Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais
do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história
e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP,
2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6)
Arte, cultura e sociabilidade: virtù cívica e espaço público na
historiografia de Jacob Burckhardt
Carlos Mauro de Oliveira Júnior1
“Poucas coisas são, no fim das contas, capazes de dar real valor à vida do
homem moderno. Somos excluídos de mil maneiras diferentes da ação que
em outros tempos e com outras pessoas, fortalecia os nervos e revigorava os
sentidos. Quão pouco à vontade nos sentimos no mundo atual com suas
grandes máquinas com rodas, se não consagramos nossa existência a nobres
objetivos” (Burckhardt – “Carta a Albert Brenner de 17 de outubro de 1855”,
2003: 228).
"Don't be so gloomy. After all, it's not that awful,” says Orson Welles as the
black marketeer Harry Lime among the bombed wastes of Vienna in The
Third Man. “Remember what the fellow said – in Italy, for 30 years under the
Borgias, they had warfare, terror, murder, bloodshed, but they produced
Michelangelo, Leonardo da Vinci and the Renaissance. In Switzerland, they
had brotherly love. They had 500 years of democracy and peace, and what
did that produce? The cuckoo clock." Jonathan Jones – Jacob Burckhard: The
Renaissance Revisited. The Guardian, 10 july 2010.
Apresentação
Se um leitor curioso iniciasse, hoje, uma pesquisa mais ou menos cuidadosa
sobre Jacob Burckhardt a partir de alguns comentadores, teria uma forte impressão
acerca do pessimismo conservador do historiador suíço. É quase um lugar comum
historiográfico que Burckhardt via com pesar o seu mundo e previa um desastre para o
futuro. Os menos simpáticos ao autor, falam de um certo pedantismo aristocrático;
outros acham curiosa a sua monomania pela cidadania antiga e pelo indivíduo
renascentista. Vejamos alguns exemplos.
George P. Gooch, em Historia y Historiadores en el siglo XIX (1913), trata-o
como um conservador, um amante das elites interessadas pelo campo da civilização
(Gooch, 1977). Peter Gay, em O Estilo na História (1974), fala do horror que
Burckhardt sentia pela sociedade de massas (Gay, 1990). Hayden White, em seu
clássico Meta-História (1973), vê em Burckhardt a ação do mythos da sátira, “em que o
conhecimento histórico se divorcia em definitivo de qualquer pertinência para os
problemas sociais e culturais de seu próprio tempo e lugar” (White, 1995:244). O
resultado: um conceito de “obra de arte” contemplativo (Idem). Jorn Rusen, em “¿Qué
1
Professor adjunto de Teoria da História do Departamento de Ciências Humanas da Faculdade de
Formação de Professores da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Doutor em História Social pela
USP.
1
Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais
do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história
e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP,
2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6)
es la cultura histórica? Reflexiones sobre una nueva manera de abordar la historia”
(1994), apresenta Burckhardt como um exemplo de estetização da memória histórica,
um processo que leva a déficits na orientação política e à debilitação da força
argumentativa no trato com a experiência histórica (Rusen, 1994: 22). Com a estética, o
historiador suíço teria tentado salvar uma cultura perdida em relação à modernidade
(Idem: 23).
Não nos parece que as leituras acima sejam incorretas, mesmo porque não é
difícil recortar trechos de textos de Burckhardt em que o pessimismo se faz presente.
Gostaríamos, no entanto, de propor um matiz cronológico e interpretativo. Em especial,
no que se refere às descrições feitas por Hayden White e Jorn Rusen. Será que a cultura
enfatizada – ou elogiada – não teria como contrapartida uma determinada concepção de
liberdade e participação cívica que poderiam ser pensadas como educadores da
democracia que surge na segunda metade do século XIX? Os nobres objetivos, da carta
citada de 1855, poderiam ser a demonstração histórica da ideia de patriotismo local
existente em Atenas, Esparta e Roma (antigas) e em Florença (moderna)? Neste sentido,
o acento republicano (e maquiaveliano) do historiador Burckhardt teve, em algum
momento, a pretensão política de contribuir para o debate público? Seria o caso de,
como François Hartog sugeriu, ao analisar Fustel de Coulanges, de pensar uma
pedagogia política através da história (transformada em ciência)? (Hartog, 2003).
