" e compensatórios, sendo que, dentre os principais setores da pauta exportadora brasileira, o siderúrgico é aquele que tem sido das vítimas mais freqüentes de medidas restritivas nos EUA. Produtos siderúrgicos constituem a maioria dos itens brasileiros sujeitos a direitos "antidumping" nos EUA, sendo que alguns desses direitos remontam à década de 1980. No caso de direitos compensatórios, três produtos siderúrgicos brasileiros estão sujeitos a medidas, dois dos quais também desde a década de 1980. Vale notar que essas três categorias de produtos estão simultaneamente sujeitas a direitos "antidumping". Mais recentemente, o Governo dos EUA diversificou as ações de defesa tomadas sob pressão de sua indústria siderúrgica. Ademais das ações "tradicionais" nas áreas de "antidumping" e medidas compensatórias, duas novas frentes foram abertas. De um lado, em março passado, entrou em vigor ampla medida de salvaguardas abrangendo diversos grupos de produtos siderúrgicos, como semi-acabados (principal categoria de produtos exportada pelo Brasil), laminados a quente, laminados a frio e outros. Em paralelo, foi lançada iniciativa no âmbito da OCDE com o intuito de buscar acordar com os demais principais produtores mundiais formas de reduzir a produção mundial de aço. Outro objetivo da iniciativa no âmbito da OCDE é a verificação da implicação das regras existentes em diversos acordos da OMC para o disciplinamento da produção de aço, em nível internacional. Constata-se, assim, que as iniciativas norte- americanas de defesa dos produtores internos de siderúrgicos encerram ações nas mais diversas frentes. Particularmente preocupante, é o fato de freqüentemente estarem as medidas de proteção em desacordo com as regras da OMC. Por diversas ocasiões, o Brasil tem lançado mão do procedimento de solução de controvérsias na OMC, contestando medidas norteamericanas, quer como iniciador da ação, quer como terceira parte interessada. Até o momento, o Brasil foi demandante em três casos contra os EUA, na área de siderúrgicos. O primeiro desses casos diz respeito a subsídios pré-privatização; o segundo se refere a direitos "antidumping" aplicados contra exportações de silício metálico e o terceiro relativo à distribuição de recursos coletados com a imposição de direitos "antidumping" e compensatórios, a chamada "Emenda Byrd". No primeiro caso, o Brasil solicitou, em dezembro de 2000, consultas aos EUA com o intuito de examinar a aplicação de direitos compensatórios sobre produtos siderúrgicos fabricados por empresas brasileiras que receberam subsídios antes do processo de privatização. Pela metodologia de cálculo utilizada pelo Governo norteamericano, os referidos subsídios continuariam a beneficiar a empresa mesmo após sua privatização, o que justificaria, segundo os EUA, a manutenção dos direitos compensatórios. Em caso semelhante iniciado pela Comunidade Européia contra os EUA, no qual o Brasil atuou como terceira parte interessada, a mesma prática foi condenada. Os EUA, no entanto, ainda não alteraram sua metodologia no caso brasileiro. O caso permanece em aberto, já tendo sido realizadas consultas entre as partes. No que tange aos direitos "antidumping" aplicados contra exportações brasileiras de silício metálico, o Brasil questiona a prática relacionada ao cálculo da margem de "dumping", conhecida como "zeroing", a qual consiste em "zerar" ocorrências em que o preço dos produtos importados seja superior ao "valor normal". Essa prática, embora condenada em ação iniciada pela Índia contra a Comunidade Européia, com respeito à importação de produtos têxteis, continua em uso nos EUA. O outro questionamento brasileiro está relacionado com a adoção, em revisões, de critérios distintos daqueles utilizados na investigação propriamente dita, especialmente no que concerne ao percentual mínimo abaixo do qual o "dumping" é considerado insignificante. Também neste caso, o processo permanece em aberto, já tendo sido realizadas consultas entre as partes. O contencioso sobre a "Emenda Byrd" encontra-se em estado avançado de análise por parte de painel de solução de controvérsias. A natureza desse contencioso refere-se ao questionamento de legislação interna norte-americana, a qual prevê que recursos decorrentes da aplicação de direitos compensatórios e de "antidumping" sejam distribuídos às empresas que tenham peticionado a abertura das investigações contra concorrentes estrangeiros, ao invés de serem direcionados ao Tesouro. Trinta países, dentre eles o Brasil, questionam a prática por considerarem-na um estímulo a que empresas norte-americanas acionem suas autoridades a iniciarem investigações, dada a possibilidade de ganhos financeiros com a iniciativa. Já se realizaram duas reuniões com o painel. Ainda que se trate de um caso de natureza sistêmica, relacionado à distribuição de direitos recolhidos sobre qualquer tipo de produto importado, a legislação tende a ser aplicada, em grande número de casos, com respeito a produtos siderúrgicos, visto que esta categoria é, atualmente, a mais afetada por tais medidas. O Brasil tem também participado como terceira parte em ações iniciadas por outros membros contra os EUA, na área siderúrgica, como o já citado caso dos subsídios pré- privatização aberto pela CE (o qual se desdobrou em dois contenciosos), bem como uma ação relativa a direitos antidumping sobre produtos laminados a quente, iniciada pelo Japão. No último caso, já revisado pelo Órgão de Apelação, o resultado foi favorável à parte japonesa, a qual questionava questões relativas ao cálculo do direito antidumping, dentre outros. Estas foram as principais ações contra medidas norte-americanas, nas quais está ou esteve envolvido o Brasil, no âmbito do mecanismo de solução de controvérsias da OMC. No que diz respeito às recentes medidas de salvaguardas aplicadas pelos EUA no setor siderúrgico, o Brasil manteve duas consultas com os EUA ao amparo do Acordo de Salvaguardas da OMC e retém a possibilidade de acionar o mecanismo de solução de controvérsias. O Acordo prevê que se realizem as referidas consultas de maneira a se rever as informações pertinentes compensações. sobre a medida e se discutir a possibilidade de A medida, de qualquer forma, está provocando inúmeras conseqüências negativas para o sistema. Diversos outros países já iniciaram investigações com o intuito de verificar a possibilidade de também adotarem precaverem de desvios de comércio, no que tange a medidas semelhantes para se produtos que normalmente direcionados aos EUA poderiam ser direcionados a novos mercados. A Comunidade Européia chegou a adotar medida provisória no final de março passado, a qual poderá tornar-se definitiva no final do ano. O Brasil já solicitou consultas à UE a esse respeito A situação pode vir a prejudicar, igualmente, a iniciativa dos próprios norteamericanos, de discussão, na OCDE, de formas de se limitar a produção mundial de aço. Diversos países têm demonstrado seu desconforto com a ação norte-americana, a qual não contribui para a criação de um clima de cooperação para se alcançar compromissos na matéria. Por fim, há que se registrar que o recrudescimento de práticas protecionistas no setor siderúrgico, provocado pela imposição da medida, tampouco gera um ambiente favorável em Genebra, no âmbito da nova rodada de negociações comerciais da OMC que se inicia. Não obstante, cumpre salientar que, na área de regras, logrou-se acordar um mandato que permite aperfeiçoar os acordos "antidumping" e de subsídios, o que pode constituir boa oportunidade para se corrigir os abusos verificados na aplicação dos instrumentos nos últimos anos, e que têm afetado o setor siderúrgico de forma particularmente acentuada". * Chefe da Delegação Brasileira em Genebra