12ª VARA DO TRABALHO DE BRASÍLIA <!ID38481-1> SENTENÇA PROCESSO 00936-2005-012-10-00-9 (AÇÃO CIVIL PÚBLICA C/ PEDIDO DE LIMINAR) Juiz ALEXANDRE NERY DE OLIVEIRA Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO (PROCURADORIA-GERAL) Procuradores: Otávio Brito Lopes e Outros Litisconsorte-Assistentencial Ativo: SINDICATO DOS EMPREGADOS EM ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BRASÍLIA Advogados: José Eymard Loguércio e Outros Réu: HSBC BANK BRASIL S/A - BANCO MÚLTIPLO Advogados: Victor Russomano Júnior e Outros Vistos e examinados os autos. EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA: PEDIDO DE ORDEM INIBITÓRIA DE PRÁTICA DISCRIMINATÓRIA PELA EMPRESA EM RELAÇÃO A ADMISSÃO, PROMOÇÃO E REMUNERAÇÃO DE EMPREGADOS POR RAZÃO DE SEXO, RAÇA, COR OU IDADE: ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO: POSSIBILIDADE JURÍDICA: ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA: ATIVISMO JUDICIAL: LIMITES: AÇÃO AFIRMATIVA: NECESSIDADE DE PROVA DO ATO ILÍCITO: ANÁLISES ESTATÍSTICAS: MERA PRESUNÇÃO POR POSSIBILIDADE MATEMÁTICA: MARGEM DE ERRO ADMISSÍVEL: FALTA DE PROVAS: IMPROCEDÊNCIA. É possível juridicamente o pedido apresentado pelo Ministério Público do Trabalho destinado a obter comando judicial inibitório de certa prática havida como discriminatória no ambiente de trabalho, sendo adequada a via da ação civil pública perante a Justiça do Trabalho. A mera afirmação da prática e ato discriminatório por empresa, em relação à admissão, promoção e remuneração de seus empregados, baseada em critérios de sexo, raça, cor ou idade, não pode dar-se apenas com base em transposição de situações havidas ou existentes consubstanciadas em estatísticas gerais, já que envolvem MERA POSSIBILIDADE MATEMÁTICA e não efetividade do fato apresentado noutro substrato de sujeitos, não se configurando a estatística como prova. Necessidade da análise de elementos que evidenciem prática discriminatória pela empresa, mais que a mera divergência entre os grupos retratados no quadro funcional em relação ao conjunto macrosocial nacional, regional ou local, se há especificidades entre um e outro que os diferem. Não há vedação alguma para que o empregador possa adotar meios seletivos segundo o merecimento e a adequação das capacidades de cada um às funções exigidas, se não se indica nenhuma vedação explícita ou implícita a grupos de sujeitos que pudesse, assim, evidenciar prática discriminatória. A própria Constituição Federal enaltece, em várias ocasiões, o respeito ao mérito, e assim também a própria CLT, ao regulamentar, pelo artigo 461, o artigo 7º, XXX, da CF, e a Convenção 111/OIT, no respectivo artigo 1º e parágrafos, quando ao mesmo instante em que conceitua a discriminação no ambiente de trabalho, estabelece que os procedimentos seletivos por mérito não envolvem discriminação, sempre que não se efetivem separações por grupos de indivíduos segundo raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social. Inexistindo prática discriminatória demonstrada no âmbito da coletividade tutelada, não há campo para o pedido ministerial de imposição de comando inibitório. Preliminares rejeitadas; pedidos improcedentes, por falta de prova, sem com isso resultar em declaração de inexistência de prática discriminatória pela empresa em relação a algum sujeito específico, campo impróprio da via eleita e, ainda assim, sequer cogitado à falta de especificação de atingidos por discriminação havida como generalizada, segundo o relato ministerial. RECONVENÇÃO EM SEDE DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA MOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO: COMPETÊNCIA: CABIMENTO. A Justiça do Trabalho é a competente para apreciar o pedido reconvencional, sob pena de indevido desvirtuamento da lógica estrutural do Poder Judiciário ao atribuir a ramo diverso o exame de incidentes e causas conexas, inclusive pela regra de unidade de julgamento descrita pelo artigo 318 do CPC. Contudo, atuando o Autor como substituto, a reconvenção é descabida (CPC, artigo 315): pedido reconvencional extinto sem exame de mérito. RELATÓRIO: O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, por sua Procuradoria-Geral, ajuizou ação civil pública em relação ao HSBC BANK BRASIL S/A - BANCO MÚLTIPLO pretendendo seja o banco obrigado a inibir práticas discriminatórias que alega existirem naquela instituição financeira para admissão, promoção e remuneração de empregados por razão de sexo, raça, cor ou idade, pedido que formulou também em caráter liminar indicando a existência dos requisitos para a cautela, com a condenação do Réu em multa no caso de descumprimento da obrigação de não-fazer pretendida (fls. 02/79). Dado à causa o valor de R$ 31.200.000,00. Juntou documentos (fls. 80/176). Indeferi a liminar requerida, não vislumbrando restarem presentes os requisitos autorizadores para a cautela inaudita altera pars (fls. 178/186). O SINDICATO DOS EMPREGADOS EM ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BRASÍLIA requereu o ingresso na lide como litisconsorte ativo, tendo sido o pedido deferido em termos, para admiti-lo como litisconsorte-assistencial ativo, nos termos do artigo 5º, § 2º, da Lei nº 7.347/1985 c/c os artigos 46 a 55 do CPC, inclusive para os fins específicos da parte final do parágrafo único do artigo 50 do CPC (fl. 198). O Réu apresentou impugnação ao valor dado à causa (fls. 206/207), contestação, invocando preliminares de impossibilidade jurídica do pedido e de ilegitimidade ativa ad causam, e, no mérito, refutando a pretensão deduzida (fls. 208/405) e reconvenção para que seja indenizado pelos danos morais sofridos em decorrência da demanda apresentada, assim requerendo seja também a União, na pessoa do Procurador-Geral da União e/ou do Procurador-Geral da Fazenda Nacional intimada a ingressar na lide para responder pelos atos do Ministério Público do Trabalho (fls. 438/445). Na audiência inaugural, aditou a reconvenção para constar como reconvindo, também, o Sindicato, ante a admissão como litisconsorte-assistencial do Autor, assim como aditou a defesa para assinalar que toda a argumentação da exordial era fundada em suposta discriminação indireta; ademais, questionou a legitimidade do Sindicato para figurar como litisconsorte-assistencial (fls. 198/199). Dado à reconvenção o valor de R$ 30.000,00. Juntou documentos (fls. 406/437). Na audiência, quanto às questões processuais incidentais apresentadas, assim decidi (fl. 199): “Com relação à impugnação ao valor dado à causa, verifico que o valor contido na exordial condiz com a soma dos pedidos indenizatórios, não cabendo nesta fase processual apreciar se a valoração foi ou não excessiva pela parte autora, mas apenas apreciar sua adequação ao comando dos arts. 258 e seguintes do CPC. Nesse sentido, considerando o contido no art. 259, II, do CPC, de plano rejeito a impugnação. Com relação ao pedido contido na reconvenção para que seja citada a União por conta da responsabilidade pedida em relação ao Ministério Público do Trabalho, considero a mesma desnecessária eis que o MPT é a União na condição de fiscal da lei e segundo suas atribuições constitucionais, decorrendo que