Governo Federal
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Ministério da Educação
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CAPES
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Teorias Linguísticas I
Revisão Linguística
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Diagramação
Arão de Azevêdo Souza
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Normalização Técnica
Elisabeth da Silva Araújo
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL - UEPB
410
C331t
Carvalho, Eneida Oliveira Dornellas de.
Teorias Linguísticas I / Eneida Oliveira Dornellas de Carvalho. –
Campina Grande: EDUEPB, 2011.
178 p.: il.
ISBN
1. Linguística. 2. Língua Portuguesa. 3.Gramática. 4. Educação a
Distância. I. Titulo.
21. ed. CDD
EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA
Rua Baraúnas, 351 - Bodocongó - Bairro Universitário - Campina Grande-PB - CEP 58429-500
Fone/Fax: (83) 3315-3381 - http://eduepb.uepb.edu.br - email: [email protected]
Campina Grande-PB
2011
Sumário
I Unidade
Percurso histórico da Linguística..........................................................7
II Unidade
Definição de Linguística e de seu objeto de estudo.............................23
III Unidade
Pressupostos teóricos de Saussure.................................................... 45
IV Unidade
O método de análise da Linguística Estruturalista...............................65
V Unidade
Outros Estruturalismos.....................................................................81
VI Unidade
Novos percursos para a Linguística...................................................95
VII Unidade
A linguística da enunciação...........................................................111
VII Unidade
A enunciação na perspectiva de Benveniste......................................127
IX Unidade
O dialogismo de Mikhail Bakhtin....................................................145
X Unidade
Outras perspectivas para o estudo da língua...................................163
I Unidade
Percurso histórico
da Linguística
significativo impacto científico na área, formam justamente
o conteúdo da disciplina que você começa agora a estudar,
Teorias Linguísticas l.
Apresentação
A disciplina Teorias Linguísticas se destina a fornecer um
conhecimento sobre as principais teorias que têm abordado a
língua como o objeto de estudo da Linguística. Esse objetivo
compreende a observação dos estudos pré-estruturalistas até
os estudos enunciativos da contemporaneidade, evidenciando-se os fundamentos teórico-metodológicos que norteiam
essas teorias.
A Linguística é uma ciência que se define, de forma ampla,
como um campo de estudos sobre a língua, em seus mais
variados aspectos: o modo de se estruturar, de evoluir, os seus
usos, a maneira como ela é aprendida, o modo como se relaciona com o social etc. É esta dimensão de estudos sobre a
língua que será abordada na disciplina Teorias Linguísticas l.
Consequentemente, o objetivo a ser alcançado é explicitar os
pressupostos teóricos das correntes linguísticas mais representativas dessa área de estudos, bem como suas metodologias
de análise.
Seguindo esse propósito, iniciamos nosso estudo resgatando a história da constituição de uma área de saber específica sobre a língua. Isso implica no conhecimento das
ideias que embasaram as condições para o surgimento dessa
área. São as teorias que compõem o que estamos chamando aqui de estudos pré-estruturalistas. Pois, até que tivesse
claramente definido seu objeto de investigação e sido fundada como ciência, a Linguística trilhou um longo percurso
histórico. Conhecer esse percurso facilitará a compreensão
de como a atividade investigativa sobre a língua foi adquirindo proporções tais, a ponto de ser necessário delimitar
um campo de saber específico para tratar de questões que
envolvem a língua.
É sobre esse percurso que vamos ler nesta unidade. Ele
será nosso ponto de partida para o conhecimento das várias perspectivas de abordagem que o estudo científico da
língua tem suscitado ao longo de seu desenvolvimento. As
principais dessas abordagens linguísticas, as que tiveram
8
SEAD/UEPB
I
Teoria Linguísticas I
Como fazendo parte de sua contribuição para essa construção de um conhecimento novo e específico, sugerimos, fundamentalmente, que você abrace essa tarefa com responsabilidade e compromisso. Essas atitudes se traduzem na prática,
através de pequenas mas significativas ações, tais como:
• Dedicar cotidianamente um tempo para suas leituras;
• Ler os textos de modo atento, refletindo sobre os novos conceitos e informações apresentados;
• Reler se necessário, fazendo anotações, marcando o
que julgar importante;
• Responder as atividades propostas, com atenção;
• Não guardar para si as dúvidas, esclarecendo-as com
o professor ou o tutor;
• Realizar com segurança a autoavaliação que se encontra ao final da unidade. Se você achar que sua
avaliação não foi satisfatória, retome as leituras, pesquise, reflita, discuta com o professor ou tutor, até que
constate que aprendeu.
Objetivos
• Esperamos que nesta unidade você tome conhecimento de um conjunto de reflexões desenvolvidas sobre a
língua, que antecederam e foram fundamentais para
a instituição da ciência linguística;
• A partir dessas reflexões, esperamos que você seja capaz de situar historicamente os estudos sobre a língua;
• Esperamos principalmente que você adquira uma base
de conhecimentos sobre a Linguística que lhe será necessária para o aprofundamento de seus estudos.
Teoria Linguísticas I
I
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Puxando o fio do novelo...
...a linha do tempo da
Linguística
Iniciando pela antiguidade grega
Mergulhando na história do Ocidente, situamos nossos primeiros
estudos sobre a língua na Antiguidade grega, há mais de dois mil e quinhentos anos antes de Cristo. Foram os filósofos gregos os precursores
dos atuais linguistas, e muitas das discussões que realizaram são ainda
válidas para se pensar sobre a língua ainda hoje.
Uma discussão fundamental tratava de esclarecer a relação entre
a língua e os conceitos designados por ela. Platão, um filósofo grego
do século IV a.C. dedicou uma obra completa, em forma de diálogo, o
Crátilo, a essa questão bastante instigante e polêmica: a relação entre
língua e mundo é fruto de uma convenção? Ou a língua mantém uma
relação natural com as coisas? Ou seja: a língua espelha o mundo?
São expressas assim duas teses para explicar a relação da língua
com o mundo: a tese convencionalista e a tese naturalista1, que Platão
sintetiza através da fala dos personagens: Crátilo, naturalista, que acredita que os nomes refletiam o mundo, e Hermógenes, convencionalista,
defendia que os nomes das coisas lhes são atribuídos por convenção.
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Teoria Linguísticas I
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11
Tese convencionalista: a língua é produto
de uma convenção humana;
Tese naturalista: a língua representa, naturalmente, as coisas do mundo.
1
Vamos conferir num fragmento da própria obra Crátilo, um exemplo de como Platão expressou a questão:
“Hermógenes – ...Nenhum nome é dado
por natureza a qualquer coisa, mas pela lei e
o costume dos que se habituaram a chamá-la
dessa maneira” (PLATÃO, 1988, p. 146).
Disponível em: <http://api.ning.
com/files/pq89zfzBJvOe0uc7ruR
*jrJCczGTp5g6tiqvm3f33g*jAAuX
CTmvNhb6ZmM3lmQs8C3lGM*
xwx6iRGlekRv1bSWVpYKAX8UA/
platao1.jpg>
“Crátilo – ... sou de parecer, Sócrates, que
os nomes instruem, sendo-nos lícito afirmar
com toda a simplicidade que quem conhece as palavras conhece também as coisas”.
(PLATÃO, 1988, p. 218)
Platão: importante filósofo
grego da antiguidade.
Atividade II
E agora emita sua opinião: que tipo de relação você acha que existe entre os
nomes e as coisas nomeadas? Por quê?
A ideia de que não há de fato uma relação direta entre as coisas e
as palavras já é um ponto pacífico nos estudos linguísticos, mas essa
discussão precisou ser retomada tempos depois, como veremos na sequência de nosso curso, para que fosse esclarecida a contento.
Um outro filósofo grego, Aristóteles, discípulo de Platão, concebia
a língua como ferramenta que servia para traduzir o mundo. Faziam
parte da natureza lógica da língua, as tarefas de nomear, qualificar,
predicar etc. Assim, o conhecimento de sua estrutura lógica levaria ao
conhecimento da realidade.
As categorias de classificação gramatical que adotamos para nossa
língua hoje são baseadas nesse princípio aristotélico. Para comprovar,
basta que tomemos algumas definições extraídas de uma gramática
da língua portuguesa, para podemos verificar nelas a ideia de que a
língua serve para designar ações que realizamos no mundo.
Atividade I
Sócrates, mestre de Platão, é mais um personagem do diálogo,
e tem a função de mediador do embate entre Hermógenes e Crátilo,
posicionando-se ora em favor de uma tese, ora em favor de outra.
Como atividade, propomos a você que identifique nos dois fragmentos de textos
a seguir, a tese que está sendo explicitada por Sócrates.
Vamos comprovar isso? Leia com bastante atenção as definições que
transcrevemos a seguir:
“Substantivo é a palavra com que designamos ou nomeamos os
seres em geral” (CUNHA E CINTRA, 1985, p. 171).
“O SUJEITO é o ser sobre o qual se faz uma declaração. O PREDICADO é tudo aquilo que se diz do sujeito (CUNHA E CINTRA,
1985, p. 119).
“...tendo observado que a língua escorrega particularmente na pronúncia do l, formou por imitação as palavras que designam o que
é liso, (leion), escorregadio (olísthanos), gorduroso (liparón); grudento
(kollôdes) e tudo o mais do mesmo gênero” (PLATÃO, 1988, p. 205).
dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
“o que nós designamos por sklêrotês (asperidade) os eretrienses
pronunciam sklêrotêr? (...) Então, o r e o s se assemelham entre si (...)
E a letra l, inserta na palavra, não exprime o contrário de aspereza?”
