Contribuição do Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do
Consumidor – FNECDC à Audiência 008/2008 - Condições Gerais de
Fornecimento de Energia Elétrica.
Carta FNECDC 22/08
Curitiba, 23 de maio de 2008.
Á
ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica
Brasília – DF.
Prezados Senhores:
O Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor – FNECDC,
CNPJ sob o nº 03.919.519/0001-66, entidade civil que congrega 20 (vinte)
organizações de defesa do consumidor e movimento das donas de casa, de caráter
nacional, com sede na Rua Tibagi, 592, Térreo, Curitiba - PR, por seu Presidente,
corroborando a manifestação das suas filiadas, em especial, do Instituto Brasileiro
de Defesa do Consumidor – Idec, vêm à presença de V. Exa. expor e solicitar o
quanto segue a respeito da audiência pública 008/2008 como se segue:
INTRODUÇÃO
A nossa organização está de pleno acordo com o propósito da ANEEL de diminuir os
furtos e fraudes de energia, assim como em buscar a modicidade tarifária, aspecto que
temos sempre trabalhado e cobrado e que ainda precisa ser aprimorado pela agência.
Contudo, tais ações não podem, de forma alguma, desrespeitar os direitos dos
consumidores estabelecidos pelo Código de Defesa do Consumidor. E nesse sentido a
minuta apresentada mostra-se problemática.
Na nossa avaliação, estão sendo desrespeitados os princípios da Política Nacional das
Relações de Consumo, expressa no artigo 4º e incisos da lei nº 8.078/1990, o Código
de Defesa do Consumidor (CDC). Mais especificamente no reconhecimento da
vulnerabilidade do consumidor; na educação dos consumidores sobre seus direitos; no
incentivo à criação de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo; e
na racionalização e melhoria dos serviços públicos.
Esperamos que o fato do CDC não ter sido mencionado na abertura da minuta como
uma das leis que o regulamento pretende detalhar seja apenas um equívoco, não
representando uma postura da agência de negar a aplicação do CDC às relações de
consumo do setor de energia elétrica.
Os principais problemas detectados pela nossa instituição na proposta são:
•
•
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Imposição de cobranças injustificáveis ao consumidor
Informação ao consumidor
Fragilização do consumidor perante a distribuidora
Esses aspectos estão detalhados a seguir, assim como as sugestões para a sua
adequação aos preceitos do CDC.
Entendemos que a proposta, assim como outras ações regulatórias da ANEEL, está
assumindo concepções equivocadas sobre que tipos de perdas não-técnicas podem ser
repassadas às tarifas, seja por meio de possibilitar a sua recuperação, seja pela sua
inclusão nos cálculos das empresas-referência durante as revisões tarifárias. Tal fato
depõe contra a modicidade tarifária e os princípios de eficiência na prestação do serviço
que a agência deve permanentemente buscar.
IMPOSIÇÃO DE COBRANÇAS INJUSTIFICÁVEIS AO CONSUMIDOR
A minuta traz uma série de cobranças injustificáveis ao consumidor, como nos artigos
abaixo:
Artigo 33: de acordo com o parágrafo único, o consumidor, mesmo não sendo o
responsável pelo rompimento do lacre, deverá pagar por um novo.
Sugestão: A resolução deve prever que, caso o consumidor avise voluntariamente a
concessionária do rompimento do lacre e não haja redução de consumo, ele deve ficar
livre da cobrança do novo lacre.
Artigo 99, §9°: se o consumidor tiver pago o débito, não há sentido em a
distribuidora cobrar a taxa de religação. Não deve ser cobrada a religação se a
suspensão do serviço se deu por inadimplência. Isso porque a própria suspensão
caracterizou-se como punição ao consumidor pela inadimplência, e fazê-lo pagar pelo
restabelecimento do serviço seria uma dupla punição pelo mesmo fato. Além disso, não
são poucos os casos em que há o envio de uma equipe para realizar o corte devido a
problemas do sistema de informação da empresa, que não registrou corretamente o
pagamento. A empresa deve arcar com a sua falha em não computar tempestivamente
o pagamento antes de enviar a equipe, senão isso implica em uma punição ao
consumidor mesmo que ele já tenha corrigido sua eventual falha.