a eventual sucumbência do reconvindo acarreta a imediata responsabilidade da União no plano das obrigações processuais eventualmente decorrentes, pelo que assim fica indeferido o pedido de litisdenunciação. Com relação à impugnação do réu quanto ao ingresso na lide do sindicato obreiro, mantenho a decisão, sem prejuízo de enunciar sua precariedade ante o caráter meramente interlocutório de que se reveste, podendo vir a ser limitada a participação sindical ou mesmo excluída da lide, quando da sentença, se restar demonstrado que não estavam presentes outras exigências processuais para o ingresso. Com relação ao pedido contido na parte final do aditamento oral do réu, verifico que a exordial já contempla a alegação descrita, inclusive tendo sido tal aspecto enunciado na decisão liminar denegatória.” O Ministério Público do Trabalho contestou a reconvenção apresentada, invocando preliminares de incompetência absoluta da Justiça do Trabalho, impropriedade do rito por desconexão com a ação principal, inépcia, carência de ação por ilegitimidade passiva e por impossibilidade jurídica do pedido e, no mérito, refutando a pretensão deduzida para insistir na rejeição do pedido reconvencional (fls. 483/496), além de apresentar réplica à contestação oferecida pelo Réu (fls. 497/570). O Sindicato obreiro também apresentou réplica, insistindo na existência do interesse jurídico a justificar sua presença na lide como Assistente do Autor, e no mais aderindo aos fundamentos expendidos pelo Ministério Público (fls. 572/589), além de apresentar contestação à reconvenção também por adesão às alegações ministeriais defensivas no particular (fls. 590/591). Sem outras provas, restou encerrada a instrução processual (fl. 593). As tentativas conciliatórias restaram infrutíferas. O Autor e o Réu apresentaram razões finais mediante memoriais escritos (fls. 594/616 e 617/634), tendo o Sindicato obreiro aderido às razões finais apresentadas pelo Ministério Público do Trabalho (fl. 593). Os autos vieram conclusos em 10 de novembro de 2005, quinta-feira. É o relatório. FUNDAMENTOS: AÇÃO CIVIL PÚBLICA: 1)PRELIMINARES: a)preliminar de impossibilidade jurídica do pedido: O Réu invoca, em preliminar, a impossibilidade jurídica do pedido ao argumento de que não há fundamento jurídico para a pretensão, eis que baseada na conjuntura de metas e cotas estabelecidas como parâmetro ideal pelo próprio Autor, o que ofenderia o contido no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, eis que não haveria amparo no direito material positivo para o pedido apresentado e que, quando muito, tal estaria no âmbito do exercício do poder normativo a cargo dos Tribunais do Trabalho e não como pretensão legítima no âmbito de ação civil pública (fls. 236/241). O Autor, em réplica, sustenta que o comando judicial para determinar que certa prática não se consubstancie, com a determinação de obrigação de não-fazer é legítimo, não estando restrito ao âmbito dos dissídios coletivos, salientando não haver postulação para a instituição de cotas destinadas ao preenchimento de vagas na admissão ou na ascensão interna, mas a mera constituição de metas de adequação das proporções do quadro funcional àquele consubstanciado nas estatísticas alusivas à população economicamente ativa, quanto a gênero, raça e idade dos trabalhadores (fls. 497/500). A discussão preliminar envolve a obstaculização da demanda para inibir o exame de mérito. No caso, a questão alusiva à possibilidade jurídica do pedido não pode ser confundida com a plausibilidade da pretensão deduzida, própria de mérito, eis que a postulação dirigida à constituição de obrigação de não-fazer, por ordem judicial, não é inibida pelas normas legais, nem destas decorre qualquer inibição para que possa o Juiz assim atuar. Também não é certo afirmar que apenas em sede de dissídios coletivos possa a Justiça do Trabalho atuar no sentido de estabelecer obrigações, ainda que inibitórias, tanto mais quando a pretensão se deduz em sede de ação civil pública, própria do exame dos Juízos de primeiro grau, mas cujos reflexos da decisão adotada se estendem a todo o grupo socialmente representado. Nesse sentido, o pedido é juridicamente possível, não significando tal análise meramente processual a consubstanciação de sua plausibilidade, própria de mérito, mas a mera admissibilidade da discussão submetida ao Judiciário. Por isso, rejeito a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido. b) preliminar de ilegitimidade ativa ad causam: O Réu invoca, ainda em preliminar, a ilegitimidade ativa ad causam do Ministério Público do Trabalho sob o fundamento de que a reparação pretendida na ação civil pública sob exame apenas poderia ocorrer por via de ação individual, ainda que plúrima, já que há pretensões que não se ajustam à indeterminação de sujeitos, não transcendendo a esfera de direitos meramente individuais, concernentes às discussões dos trabalhadores específicos que teriam sido discriminados no tocante à igualdade remuneratória ou em ascensão funcional (fls. 241/248). O Autor, doutro lado, na réplica invoca o artigo 129, III, da Constituição Federal e jurisprudência afirmativa da legitimidade ministerial em sede de ação civil pública, sustentando que a discussão da tutela coletiva e difusa baseada na igualdade e contra a discriminação, fundados em preceitos constitucionais, não se confunde com a mera garantia individual prevista no artigo 461 da CLT (fls. 500/502). Ainda quando a discussão possa resvalar na análise de situações individuais, se o comando exigido se dirige a resguardar toda uma coletividade, ainda que com sujeitos certos, mas difusos no grupo tutelado, é possível a via da ação civil pública e a intervenção do Ministério Público. No caso, a distinção basilar reside no comando judicial que pode decorrer, capaz de transcender indivíduos e ser suficiente, por si, a tutelar o direito havido como ofendido. Há que se notar que, em se tratando de ação civil pública, se a pretensão envolve direitos, ao menos em tese, que suplantam ou transcendem a individualidade, exatamente por isso se confirma a legitimidade do órgão imbuído da representação judicial da Sociedade, ou de parcela dela. Por isso, a pretensão contida na presente lide resta adequada à via eleita e é própria de ser deduzida pelo Ministério Público do Trabalho porque visa à implementação de medida judicial inibitória de prática discriminatória exatamente quanto a pessoas incertas, que não estariam dentre aqueles possivelmente representados nos grupos remuneratórios mais elevados ou nos cargos de direção empresarial. Ou seja, o que se pretende é o alargamento da base representada em relação a mulheres, negros e pessoas de idade, sem que se pretenda estabelecer os sujeitos certos que seriam beneficiados, em tese, com o provimento judicial. Assim, ainda que possa ser razoável a discussão com base em casos específicos, onde a individualidade serve ou não como demonstrativo da situação narrada na exordial ou na defesa, se a pretensão não se dirige a configurar, em futura e possível execução de julgado, obrigação específica dirigida a sujeito representado, certo e inequívoco, mas a grupo ou coletividade de sujeitos inidentificados senão pela caracterização de elementos comuns com o conjunto de outros sujeitos, a via adequada é a ação civil pública e o Ministério Público do Trabalho resta legitimado para a causa, sempre que a pretensão se demonstre relacionada à relação de trabalho, possível, existente ou havida, própria de ser instaurada perante a Justiça do Trabalho. Por isso, rejeito a preliminar de ilegitimidade ativa ad causam. 