Sendo assim, o nosso objetivo é propor uma interpretação complementar aos
comentadores referidos, ou seja, apresentar uma hipótese de leitura em que “um”
Burckhardt mais jovem – até a década de 1860 – apresentou a res publica do norte da
Península Itálica como uma utopia/cidade ideal, uma nova forma de interpretar a
liberdade e a cidadania no seu mundo contemporâneo. A partir desta hipótese, o
pessimismo do fim da vida – que reconhecemos – seria matizado por uma genuína
preocupação com questões sociais de seu contexto. E isto relativizaria as ideias de sátira
e estetização. Algo como: “sou pessimista porque não considero os conflitos pelo
sufrágio universal na Europa do XIX um modelo de participação política que leve o
cidadão à maioridade, entendida como contribuição real à coisa pública. Acho que a
questão cívica deveria ser resolvida nas cidades, na praça pública, em frente ao
mercado... E não, somente, nas secretarias dos “gigantescos” Estados nacionais,
responsáveis pelos destinos de milhões” .
2
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e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP,
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Qualificando a ideia de utopia em Burckhardt
Um aspecto a favor das visões que insistem na estetização é a ligação do autor
com a “História Cultural”. Resta saber se a noção existente no XIX é similar à nossa.
Felix Gilbert, em “Jacob Burckhardt’s student years: the road to cultural history”
(1986), afirma que a História Cultural não era um campo claramente definido, sendo
algo oposto aos objetivos e interesses materiais; o trabalho da inteligência, das ideias
que formam o comportamento humano e ajudam a desenvolver o “volksgeist” (Gilbert,
1986: 263).
Malcolm Kitch, em “Jacob Burckhardt: romanticism and cultural history”
(1998), segue uma linha semelhante. Para ele, a “cultura”, no XIX, era uma espécie de
história social que acompanhava a política. Podia ser vista como a descrição do
cotidiano do conjunto da sociedade, relacionada aos estudos do folclore. No fim do
século, ainda segundo o autor, a vertente política foi fortalecida pelo Estado e a cultural
definhou (Kitch, 1998: 139).
Wallace Ferguson em um capítulo de La Renaissance dans la Pensée
Historique, demonstra a importância dos conflitos entre o gosto burguês contemporâneo
(XIX): industrial e materialista, com o desgosto e aversão provocados por este. Chega,
ao tratar de Burckhardt, a enfatizar a valorização da liberdade individual de pensamento
e palavra e, algo raro, matiza o seu pessimismo de velhice com alguma esperança em
relação ao futuro (Ferguson, 1950: 168-69).
Aqui encontramos pontos de maior interesse. O estudo da cultura, do
comportamento e da arte poderiam estar a serviço de uma área fora da competência do
Estado centralizado (grandes Estados). Seria este o interesse de Burckhardt ao
apresentar um capítulo sobre a sociabilidade no seu A Cultura do Renascimento na
Itália (1860)? Os aspectos indicados no capítulo teriam sido selecionados a partir de
valores em que a cultura cívica aproxima as classes/estamentos a despeito de outras
distinções? Seria a sociabilidade um elogio da participação política nas “repúblicas
menores”? Estaria a cultura a serviço da convivência e do agir em conjunto?
A ideia é que ao contrário do distanciamento em relação às questões históricas
de seu tempo (Burckhardt), poderíamos ter uma estratégia política. A res publica como
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“obra de arte” é um tipo de civilização urbana calcada no estudo, na participação
política local, no patriotismo ligado à cidade, na ideia de que a realização do indivíduo –
seus interesses – deve, de alguma forma, se coadunar com as ações de seus concidadãos.
“A utilidade, o mérito do indivíduo e do seu talento, é aqui, por toda a parte, mais
poderosa do que os usos e leis do restante do Ocidente” (Burckhardt, 1991: 33)2.
A “Itália da Renascença” é uma sociedade diferente. Talvez possam dizer que
Burckhardt exagerou as diferenças em relação ao Ocidente. Talvez seria o caso de um
“mergulho” nas fontes de Burckhardt para ver até que ponto ele supervalorizou a
aproximação cultural entre nobreza e burguesia na sociabilidade das cidades italianas do
Norte. Não é possível realizar esta tarefa no momento. Precisaremos nos ater aos
“interesses” do pesquisador, em sua seleção de questões e materiais de estudo. Estudar o
vestuário, a educação e o papel social das mulheres, a sátira, as cortes de sábios e
humanistas em torno dos príncipes ou, ainda, a violência desmedida e o desejo de
conhecimento seria a busca de uma alternativa aos males da sociedade que o autor
vivia?