Sugestão: Supressão desse parágrafo. Caso o consumidor comprove o pagamento ele
não deve arcar com nenhuma despesa.
Artigo 94: até hoje não houve nenhuma comprovação de que o custo de manutenção
da rede seja equivalente à 30 kwh ou 50 kwh, portanto não há sentido em onerara o
consumidor com um valor mínimo caso ele não tenha consumido.
Sugestão: Eliminação ou pelo menos redução do valor mínimo.
Artigo 95: a cobrança de um valor mínimo enquanto perdurar o corte trata-se de
proposta absurda e caracteriza uma dupla punição ao consumidor: o corte e o aumento
de sua dívida. Além disso, o consumidor será obrigado a pagar por um serviço que não
estará disponível. Inaugura-se os juros sobre juros da fatura de energia elétrica.
Sugestão: supressão do artigo.
Artigos 70, §1° e 2°; artigo 99: se o consumidor comunicar o não-recebimento da
fatura antes do seu vencimento, não deve ficar sujeito a cobranças, tais como a
emissão de segunda via, pois há o grande risco de que os consumidores sejam
penalizados por uma falha operacional da empresa.
Sugestão: A empresa não deverá poder cobrar a emissão de segunda via de fatura
caso o consumidor comunique o não recebimento antes do vencimento.
Artigo 113: a multa de 5% é injustificável frente à legislação atual – como CDC e o
Código Civil – e às decisões judiciais. Caracteriza uma ilegalidade.
Sugestão: manter a multa em 2%.
Artigo 66: entendemos que a previsão do encerramento contratual após 60 dias da
suspensão regular do fornecimento consiste em uma disposição draconiana e, além
disso, temerária nos casos de locação residencial.
Sugestão: manter a redação do artigo 113 da Resolução 456.
INFORMAÇÃO AO CONSUMIDOR
A informação, além de expressamente prevista no CDC como um direito básico do
consumidor, constitui-se na sua principal ferramenta de defesa de seus direitos e em
um elemento chave para a harmonização das relações de consumo. Nesse sentido, a
agência deveria ajudar o consumidor a conhecer os seus direitos, reconhecendo a sua
vulnerabilidade. Um consumidor bem informado é um parceiro da agência.
Uma boa medida nesse sentido seria prever que, em qualquer ação da concessionária
no caso de corte, deve-se protocolar todas as orientações sobre os direitos dos
consumidores e os procedimentos para obter a religação, assim como se fornecer os
contatos da empresa para esclarecimento de dúvidas, da agência reguladora e dos
órgãos de defesa do consumidor. A ausência dessa informação anularia a cobrança de
taxas e acarretaria penalidades às empresas.
Artigo 13: para que a informação realmente atinja e seja utilizada pelo consumidor,
verificamos, na prática, que as pessoas devem recebê-las de forma contínua,
especialmente aquelas de origem mais humilde.
Sugestão: com esse princípio em mente, sugerimos que nesse artigo se troque a
palavra “disponibilizar” por “fornecer”: disponibilizar pode significar ter na agência de
atendimento pessoal, o importante é que a pessoa efetivamente receba e tenha
conhecimento desse material.
Artigo 27 e artigo 56: ambos tratam da reclassificação de unidade consumidora.
Consideramos que qualquer alteração nas tarifas cobradas dos consumidores
residenciais deve ser avisada com ênfase e com antecedência, para minimizar impactos
ao orçamento do consumidor que, em muitos casos, possam levá-lo à inadimplência.
Sugestão: em ambos os artigos, no que se refere ao grupo B, no caso de haver
reclassificação que implique aumento de tarifa o consumidor deve ser avisado com
antecedência de pelo menos 30 dias por meio de comunicado específico, com a
explicação dos motivos de reclassificação e dos procedimentos que ele deve adotar
caso queira questioná-la. Além disso, deve ser dado ao consumidor um tempo de ajuste
de seu consumo, visando minimizar o impacto de novas tarifas: a fatura no mês
anterior à vigência da reclassificação deve trazer o aviso da reclassificação, o valor a ser
cobrado e a indicação de qual seria o novo valor caso o novo enquadramento já
estivesse vigorando.