(PLATÃO, 1988, p. 217).
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Teoria Linguísticas I
Atividade III
Após ter lido as definições, você consegue perceber nelas o que dissemos sobre
as categorias da língua estarem em relação direta com ações que pessoas
realizam no mundo?
Teoria Linguísticas I
I
SEAD/UEPB
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dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
Além dos gregos...
Além dos gregos, outros povos da
Antiguidade também se detiveram a
pensar sobre a língua. Fugindo um pouco da tradição ocidental, por exemplo,
não se pode deixar de citar o gramático
hindu Pãnnini, que no séc. V a.C. desenvolveu uma descrição notável dos sons da língua sagrada da Índia, o
Sânscrito. Pãnnini estava movido por uma preocupação religiosa, a de
preservar a pronúncia correta dos textos sagrados. Mas a propriedade
de suas reflexões sobre este e vários outros temas ligados ao estudo
da língua fez com que aquelas, quando descobertas, fossem validadas pelos estudiosos do Ocidente. Assim é que no século XIX, como
veremos adiante, terão importância fundamental para a constituição
de uma linguística histórico-comparativa. Mas isto será visto adiante.
Nesse momento vamos seguir nosso caminho...
A Retórica se apresenta como o estudo das
técnicas de convencimento dos ouvintes por
aquele que fala, o orador.
2
Continuando com os romanos
Continuando o percurso de investigações sobre a língua, encontramos agora os romanos. Os romanos foram herdeiros da tradição
grega, e foram mais transmissores dessa tradição, do que inovadores.
De tal modo que se fala numa tradição greco-romana nos estudos
linguísticos.
A morfologia é o estudo da palavra, de sua
estrutura interna. Por exemplo, faz parte
do estudo morfológico dos substantivos em
português, a descrição de como eles se flexionam em gênero masculino ou feminino,
e de como se flexionam em número singular
ou plural.
3
Pelo processo de flexão não se criam novas
palavras. Por exemplo, a um mesmo verbo
pode-se acrescentar diferentes flexões de
modo, tempo, número e pessoa, sem que
com isso novas palavras estejam sendo produzidas. Continuamos com a mesma ideia
expressa pelo verbo inicial.
4
A derivação diz respeito ao processo de formação de novas palavras dentro da língua.
Vários são os modos de se conseguir isso. O
mais produtivo em português é através do
acréscimo de afixos às palavras. Por exemplo, a partir de feliz, pode-se obter novas palavras, como: felicidade, felicíssimo, infeliz
5
Mas os romanos também imprimiram sua particularidade ao discutirem a língua. Eles a estudavam sobretudo visando ao aprimoramento da Retórica2. Isto porque a educação do Império Romano estava
voltada para a formação de oradores. Lembrando que é também nas
especulações dos gregos que se encontra a base da Retórica como
desenvolveram os romanos. Importa salientar aqui que, mais uma vez,
vemos que o interesse de estudar a língua é conduzido com um objetivo
exterior à própria língua. Isto é, não se estudava a língua com um fim
em si mesma.
Ainda quanto à Retórica, vale o mesmo comentário anterior quando
falamos da vitalidade, nos dias atuais, das questões gramaticais discutidas pelos gregos. Facilmente, podemos também confirmar a vitalidade
dos recursos da Retórica, por exemplo, nos discursos dos políticos ou
no discurso da propaganda, apenas para ficarmos nos dois exemplos
mais citados entre os discursos que se apoiam na arte do convencimento do ouvinte ou do leitor. Sem falar nos cursos de oratória que se
baseiam nos princípios da Retórica.
Mas voltemos aos romanos. Dentre eles, destaca-se o trabalho do
filósofo-historiador Varrão, na área da morfologia3.
Uma contribuição de Varrão sempre lembrada nos estudos da morfologia, é a que distingue com clareza o processo de flexão4 do processo de derivação5.
14
SEAD/UEPB
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Teoria Linguísticas I
Varrão estabelece que o processo de flexão envolve formas variadas
de uma mesma palavra. Assim, ao se considerar meninos em relação
a menino, não há como distinguir palavras de significados diferentes.
O que se tem em termos linguísticos, é a noção de singular e plural.
O mesmo para menina em relação a menino. Temos a expressão das
noções de feminino e masculino de uma mesma forma linguística.
Já quando acontece o processo de derivação na língua, surge uma
palavra com significado próprio. Assim é, por exemplo, quando de feliz
se cria a palavra felicidade. Nesse caso, podemos facilmente constatar
que, embora pertencentes a um mesmo campo de significação, temos
duas palavras diferentes. E o que dizer de pontapé que é formado de
duas outras palavras?
Infelizmente essas noções não foram bem assimiladas por nossas
gramáticas quando se trata de classificar o grau como um processo
de flexão em língua portuguesa, sendo colocado ao lado das noções
de número e o gênero. Porque na verdade, o grau é um processo de
formação de palavra, ou seja, de derivação. É só examinar as características desse processo. A expressão de grau não é obrigatória como a
de número e gênero.
Pense bem: Ao dizer A menina está muito triste, ou a menina
está tristíssima, a expressão do grau é voluntária. Poderia-se
dizer também: a menina está tão tristinha.
O mesmo não se dá para a expressão de gênero. Em todas as frases tenho que usar a desinência –a para marcar a ideia de feminino. E
a ausência do –s nos substantivos, denota a ideia de singular em todas
elas. No âmbito da linguística, não há dúvidas quanto à natureza derivacional do processo de grau em nossa língua.
Com esse exemplo podemos retomar nosso comentário acerca da
representatividade dos estudos gregos e latinos na formação do conhecimento ocidental sobre a língua. Esses estudos são dotados de uma
propriedade tal, que sua influência se faz sentir até hoje nas nossas gramáticas. A base dos problemas linguísticos atuais, bem como a nomenclatura que se emprega no estudo da língua se encontram nos estudos
filosóficos dos gregos e romanos. Vale lembrar quanto a esse aspecto,
que nossa língua descende diretamente do latim, e a descrição de sua
estrutura segue a descrição que foi feita para o latim. O que resulta
muitas vezes até em incoerências, como a apontada em relação à classificação do processo de grau em português.
Nesse momento propomos uma pausa para que possamos refletir
sobre tudo que foi dito até esse momento sobre gregos, latinos, hindus.
E nossa proposta é que esta reflexão se dê no sentido de retomarmos,
para que fique bem clara a motivação que esses povos antigos associavam à investigação de questões relacionadas à língua.
Teoria Linguísticas I
I
SEAD/UEPB
15
do através das próprias, os teóricos da Idade Média estudaram a língua
porque viam nela esse meio de acesso. Nesse momento, você deve estar lembrando da tese naturalista de Platão: As palavras encontram-se
numa relação direta com as coisas, como se fossem espelhos delas.
Atividade IV
Agora é sua vez. Você já pode concluir algo importante sobre algumas
motivações que conduziram o estudo da língua por antigos estudiosos. Releia o
texto, e analise o interesse de cada povo citado até aqui para estudar a língua.
Registre sua análise nas linhas abaixo.
Especulativo se refere ao termo latino SPECULUM, que significa espelho.
“Conta a Bíblia, no livro de Gênesis, a história da Torre de Babel. Num tempo remoto,
‘todo mundo se servia de uma mesma língua
e das mesmas palavras’. Foi então que as
pessoas
7
De modo amplo, a Semântica se define no
âmbito dos estudos linguísticos como o estudo da significação, dos sentidos que são
atribuídos às formas da língua.
8
Um aspecto linguístico que se desenvolveu bastante no Renascimento foi a fonética9. Lembremos que esse período histórico foi marcado por contatos intensos com outros povos. Daí o interesse em se
descrever as novas e muitas línguas com que os europeus se deparavam. É a época dos dicionários, das enciclopédias, das gramáticas das
línguas vernaculares10. Tudo isso facilitado pela invenção da imprensa
de Gutenberg.
E no meio de tantas línguas, o desejo de encontrar uma origem
comum para todas elas, uma língua universal. E o esforço de sistematização, especificação de um saber gramatical que vai se sedimentando,
vai proporcionando simultaneamente o estabelecimento de uma disciplina autônoma, em caminho de se separar de especulações metafísicas, filosóficas, religiosas. Estamos caminhando para um momento
decisivo na história dos estudos sobre a língua: o século XIX.
dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
6
Mas, com o passar do tempo, já no fim da Idade Média, o interesse
pela língua vai adquirindo novos aspectos. O latim vai perdendo terreno porque, como estão se formando as nações da Europa, é preciso
estudar as línguas que vão dar identidade a essas nações. Esse é um
fato muitíssimo interessante. E que estará colocado plenamente na ordem do dia do Renascimento.
A resposta que você deu para o exercício leva à conclusão de que
nesses contextos a língua não era estudada por si mesma, mas sim, tomada como um meio importante e necessário para se chegar a elucidar
questões relativas à filosofia, à religião, à condição do ser humano no
mundo. E retomando nosso percurso histórico, podemos dizer que essa
perspectiva continua durante a Idade Média.
As especulações sobre a
língua na idade média
Por essa época, a ideia disseminada sobre a língua é que ela reflete
o mundo, como um espelho. Já lemos algo parecido relativo a essa
questão, não? Daí a designação de gramáticas especulativas6 para
as gramáticas referentes ao latim, elaboradas nesse período. O latim
é considerado a língua mãe de todas as línguas, a língua universal, de
origem divina7.
SEAD/UEPB
I
Teoria Linguísticas I
Vernáculo é o nome que se dá à língua
nacional, em contraposição à língua estrangeira.