Estudando em Berlim e em contato com um “idioma histórico” em que temas
como o progresso do espírito, a metáfora da marcha e as ideias de processo em que os
agentes mais sofriam as ações do mundo do que faziam escolhas, Burckhardt “retornou”
aos cidadãos antigos (e seus sucessores “italianos”). Estaria o autor à procura de uma
“zona franca” em que a liberdade do indivíduo não fosse alcançada pelo poder do
Estado? Este foi um tema de Benjamin Constant a fim de exorcizar as experiências
jacobina e napoleônica no trato da liberdade moderna. Isaiah Berlin (1981), entre
outros, viu na “zona franca” de Constant, a defesa da liberdade individual e privada3. A
garantia para os seus interesses e negócios particulares. Seria a História Cultural de
Burckhardt também um exercício de liberdade negativa?
2
Na mesa 09 do Simpósio “Historiografia da Arte e da Cultura: Renascimento e Barroco, o professor
Cassio Fernandes (UNIFESP), em sua comunicação sobre o estudo do colecionismo feito por Burckhardt,
chamou a atenção para a atenção dada pelo autor para as encomendas, patrocínios e outras formas de
alianças entre financiadores e artistas. Podemos imaginar o quanto a História da Arte de Burckhardt está
atenta a fatores políticos como busca de prestígio e ascensão social.
3
Em nossa tese de doutoramento, tentamos demonstrar alguns constrangimentos contextuais que levaram
à proposição da ideia de “zona franca” em Constant e, também, como o recurso a outras fontes do autor
ajuda a relativizar a ideia de que a liberdade dos modernos é somente privada (negativa, no sentido de
Berlin). Há uma defesa sempre presente na conciliação entre liberdades pública e privada e,
especialmente, na fiscalização do poder saído do sistema representativo (Oliveira Jr, 2003).
4
Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais
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e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP,
2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6)
Na coletânea de notas de aula de Burckhardt a partir de 1882, Fragments
Historiques (1965), há um conjunto instigante de pistas que podem ser relacionados a
estas questões.
Em primeiro lugar, encontramos a metáfora da marcha. Burckhardt afirma que
sua seleção de povos – a serem tratados nos cursos – responde aos interesses que o
passado desperta em “nosso” presente e tendo em vista o “nosso” futuro (Burckhardt,
1965: 6).
As notas sobre a Antiguidade apresentam as afirmações: o indivíduo é um
cidadão. O rompimento com seu grupo seria uma tragédia. O homem cultivado de
hoje tem maior preocupação com seus interesses particulares (Idem, ibidem: 6). Os
grifos (nossos) desejam chamar a atenção que a leitura de “zona franca” em relação ao
Estado não pode significar a defesa política do isolamento em relação às questões
públicas. A ambição por ascensão social precisa levar em conta a esfera pública e
cumpre que esta não esteja monopolizada pelo Estado.
Nas notas sobre os Tempos Modernos, há uma curiosa distinção entre Florença e
a Genebra calvinista (pátria de Rousseau). Ambas as cidades são elogiadas pela
participação cívica, mas Genebra é criticada pela excessiva vigilância moral que os
cidadãos sofrem. A república calvinista tratada por Burckhardt é, curiosamente,
próxima a alguns aspectos da liberdade dos antigos descrita por Benjamin Constant;
uma espécie de liberdade em que a vigilância pública escraviza os particulares, algo
incompatível com a civilização e a perfectibilidade do Homem moderno (Constant,
1985 e 1997).
Ao contrário de Constant, Burckhardt parece cético com as teorias do progresso
da humanidade4. Resta saber se ele não espera, apesar do ceticismo expresso em muitos
momentos, educar os cidadãos através dos exemplos da História. Teria Burckhardt
realizado em A Cultura do Renascimento na Itália um exercício de Historia Magistra
Vitae?
O século XVII “de Burckhardt”5 é marcado por duas vitórias contra a
uniformidade representada pelo par Estado/Religião na Europa: as revoluções inglesas e
4
“… we have no business sitting in judgement on any past age…It is questionable whether we possess
specifically superior historical insight [though] if we turn to knowledge of the past, our time is certainly
better equipped than any previous one”. Jacob Burckhardt citado por Malcolm Kitch, op. cit., p. 134.