2)MÉRITO: Ao apreciar o pedido liminar, em caráter inaudita altera pars, assim decidi (fls. 178/186): “Relatados, aprecio de imediato a liminar requerida, sem a prévia manifestação da parte contrária. A exordial, em longa fundamentação, apresenta quadros estatísticos que aponta como demonstrativos da realidade fática na qual mulheres, negros e pessoas de idade seriam discriminadas porque preencheriam menos vagas ou receberiam valores menores que homens, brancos e jovens empregados do banco, ora Réu. O pedido de concessão liminar da cautela, em antecipação do pedido principal, vem fulcrado no artigo 12 da Lei nº 7.347/1985 e indica como fumus boni iuris os dispositivos constitucionais e legais que obrigam à não-discriminação, inclusive normas internacionais adotadas pelo País, e como periculum in mora a circunstância de não mais poder ser tolerada a situação de desrespeito à dignidade humana e aos direitos constitucionalmente assegurados aos trabalhadores. Com a devida vênia, contudo, a investigação judicial não se pode basear apenas em números frios que retratam uma realidade cruel da sociedade brasileira, mas necessariamente numa conduta patronal discriminatória e em desacordo com os preceitos fundamentais contidos na Constituição de 1988. Nisso, com a devida vênia, a estatística fria não retrata o necessário, já que os números acusam uma conduta que pode não estar a ocorrer. Não há a necessária discriminação na admissão pelo mero fato de os quadros funcionais da empresa apresentarem maior número de homens que de mulheres, de brancos que de negros, de jovens que de pessoas em idade mais avançada, porque tais números não são suficientes a demonstrar a existência de conduta discriminatória. Para essa questão há que se indagar se a empresa faz maiores exigências para a admissão de mulheres, negros e idosos que as que solicita dos homens, dos brancos e dos jovens a final contratados. Porque se a admissão se basear em critérios de qualidade intelectual, conhecimentos de mercado financeiro ou prévia atuação em instituições bancárias, dentre outros requisitos similares, não estará havendo discriminação, mas mera seleção dos melhores, independentemente do sexo, da raça, cor ou idade do candidato à vaga. Com relação à distinção salarial, a pergunta maior é saber se os salários percebidos por homens, brancos e jovens se mostram maiores que os das mulheres, dos negros ou dos mais velhos a par do exercício de mesmas atividades funcionais, ou se decorrem do exercício de funções distintas e superiores. A mera estatística não é suficiente para demonstrar a existência de salários maiores a uns que a outros, notadamente quando para tanto haveria a razoável investigação à luz do artigo 461 da CLT, que corrobora o contido no artigo 7º, inciso XXX, da Constituição Federal, indicando o fator discriminatório como a inobservância à identidade salarial quando idênticas as funções, o tempo de serviço e a localidade da prestação do trabalho, e não a mera ocorrência de salário inferior. Com efeito, se houver distinção salarial porque as atividades desempenhadas pelos que recebem mais são diversas e superiores, não há a discriminação salarial, mas mera adequação dos postos de trabalho à qualidade dos serviços oferecidos. Também não há discriminação no processo de promoção interna pela mera constatação de que homens, brancos e jovens ocupem mais cargos de direção, chefia ou assessoramento que mulheres, negros ou idosos, já que igualmente não há necessária conduta ilegal pela seleção dos mais capacitados, notadamente quando os cargos envolvem confiança absoluta para a direção, gestão e assessoria das políticas da empresa frente ao mercado e a concorrência. Nesse particular, a investigação exige verificar se os processos seletivos se distanciam dos critérios de mérito implicitamente vedados pelo artigo 7º, XXX, da Carta de 1988, ou se a promoção observa a capacidade dos candidatos para o desempenho das funções vagas, já que a promoção é substrato do conceito de admissão, como se novo processo seletivo se abrisse, não mais para o ingresso na empresa, mas para o deslocamento para funções de maior envergadura em suas estruturas hierárquicas. Com a devida vênia, pois, ao mesmo instante em que a Constituição veda a discriminação, doutro lado pressupõe a escolha dos melhores, não por menos sendo esta a regra que vige para os concursos públicos e que a CLT acompanha, em certa medida, ao prever algumas regras em casos específicos de promoção nas empresas com quadros de carreira, mas que, também, denotam a linha para a condução daquelas empresas que não estejam reguladas por quadros funcionais homologados, ainda que pressupondo uma hierarquia lógica na estrutura que tenham definido para seus estabelecimentos. Por isso, não vislumbro o alegado fumus boni iuris. Não se há, com isso, que dizer da inexistência de discriminação na empresa, mas da impossibilidade de a investigação sumária conduzir à conclusão pretendida pelo Parquet . O certo é que o desequilíbrio nos quadros das empresas pelos qualificativos de sexo, raça, cor e idade podem estar a decorrer de outros fatores sociais que não devem ser esquecidos pela Justiça, sob pena de se fazer uma falsa desconstrução do quadro discriminatório veladamente existente na sociedade brasileira. Afinal, a construção de uma sociedade mais justa passa por construir meios daqueles historicamente afastados do processo evolutivo do mercado terem a chance de concorrem em igualdade de condições, e não pela mera satisfação de vagas em cotas certas, que premiarão alguns enquanto outros continuarão à margem dos mercados de trabalho mais eqüânimes, estabelecendo outras discriminações, inclusive pela forma de escolha daqueles que serão alcançados pelo benefício, numa inequívoca loteria social, quando por vezes a sorte, ou indevidas indicações, fazem que uns sobreponham outros, ainda que sem os qualificativos necessários e a capacidade de desenvolverem capacidades com o que lhes for oferecido. Como esquecer que as mulheres, até as primeiras décadas do século passado, ainda se encontravam à margem de qualquer direito individual, vindo como meros reboques de maridos e situações familiares em que o patriarcado imperava? Situações históricas colocaram as mulheres, em diversas ocasiões, no mercado de trabalho, e inibiram, depois, o retorno a situações antigas quando já estava estabelecida uma nova intelectualidade feminina, a exigir direitos iguais segundo as peculiaridades de cada sexo, com a convicção então reinante de que poderiam conduzir-se em paridade com os homens. A História não pode ser esquecida, como se o processo evolutivo existente nas sociedades houvesse que ser desconsiderado para entender-se porque