Clube de Revista ESCOLA SUPERIOR DE CIÊNCIAS DA SAÚDE PEDIATRIA - HRAS INTERNATO 2005 Isabela Novais Medeiros Francyne Britto Funayama Acadêmicas do 5º ano Coordenação: Dr. Paulo R. Margotto ESCS/FEPECS/SES/DF Procedimentos dolorosos neonatais e a resposta do cortisol a um novo estímulo visual em crianças nascidas pré-termo aos 8 meses de vida Neonatal Procedural Pain and Preterm Infant Cortisol Response to Novelty at 8 Months Grunau RE; Weinberg J; Whitfield MF Pediatrics 2004;114:77-84 Considerações A exposição precoce e prolongada à dor pode alterar tanto o desenvolvimento da resposta ao estímulo doloroso, quanto o comportamento, o cognitivo e o aprendizado na infância; Trabalhos com animais demonstram que a manipulação ambiental no período neonatal pode conduzir a permanentes mudanças no eixo hipotálamo-pituitário-adrenal (HPA), refletindo em alterações na resposta ao estresse; Considerações Recém nascidos pré-termo nascidos com extremo baixo peso (menos de 800gramas) mostram respostas mal adaptativas ao estresse frente a um novo desafio, quando comparados com crianças nascidas a termo; Há escassez de evidências que demonstrem que a exposição de recém nascidos pré-termo à dor possa alterar a resposta ao estresse depois da alta da UTI neonatal. Objetivos Comparar a resposta hormonal ao estresse (cortisol salivar) antes e depois de um novo estímulo visual em três grupos de crianças nascidas: com VLGA (idade gestacional muito baixa) com ELGA (idade gestacional extremamente baixa) a termo Objetivos Examinar se a maior exposição a procedimentos dolorosos em crianças com 8 meses de idade (considerando a idade corrigida para a prematuridade) está ligada tanto a altos valores de cortisol; Avaliar se existe associação entre a quantidade de morfina utilizada em procedimentos dolorosos durante a internação e os efeitos futuros na resposta ao cortisol frente ao estresse. Hipóteses aventadas O cortisol basal será maior em crianças ELGA, quando comparada com crianças VLGA e aquelas nascidas a termo; Os ELGA terão um aumento da resposta do cortisol depois da interação com novos brinquedos aos 8 meses, enquanto que o grupo VLGA e os nascidos a termo não mostrarão uma resposta exagerada ao estresse, podendo reagir de maneira positiva ou diminuída ao mesmo; Hipóteses aventadas Entre os pré-termo, uma maior exposição à dor, estará associada com um aumento dos níveis basais de cortisol e da sua resposta frente ao estresse, depois de controlar a causa da severidade da doença prévia (para evitar vieses); Entre os pré-termo, uma maior exposição a morfina, modulará a longo prazo os efeitos dos procedimentos dolorosos, estando associados a menores níveis basais de cortisol. Métodos Participantes: 76 crianças: •19 pertenciam ao grupo ELGA (≤28 sem), • 34 pertenciam ao grupo VLGA ( 29-32 sem) • 22 a termos, que eram os casos controles. A amostra foi composta por crianças com idade cronológica para prematuridade de 8 meses Métodos Foram excluídas as crianças com debilidade nos sistemas neurosensorial, motor, cognitivo, com anormalidades congênitas ou quando as mães usaram drogas durante a gestação (Uma criança tinha insuficiência adrenal e recebeu cortisol intravenoso, sendo então excluída). As crianças foram selecionados na UTI neonatal do British Columbia’s Children’s Hospital. Métodos Inovação Visual Forma utilizada na pesquisa, para avaliar a resposta da criança à introdução de inovações visuais; Foram disponibilizados 4 tipos de brinquedos, um de cada vez, em uma ordem padronizada. Métodos Mensuração do Cortisol As amostras do cortisol da saliva para análise foram coletadas: •Logo após a chegada no laboratório, com a criança quieta (basal); • 20 minutos, após a introdução do primeiro brinquedo (medida 1), •30 a 40 minutos depois, durante a qual a interação mãe-criança foi avaliada por meio da escala de Bayley do Desenvolvimento Infantil (medida 2). Resultados As análises dos níveis de cortisol foram feitas baseadas nas três fases: basal, medição 1 e medição 2; Os grupos diferiram significativamente nos níveis de cortisol (p=0,006); As crianças ELGA mostraram um cortisol significativamente mais elevado, quando comparado com o VLGA e o grupo à termo (p=0,002); Resultados O grupo de VLGA mostrou queda significativa da