10
Antes disso, porém, você precisa ratificar seu conhecimento sobre
as informações obtidas através dessa leitura. Por isso, propomos a atividade a seguir.
Atividade V
Explique com suas palavras o que você assimilou sobre o estudo da língua
durante a Idade Média e o Renascimento.
O propósito então dos estudos gramaticais latinos era o de descobrir como esse sistema linguístico conseguia significar o mundo, e assim
deu-se muita atenção às questões de ordem semântica8 envolvidas na
língua. Sendo impossível o acesso ao conhecimento das coisas do mun-
16
Dentro da tradição dos estudos Linguísticos, a Fonética é a parte em que se estudam
os sons produzidos quando falamos, porque
naturalmente emitimos sons quando falamos. E as propriedades desses sons são
descritos pela Fonética.
9
dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
Teoria Linguísticas I
I
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17
O século XIX
O século XIX é marcado pela ideia
da evolução. Transposta essa ideia para
o campo da língua, os estudiosos pretendem demonstrar que esta também
está sujeita a esse princípio de evolução. E foi a descoberta do Sânscrito,
como já antecipamos quando falamos
de Pãnnini, que serviu sobremaneira
para comprovar essa tese. Isso porque,
através de um método de comparação do sistema fonético, estrutura
gramatical e vocabulário das línguas, ficou constatado que o latim, o
grego e o sânscrito, bem como outras línguas européias, tinham muito
parentesco entre si.
A partir dessa constatação, e adotando-se o método de evolução
biológica para as línguas, ergueu-se a tese de que elas descendiam de
um tronco comum: o indo-europeu. Esse é o processo que dá origem
às variadas línguas que, à maneira dos organismos vivos, passam por
fases evolutivas de nascimento, crescimento e morte. E ainda: se agrupam em famílias que são representadas através de árvores linguísticas,
como a versão resumida a seguir:
Essas ideias evolucionistas formaram a base dos estudos das línguas
que predominaram no século XIX a partir do método histórico: a Gramática Comparativa e a Linguística Histórica, e se mantiveram até que
as investigações sobre a língua amadurecessem, e se encaminhassem
numa outra perspectiva, a do estudo do funcionamento da língua.
Antes de concluirmos nossa unidade, propomos a você mais uma
atividade que, como as outras, tem o propósito de ajudá-lo a fixar os
conhecimentos adquiridos.
Atividade VI
Após toda essa leitura, tenho certeza de que você é capaz de fazer um
comentário explicando as ideias que estão subjacentes ao que disse o escritor
francês Victor Hugo, do século XIX, a respeito da língua:
“A palavra, como se sabe, é um ser vivo.”
dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
Nesse momento, chegando ao fim desse percurso histórico, encerramos dizendo que a história da Linguística no século XX ganha contornos surpreendentes. Mas esse já é o tema de nossa próxima unidade.
Dessa maneira, só nos resta encerramos a discussão por aqui. Para
aprofundar seus conhecimentos sobre o longo e instigante caminho
trilhado pelos estudiosos para desvendar os enigmas da língua, do qual
apresentamos apenas uma síntese, sugerimos a leitura dos seguintes
autores e obras:
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Teoria Linguísticas I
Teoria Linguísticas I
I
SEAD/UEPB
19
Leituras recomendadas
FARACO, Carlos Alberto. Estudos pré-saussurianos. In: Anna Christina
Bentes & Fernanda Mussalim (orgs.). Introdução à Linguística. Vol. III:
Fundamentos epistemológicos. São Paulo, Cortez, 2004. pp. 27-52.
Neste texto, o autor traça um panorama sucinto mas bastante informativo do que o mesmo
define como estudos pré-saussurianos que se
desenvolveram no século XIX. Sua leitura é essencial para quem quer ficar conhecedor das
origens de muitas das questões debatidas sobre a língua, mostrando
em que direção esses estudos primeiros avançaram até figurarem
nas discussões linguísticas atuais.
Resumo
Para a tradição ocidental, as discussões filosóficas dos gregos antigos representam o ponto de partida do que veio a se constituir, muito
tempo depois, como uma ciência autônoma para se estudar a língua.
Para os gregos, a língua funcionava como janela para se conhecer o
mundo. Além dos gregos, os indianos e os romanos também se detiveram sobre a língua, e o fizeram por motivos diversos, como religiosos e
políticos. Na Idade Média, os teóricos estudaram a língua porque viam
nela o acesso ao conhecimento às coisas do mundo. Assim, ao longo
da história, foram sendo edificadas as bases teóricas para que no século XX, como vamos constatar na próxima unidade, a Linguística viesse a
se firmar como o domínio científico dos estudos da língua.
WEEDWOOD, Barbara. História concisa da Linguística. Trad.: Marcos
Bagno. 2ª ed. São Paulo, Parábola Editorial, 2003.
Este é um dos mais recentes livros sobre história da linguística no Ocidente. Desde Platão,
até Bakhtin, de quem ainda vamos falar. E,
embora de forma concisa, essa história não
é tratada de modo superficial. Com ela você
poderá ter um panorama mais amplo do percurso histórico da Linguística que realizamos
de forma resumida nesta unidade.
Autovaliação
Com o propósito de que você acompanhe a evolução de seus conhecimentos nesta disciplina tão importante para um profissional das
letras, é que propomos esse momento em que você registra o que
aprendeu. Sendo assim, reflita e teça um comentário sobre o fragmento
abaixo do filósofo grego, Platão, acerca da língua. Para isso, utilize os
conhecimentos adquiridos sobre a importância que os primeiros estudiosos atribuíam ao estudo da língua.
“...as coisas belas são difíceis de aprender; o conhecimento dos nomes não é negócio de importância somenos” (Platão)
dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
20
SEAD/UEPB
I
Teoria Linguísticas I
Teoria Linguísticas I
I
SEAD/UEPB
21
II Unidade
Referências
BORBA, Francisco Silva. Introdução aos estudos linguísticos. Campinas:
Pontes, 1991.
FARACO, Carlos Alberto. Estudos pré-saussurianos. In: Anna Christina
Bentes & Fernanda Mussalim (orgs.). Introdução à Linguística. Vol. III:
Fundamentos epistemológicos. São Paulo, Cortez, 2004. pp. 27-52.
MATTOSO CAMARA, Joaquim. História da linguística. 2ª ed. Petrópolis:
Vozes, 1975.
ORLANDI, Eni Pulcinelli. O que é Linguística. São Paulo: Brasiliense,
2005.
PLATÃO. Diálogos: Teeteto e Crátilo. Trad. direta do grego por Carlos
Alberto Nunes. Belém: Universidade Federal do Pará, Ed. Universitária,
1988.
ROBINS, R. H. Pequena história da linguística. Rio de Janeiro: Ao Livro
Técnico, 1983
WEEDWOOD, Barbara. História concisa da linguística. Tradução de
Marcos Bagno. 2. Ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.
Definição de Linguística e
de seu objeto de estudo
22
SEAD/UEPB
I
Teoria Linguísticas I
Teoria Linguísticas I
I
SEAD/UEPB
23
Para que você comece a pensar sobre a língua nessa perspectiva
científica, é necessário que:
• Leia atentamente os textos, refletindo sobre os conteúdos apresentados;
Apresentação
• Releia se necessário, fazendo anotações, marcando o que julgar importante;
• Responda as atividades propostas, com bastante atenção;
• Tire as dúvidas com o professor ou o tutor;
Analisando-se a história do pensamento da humanidade, podemos
constatar que desde cedo o homem começou a refletir sobre a importância da língua em sua existência. E esta reflexão sobre a língua não
se esgota, porque a todo momento ela está se modificando para atender às necessidades das pessoas se relacionarem na sociedade. Esta
realidade provoca a necessidade de uma disciplina que possibilite sua
análise a partir de várias perspectivas de investigação.
Assim, trataremos neste curso de apresentar as principais discussões teóricas sobre a língua que têm lastreado os fundamentos da Linguística. Partindo dessa princípio, iniciamos esta unidade apresentando
várias possibilidades de definições para o que pode ser reconhecido
como um estudo linguístico a partir do século XX, e a partir de então
apresentar uma discussão acerca do objeto de estudo da Linguística,
a língua.
Esse percurso é necessário porque ao nos depararmos com um
campo de conhecimento novo, entramos em contato com conceitos
básicos que definem esse conhecimento como um saber específico, diferente de outros conhecimentos afins.
• Realize a autoavaliação que se encontra ao final da unidade.
Esse é só o início de um caminho que promoverá o desenvolvimento
de seu espírito científico, e assim você passará a perceber a língua que
você usa no dia-a-dia de um modo diferente, atentando para as diversas possibilidades de interpretação de seu uso.
Objetivos
Por exemplo, estamos acostumados a pensar a língua como o conjunto de regras que devem ser seguidas para alcançarmos a boa expressão oral e escrita. Essa é uma visão de língua associada à Gramática. E portanto, de ampla aceitação na sociedade, porque é difundida
pelo sistema de ensino.
Com esta unidade, esperamos que você
No entanto, a língua pode ser tomada como objeto de descrição
e análise. Podemos refletir sobre o uso que fazemos da língua em diversas situações. Esta já é uma perspectiva de estudo da língua como
objeto da Linguística. É sobre a Linguística e a língua que vamos refletir
nesta unidade.
• Reconheça a concepção da língua enquanto objeto de estudo
passível de ser analisado cientificamente;
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• Reconheça o que pode ser caracterizado como um estudo linguístico-científico sobre a língua;
• Faça suas próprias análises sobre a língua.