há, ainda hoje, menos mulheres no mercado de trabalho que homens - porque o processo evolutivo começou devagar, vem crescendo, e apenas com o passar dos anos se tem percebido que já são mais mulheres nas escolas e faculdades, mais bacharéis, mais pós-graduadas que podem, assim, postular melhores cargos, melhores salários, melhores posições. Tal fenômeno se tem percebido no âmbito do próprio Judiciário, em que cada vez há mais magistradas, resultado do implemento das condições educacionais que permitem, hoje, que sejam mais mulheres nas faculdades e com condições de competir em igualdade com os homens. Como seria, contudo, se ao invés da capacidade intelectual, toda a força feminina estivesse contida num mero sorteio de vagas, premiando algumas em detrimento da efetiva reformulação social que permite reequilibrar homens e mulheres com mesmas capacidades intelectuais (e por vezes, mulheres com capacidades além) dentro de uma mesma estrutura funcional, como o próprio Poder Judiciário, a servir, assim, de inequívoco exemplo. Não é, com a devida vênia, uma caneta judicial que irá alterar o curso histórico, porque há a necessidade de formação de quadros femininos suficientes para que se possa ter uma verdadeira percepção da existência de discriminações ante o que possam retratar certos números estatísticos. Afinal, não percebi, em nenhum dos quadros estatísticos apresentados, o confronto apenas entre aqueles com mesmos méritos ou qualificativos educacionais, para verificar se a proporção de empregados e empregadas discrepa da proporção de detentores de mesma escolaridade, de um e doutro sexo. Não é muito lembrar que nossa legislação civil apenas há pouco restou alterada, consolidando várias evoluções sociais, para afastar regras que vinham desde o início do século passado e colocavam a mulher em situação de inequívoca e absurda inferioridade, segundo os conceitos sociais da atualidade. Apenas não se pode pretender que uma decisão judicial se afaste da realidade social para avançar a História além do que os próprios movimentos sociais conseguiram, ou seja, aumentando o número de mulheres capacitadas ao mercado de trabalho mais qualificado. E não tenho dúvida de imaginar quantas são as mulheres que já desempenham funções mais qualificadas na própria empresa Ré, sem que se possa, com isso, dar uma conotação de correção social, mas de mera adequação da realidade social ao mercado de trabalho, a partir das qualidade educacionais de cada indivíduo, independentemente do sexo. Igualmente, não se pode esquecer a História e perceber quanto houve de discriminação racial no País, de forma velada, à conta dos precedentes trazidos pela escravidão que marcou nossa sociedade até o século XIX, mas cujos efeitos perniciosos persistiram no século seguinte e persistem em certa medida no atual século XXI, porquanto milhares de indivíduos, libertos, simplesmente eram entregues à própria sorte, desprovidos de qualidades para desempenharem funções com maiores exigências intelectuais, já que poucos foram os premiados com educação por seus senhores, por vezes em busca apenas da mera retribuição de serviços mais acurados na casa grande, enquanto muitos persistiam apenas com os qualificativos para o trabalho mais duro da senzala. Aos poucos, geração após geração, há mais negros nas escolas e faculdades, a cada dia há mais mostras da capacidade de recuperação dos diversos grupos sociais e da luta por empregos mais bem remunerados, mas não é a Justiça que poderá aumentar os quadros de negros qualificados para reequilibrar, em certas situações, os quadros das empresas, já que o processo seletivo deve buscar os melhores e não necessariamente os premiados com cotas para certas vagas. A recuperação histórica de toda uma raça, como se tem percebido, decorre mais da percepção em evoluir culturalmente, sem renegar raízes, num constante crescer dos valores educacionais que permitem construir indivíduos capazes de disputarem vagas no mercado de trabalho, a partir de seus conhecimentos e não mais de políticas governamentais capengas de suposta equiparação de direitos, indiretamente submetendo certos grupos e sujeitos a uma cotidiana e longa busca de benefícios sociais que não contribuem para a efetiva melhoria das condições de evolução futura da raça. Afinal, qual será a maior discriminação? Quantos não serão os negros que já não dependem de qualquer ajuda do Estado para obterem colocações no mercado de trabalho, apoiados que foram por suas famílias e outras entidades na busca de maiores níveis de escolaridade? Quantos não serão, doutro lado, os brancos que também não terão chance alguma no mercado mais qualificado de trabalho porque são pobres e desprovidos do necessário nível educacional? A realidade, cruel, e tão prometida ao longo de vários Governos, não se modifica. A discriminação reinante deriva, sobretudo, da qualidade social: a cor não é o tom da discriminação se o sujeito for financeiramente bem sucedido, mas a condição de ser rico ou pobre, de ser formado ou analfabeto, é que conduz à existência de pessoas que conseguirão ou não chegar a lugar de relevo social, com salários e funções maiores. Nesse particular aspecto, não percebi, em quaisquer dos quadros estatísticos apresentados, o que revelasse o efetivo confronto entre as proporções de brancos e negros na empresa ora Ré e aqueles que se estão nas mesmas condições sociais, assim compreendidos níveis de escolaridade e de evolução educacional. Por isso, não há o mero número frio que me conduzir a descrever uma situação discriminatória por parte da empresa em questão racial ou de cor de seus empregados. Com a devida vênia, são precisos mais elementos, que denotem uma prática de desqualificação do negro que detenha o mesmo nível social e de escolaridade que outro candidatos ou colega branco. A História, como tenho dito, indica que a discriminação existe na conduta governamental de não incentivar os que revelem maiores capacidades intelectuais, independentemente do sexo, da raça ou da cor, e que a recente política de cotas, com a devida vênia, não resolve, porque por vezes premia aquele que não precisaria do incentivo do Estado enquanto outros são mantidos à margem porque não alcançados pelo sexo, pela raça ou pela cor dada como discriminada segundo as estatísticas também distorcidas do Governo. É preciso, repita-se, estabelecer cada investigação nos grupos específicos, segundo a classe social, o grau educacional, o nível de escolaridade e a renda familiar, e não pela mera premissa de que o fato de ser mulher ou negro sejam desqualificadores perante o mercado de trabalho. Não necessariamente, ainda que possa assim estar ocorrendo. Com relação à existência de mais jovens que pessoas de idade nos quadros da empresa, e inclusive a exercer cargos mais elevados, também a política de aposentadorias precoces, que revelam depois valores insuficientes à manutenção dos padrões sociais anteriores, acarreta a pretensão de retorno de pessoas mais idosas ao mercado, então já dominado pelos mais jovens, que se reciclam e participam de idéias novas para as empresas engajadas em novas políticas agressivas de dominação econômica, afastandose