taxa basal de cortisol para medida 1 (p=0,02), tendo então, um ligeiro aumento do medida 1 para o medida 2 (p=0,12); Às crianças a termo mostraram uma ligeira diminuição do valor basal para medida 1 (p=0,105), diminuindo mais intensamente do medida 1 para medida 2( p=0,04); Resultados Quando compara-se VLGA com ELGA, os níveis do cortisol eram significativamente mais elevados no grupo ELGA, tanto em relação aos valores basais (p=0.03), quanto na medida 1(p=0,007), tendo valores mais aproximados de cortisol na medida 2 (p=0,066); Resultados O número de procedimentos dolorosos na fase perinatal foi correlacionado significativamente com a gravidade da doença (p=0,001) e com a exposição à morfina desde o nascimento (p=0, 001); O número de dias do oxigênio foram usados como um marcador da doença a longo prazo no período neonatal; O número de dias do oxigênio foi moderadamente relacionado à exposição aos procedimentos (p=0,01 ) e não correlacionou-se com a exposição à morfina (estatisticamente não significativo); A baixa idade gestacional foi altamente correlacionada com maior severidade da doença (p=0, 0001); Resultados O cortisol basal e o cortisol da medida 1 foram significativamente associadas com maior tempo de oxigênio suplementar (p= 0,01),com idade gestacional mais baixa (p=0,05), e com maior exposição aos procedimentos dolorosos (p=0,05). O cortisol da medida 2 não foi significativamente associado com nenhuma variável neonatal considerada. Resultados Após controlar a severidade da doença e o tempo de uso de oxigênio suplementar (para evitar vieses), um maior número de procedimentos dolorosos resultou, independentemente de outras variáveis, em um cortisol basal mais alto; A exposição à morfina e a interação desta com o processamento da dor não foram associadas com os níveis de cortisol em nenhuma das medidas; A baixa idade gestacional está altamente correlacionada com um maior número de procedimentos dolorosos. Resultados Idade gestacional não esteve significativamente relacionada com o cortisol basal (p=0,21), conseqüentemente, concluiu-se que a exposição à dor foi o fator significativamente correlacionado com o cortisol basal alterado; Em contraste, na medida 1 o cortisol foi significativamente associado tanto à idade gestacional (p=0,026), quanto aos procedimentos dolorosos. O cortisol da medida 2 não foi significativamente correlacionado com a idade gestacional. Discussão O teste padrão do cortisol mostrado pelas crianças pré-termas ELGA diferiu significativamente dos outros grupos; O desenvolvimento do eixo HPA deve estar mais associado à idade cronológica, (já que a maturação do eixo depende da vida pós-natal) e quando a idade desde o nascimento é utilizada, lactentes prétermos tem maturação do eixo mais velhos ; Discussão Confirmou-se a hipótese de que, após o controle da severidade da doença neonatal de base, a maior exposição neonatal a procedimentos dolorosos foi altamente correlacionada à níveis basais de cortisol aumentados. Discussão Neste estudo, não foi possível demonstrar se a administração de morfina no período neonatal pode diminuir ou exacerbar respostas do eixo HPA. Questiona-se se a exposição antenatal à corticosteróides poderia ter impacto sobre o eixo HPA de lactentes pré-termo. Discussão O uso de dexametasona antenatal foi associado à supressão inicial da função das adrenais em lactentes VLGA, sendo que estes efeitos não foram mais aparentes a partir do 14º dia de vida. Neste estudo, utilizou-se um desafio psicológico, que avalia outros sistemas neurais como o hipocampo, que pode ser influenciado pela exposição antenatal à glicocorticóides. Discussão Fetos que foram expostos à esteróides em diferentes pontos do desenvolvimento do eixo límbico-hipotalâmico-pituitário-adrenal podem exibir diferentes impactos neste sistema. Neste estudo, poucos lactentes receberam dexametasona no período neonatal e seus níveis de cortisol no 8º mês de vida não diferiu dos lactentes que não foram expostos ao referido corticoesteróide. Discussão A idade gestacional correlacionou-se (p=_.73) com o número de procedimentos dolorosos, mas análises foram feitas para avaliar se a dor ou a idade gestacional era o fator principal; A idade gestacional não correlacionou-se com o nível basal de cortisol