5
O século XVII tal como aparece em suas notas de aula.
5
Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais
do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história
e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP,
2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6)
a revolta holandesa contra a Espanha6. Em nossa primeira leitura, acreditamos ser a
crítica protestante aos católicos. Todavia, as notas sobre os países luteranos e sobre
Genebra trazem críticas à estadolatria protestante (Burckhardt, 1965: 114).
A “cidade ideal” de Burckhardt – a Florença de Maquiavel – poderia ser, assim,
pensada como uma medida crítica para refletir sobre os Estados e a sociedade do século
XIX7. Burckhardt faria eco, em alguma medida, aos valores humanistas presentes na
tradição europeia, como encontramos em Alan Kahan: “Modern Humanism: the values
of Aristocratic Liberalism”(1992).
Um pequeno parêntese se faz necessário. Os leitores apressados de O Príncipe
de Maquiavel podem encontrar uma contradição entre ser este autor o “campeão” da
razão de Estado e o fato de Burckhardt ter construído uma leitura cívica – e não
autoritária – a partir de Maquiavel. Acreditamos que o Maquiavel de Burckhardt é o dos
livros sobre a república: Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio e A
História de Florença. Nestes, as ênfases são diferentes8.
No entanto, mesmo em O Príncipe, a metáfora do indivíduo do Renascimento
que poderia ser estendida do governante aos cidadãos, possibilitaria uma reeducação
cultural dos homens.
“Após uma longa vida de guerras, Alessandro – bom administrador, regente justo e
acessível – desfrutou de um governo tranquilo, reunindo uma biblioteca magnífica e
empregando seus momentos de lazer em conversas eruditas e religiosas” (...) “É
inegável que a situação dos perigos constantes a que estavam expostos desenvolveu
nesses príncipes uma grande habilidade pessoal. Só um virtuose podia mover-se em
meio a uma existência tão artificial, e cada um precisava justificar-se e demonstrar-se
merecedor de sua soberania. Suas personalidades possuem aspectos totalmente
obscuros, mas em cada um deles havia algo daquilo que compunha para os italianos o
ideal” (Burckhardt, 1991: 38 e 53).
Quem sabe, de uma forma um pouco diferente da analisada por Norbert Elias,
Burckhardt pensou nos indivíduos italianos por ele retratados como uma outra escola de
humanismo e boas maneiras (Elias, 1987 & 1994)? Cumpria educar o povo (ou as
6
Isto para não dizer que foram dois exemplos de revoltas com fases republicanas.
Agradecemos ao professor Antonio Edmilson Rodrigues pela discussão de temas relativos à cidade ideal
em uma disciplina que fizemos em nosso mestrado na Puc-RJ.
8
Encontram-se nas Oeuvres Complètes d’Alexis de Tocqueville, um pequeno conjunto de notas sobre
Maquiavel. É curioso que Tocqueville tenha se interessado pelo Maquiavel diplomata e tenha retirado daí
referências sobre as liberdades urbanas medievais, como um caminho esquecido da história europeia. Ver
o tomo XVI (1989).
7
6
Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais
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e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP,
2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6)
massas instáveis), o príncipe e suas elites senhoriais ou burguesas. Em todos os casos,
um pouco de humanismo cívico (e cortesão) poderia ser uma estratégia política de
educação da sociedade contemporânea.
Temos assim um pequeno conjunto de valores respublicanos ou neoromanos
(Quentin Skinner) resgatados pela historiografia de Burckhardt. Em nossa hipótese de
leitura, na primeira metade da vida e da carreira – pelo menos até a publicação de A
Cultura do Renascimento na Itália – o autor apresentou uma sociedade que apesar de
ser essencialmente diferente (quiçá melhor) do que a “nossa” é, também, a origem do
individualismo, das noções modernas de lucro e riqueza individuais. Caberia usar a
origem a fim de demonstrar o desvio? Seria possível reeducar o processo?
“Os contornos espirituais de uma época cultural oferecem, talvez, a cada observador
uma imagem diferente, e, em se tratando do conjunto de uma civilização que é a mãe da
nossa e que sobre esta ainda hoje segue exercendo a sua influência, é mister que juízo
subjetivo e sentimento interfiram a todo momento na escrita quanto na leitura desta
obra” (Burckhardt, 1991: 21).
No texto citado de Malcolm Kitch, encontramos uma imagem interessante.