daqueles que persistem com os conceitos não renovados. Mas quantos não serão aqueles mais idosos que, por sua experiência, são mantidos nas empresas, chefiando ou assessorando outros colegas mais jovens, traduzindo assim uma constante troca de conhecimentos e de valores? Nesse particular, as estatísticas frias colacionadas com a exordial também não revelam quanto de experiência tem sido trazida pelos mais antigos e quanto de idéias novas têm sido apresentadas pelos mais jovens, porque não há discriminação no acolhimento pelas empresas de novas gerações de trabalhadores, ou seria, doutro lado, discriminação com o mercado jovem a existência, numa empresa, de quadros de maior idade? Também não vislumbro o periculum in mora, à medida que a própria exordial revela situações que estariam a ocorrer há muito tempo, embora sem indicar casos concretos recentes, baseada que fora toda a postulação na indicação de números estatísticos não necessariamente ajustados às premissas dos questionamentos que se derivam a partir dos retratos frios que estabelecem. Por tudo isso, não há, com a devida vênia, como vislumbrar, no exame liminar pretendido, a existência de condutas discriminatórias pelo Réu pelo mero fato de números estatísticos retratarem certas realidades sem o confronto com aspectos necessários à investigação mais justa da situação descrita. A História não se altera num segundo. Talvez o pedido ministerial pudesse ter sido dirigido a conduzir as empresas à adoção de políticas de equalização social, com a instituição de cursos de preparação e aperfeiçoamento aos seus quadros, de modo a revelar a melhoria gradativa nos qualificativos de seus empregados, para ajustar melhor seus processos de admissão e promoção a um conjunto mais equilibrado dos candidatos, independentemente do sexo, raça, cor ou idade dos candidatos ou dos seus empregados. Talvez a atuação ministerial pudesse ter sido dirigida, também, noutra esfera, a exigir que o Governo estabeleça metas mais adequadas para privilegiar estudantes de menor renda a obterem vagas em escolas e faculdades, provendo também as condições para o estudo, mediante bolsas, independentemente do sexo, raça, cor ou idade, já que tal premissa se perde quando se verifica que a pobreza existente no País atinge tanto homens como mulheres, tanto brancos como negros, tanto velhos como jovens, e que sair do nível de mediocridade social exige, mais que cotas, a constatação de que todos devem ter chances iguais, mediante o patrocínio oficial daqueles que se mostrem capazes de galgarem posições para alavancar outros iguais, seus familiares e colegas, num processo constante em que o efeito dominó da melhoria social contagia outros a também não se acomodarem sob a premissa de discriminação sexual, racial ou de idade, quando maior discriminação existe na acomodação de pobres na situação de desqualificados para alcançarem posições de relevo na sociedade. Por tudo isso, à falta dos requisitos legais, INDEFIRO A LIMINAR requerida pelo Ministério Público do Trabalho, sem com isso deixar de considerar a relevância da ação proposta para a discussão social das medidas necessárias à redução das desigualdades no mercado de trabalho, esperando, com melhores elementos, a capacidade de julgar convicto de que minha decisão pode conduzir a uma efetiva alteração de realidade e não à mera vitória de Pirro, mantendo incólumes os motivos que têm levado a tantas vergonhas nacionais. A Justiça não se fará por uma medida momentânea. Outros elementos são necessários a possibilitar uma reflexão social bastante para conduzir a uma verdadeira revolução, sem com isso estabelecer outra discriminação, para que os mais capazes sejam os premiados, ainda que homens ou mulheres, ainda que brancos ou negros, ainda que jovens ou mais velhos, numa situação em que não seja o sexo, a raça, a cor ou idade que conduzam o indivíduo ao seu lugar de Direito na sociedade brasileira, mas suas capacidades, sua intelectualidade, sua percepção de que o País não se encerra em si próprio, mas em permitir, com suas decisões, outras trilhas aos que ainda não conseguiram perceber onde começa a estrada. Se for possível a tanto chegar com um decreto judicial, que assim seja. Por ora, o pedido ministerial não me parece suficiente a estabelecer a desconstrução de supostas discriminações sem efetivamente estabelecer outras.Sem prejuízo do melhor exame, após a regular instrução, a cautela, por ora, não se sustenta, tanto mais em exame inaudita altera pars, por isso, como antes dito, e por todos os fundamentos declinados, restando em sede liminar indeferido o pedido. (...)” (grifos do original) A cognição efetivada após a regular defesa não me faz alterar o entendimento sumário descrito, ao qual acresço os seguintes fundamentos. O Juiz, ao apreciar a norma, não se pode descuidar dos valores sociais vigentes que permitem reinterpretar o Direito para estabelecer o Justo. Mas não pode, o Juiz, invocar seus próprios valores e conceitos para instituir ou reescrever a norma vigente, substituindo os meios democráticos de reordenação do contrato social pela imposição da sua vontade individual. Não por menos, o reinterpretar cotidianamente a norma jurídica permite revalidar seus conceitos aos valores vigentes na sociedade, sem que necessariamente haja que se estabelecer uma quebra do sistema. Nessa atuação afirmativa do Direito em prol da consubstanciação da Justiça, o Juiz pode adotar os conceitos agora estabelecidos na sociedade em detrimento de outros anteriores (pré-conceitos) que não mais se justificam pela nova realidade. Afinal, o Estado-Juiz, como componente da estrutura representativa das vontades nacionais, não pode ser compreendido como alijado dos processos de transformação social ou de convalidação de novos sistemas jurídicos, ainda quando mantido o ordenamento vigente por releitura e readequação dos preceitos ao exigido pelo novo cotidiano, assim compreendida a consubstanciação dos valores adequados à consagração de uma Sociedade mais justa, na forma, aliás, do que preceitua a Constituição Federal, artigos 1º, III e IV, 3º, incisos I e IV, 5º, I, 7º, XX e XXX, 170, VII e VIII, e 193. O Poder Judiciário não caminha a reboque do Poder Legislativo e do Poder Executivo, mas, ainda que não lhe caiba estabelecer políticas governamentais, atividades próprias dos agentes eleitos regularmente, inclusive porque não age por impulso próprio, mas quando provocado, compete-lhe buscar a norma ou o princípio adequado à solução do conflito apresentado, ainda que para isso tenha que enunciar o divórcio da regra com o valor maior descrito na Constituição, mesmo quando reinterpretada em seus dizeres aparentemente inabaláveis: a Constituição real, decorrente do cotidiano social, deve conformar a letra da Constituição formal, ainda quando pela mera releitura dos preceitos constitucionais. Como co-autor e também ator das transformações sociais inerentes à atividade estatal, o Poder Judiciário deve pautar-se pelas regras inerentes a seu funcionamento, baseado na (re)interpretação das normas jurídicas segundo os valores adequados à validação das vontades manifestas ou latentes da Sociedade, assim