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Comecemos por Carlos Alberto Faraco (apud CORTEZ E XAVIER,
2003, p. 66), que distingue uma explicação estrita de uma explicação
abrangente para mostrar que a Linguística pode ser definida em relação ao aspecto que se está focalizando quando se estuda a língua. Leia
o que ele diz:
Podemos iniciar então, com a pergunta:
“Grosso modo, podemos citar uma definição de
manual. A linguística é uma ciência que tem como
objeto a linguagem verbal ou as línguas naturais.
Mas para sair do manual, talvez fosse bom pensar que o termo linguística tem uma designação
ampla e uma designação estrita. No sentido amplo, poderíamos dizer que a linguística congrega
as diferentes atividades de estudo sistemático da
linguagem verbal e das línguas naturais que são
desenvolvidas nos departamentos de linguística e
nos programas de pós-graduação em linguística,
seja no Brasil, seja no mundo (...) E, nesse sentido estrito, o termo linguística estaria abrangendo
com certeza as teorias fonológicas e sintáticas, e
talvez também (isso a discutir com quem faz) as teorias semânticas e aquelas que nós chamamos de
semântico-pragmáticas”.
O que é linguística?
Começando pela apresentação da disciplina que leva o nome da
teoria, temos a opção de definir o que vem a ser a Linguística consultando um dicionário, como o Aurélio eletrônico, e extrair uma definição
como a seguinte:
Linguística
[Do fr. linguistique.]
Substantivo feminino.
1.E. Ling. A ciência da linguagem. O estudo da linguagem (8), da gramática das diferentes línguas, de sua história, bem como da aplicação
dos resultados obtidos na solução de problemas práticos.
A pesquisadora Ingedore Koch (apud CORTEZ E XAVIER, 2003, p.
125) também recorre a uma explicação ampla e a uma explicação restrita para definir linguística, como podemos ler abaixo.
“Bom, para mim a linguística é exatamente isso,
é a teoria da linguagem verbal. É a ciência da
linguagem verbal. Então, a linguística para mim
estuda esse sistema de que eu falei antes, o sistema linguístico, como dizia Saussure na metáfora
do jogo de xadrez, o tabuleiro, as peças, as regras
de combinação em todos os níveis. Mas a linguística estuda também a maneira como essa língua
é posta em prática no seio da sociedade. Então,
é importante haver sempre essa focalização muito
grande na prática social”.
Ou mesmo poderíamos acessar a internet, e no site da wikipédia
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Lingu%C3%ADstica), ler o que está lá escrito
sobre o que vem a ser linguística:
Linguística
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
A Linguística (português brasileiro) ou Linguística (português europeu) (AO 1990: Linguística) é o estudo científico da linguagem
verbal humana.
Temos com essas duas definições, a ideia mais geral para definir
a Linguística. Como foi visto mesmo na primeira unidade. Mas como
temos a intenção de familiarizar você com as teorias, bem como com as
pessoas que têm produzido teoria sobre o que supomos ser uma nova
área do saber para você, optamos por recorrer aos linguistas reconhecidos no nosso cenário acadêmico, pesquisadores, que têm investigado
sobre diversos aspectos do fenômeno linguístico, e que têm levado suas
recentes descobertas para serem apreciadas nos diversos congressos
em que se discute intensamente variadas questões sobre a língua. Portanto, vamos ler o que dizem aqueles que se ocupam da Linguística e
que fazem disso seu trabalho.
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Ao falar sobre o que vem a ser a Linguística, Bernadete Abaurre (apud CORTEZ E XAVIER, 2003, p. 16) já demonstra uma opção
claramente definida em direção à abrangência das possibilidades de
pesquisa que esta ciência comporta, quando diz:
“A linguística para mim é hoje um campo de estudos
muito amplo, que toma por objeto de estudo, de
investigação, os mais variados aspectos associados
às questões da linguagem. Então tenho um pouco
de problema em aceitar simplesmente uma definição de linguística como ciência da linguagem”.
E para finalizar, transcrevemos o que diz Mary Kato (apud CORTEZ
E XAVIER, 2003, p. 116). A autora oferece uma definição ampla de
linguística, apontando para seu objeto. A partir dessa definição, ela
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lança a questão sobre o modo de abordagem desse objeto. E aí então,
utilizando a imagem de um elefante, ela sinaliza para as diferentes maneiras como se pode definir um elefante, animal tão grande, tomando
um aspecto em particular. Do mesmo modo podemos proceder em
relação à língua.
Confira essa solução que Mary Kato adota para definir a Linguística, lendo o trecho a seguir:
Passemos agora ao segundo termo objeto de nossas indagações
nesta unidade.
O que é a língua?
“Você pode dizer que a linguística é a ciência que
estuda as línguas humanas, as línguas naturais.
Agora, a abordagem, o ângulo é que diferem.
Como é que você aborda um elefante? Segurando pelo rabo, pela tromba, pela orelha, quer dizer,
cada um tem uma perspectiva. É um objeto muito
complexo”.
Dadas todas essas definições, é a sua vez de refletir sobre a Linguística. Você deve ter lido todas com bastante atenção, pensado no que
essas definições têm de particular em relação a uma perspectiva de trabalho com a língua, esse objeto de que nos ocuparemos a seguir. Mas
antes, realize a primeira proposta de atividade de nossa unidade.
Atividade I
Resuma com suas palavras o que vem a ser uma definição ampla e uma definição
restrita de Linguística, considerando o que disseram os linguistas.
Atividade III
Atividade II
dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
Compare as definições dadas por Carlos Alberto Faraco, Ingedore Koch e
Bernadete Abaurre. O que elas têm de semelhante e no que diferem? Confronte
o resultado de sua comparação com o que diz Mary Kato. Você já pode se
posicionar nesse momento. Qual a ideia de Linguística que lhe parece mais
satisfatória? Por quê?
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Antes que iniciemos nossa investigação, escreva o que você pensa sobre o que
vem a ser a língua.
dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
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Certamente a resposta que você deu na atividade acima corresponde a uma dentre as muitas concepções de língua que podem ser empregadas para defini-la. Provavelmente, essa definição está associada
ao conhecimento que você adquiriu sobre a língua durante vários anos
de estudo no sistema escolar.
Recorrendo mais uma vez aos linguistas, veja o que eles dizem
quando instigados a dar uma definição de língua:
Comecemos agora por Eleonora Albano (apud CORTEZ E XAVIER,
2003, p. 26) que se expressou sobre a língua nos seguintes termos:
“Bom, vou dizer uma coisa que acho que ninguém
costuma dizer: a língua é literal mesmo. Quase todas as línguas usam a palavra que designa o órgão
para designar a língua que é falada”.
Atividade IV
Retome o que você escreveu ao expressar sua concepção de língua. Do que
você escreveu, alguma ideia se aproxima de uma, ou mesmo de mais de uma
das definições dos autores citados acima? De qual delas, e em que aspecto
específico?
As três definições apresentadas lhe parecem adequadas? Algum aspecto
citado nas definições lhe chamou a atenção? Por quê?
Francisco Gomes de Matos (apud CORTEZ E XAVIER, 2003, p. 92),
assumindo um outro ponto de vista, diz que a língua é
“Um sistema de comunicação intra/inter pessoal
e intra/intercultural, compartilhado e usado por
membros de uma ou mais comunidades, através
de variedades individuais, geográficas e sociais”.
dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
Ingedore Koch (apud CORTEZ E XAVIER, 2003, p. 124) diz:
“A língua é um conjunto de elementos inter-relacionados em vários níveis, no nível morfológico, no
nível fonológico-morfológico, sintático. Mas ela só
se realiza enquanto prática social”.
Veja bem, essas são apenas três definições de língua. Várias outras,
de outros estudiosos, poderiam ser reportadas aqui. Isso demonstra
que se pode estudar a língua a partir de diversos pontos de vista. Dependendo do aspecto específico que se quer desvendar ao estudar esse
objeto, adota-se uma definição que seja coerente com o objetivo que
norteia esse estudo. Disso resultam variadas definições, apenas aparentemente desconexas entre si.
Para refletir um pouco mais sobre esse fato, releia mais uma vez o
que disseram Eleonora Albano, Francisco Gomes de Matos e Ingedore
Koch, e responda a atividade a seguir.
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Você já havia parado antes para pensar desse modo mais reflexivo
sobre a língua? Sobre a sua importância para a vida em sociedade?
Essa atitude é o que estamos tentando fazer emergir nessa unidade,
para que você se torne um observador e um estudioso da língua.
Dando prosseguimento ao seu aprendizado, é importante dizer que
das espécies que habitam a Terra, o homo sapiens foi a única que
desenvolveu esse complexo sistema de signos. Esse é um fato notável
da evolução dos homens, pois sua convivência em sociedade e suas
consequentes conquistas só foram consolidadas porque fizeram uso sobremaneira desse sistema. E nem nos damos conta dessa realidade,
visto que a língua hoje está totalmente incorporada ao nosso dia-a-dia.
Quando nascemos já somos inseridos num mundo repleto de signos
linguísticos.
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Mas o que são signos?
Antes de responder essa pergunta, observe as imagens abaixo.
Certamente você identificou senão todos, pelo menos a maioria
desses signos1. Sabe por quê? Como você mesmo deve ter respondido,
o significado deles é convencional, ou seja, o significado de cada signo, um gesto, uma imagem, já está previamente definido e aceito pela
comunidade em que são empregados. Não há uma relação natural
entre essas imagens e o que elas significam. Foram os homens que
determinaram os significados atribuídos a essas imagens.