Nesta, o idoso professor Burckhardt – em suas aulas de História da Arte – tentaria
encorajar seus pupilos a tomar posse do passado e a aprender com ele. Mais do que
conhecer os fatos, caberia apreender “valores eternos”: “History provided human beings
not with lessons to be applied but a perspective that allowed us to grasp the eternal
truths explain human condition” (Kitch, 1998: 143). Talvez Wallace Ferguson tenha
razão e um quê de esperança tenha sobrevivido ao ceticismo crescente da velhice de
Burckhardt.
Conclusão
Esta comunicação foi pensada para um simpósio de história cultural e de arte e,
apesar disto, este texto insistiu em transitar pelas avenidas da política. Cumpre explicar
os motivos. Em primeiro lugar, o fato, já explicitado acima, dos sentidos de uma
história cultural para o século XIX. E, em segundo, uma sugestão oriunda da leitura de
Eugenio Garin, em Ciência e Vida Civil no Renascimento Italiano: buscar as relações
entre a política, a estética e a cultura ou, melhor dizendo, explorar o nexo sólido
existente entre a efervescência cultural e da arte com o compromisso civil (Garin, 1996).
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do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história
e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP,
2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6)
Da maneira semelhante, Quentin Skinner, em um livro não muito antigo, busca o
diálogo entre o resgate feito pelos italianos da Renascença de valores da república
romana da Antiguidade – daí o termo neoromano – com uma pesquisa sobre a cultura, a
política e a arte do período (Skinner, 2003).
Em nossa hipótese, explorar as relações entre a História Cultural à moda de
Burckhardt poderia ser uma entrada para uma reflexão posterior: historiográfica, mas
também política. Esta diz respeito aos usos da Historia Magistra Vitae posteriores às
mudanças nos sentidos da história tão bem descritos por Reinhart Koselleck (2005 e
2013). Todavia, a ideia é ver até que pontos acentos humanistas (ou cívicos, ou
respublicanos) poderiam significar formas alternativas às ideias de processo e progresso
humanos. Até que ponto alguns exemplos específicos – e locais – poderiam ser usados
para instruir politicamente o percurso, ainda mais se se aceita as ideias democráticas de
maior presença das massas na cena política. Ir além das descrições – simpáticas ou não
– de pessimismo, conservadorismo, aristocratismo, nostalgia9 e humanismo tentando, na
medida do possível, qualificá-las e remetê-las aos seus contextos de aparecimento.
Em resumo, refletir como a Historia Magistra Vitae poderia ser “usada” como
estratégia política e retórica no sentido de reencenar os papéis da sociedade capitalista e
“democrática” do XIX.
Bibliografia
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BURCKHARDT, Jacob. Fragments Historiques. Genève, Droz, 1965.
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CONSTANT, Benjamin. “Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos” (1819)
in: Filosofia Política, 1985,2.
____________________ Écrits Politiques. Paris, Gallimard, 1997.
9
Agradeço ao simpático comentário de Luiz César de Sá Júnior (UFRJ) na mesa 08 do referido simpósio
em que apresentamos este trabalho.
8
Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais
do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história
e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP,
2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6)
DE TOCQUEVILLE, Alexis. Oeuvres Complètes d’Alexis de Tocqueville – tome XVI –
Mélanges. Paris, Gallimard, 1989.
ELIAS, Norbert. A Sociedade de Corte. Lisboa, Estampa, 1987.
_____________ O Processo Civilizador – volume 1 – uma história dos costumes. Rio
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HARTOG, François. O Século XIX e a História: o caso de Fustel de Coulanges. Rio de
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KITCH, Malcolm. “Jacob Burckhardt: romanticism and cultural history” in: LAMONT,
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KOSELLECK, R. & ALL. O Conceito de História. Belo Horizonte, Autêntica, 2013.
OLIVEIRA JR., Carlos M. Entre Virtudes e Interesses: liberdade, cidadania e sistema
representativo em Benjamin Constant e Alexis de Tocqueville. Tese de doutoramento
apresentada ao programa de pós-graduação em História Social da USP, agosto de 2003.
______________________ “Liberdade e usos da História em Benjamin Constant” in:
Oliveira, C.; Mollo, H.; Buarque V. (orgs). Caderno de resumos & Anais do 5º.
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Ouro Preto: EdUFOP, 2011.
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Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais
do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história
e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP,
2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6)
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10
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Arte, cultura e sociabilidade: virtù cívica e espaço público na