declaradas, sobretudo, na Constituição e nas leis que se editem em complemento. A busca, pois, deve dirigir-se à conformação das normas existentes aos valores efetivos que estabeleçam o conceito de Justiça Social segundo as próprias premissas lançadas no contrato manifesto na Constituição, inclusive a devida ordenação de funções estatais próprias de cada esfera governamental, assim as atividades do Poder Judiciário não se podendo imiscuir naquelas próprias dos demais Poderes da República: ou seja, não pode, para alcançar o fim pretendido, desviar-se da atividade jurisdicional, de dizer o Direito, para a de estabelecer a própria norma legal que lhe cabia interpretar ou adequar aos preceitos valorativos supremos. Nesse sentido, a pretensão ministerial, ainda que fundada em diversos preceitos constitucionais, não se mostra adequada, no caso concreto, por não se vislumbrar a necessidade de conformação da norma a valor exigido pela Constituição, nem, diretamente fundada na Carta Suprema, a enunciação de prática exigida para fazer-se ou abster-se de modo a conformar-se a vontade constitucional. Ao contrário, baseada em suposto desvio estatístico dos quadros internos da empresa Ré àqueles macro-sociais, quanto aos grupos ora tutelados, o Ministério Público do Trabalho pretende verdadeira enunciação de norma a descrever cotas e metas de preenchimento de cargos e funções, assim como de valoração salarial, sem que a efetiva ocorrência de discriminação tenha sido configurada, num presumir a mera postulação abstrata própria da atuação legislativa, e não a atuação concreta judiciária, ainda quando na seara dos direitos meta, transindividuais e difusos pertinentes à ação civil pública. <!ID38481-3> Noto, nesse divagar de idéias, que o conceito de discriminação no trabalho, para os fins previstos na Constituição Federal, deve ser aquele contido na Convenção nº 111 da OIT - Organização Internacional do Trabalho, conforme aprovada pelo Decreto Legislativo nº 104, de 24.11.1964 e promulgada pelo Decreto nº 62.150, de 19.01.1968, e que tem o seguinte teor: “Artigo 1º 1 - Para fins da presente Convenção, o termo “discriminação” compreende: a) toda a distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego e profissão; b) qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por feito destruir a igualdade de oportunidades e tratamento em matéria de emprego e profissão, que poderá ser especificada pelo membro interessado depois de consultadas as organizações representativas de empregadores e trabalhadores, quando existam, e outros organismos adequados. 2 - As distinções, exclusões ou preferências fundadas em qualificações exigidas para um determinado emprego não serão consideradas como discriminação. 3 - Para os fins da presente Convenção, as palavras “emprego” e “profissão” incluem acesso à formação profissional, ao emprego e diferentes profissões, bem como às condições de emprego. Artigo 2º Qualquer membro para o qual o presente Convenção se encontre em vigor compromete-se a formular e aplicar uma política nacional que tenha por fim promover, por métodos adequados às circunstâncias e aos usos nacionais, a igualdade de oportunidades e de tratamento em matéria de emprego e profissão, com o objetivo de eliminar toda discriminação nessa matéria. Artigo 3º Qualquer membro para o qual a presente Convenção se encontre em vigor deve, por métodos adequados às circunstâncias e aos usos nacionais: a) esforçar-se para obter a colaboração das organizações de empregadores e trabalhadores e de outros organismos apropriados, com o fim de favorecer a aceitação e aplicação desta política;b) promulgar leis e encorajar os programas de educação próprios a assegurar esta aceitação e esta aplicação; c) revogar todas as disposições legislativas e modificar todas as disposições ou praticas administrativas que sejam incompatíveis com a referida política; d) assegurar a referida política no que diz respeito a empregos dependentes de controle direto de uma autoridade nacional;e) assegurar a aplicação da referida política nas atividades dos serviços de orientação profissional, formação profissional e colocação, dependentes do controle de uma autoridade nacional; f) indicar, nos seus relatórios anuais sobre a aplicação da Convenção, as medidas tomadas em conformidade com esta política e os resultados obtidos. Artigo 4º Não são consideradas como discriminação quaisquer medidas tomadas em relação a uma pessoa que, individualmente, seja objeto de uma suspeita legítima de se entregar a uma atividade prejudicial à segurança do Estado, ou cuja atividade se encontre realmente comprovada, desde que a referida pessoa tenha direito de recorrer a uma instância competente estabelecida de acordo com a prática nacional. Artigo 5º 1 - As medidas especiais de proteção ou de assistência previstas em outras convenções ou recomendações adotadas pela Conferência Internacional do Trabalho não são consideradas como discriminação. 2 - Qualquer membro pode, depois de consultadas as organizações representativas de empregadores e de trabalhadores, quando estas existam, definir como não discriminatórias quaisquer outras medidas especiais que tenham por fim salvaguardar as necessidades particulares de pessoas em relação as quais a atribuição de uma proteção ou assistência especial seja, de uma maneira geral, reconhecida como necessária, por razões tais como o sexo, a invalidez, os encargos de família ou o nível social ou cultural. Artigo 6º Qualquer membro que ratificar a presente Convenção compromete-se a aplicá-la ao territórios não metropolitanos, de acordo com as disposições da Constituição da Organização Internacional do Trabalho. Artigo 7º As ratificações formais da presente Convenção serão comunicadas ao diretor geral da Repartição Internacional do Trabalho e por ele registradas. Artigo 8º 1 - A presente Convenção somente vinculará os membros da Organização Internacional do Trabalho cuja ratificação tiver sido registrada pelo diretor geral. 2 A Convenção entrará em vigor 12 meses após registradas as ratificações de dois dos membros pelo diretor geral. 3 - Em seguida, esta Convenção entrará em vigor, para cada membro, 12 meses após a data do registro da respectiva ratificação. Artigo 9º 1 - Qualquer membro que tiver ratificado a presente Convenção poderá denunciá-la no término de um período de 10 anos após a data da entrada em vigor inicial da Convenção, por um ato comunicado ao diretor geral da Repartição Internacional do Trabalho e por ele registrado. A denúncia só produzirá efeito um ano após ter sido registrada. 2 - Qualquer membro que tiver ratificado a presente convenção, no prazo de um ano depois de expirado o período de 10 anos mencionados no parágrafo anterior, e que não fizer uso da faculdade de denúncia prevista no presente artigo, ficará vinculado por um novo período de 10 anos e em seguida, poderá denunciar a presente Convenção no término de cada período de 10 anos, observadas as condições estabelecidas no presente artigo. Artigo 10 1 - O diretor geral da Repartição Internacional do Trabalho notificará a todos os membros da Organização Internacional do Trabalho o registro de todas as ratificações e denuncias que lhe forem comunicadas pelos membros da organização. 