Artigo 68: a informação é a principal ferramenta dos consumidores. Assim,
aproveitando a fatura como instrumento de comunicação entre a empresa e o
consumidor, sugerimos:
Sugestão: acrescentar nas informações os valores de tensão de referência e dar
destaque aos telefones da empresa, agência reguladora estadual, se houver, e da
ANEEL.
Artigo 69: sugerimos que a distribuidora reserve espaço para mensagens sobre os
direitos dos consumidores na fatura. Tais mensagens podem ser definidas pela ANEEL
ou pelas agências estaduais.
Artigo 110, §1°: a comunicação com o consumidor deve ser sempre clara e explícita,
ainda mais quando se trata do possível corte de um serviço essencial como a energia
elétrica.
Sugestão: a comunicação deverá ser por escrito, específica e com entrega
comprovada de forma individual E impressa em destaque na própria fatura.
FRAGILIZAÇÃO DO CONSUMIDOR PERANTE A E DISTRIBUIDORA
A minuta proposta pela ANEEL está aumentando a fragilidade do consumidor perante a
distribuidora, o que pode expor o consumidor a abusos. Entendemos que a ANEEL
deveria se colocar junto ao consumidor para entender melhor o que ele passa e assim
poder fazer uma regulação equilibrada para ambas as partes.
Nesse sentido, é fundamental que a ANEEL regule o estabelecimento de ajustamento
de conduta com os consumidores, da mesma forma que ela faz com as empresas, já
que o que se visa é a cessação de uma prática inadequada. Assim, toda alteração de
valor de cobrança, por nova aferição de equipamentos, mudança de classificação de
unidade consumidora, ou novas cobranças, como o fator de potência, a concessionária
deve avisar com antecedência ao consumidor as novas cobranças, apresentar uma
estimativa do valor que sua fatura teria se a cobrança já estivesse vigorando e indicar
medidas que poderiam ser tomadas para diminuição do valor da fatura.
Artigo 4º: condicionar a ligação ao pagamento de fatura vencida e não paga de
unidade consumidora, mesmo quando possa ser caracterizada a continuidade na
exploração de atividade empresarial ou na prestação de serviços vai contra decisões
judiciais e a legislação em vigor, ao transferir débitos de uma pessoa à outra.
Sugestão: suprimir o artigo.
Artigo 24: entendemos que o consumidor está sempre em posição desvantajosa em
termos de informação em relação à distribuidora. Assim, deve ser papel da empresa
fornecer as condições de melhor tarifa que o consumidor pode ter.
Sugestão: manter explicitamente a obrigação da distribuidora em oferecer a tarifa
mais vantajosa a que o consumidor tiver direito. Além disso, acrescentar o dever de
informar ao consumidor as possibilidades e os requisitos para enquadramento em
outras categorias, como a baixa-renda.
Artigo 75: entendemos que não há justificativa para que a leitura seja efetuada em
um período de até 12 ciclos para unidades consumidoras em área rural. Tal ação vai de
encontro com a informação adequada ao consumidor sobre seu consumo e dificulta a
tomada de ações no sentido de buscar maior eficiência energética, comum quando se é
mensalmente informado da leitura do medidor.
Sugestão: suprimir o artigo.
Artigo 83: se o medidor foi retirado e não substituído pela distribuidora, o consumidor
não deve ser submetido à possível desvantagem indevida de ter que pagar pela média
dos três últimos meses, por tempo indeterminado no artigo. Com isso a empresa não
terá incentivos em regularizar a situação e fazer uma cobrança justa do consumidor.
Sugestão: manter como na Resolução 456, ou seja, faturar pelo mínimo.
Artigo 105, §1º: esse parágrafo cita apenas o acerto da leitura, não do faturamento.
Entendemos que ambos são necessários, pois o consumidor pode reduzir o seu
consumo e, dessa forma ser onerado indevidamente, ao passo que a distribuidora terá
seus custos diminuídos pelo fato de não efetuar a leitura.
Sugestão: fazer o acerto da medição e devolver eventuais cobranças excedentes na
próxima fatura. A opção de não fazer leitura é da empresa e ela deve arcar com os
riscos da escolha.
