O reconhecimento do dano existencial na jurisprudência trabalhista
Por Fernanda Muraro Bonatto
As empresas do ramo da construção civil têm sido alvo de ações trabalhistas
em que os funcionários requerem indenização por danos existenciais em virtude de
jornadas de trabalho habitualmente acima do limite legal ou em razão da não
concessão de férias remuneradas de forma reiterada por parte do empregador.
O dano existencial é tradicionalmente definido como a lesão injusta à vida de
relação e aos projetos de vida que caracterizam determinado indivíduo, através da
alteração prejudicial do seu estilo de vida e de suas estruturas relacionais. Caracterizase, portanto, pelo ato ilícito que venha a perturbar a vida diária da vítima, privando-a
de ocasiões para a livre expressão e realização da sua personalidade. Portanto, o dano
existencial ocorre quando o indivíduo é forçado a realizar escolhas de vida diversas
daquelas que teria realizado se o dano não tivesse ocorrido.
Essa categoria de dano representa uma espécie de dano moral e foi
desenvolvida originalmente pela jurisprudência italiana, mas tem sido acolhida nos
tribunais brasileiros, principalmente na esfera trabalhista. De fato, vem crescendo nos
últimos anos o número de decisões que condenam empregadores ao pagamento de
indenizações por danos existenciais causados a trabalhadores.
Na maioria dos casos, as indenizações por dano existencial são deferidas
quando fica comprovado que o empregador exige frequentemente jornadas de
trabalho excessivas (10 a 15 horas de trabalho diárias) ou não concede férias durante
longo período, fazendo com que o trabalhador perca a oportunidade de contato social
com amigos e familiares, reduzindo drasticamente os momentos de lazer e convívio
social.
Os Tribunais trabalhistas tem entendido que mesmo que as horas extras de
trabalho tenham sido remuneradas, o trabalhador sofre dano existencial e deve
receber a respectiva indenização se a jornada extraordinária extrapolar o limite legal
1
de oito horas diárias de forma contínua e reiterada. É necessário, no entanto, que o
trabalhador comprove que esse trabalho extraordinário alterou prejudicialmente seu
cotidiano, impossibilitando o desenvolvimento de seus projetos de vida de maneira
plena e sadia.
A fundamentação jurídica utilizada pelos Tribunais trabalhistas para a
concessão de indenizações por dano existencial, baseia-se na interpretação de certos
direitos e garantias fundamentais estabelecidos pela Constituição Federal que regulam
as relações de emprego, dentre os quais: a dignidade da pessoa humana e os valores
sociais do trabalho (incisos III e IV, art. 1º da Constituição), o direito social à saúde, ao
trabalho, ao lazer e à segurança (art. 6º da Constituição), o direito ao livre
desenvolvimento profissional (inciso XIII, art.5º da Constituição) e o direito à jornada
de trabalho não superior a oito horas diárias (inciso XIII, art. 7º da Constituição).
O Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, por exemplo, reconheceu em
recente decisão (Recurso Ordinário n. 00124-2013-150-03-00-6, publicado em
22/01/2014) que o direito ao lazer e ao descanso, garantidos pelo art. 6º da
Constituição, são direitos fundamentais diretamente associados à relação de trabalho.
Assim, segundo o referido julgado, a “prorrogação excessiva da jornada de trabalho”
configura ato ilícito, justificando a indenização pelos danos causados, que são
chamados de danos existenciais.
Diante desse entendimento, cabe a pergunta: para os Tribunais o que significa a
“prorrogação excessiva da jornada de trabalho”? Em outras palavras, quais são os
critérios levados em consideração que ensejam o dano existencial por jornada de
trabalho excessiva?
Da leitura das decisões mais recentes (entre abril de 2013 e abril de 2014) dos
Tribunais Regionais do Trabalho de São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do
Sul, vê-se que, em média, jornadas consideradas excessivas são aquelas em que o
empregador exige dedicação de 10 a 15 horas diárias ao trabalho. Também é levado
em consideração se houve respeito à folga semanal remunerada, se o trabalho extra
também ocorre aos fins de semana e se a exigência do cumprimento de jornadas além
do limite legal por parte do empregador é constante, ou seja, se é uma realidade
frequente na relação de emprego.
Em decisão recente o Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul
arbitrou R$ 5.000,00 à título de indenização por dano existencial ao trabalhador que
comprovou ter sido submetido à jornada de trabalho excessiva (TRT4 - Recurso
2
Ordinário n. 0001420-60.2012.5.04.0009, publicado em 09/04/2014). O Tribunal
considerou que a jornada de trabalho de 12 horas diárias, comprovada no processo,
demonstra exigência de trabalho excessivamente longa e desgastante que prejudica o
convívio e interação social do trabalhador com sua família e amigos, além de dificultar
atividades de lazer e aprimoramento cultural. Tal conduta do empregador, no
entender da decisão do Tribunal, é ilegal e abusiva e configura dano existencial que
deve ser indenizado no valor de R$ 5.000,00, considerando que o contrato de trabalho
teve duração de apenas seis meses.
Portanto, diante da aceitação cada vez maior do dano existencial pela
jurisprudência trabalhista é importante refletir de que modo as empresas podem
minimizar o risco de futuras indenizações. Um bom critério balizador, de acordo com
as decisões trabalhistas acima mencionadas, seria evitar situações que tornem o
trabalho em sobrejornada a regra, quando deveria ser a exceção.
Fonte:
BONATTO,
Fernanda
Muraro.
“O
reconhecimento
do
dano
existencial
na
jurisprudência trabalhista”. Jornal do Comércio,
Caderno Jornal da Lei – 24/06/2014.
3
Download

O reconhecimento do dano existencial na jurisprudência trabalhista