2 Ao notificar os membros da organização o registro da segunda ratificação que lhe tiver sido comunicada, o diretor geral chamará a atenção dos membros da organização para a data em que a presente Convenção entrará em vigor. Artigo 11 O diretor geral da Repartição Internacional do Trabalho comunicará ao secretário geral das Nações Unidas para efeito de registro, de acordo com o artigo 102, da Carta da Nações Unidas, informações completas a respeito de todas as ratificações e todos os atos de denúncia que tiver registrado, nos termos dos artigos precedentes. Artigo 12 Sempre que o julgar necessário, o Conselho de Administração da Repartição Internacional do Trabalho apresentará à Conferência Geral um relatório sobre a aplicação da presente Convenção e decidirá da oportunidade de inscrever na ordem do dia da conferência a questão da sua revisão total ou parcial. Artigo 13 1 - No caso da Conferência adotar uma nova convenção que implique em revisão total ou parcial da presente Convenção, e salvo disposição em contrário da nova convenção: a) a ratificação da nova convenção de revisão por um membro implicará, “ipso juri”, a denúncia imediata da presente convenção, não obstante o disposto no artigo 9º , e sob reserva de que a nova convenção de revisão tenha entrado em vigor; b) a partir da data da entrada em vigor da nova convenção, a presente Convenção deixa de estar aberta a ratificação dos membros. 2 - A presente Convenção continuará, todavia, em vigor na sua forma e conteúdo para os membros que a tiverem ratificado e que não ratificarem a convenção de revisão. Artigo 14 As versões francesa e inglesa do texto da presente Convenção fazem igualmente fé.” (grifei) Conquanto tenha o Governo brasileiro, em 1995, durante a 83ª Conferência Internacional do Trabalho, ocorrida em Genebra/Suíça, assumido oficialmente a existência de discriminação no mercado de trabalho e assim a sua inobservância aos comandos da Convenção 111/OIT, não significa com isso estabelecer-se a generalização da situação declarada nem presumir-se que, passados mais de dez anos, nada se tenha modificado. Não bastasse isso, a Convenção 111/OIT é clara quando, após conceituar a discriminação no trabalho, enaltece, no artigo 1º, § 3º, que “As distinções, exclusões ou preferências fundadas em qualificações exigidas para um determinado emprego não serão consideradas como discriminação”, pelo que a existência de processos seletivos, para a admissão ou para a progressão funcional, que não denunciem uma prática tendente a estabelecer desigualdade de oportunidade segundo o sexo, a raça ou a idade, não se configuram como prática discriminatória a ser condenada. No caso presente, A EXORDIAL FUNDA TODA A PRETENSÃO EM ESTATÍSTICAS APRESENTADAS PELO IPEA no sentido de que os quadros funcionais da empresa Ré se mostram em desacordo com os retratos da população economicamente ativa, enquanto a defesa insiste que tal desconformidade não decorre de ingerência ativa ou passiva da empresa, mas do resultado de processos seletivos segundo critérios meritórios dissociados de qualquer análise envolvendo sexo, raça ou idade. Como já havia enunciado ao apreciar a liminar, não é possível vislumbrar a discriminação efetiva por parte da empresa baseada na mera premissa estatística, tanto mais quando generalizante, sem descrever os grupos específicos segundo as exigências para as diversas funções ocupadas no âmbito empresarial. Nesse sentido, a alegação ministerial de que há discriminação indireta por parte do Réu, sob o manto de escolha não-aleatória, sucumbe quando se percebe, inclusive, a partir dos documentos apresentados, que a escolha de currículos se mostra impessoal, remetida por vezes através de meios eletrônicos, sem qualquer identificação da raça dos interessados, a resultar em elemento não-influente para a contratação, nem se estabelecendo tal elemento, efetivamente, a partir do verificado nos autos, como condição para a progressão funcional. A própria existência de mulheres, negros e pessoas de idade em cargos e funções questionados pelo Ministério Público do Trabalho faz indagar onde residiria a discriminação se possível, ainda que em menor número, perceber-se que o Réu não agiu com práticas discriminatórias para inibir tais trabalhadores de galgar os postos referidos, mas apenas não houve, segundo as seleções efetivadas, ainda o número de eleitos suficientes a adequar os parâmetros entendidos como corretos, segundo estatísticas frias que não podem, numa metodologia científica precária, caracterizar a necessária transposição para cada grupo das realidades numéricas que venha aferir. A lógica das afirmações nem sempre é precisa no sentido imaginado pelas premissas iniciais. Cabe perceber, ademais, que o ativismo judicial, ainda que salutar quando percebida a necessidade de preencher o vazio normativo exigido pela Constituição, não pode substituir a ação afirmativa do princípio constitucional para a enunciação geral da inobservância ao preceito valorado pela Carta Suprema, sob pena de se transformar o Juiz no criador de provimentos abstratos e genéricos, próprios da seara do Legislador. Por isso, insisto, não me convenço que as estatísticas apresentadas possam retratar uma evidência lógica da discriminação de gênero, raça e idade imputada pelo Ministério Público do Trabalho ao Réu. Não há vedação alguma para que o empregador possa adotar meios seletivos segundo o merecimento e a adequação das capacidades de cada um às funções exigidas, se não se indica nenhuma vedação explícita ou implícita a grupos de sujeitos que pudesse, assim, evidenciar prática discriminatória, ainda que velada. Nesse sentido, a própria Constituição Federal enaltece, em várias ocasiões, o respeito ao mérito, e assim também a Consolidação das Leis do Trabalho ao regulamentar o preceituado no artigo 7º, XXX, da Constituição, sobretudo a partir do artigo 461 consolidado, estabelecendo premissas de correção, no plano individual, das distorções eventualmente havidas quando a salário ou meios de admissão e progressão no trabalho. E nesse sentido, cabe repetir, também é a própria Convenção 111/OIT, integrada ao ordenamento jurídico pátrio, que, ao instante em que conceitua a discriminação no ambiente de trabalho, estabelece que os procedimentos seletivos por mérito não envolvem discriminação, sempre que não se efetivem separações por grupos de indivíduos segundo raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social (artigo 1º, § 3º). A invocação de existência de discriminação silente no âmbito da Sociedade brasileira não é suficiente a caracterizar a prática de ato discriminatório, ainda que inconsciente, por parte da empresa Ré. É necessário não pressupor e partir para a investigação consciente e inequívoca da existência de ato de constrangimento, ainda que velado, para que se possa chegar ao exame do pedido de inibição da referida conduta. Mas se não há o ato discriminatório, não parece possível deferir-se, apenas à conta de suposição de conduta, o pedido de obrigação de não-fazer, resultando daí outra discriminação, em que a empresa passa a responder por prática