Isso também acontece com relação à língua. Mas, qual a natureza
dos signos que compõem a língua que os diferencia dos demais? Vamos descobrir.
Sobre a natureza dos
signos linguísticos
Podemos chamar essas imagens de signos. Signos não verbais. Vamos pensar um pouco sobre eles.
Dissemos em momento anterior que vivemos atualmente rodeados de signos. Santaella (1985) diz que “as invenções de máquinas
capazes de produzir, armazenar e difundir linguagens (...) povoaram
nosso cotidiano com mensagens e informações que nos espreitam e
nos esperam”.
Atividade V
Atividade VI
1) Dentre os signos acima, quais você identifica?
Reflita sobre o meio através do qual você recebe a maior parte das “mensagens
e informações que nos espreitam e nos esperam”. Enumere alguns desses
meios.
2) O que faz com que você reconheça esses signos?
3) Descreva o que eles significam.
Qual a substância de que são feitas essas mensagens?
dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
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dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
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Saussure anunciou a necessidade de uma
ciência para explicitar em que consistem
esses signos, quais as leis que os regem. E
definiu essa ciência como sendo a Semiologia, do grego semeiîon, signo
1
A maioria das mensagens que circulam em nossa sociedade nos
chega através dos olhos ou dos ouvidos. E são escritas ou são faladas.
Assim, estão traduzidas em forma de signos linguísticos. E como dissemos antes, é preciso que o sentido atribuído a estes signos tenha sido
resultado de acordo prévio entre os membros da comunidade que faz
uso desses signos, para que eles possam ser compreendidos. Ou seja,
em algum momento os falantes da língua se põem de acordo quanto
ao que vai significar cada pedaço da corrente sonora, a fim de que
assim cada um em particular possa reconhecer que realidade está sendo referida ao se utilizar determinados signos. Esse é um princípio da
constituição da língua fundamentado na convenção social.
Atividade VII
De que forma você traduziu o significado?
Traduzindo de forma bem prática o que isso tudo quer dizer, podemos pensar, por exemplo, na palavra MESA.
Ao ouvir essa sequência de sons, / m e z a /, os falantes de português podem associá-la a uma ideia, como à ideia de móvel sobre
o qual se come, se trabalha etc. Importante é frisar que só essa sequência de sons, e não outra, é capaz de evocar no falante de língua
portuguesa, o significado de ‘mesa’, e que esse significado se dissocia
de qualquer outro. Preenchidas essas condições, podemos dizer que a
sequência / m e z a / configura um signo linguístico.
Você expressou o significado das imagens através de um outro sistema de signos, o linguístico. Esse sistema, portanto, encerra a possibilidade de traduzir, além dele próprio, outros signos. Essa é mais uma
de suas características.
Veja o que diz Lopes (1995, p.45) a esse respeito:
“O que precisamente aparta, de modo definitivo,
os signos verbais das demais espécies de signos artificiais é o fato de que estes últimos serão sempre
traduzidos pelos primeiros (...); e estes, os signos
verbais, só são traduzíveis com adequabilidade por
outros signos linguístico-verbais”.
Nesse ponto, é importante que você retome as informações dadas a
respeito do signo linguístico. Sendo assim, propomos a você mais uma
atividade:
Atividade VIII
Identifique as características do signo linguístico apresentadas ao longo dessa
discussão, explicando-as resumidamente.
Ainda sobre a natureza do signo linguístico, vamos pensar agora
sobre o que você escreveu na terceira pergunta da atividade 5, quanto
ao significado daquelas imagens. Para isso, responda a pergunta da
atividade a seguir.
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dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
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É necessário estar com essas características muito bem sistematizadas, porque precisamos ter clareza do que estamos tratando quando
nos referirmos a partir de agora, ao signo linguístico.
Veja o que diz Albano (apud CORTEZ E XAVIER, 2003, p. 30) ao se
referir a Saussure e seu papel de fundador da Linguística:
Exercitando sua atitude observadora, pare para refletir:
O “Compreende-se por Linguística Estrutural um conjunto de pesquisas que repousa
sobre a hipótese de que é cientificamente
legítimo descrever a linguagem como sendo
essencialmente uma entidade autônoma de
dependências internas, em uma palavra,
uma estrutura (...) A análise dessa entidade permite constantemente isolar partes
que se condicionam reciprocamente, cada
uma delas dependendo de algumas outras,
sendo inconcebível e indefinível sem essas
outras partes” (Hjelmslev, apud Lopes,
1995, p. 39).
2
associado ao linguista suiço Ferdinand de Saussure3, que, no século XX,
teve o mérito de desencadear a instituição da Linguística como ciência
autônoma, dotada de um objeto próprio e de métodos específicos para
análise desse objeto.
Você percebeu que já estamos operando com uma definição de
língua? Isso quer dizer que já estamos nos posicionando sobre a língua
a partir de uma perspectiva teórica. Essa perspectiva teórica de estudos
linguísticos é o Estruturalismo2.
“Acho que o papel de Saussure em anunciar, com
a sua obra, o que viria a ser a linguística foi muito
importante e gerou muitos manifestos. (...) Então,
é um discurso científico que nasceu na virada do
século XX, a partir de outros discursos que já havia
por aí, que falavam sobre a linguagem e que realmente eram muito heterogêneos. E Saussure teve o
papel de peneirar e de saber puxar um fio lógico:
vamos separar isso aqui de tal forma que a gente consiga mapear um certo recorte com métodos
claros e possa fazer distinções. Então, a linguística
é esse conhecimento da linguagem que se quer
científico e que, para mim, está sempre entrelaçado com essas outras coisas aí, essas outras formas
de saber sobre a linguagem”.
E antes de continuarmos, é importante que você retome o início
de nossa unidade, quando tratamos de definir a Linguística. E responda
a mais uma atividade.
Atividade IX
Releia aquelas definições e tente identificar em que momento os autores
apresentam uma definição de Linguística que está sendo pensada a partir de
uma perspectiva estruturalista.
Transcreva os trechos que denotam essa perspectiva, explicitando o que há
neles que permite identificá-los assim.
Essa obra trata-se do Curso de Linguística Geral e foi publicada
postumamente por alunos de Saussure, que a organizaram a partir de
anotações de suas unidades durante três anos de cursos sobre Linguística geral. Não se tinha ideia, à época, da importância que esse livro
teria para a Linguística moderna.
Considerando o que Saussure1 diz sobre a língua nesse curso, pode-se defini-la de forma simples e direta como:
“o conjunto de todas as regras (fonológicas, morfológicas, sintáticas e semânticas) que determinam
o emprego dos sons, das formas e relações sintáticas, necessárias para a produção dos significados”
(LOPES, 1935, p. 77).
Mas vamos beber na fonte e buscar Saussure por ele mesmo. Para
explicar seu conceito de língua, Saussure estabeleceu um paralelo inteligente entre a língua e o jogo de xadrez, que podemos resumir assim:
dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
Retomando nossa unidade, podemos dizer que se identificam como
estruturalistas todas as pesquisas sobre a língua que dão relevância à
observação do caráter estrutural, sistemático, do código linguístico. Daí
a designação estruturalismo.
No xadrez, não importa o material de que são feitas as peças do
jogo, mas as relações que elas mantêm entre si. Assim, as peças podem
ser de madeira ou de metal, o que vai definir as possíveis jogadas são
essas relações e o fato de haver regras para o jogo, predeterminadas e
aceitas pelos jogadores.
O emprego do termo signo linguístico, como é adotado dentro desse enfoque estruturalista para designar os elementos da língua, está
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Saussure é considerado o fundador da
Linguística. Isso porque, a partir de suas
indagações teóricas, a Linguística foi reconhecida como ciência autônoma. Definitivo
para isso foi sua asserção de que a língua,
enquanto sistema, evidentemente, era de
fato o objeto da Linguística. E sua teoria
sobre a língua terminou influenciando toda
uma geração de correntes linguísticas que
ficou conhecida sob o rótulo de Estruturalismo.
3
mesmo tempo, um produto social da faculdade de
linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o
exercício dessa faculdade nos indivíduos. Tomada
em seu todo, a linguagem e multiforme e heteróclita; (...) A língua é um todo por si e um princípio
de classificação”.
Vamos esmiuçar esse conceito de língua de Saussure.
Ao perguntar o que é a língua, ele responde que ela não se confunde com a linguagem. A língua é uma parte da linguagem, a parte social, que, segundo o próprio Saussure (1998, p. 22), “não existe senão
em virtude duma espécie de contrato estabelecido entre os membros
da comunidade”. E não pode ser modificada pelo indivíduo falante,
porque só é susceptível a modificações se estas resultarem de acordo
entre todos os membros da comunidade.
Transpondo a dinâmica do funcionamento do jogo de xadrez para
o sistema da língua, podemos dizer que os elementos desse sistema,
os signos linguísticos, só funcionam se estiverem em relação uns com
os outros. Assim, um signo linguístico, como uma peça do xadrez, só
adquire valor e função quando entra em relação com demais signos,
formando então o sistema da língua.
‌Quanto à relação língua ÑÒ linguagem, entendemos que para Saussure a faculdade de linguagem é algo mais amplo e que a engloba.
A linguagem é heterogênea, multiforme. A língua seria então uma das
expressões da linguagem, a parte homogênea, por isso passível de
análise. E em função dessa propriedade é que foi adotada para ser o
objeto da Linguística.
Só para finalizar: tendo em vista o que acabamos de ler sobre língua
e linguagem, que parte dessa relação caberia à Semiologia estudar?
A resposta você pode incluir no exercício proposto a seguir, em que
sugerimos que você retome o que aprendeu até aqui sobre Saussure e
suas ideias.