Artigo 107: a devolução de valores cobrados a mais, segundo o CDC, deve ser feita
em dobro.
Sugestão: seguir o CDC prevendo a devolução em dobro de valores cobrados a mais.
Além disso, deve-se estabelecer como prazo para a devolução o próximo ciclo de
cobrança.
Artigo 108: caso o equipamento apresente problemas de medição que não tenham
comprovadamente decorrido de interferência indevida do consumidor, o entendemos
que ele não deve ser onerado. A distribuidora deve buscar sempre a eficiência e a
atualização de seus equipamentos para fazer cobranças justas, e o artigo vai no sentido
oposto a esse objetivo. Entendemos também que é injustificável que falhas técnicas da
operação da distribuidora possam ser repassadas às tarifas, fato que embasa a
proposta de mudança.
Sugestão: manter o artigo 71 da Resolução 456 da forma em que ele se encontra
hoje.
Artigo 118: esse artigo trata de situação que implica na imputação de crime ao
consumidor e, como qualquer acusação, exige cuidado. A informação sobre os direitos
e procedimentos que o consumidor pode adotar em sua defesa constitui-se em
elemento fundamental para o tratamento adequado dessas situações.
Sugestão: (a) obrigar a distribuidora a entregar, juntamente com o TOI, material
explicativo e claro sobre os direitos e procedimentos que o consumidor pode adotar em
sua defesa. Entendemos que tais explicações devem constar do modelo de TOI que a
ANEEL estabelecer. (b) no §5º inlcuir a possibilidade do consumidor designar
representante da agência reguladora, se desejar.
Artigo 121: a redação não deixa claro e não estabelece critérios para determinar
tecnicamente o período de duração da irregularidade, deixando o consumidor sujeito a
arbitrariedades das distribuidoras.
Sugestão: estabelecer critérios técnicos e limitar o período a, no máximo, seis meses,
como forma de incentivar a distribuidora a aperfeiçoar o seu sistema de
monitoramento.
Artigo 128: tanto na resolução 456 como na minuta, o procedimento para que o
consumidor possa solicitar a aferição do equipamento tem um caráter intimidatório,
deixando o consumidor em clara desvantagem.
Sugestão: (a) fazer o aviso com pelo menos 5 dias úteis de antecedência, para que o
consumidor possa programar suas atividades caso queira acompanhar a retirada do
medidor; (b) obrigar a distribuidora a entregar documento com os direitos do
consumidor explícitos, assim como os telefones de contato com a agência estadual, a
ANEEL e o órgão de defesa do consumidor da localidade.
Artigos 152, 153 e 154: entendemos que não há sentido em limitar a penalidade
caso haja desrespeitos contra o consumidor, principalmente porque sabemos que
muitos consumidores não recebem essa indenização, tanto pelo fato de não serem
informados desse direito como por deficiências na fiscalização da ANEEL. Além disso,
após determinado ponto, a distribuidora não terá mais interesse em apressar a solução
do problema, pois não terá a sua penalidade aumentada.
Sugestão: não limitar a penalidade.
PAPEL DA ANEEL
A nossa instituição entende que para dar transparência à sua atuação e avaliar o
impacto da regulação junto aos consumidores e empresas, a ANEEL deveria
acompanhar e dar publicidade a uma série de indicadores nesse sentido, solicitando-os
das empresas e auditando-os. Esses indicadores incluem:
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Penalidades, multas etc., aplicadas às empresas e aos consumidores;
Cortes e desligamentos nas unidades consumidoras;
Índices de inadimplência;
Reclassificação de unidades consumidoras.
Tais indicadores devem ser parte de relatórios entregues pelo menos semestralmente à
ANEEL e disponibilizados ao público, como forma de acompanhar o desenvolvimento e
efetividade das medidas.
Por fim, sugerimos que, havendo mudanças no relacionamento entre a empresa e o
consumidor, a ANEEL obrigue todas as empresas a encaminharem novos contratos de
adesão a todos os consumidores, como foi feito de maneira louvável na época em que
a Resolução 456 entrou em vigor.
Atenciosamente,
Sezifredo Paz
Presidente
FNECDC – Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor
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