apresentado no 8º mês de vida, por isso concluiu-se que a exposição à dor (não a idade gestacional) era o fator principal na determinação do cortisol basal aos meses de vida. Discussão Em contraste, procedimentos dolorosos e idade gestacional se correlacionaram com o nível de cortisol após o estímulo visual. O início da realização de procedimentos dolorosos no período neonatal é um marco da exposição cumulativa à dor e ao estresse. Discussão Nos lactentes ELGA, mesmo os procedimentos de rotina não invasivos são mais estressantes que em lactentes nascidos a termo. A partir deste achado em lactentes ELGA, o estudo concluiu que dor prévia e/ou estresse cumulativo podem contribuir para um reajuste na regulação fisiológica basal do HPA. Discussão Os lactentes mais vulneráveis (ELGA) são cronicamente estressados e podem apresentar níveis de cortisol permanentemente alterados e/ou suas respostas ao estresse moduladas ineficazmente. É possível que existam mecanismos ontogenéticos críticos que se desenvolvem na vida intra-uterina, mas que são interrompidos pelo parto extremante prematuro. Discussão Os padrões de níveis de cortisol que foram encontrados no trabalho são provavelmente determinados por interações de múltiplos fatores. Os resultados do estudo mostram que crianças nascidas com extremo baixo peso (mesmo aquelas com inteligência normal) apresentam comportamento alterado quando comparadas com crianças nascidas termo. Discussão Por exemplo, crianças nascidas com extremo baixo peso distraem-se e desistem com mais facilidade e necessitam de constantes palavras de encorajamento para realizar tarefas. No estudo não foram contabilizados o número de procedimentos dolorosos a que as crianças foram submetidas, mas os problemas de comportamento foram relacionados ao tempo de permanência na UTI pediátrica. Discussão Manejo farmacológico da dor é parte intrínseca dos cuidados da UTI pediátrica. De fato, devido ao seu tempo de meia vida longo e início de ação lento, o uso da morfina para procedimentos de rotina não é a primeira opção. Discussão Atualmente, não se sabem quais os efeitos a longo prazo do uso de morfina no período neonatal. Os resultados deste estudo reforçam o fato que o uso de morfina não está associado a níveis alterados de cortisol no 8º mês de vida. Discussão Por outro lado, o alívio rotineiro da dor nas UTI pediátricas pode resultar em sedação prolongada ou repetida sem prevenção nas respostas ao estresse subseqüente. Pouco se sabe sobre à exposição prolongada ou repetida a qualquer agente analgésico e se mesmo a exposição repetida à sacarose não pode ser inócuo. Discussão Recentemente mais atenção tem sido dada a adaptações do ambiente no manejo da dor, que são medidas complementares ao uso de agentes farmacológicos cuja aplicação pode diminuir o nível de estresse frente à intervenção: posicionamento e contenção da criança, música e utilização do método Canguru. Intervenções ambientais efetivas proporcionam mais estabilidade à lactentes pré-termos nas UTI pediátricas e são elementos essenciais nos cuidados neonatais gerais. Limitações Em um estudo clínico, há múltiplos fatores que não podem ser controlados, por exemplo, na prática da UTI pediátrica, a morfina é administrada nos pacientes por razões diversas, não relacionadas diretamente com a analgesia (para ajuste da ventilação mecânica). Limitações É difícil distinguir a dor de outro desconforto ou estresse em lactentes pré-termos, sendo que a efetividade do uso de fármacos é incerta, e doses erradas podem ser administradas na freqüência errada. A maior limitação deste estudo é que não se correlacionou a exposição, a dose e a eficácia do uso da morfina especificamente no momento de cada procedimento doloroso. Conclusão Durante o desenvolvimento humano precoce, mecanismos de regulação da atenção, temperamento e função cognitiva são interrelacionados. O conhecimento da causa da resposta alterada ao novo estímulo visual é importante para o entendimento de determinantes do aprendizado e problemas de comportamento em crianças na infância. Conclusão Em conjunto com estudos em neonatos prétermos humanos, mais pesquisa com animais é necessária, com atenção especial ao remodelamento de múltiplos aspectos do cuidado intensivo neonatal. Obrigada!