Atividade X
Diga quem é Saussure, qual a sua importância para o que se conhece como
Linguística, como ele definiu aquilo que tomou por objeto da Linguística, enfim,
registre o que aprendeu.
E então Saussure (1998, p. 17) explica o que vem a ser a língua:
dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
“Mas o que é a língua? Para nós, ela não se confunde com a linguagem; é somente uma parte determinada, essencial dela, indubitavelmente. É, ao
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Encerrando a discussão por aqui, chegamos ao final desta unidade.
Espero que você tenha se entusiasmado para saber mais sobre essa
ciência tão ampla que teve e tem um papel fundamental para a discussão de questões as mais diversas, como as relacionadas ao ensino de
línguas, ao desenvolvimento de tecnologias da comunicação, às questões de identidade nacional, entre tantas outras sempre envolvendo o
uso da língua. E sendo a Linguística a ciência que vai se ocupar desse
objeto, será sobre ela e sobre seu objeto que vamos continuar discutindo. Apresentaremos novos pontos fundamentais da teoria de Saussure,
nosso divisor de águas. Mas esse já é o tema de nossa próxima unidade, por isso encerramos nossa discussão por aqui.
Leituras recomendadas
Para aprofundar seus conhecimentos sobre os temas que discutimos
nessa unidade, sugerimos a leitura dos seguintes autores:
LOPES, E. Fundamentos da Linguística Contemporânea. São Paulo: Cultrix,
1995.
O autor apresenta os fundamentos da Linguística Estrutural, iniciada por Saussure. Portanto, é uma obra
básica para quem quer conhecer os princípios em que se assentaram os primeiros
estudos científicos sobre a língua. E que
permanecem válidos para quem a observa como estrutura. Atenção para o termo
“Contemporânea” que neste caso não
equivale a “atual”.
SANTAELLA, L. O que é Semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1985.
Neste livro encontra-se uma teoria dos signos, e através dela a autora promove a compreensão do leitor
acerca da importância do estudo dos
signos em nossa sociedade. Através de
sua leitura se adquire o conhecimento
do que é a Semiótica, ciência que estuda toda e qualquer linguagem, e sua
relação com a Linguística, que estuda
a linguagem verbal.
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SAUSSURE, F. de. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix, 1998.
Embora não sendo de leitura fácil, esta obra é fundamental para todo
estudioso da Linguística. Nela está definido
o signo linguístico como objeto de estudo
científico, e as teses que deram início à fase
dita contemporânea dessa ciência. Sua leitura garante ao leitor, portanto, o trabalho e
o prazer de “beber na fonte”. Especialmente
para esta unidade, é importante a leitura do
capítulo I – Natureza do signo linguístico.
XAVIER, Antônio Carlos e CORTEZ, Suzana (orgs.). Conversas com linguistas:
Virtudes e controvérsias da linguística. São Paulo: Parábola, 2003.
Os organizadores reúnem neste livro o resultado de entrevistas realizadas com 18 linguistas brasileiros de
diversas correntes teóricas, sobre questões
relacionadas à área. Entre elas, o conceito
de língua e linguística, dentre eles, os que
utilizamos aqui. Sua leitura, portanto, vai lhe
proporcionar a ideia que tivemos preocupação em demonstrar nessa unidade, de que esse é um campo de estudo marcado pela pluralidade de pontos de vista, e esse é um fato que
não pode ser desconsiderado quando se trabalha com língua.
Recomendamos também a leitura das revistas Língua Portuguesa, Editora Segmento e Discutindo Língua Portuguesa, Editora Escala
Educacional. Ambas tratam de temas muito diversos sobre a língua,
de modo bastante acessível, assim oferecem uma leitura descontraída
para quem tem interesse em começar a pesquisar sobre a língua.
Resumo
A Linguística conquistou sua autonomia como ciência, independente de
outras áreas do saber, no início do século XX, sob o legado do movimento
estruturalista. Em função disso, seu objeto de estudo, a língua, foi definido
tendo por parâmetro o que havia nele de mais sistemático, que pudesse
ser observado estritamente do ponto de vista linguístico, a sua estrutura
interna. Era a necessidade de se definir um objeto próprio que justificasse
o estabelecimento de uma ciência para investigá-lo. Assim, foi definida a
língua como um conjunto complexo de signos, de natureza convencional.
E todo esse legado se deve a Ferdinand de Saussure, o linguista que sistematizou esses conhecimentos nos cursos que ministrava, lançando assim
as bases para o desenvolvimento de uma ciência que hoje é marcada
pela multiplicidade de abordagens e pontos de vista sobre seu objeto.
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Referências
Autovaliação
BOUQUET, S. Introdução à leitura de Saussure. Trad. Carlos Salum e
Ana Lúcia Franco. São Paulo, SP: Cultrix, 2004.
Nesse momento você tem a oportunidade de avaliar o seu aprendizado, considerando os novos conhecimentos que lhe foram apresentados, e os aspectos que ainda precisam ser melhor esclarecidos para
a compreensão desejada do assunto. Para isso, proceda da seguinte
forma:
• Retome e escreva aqui o que você disse sobre a língua na atividade 2.
• Escreva agora sua compreensão do que vem a ser língua.
• Compare o que você pensava sobre a língua antes de mergulhar nessa
leitura, com o que você pensa agora.
• A partir da comparação, avalie sua aquisição inicial de uma compreensão
científica da língua.
CAMARA JR., J. Mattoso (1980), Princípios de Linguística Geral. Padrão:
Rio de Janeiro.
CARVALHO, C. de. Para compreender Saussure. Rio de Janeiro:
Presença, 1991.
DUBOIS, Jean et al. Dicionário de Linguística. Tradução Izidoro Blikstein.
São Paulo: Cultrix, 1993.
FIORIN, José Luiz (org). Introdução à Linguística: I Objetos Teóricos. S.
Paulo: Contexto, 2003.
______. Introdução à Linguística: II Princípios de Análise. S.Paulo:
Contexto, 2003.
KRISTEVA, Júlia, História da Linguagem. Lisboa: Edições 70, 1980.
LOPES, E. Fundamentos a Linguística Contemporânea. São Paulo: Cultrix,
1995.
SANTAELLA, L. O que é Semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1985.
SAUSSURE, F. de. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix, 1988
(1916).
XAVIER, Antônio Carlos e CORTEZ, Suzana (orgs.). Conversas com
linguistas: Virtudes e controvérsias da linguística. São Paulo: Parábola,
2003.
dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
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III Unidade
Pressupostos
teóricos de Saussure
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E para favorecer sua aprendizagem, relembramos as
orientações que demos na primeira unidade:
Apresentação
• Dedicar cotidianamente um tempo para suas leituras.
• Ler os textos de modo atento, refletindo sobre os novos conceitos, informações, apresentados;
Esta é a nossa terceira unidade, o terceiro momento de
discussão sobre a língua fundamentada numa perspectiva
especializada, para além do conhecimento geral que as pessoas têm, em maior ou menor grau, sobre ela. Como estudiosos da língua, estamos construindo um saber específico,
apoiados em reflexões teóricas e em métodos científicos.
Assim, na primeira unidade você ficou sabendo dos questionamentos que povos antigos fizeram acerca da língua e
que resultaram na formação de um campo de saber específico: a Linguística. Partimos então na segunda unidade para
um exame mais profundo do que vem a ser a Linguística e
de seu objeto de estudo, através da palavra dos próprios
linguistas. E então chegamos à noção de signo e você deve
ter se dado conta de que as discussões aqui apresentadas
se baseiam num modo de pensar científico sobre a língua.
Isso é importante, porque pretendemos que você desenvolva
essa visão de língua, para além do senso comum.
Nesse sentido, nossa tarefa nessa terceira unidade será
a de apreender os princípios fundamentais sobre os quais
se assenta a teoria de Saussure. Para isso iniciaremos pelo
que já conhecemos sobre o signo. Esse será nosso ponto de
partida. Ao final da unidade, você mesmo poderá explicitar
nosso ponto de chegada. Comecemos então pelo primeiro
passo, sabendo que a caminhada exige: disciplina, constância, caídas e retomadas. Sendo assim, é importante manter
em mente seu objetivo: aprender.
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• Reler se necessário, fazendo anotações, marcando o
que julgar importante;
• Responder as atividades propostas, com atenção.
• Não guardar para si as dúvidas, esclarecendo-as com
o professor ou o tutor.
Ao agir dessa forma, alcançaremos nossos objetivos com
esta unidade, que estão explicitados a seguir:
Objetivos:
É nosso propósito com esta unidade fazer com que você:
• Amplie seus conhecimentos sobre a teoria de Saussure, o pai
da Linguística;
• Adquira o conhecimento dos conceitos básicos que fundamentam os estudos linguísticos inaugurados pelo fundador da Linguística.
Teoria Linguísticas I
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Continuando nossa
conversa sobre Saussure...
Já sabemos que foi Saussure quem
promoveu o rompimento com o método histórico-comparativo de estudo da
língua, que predominou em todo o século XIX. E é interessante saber que ele
mesmo realizou investigações nessa
perspectiva, como um estudo das vogais nas línguas indo-européias. Percebemos com isso sua capacidade de
ir além, de vislumbrar novas possibilidades de análise para um objeto de
estudo. Assim, desenvolve todo um
olhar novo sobre os fatos linguísticos. Você já teve um conhecimento
inicial de suas ideias, quando lhe foi apresentado o conceito de signo
com suas características, a definição de língua a partir da noção de
signo, e o lugar que ela ocupa nos fatos de linguagem.