não reconhecida judicialmente, com conseqüências negativas na ordem econômico-social, a partir da propaganda negativa resultante da condenação imprópria. Por ora, pelo menos, segundo o contido nos autos, não há retrato fiel de prática discriminatória a ser inibida em relação ao Réu, no ambiente de trabalho, em relação a mulheres, negros e pessoas de idade. Com a devida vênia, estatística não é prova de fato existente ou havido. As estatísticas revelam possibilidades e não efetividades. O resultado estatístico envolvendo um grupo permite avaliar condutas, mas não é capaz de conduzir, sempre, ao retrato da realidade em relação a outro grupo, ainda que substrato do primeiro analisado, porque não necessariamente, ao partir-se o conjunto, o subconjunto estabelecido resultará nas mesmas premissas estatísticas antes delimitadas. Num exemplo do absurdo que o apego exagerado às hipóteses estatísticas pode gerar, a análise de que praticamente a metade da população é de homens e a outra é de mulheres não pode conduzir que, num grupo de duas pessoas, sempre haja um homem e uma mulher. A análise matemática envolvida na compreensão estatística, portanto, exige mais que a mera transposição numérica para a percepção dos dados segundo as especificidades dos subconjuntos criados em cada conjunto anteriormente analisado, para verificar-se se as premissas persistem, todas elas, íntegras para conduzir ao mesmo e necessário resultado. Ainda assim, matematicamente nada mais se pode revelar, pelo exame estatístico, que a mera probabilidade de repetição do resultado aferido no conjunto maior em relação ao subconjunto dele resultante. Inexistindo prática discriminatória demonstrada no âmbito da coletividade tutelada, não há campo para o pedido ministerial de imposição de comando inibitório para tal ato, sob pena de constituir-se uma inequívoca condenação de preconceitos que gerariam, inclusive, a necessária representação para outras conseqüências, inclusive na seara criminal. Não se há, com isso, que resultar uma declaração de inexistência de prática discriminatória pelo Réu em relação a algum sujeito específico, campo impróprio da via eleita e, ainda assim, sequer cogitado à falta de especificação de atingidos por discriminação havida como generalizada, segundo o relato ministerial. Por isso, e nesses termos, julgo improcedentes os pedidos formulados. RECONVENÇÃO: 1)PRELIMINARES: a) preliminar de incompetência absoluta: O Ministério Público do Trabalho, ao contestar a reconvenção oferecida pelo Réu, invoca a incompetência absoluta da Justiça do Trabalho para apreciá-la ao argumento de que a responsabilidade perseguida envolve a União por conta de ato de seus agentes, a atrair a regra do artigo 109, inciso I, da Constituição Federal. Noto, inicialmente, que a regra do artigo 109, inciso I, da Constituição vigente estabelece, ao final, preceito excepcionante, para descrever causas passíveis de serem apreciadas pela Justiça do Trabalho, ainda quando possa ser parte a União. Embora em audiência inaugural, sem qualquer protesto das partes, haja sido estabelecido que eram partes na reconvenção, como Reconvindos, apenas o Ministério Público do Trabalho e seu assistente, já que o Parquet é, na sua atuação institucional, a União em competência específica, noto que os incidentes processuais e as causas conexas àquelas de competência da Justiça do Trabalho são da competência desta, sob pena de indevido desvirtuamento da lógica estrutural do Poder Judiciário. Ademais, há que se notar o comando do artigo 318 do CPC que descreve a unicidade do julgamento dos pedidos contidos na ação e na reconvenção, assim envolvendo a unidade de julgador, ainda que para, sob outro fundamento, inabilitar o exame da pretensão reconvencional. Por isso, rejeito a preliminar de incompetência absoluta. b) preliminar de impropriedade da reconvenção: O Parquet invoca a impropriedade da via eleita ao argumento de que a reconvenção promovida contra o Ministério Público é inadequada já que mero substituto de interesses difusos de coletividades especificadas, enquanto a reconvenção deveria, no campo da ação civil pública, ser dirigida aos próprios beneficiários de eventual provimento judicial. Assevera, ainda, a desconexão da reconvenção com a ação principal e a própria contestação. Embora o pedido reconvencional não esteja desconexo da controvérsia principal, eis que fundada na alegação empresarial de que a discussão trazida a Juízo resulta em ferimento a sua imagem no mercado, com danos que pretende por isso ressarcidos, há que se notar que o artigo 315, parágrafo único, do Código de Processo Civil, estabelece que “Não pode o réu, em seu próprio nome, reconvir ao autor, quando este demandar em nome de outrem”, e assim ocorre em relação ao Ministério Público quando postula em substituição de coletividades de sujeitos não-identificados. Por isso, não conheço o pedido reconvencional apresentado, eis que impróprio em sede de ação civil pública, na forma do artigo 267, inciso IV, do CPC, restando prejudicadas as demais argüições preliminares. CONCLUSÃO: Pelo exposto, em relação à ação civil pública apresentada pelo Ministério Público do Trabalho, assistido em litisconsórcio pelo Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de Brasília em relação ao HSBC Bank Brasil S/A - Banco Múltiplo: rejeito as preliminares de impossibilidade jurídica do pedido e de ilegitimidade ativa ad causam e, no mérito, julgo improcedentes os pedidos contidos na exordial, por falta de prova, deles absolvendo o Réu; em relação à reconvenção: rejeito a preliminar de incompetência absoluta e acolho em parte a preliminar de descabimento da reconvenção em sede de ação civil pública, assim não conhecendo o pedido reconvencional, nos termos do artigo 267, inciso IV, do CPC, prejudicadas as demais preliminares, tudo consoante os fundamentos que ficam integrando este dispositivo. Custas, pelo Autor, de R$ 624.000,00, calculadas sobre R$ 31.200.000,00, valor dado à causa e acolhido para os devidos fins, das quais isento na forma legal (CLT, artigo 790A, inciso II, conforme acrescido pela Lei nº 10.537/2002), da dispensa alcançado o Litisconsorte-Assistencial nos termos do artigo 52, parte final, do CPC c/o artigo 18, parte final, da Lei nº 7.347/1985. Custas, pelo Réu-Reconvinte, de R$ 600,00, calculadas sobre R$ 30.000,00, valor dado à reconvenção e acolhido para os devidos fins, incidentes na forma dos artigos 20, § 1º, c/c artigo 34, do CPC. Oficie-se ao Ministério Público do Trabalho, na pessoa do respectivo ViceProcurador-Geral do Trabalho, ou seu substituto, para ciência desta decisão, devendo os autos seguirem ao Parquet , na forma regular. Considerando os efeitos gerais da sentença proferida em sede de ação civil pública (Lei nº 7.347/1985, artigo 16), publique-se a íntegra desta decisão no Diário de Justiça da União, seção III, expediente da Justiça do Trabalho/DF, para ciência dos interessados e dos demais integrantes da relação jurídico-processual, por seus respectivos procuradores. CUMPRA-SE. Brasília, 14 de novembro de 2005 (segunda-feira). ALEXANDRE NERY DE OLIVEIRA Juiz do Trabalho - Titular da 12ª Vara de Brasília/DF