Convidamos você então para, nesta unidade, conhecer mais sobre
a teoria linguística de Saussure. Obviamente aceito o convite, vamos
começar retomando o conceito de signo linguístico, para aprofundá-lo.
puramente física, mas a impressão (empreinte) psíquica desse som, a
representação que dele nos dá o testemunho de nossos sentidos; tal
imagem é sensorial, e, se chegamos a chamá-la ‘material’, é somente
nesse sentido, e por oposição ao outro termo da associação, o conceito, geralmente mais abstrato” (SAUSSURE, 1998, p. 80).
Tomando o primeiro enunciado do trecho, nós temos que “O signo
linguístico une não uma coisa e uma palavra...”. Essa ideia lhe soa familiar? Antes de prosseguirmos com nossa explicação do signo, já lhe
propomos que explicite o porquê de Saussure começar sua definição de
signo dizendo o que ele não une. Essa é a primeira atividade desta unidade. E para realizá-la, talvez você precise retomar a discussão sobre o
desenvolvimento histórico da Linguística, matéria da primeira unidade.
Atividade I
Responda à questão: Partindo da tradição dos questionamentos que já se fez
sobre a língua, desde os gregos, o que Saussure está propondo para o seu
estudo quando diz que a língua não é expressão da realidade?
O signo linguístico
Você lembra do que dissemos na unidade anterior a respeito da
sequência de sons que compõem a palavra mesa e o significado que
esses sons adquire para o falante da língua? Naquela ocasião, dissemos tratar-se essa palavra de um signo da língua.
Um aprofundamento do conceito de signo implica considerá-lo, segundo Saussure, como o resultado da associação entre um conceito e
uma imagem acústica.
Vamos examinar esse conceito mais de perto, porque a compreensão do signo linguístico, como o definiu Saussure, é fundamental para
se entender todo o desdobramento de sua teoria, bem como o desdobramento dos estudos estruturalistas que lhe seguiram.
Orientando nossa proposta de estudar Saussure por ele mesmo,
começamos por transcrever o que ele diz a respeito do signo, no trecho
a seguir:
“O signo linguístico une não uma coisa e uma palavra, mas um
conceito e uma imagem acústica. Esta não é o som material, coisa
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dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
Certamente você respondeu com propriedade à questão proposta.
Já sabe portanto, que Saussure supera a ideia vulgar de língua como
algo que simplesmente nomeia as coisas da realidade. Vamos então
continuar trocando em miúdos as palavras do autor, que em seguida
diz que na língua estão unidos um conceito e uma imagem acústica.
Entender a ideia de conceito é relativamente fácil para nós que já
nos familiarizamos com o modo como as ideias são expressas nessa
área do saber. É só lembrarmos mais uma vez do que dissemos na
unidade anterior sobre o que a comunidade de falantes aceita e entende quando está diante da palavra mesa, como explicitamos, para
reconhecer na ideia de conceito, o termo significado.
E é este mesmo o termo que Saussure adota para o conceito, passando a chamá-lo significado. Para estabelecer o paralelismo de termos, consequentemente, a imagem acústica passa a ser o significante.
E o que vem a ser isso? Mais uma vez Saussure define pela negação.
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O significante não é o som, a matéria fônica. É a impressão psíquica desse som, aquilo que evoca o significado. Como assim? O próprio
Saussure (1998, p. 80) nos dá a chave para entendermos a questão:
“O caráter psíquico de nossas imagens acústicas aparece claramente quando observamos nossa própria linguagem. Sem movermos
os lábios nem a língua, podemos falar conosco ou recitar mentalmente
um poema”.
Atividade II
A partir do exemplo “mesa” como um signo da língua, propomos a você que
descreva os componentes dos signos linguísticos a seguir:
SIGNO
Mar
Saudade
Está claro então que o significante não se confunde com o som
produzido quando se fala? é de fato algo que se encontra na mente
dos falantes, segundo a perspectiva saussuriana de língua. Saussure
ainda demonstra que essas duas faces do signo são inseparáveis, que
uma reclama a outra, como nas imagens abaixo, retiradas de seu livro
(SAUSSURE, 1988, p. 80, 81):
dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
Havendo compreendido como funcionam o significado e o significante para comporem um signo, vamos estudar suas características: a
arbitrariedade e a linearidade. Vejamos em que consistem.
Características do signo linguístico
E agora, se você compreendeu o signo de Saussure, pode realizar
a atividade a seguir.
O conceito de arbitrariedade, para Saussure, está ligado ao fato de
que não existe uma relação intrínseca e necessária entre o significante
e o significado. E ele exemplifica essa noção dizendo que:
“a ideia de ‘mar’ não está ligada por relação alguma interior, à sequência de sons m-a-r que lhe
serve de significante, poderia ser representada
igualmente bem por outra sequência” (SAUSSURE,
1988, p. 81).
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Nesse momento você já deve ter associado o que acabou de ler
aqui com o que já leu na segunda unidade a respeito da convenção
social. É nisso mesmo que consiste a arbitrariedade. E Saussure ressalta
que a palavra arbitrário:
“não deve dar a ideia de que o significado dependa
da livre escolha do que fala (ver-se-á, mais adiante,
que não está ao alcance do indivíduo trocar coisa
alguma num signo, uma vez que o significante é
imotivado, isto é, arbitrário em relação ao significado, com o qual não tem nenhum laço natural na
realidade” (SAUSSURE, 1988, p. 83).
Ele utiliza mais um termo para expressar essa relação não natural, e
diz que o significante é imotivado em relação ao significado.
Agora vamos à outra característica do signo linguístico de Saussure:
a linearidade, que é explicada a partir da dimensão temporal, e percebida claramente quando o significante é expresso através da fala, pois
os elementos significantes são emitidos uns após os outros, formando
uma cadeia. Para resumir, podemos dizer que a linearidade diz respeito
ao fato de os significantes serem de natureza auditiva e se sucederem
no tempo.
As dicotomias saussurianas
Língua / fala
Vamos começar com a dicotomia língua/fala, visto que já temos
alguma ideia do primeiro elemento desse par. Lembra-se do que dissemos sobre a língua quando tratamos de sua relação com a linguagem?
Para incluir a fala aqui, podemos imaginar a seguinte representação
dessa relação linguagem < língua / fala:
Após essas considerações, vamos pensar um pouco e realizar mais
uma atividade.
Atividade III
De acordo com o que você leu até aqui sobre o signo linguístico de Saussure,
aponte qual das sequências a seguir pode ser considerada um signo linguístico
na nossa língua, e explique o porquê. Explore bem as características do signo.
a. BTICWIN
Essa imagem se resume no enunciado de Saussure (1988, p. 92):
“A língua é para nós a linguagem menos a fala”. Estão portanto em
oposição língua e fala. Já dissemos que a língua é homogênea e social.
Se opomos essas características às da fala, podemos deduzir que a fala
é heterogênea e individual, não é verdade?
b. TUNDRA
c.
dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
Se você respondeu sem maiores dificuldades a atividade 2, é porque compreendeu bem o conceito de signo. Então, convidamos você
a conhecer outros pilares-mestres da teoria de Saussure, representados
nas suas famosas dicotomias.
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E assim, a homogeneidade e o fato de ter sua existência vinculada
ao social são determinantes para que a língua seja tomada como o
objeto de estudo da Linguística. Por ser homogênea, ela representa
um sistema passível de ser analisado em seus elementos, o que não é
possível de ser feito com a fala. Por ser a realização concreta de cada
falante, a fala é marcada pela assistematicidade, pela imprevisibilidade, comporta uma gama de variação. Portanto, não constitui um objeto
de estudo confiável.
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Como seria possível analisar uma realidade como esta?
Fazendo uso de mais uma metáfora, Saussure (1988, 27) diz que:
“A língua existe na coletividade sob a forma duma
soma de sinais depositados em cada cérebro, mais
ou menos como um dicionário cujos exemplares,
todos idênticos, fossem repartidos entre os indivíduos”.
Atividade IV
Para sistematizar seu conhecimento sobre a dicotomia língua/fala, sugerimos
que enumere as características que são próprias da língua numa coluna, e as
que são próprias da fala, numa coluna oposta.
dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
É importante observar que, mesmo dando realce à língua, pelas
razões que explicitamos, Saussure não descarta a fala. Ele diz que
“esses dois objetos estão estreitamente ligados e se
implicam mutuamente; a língua é necessária para
que a fala seja inteligível e produza todos os seus
efeitos; mas esta é necessária para que a língua se
estabeleça” (SAUSSURE, 1988, p. 27).
Contudo, temos que frisar: entre língua e fala, a primeira é que é o
objeto da nova ciência que está se firmando. E continuando nosso estudo das dicotomias, vamos verificar que Saussure escolhe um elemento
de cada par dicotômico, e assim ele amarra muito bem um objeto e
uma metodologia de análise. E nisso vamos perceber o quanto ele foi
coerente ao fundar sua teoria. Não é à toa que ele é considerado o pai
da Linguística.
Passemos a uma outra
dicotomia de Saussure
Sincronia / diacronia
A sincronia diz respeito a um estudo do fato linguístico num momento específico. Por exemplo, se tomamos a palavra você, verificamos
a forma atual que essa palavra assume na língua. E podemos dizer que
é composta de um radical, é oxítona, possui duas sílabas, é empregada para se referir à segunda pessoa. Todas essas são informações que
podem ser observadas simultaneamente:
referente à segunda pessoa: Você vem hoje?
oxítona
composta dos sons / v o s e /
VOCÊ
dissílaba
composta por um radical.
Por isso, Saussure (1988, p 95) insere a sincronia no eixo das simultaneidades, “concernente às relações entre coisas co-existentes, de
onde toda intervenção do tempo se exclui”. Portanto, a via da sincronia
é a que permite a descrição linguística.
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Já a diacronia estuda a evolução histórica que se verifica quando os
fatos linguísticos são estudados numa sucessão temporal. Assim, continuando com o exemplo de você, se pesquisamos a história da língua,
encontramos os seguintes registros que atestam diversas fases no seu
percurso evolutivo, até se fixar na forma atual você.
Atividade V
Vossa mercê > vossemecê > vosmecê > você
Estamos observando, nessas formas, vários estágios de um fato linguístico, que se sucederam no tempo. Portanto, seu lugar é no eixo das
sucessividades, “sobre o qual não se pode considerar mais que uma
coisa por vez”. Mas, continua Saussure, “onde estão situadas todas as
coisas do primeiro eixo com suas respectivas transformações” (SAUSSURE, 1988, p. 95).
Mais uma vez, ao explicar sua proposta teórica com base numa
dicotomia, Saussure declara a existência e a relevância de dois pontos
de vista. Ele diz:
Agora é a sua vez. Pare para pensar um pouco e realizar a atividade a seguir.
Reflita sobre o trecho de Saussure que transcrevemos acima, fazendo uma
relação com o que você já conhece de sua teoria. Para ajudá-lo nessa tarefa,
lançamos as seguintes perguntas:
1) Que elemento da dicotomia língua/fala Saussure definiu como sendo objeto
da linguística?
2) Em que Saussure se baseou para definir esse objeto?
“A cada instante, a linguagem implica ao mesmo
tempo um sistema estabelecido e uma evolução:
a cada instante, ela é uma instituição atual e um
produto do passado” (SAUSSURE, 1988, p. 16).
Mas, assim como reservou à fala um lugar secundário nos estudos
linguísticos, Saussure também o faz em relação a um elemento dessa
dicotomia. Você até já pode deduzir qual elemento foi escolhido. Vamos verificar o que diz o próprio Saussure:
“Tudo quanto seja diacrônico na língua, não o é
senão pela fala. É na fala que se acha o germe de
todas as modificações: cada uma delas é lançada,
a princípio, por um certo número de indivíduos, antes de entrar em uso” (SAUSSURE, 1988, p. 115).
Atividade VI
Se você já tem as respostas para as perguntas, fica fácil explicar por que a
sincronia é priorizada na análise estruturalista.
dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
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Vamos passar agora à última dicotomia:
Sintagma / paradigma.
Saussure (1988, p. 142) diz que “tudo na língua se baseia em relações”. E essas relações são de dois tipos: sintagmáticas e paradigmáticas. Assim, os elementos da língua se apresentam em dois eixos: o
eixo sintagmático e o eixo paradigmático. Vamos explicar em que essa
ideia consiste.
Quanto ao outro tipo de relação, que chamamos paradigmática ou
associativa, desenvolve-se no eixo vertical. O que isso quer dizer? Isso
quer dizer que quando um elemento linguístico é utilizado na língua,
automaticamente, os outros elementos que poderiam igualmente ocupar esse espaço, estão excluídos. Tomemos mais uma vez o enunciado
as crianças correm. Para sua representação no eixo paradigmático, podemos escolher um dos elementos que compõe o enunciado. Escolhendo o verbo correr, por exemplo, há a possibilidade de substituí-lo por
outros verbos, como: brincar, pular, espernear, saltar, escapulir, só para
ficar em poucos exemplos. E então temos (SAUSSURE, 1988, p. 95):
As relações sintagmáticas dizem respeito ao encadeamento dos elementos na língua. Tem a ver com um fato de que já tratamos anteriormente: a linearidade. Os elementos linguísticos se sucedem linearmente na língua, sendo impossível a pronúncia de mais de um num mesmo
intervalo de tempo.
É fácil verificar. Ao pronunciar algo bem simples como: As crianças correm, está claro que cada palavra foi dita de cada vez, senão
não compreenderíamos o que foi dito. Não podemos também alterar
a ordem em que as sílabas são pronunciadas, evidentemente, porque
não seria possível recuperar o sentido que se convencionou para essa
sequência.
A representação desse enunciado no eixo sintagmático da língua,
como de todas as sequências faladas, é feita da seguinte maneira
(SAUSSURE, 1988, p. 95):
E a substituição pode se prolongar indefinidamente. Mas, a cada
vez que pronunciamos um elemento, todos os demais que poderiam ser
falados são excluídos, ficando ausentes. Existindo, no entanto, como
possibilidade.
Você já havia pensado nisso?
Essa é a relação sintagmática que se estabelece no eixo horizontal,
estando todos os elementos na presença uns dos outros e segundo as
regras da língua. Cada elemento estando em contraste com os que vem
antes e os que vem depois dele.
Essa condição atesta a função delimitadora da relação sintagmática.
Não podemos dizer tudo, de uma só vez, do contrário não seria possível
para o falante expressar suas ideias em uma sequência organizada.
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Que a cada vez que você diz algo está escolhendo uma forma de
dizer, entre tantas outras possíveis? E o que dizer sobre as tantas vezes
em que quisemos expressar uma coisa e dissemos outra? Saussure não
se deteve sobre esses fatos, mas lançou as sementes de temas de investigação importantes para serem explorados bem mais tarde, com o
desenvolvimento da linguística.
Voltando ao eixo vertical da língua, outro dado importante para
se destacar é que operamos nele por associação. Daí a nomenclatura
relações associativas. Nesse sentido, Saussure (1988, p. 143) expressa
que “as palavras que oferecem algo de comum se associam na memória e assim se formam grupos dentro dos quais imperam relações muito
diversas”.
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Dessa forma, palavras que apresentam algum ponto de semelhança vão se associando. Assim, para nosso exemplo, poderíamos formar
um grupo dos verbos de 2ª conjugação, outro grupo referente aos
seres animados, outro grupo com as palavras da língua que podem
anteceder o substantivo crianças, e assim por diante.
Todas essas possibilidades atestam a liberdade do falante ao operar
no eixo paradigmático, em oposição à restrição das relações sintagmáticas. Atesta também que o sentido do que é dito não se esgota na linearidade, na superfície da língua. Saussure também não explorou esse
fato. Lembramos que naquele momento sua preocupação era fundar a
linguística, portanto, direcionou todas as suas observações para o estudo da língua como sistema a ser descrito. Mas não podemos deixar de
salientar que Saussure apontou caminhos para possibilidades de estudo
da língua, até então impensados em sua época.
Há ainda algo importante a acrescentar sobre essa dicotomia. É
que, embora essas relações sejam diferentes, elas não são exclusivas.
As duas se combinam para fazer acontecer o mecanismo da língua.
Saussure (1988, p. 149) diz que a ligação que existe entre essas duas
relações é de interdependência, de modo que, por um lado, a relação
sintagmática contribui para criar a relação paradigmática. E por outro
lado, esta última possibilita a análise das partes da primeira. Assim,
realizam-se em conjunto, possibilitando o funcionamento da língua.
Encerrando temporariamente
nossa conversa sobre saussure
Chegando a esse ponto, percebemos que já está na hora de você
participar mais ativamente dessa discussão. Nossa proposta é que
você, num primeiro momento, apresente as características das relações
sintagmática e paradigmática que marcam a diferença entre as duas. E
num segundo momento, exercite um pouco sua capacidade de combinar e selecionar signos, executando a atividade a seguir.
Falamos em encerramento temporário porque chegamos a um ponto em que o essencial da teoria de Saussure foi demonstrado. A partir
daqui, você pode aprofundar seu conhecimento tomando a própria
obra do autor para estudá-la. Mas certamente, nas discussões que
apresentaremos adiante, você identificará reflexos da teoria de Saussure porque nela estão as bases de todo estudo que se desenvolveu posteriormente acerca da língua. Nisso consiste a genialidade de Saussure.
E a identificação dos diversos aportes teóricos que são subjacentes a
toda nova teoria é importante porque amplia e facilita sua compreensão. Assim, chamaremos sempre sua atenção para as contribuições
saussurianas que se fazem presentes nos estudos linguísticos pós-saussurianos, como veremos na próxima unidade, em que vamos explorar
o método estruturalista de descrição das línguas.
Atividade VII
Considerando importante que você se torne autônomo para buscar
mais informações quando sentir a necessidade de aprofundar seus conhecimentos, relacionamos abaixo algumas leituras que lhe poderão
ser úteis. Essa busca pode continuar ainda com as referências ao final
desta unidade, com as quais você deve se familiarizar para adquirir
também um conhecimento das obras e autores que tratam dos temas
aqui estudados e portanto, estão inscritos nessa área de saber.
Coloque numa coluna os termos empregados nessa parte da unidade, para
identificar a relação sintagmática. Ao lado, você deve escrever os termos que,
por oposição, caracterizam a relação paradigmática.
Pense numa combinação de signos. Distribua esses signos na cadeia horizontal
da língua. Depois, para a cadeia vertical, escolha um desses signos e crie três
agrupamentos a partir dele.
dica. utilize o bloco
de anotações para
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Resumo
Leituras recomendadas
BOUQUET, Simon. Introdução à leitura de Saussure. Trad. brasileira de
Carlos A. L. Salum e Ana Lúcia Franco. São Paulo, Cultrix, 2000.
Esta obra de Simon Bouquet atesta a vitalidade da teoria de Saussure, porque ela se insere
num movimento de redescoberta de seus escritos, que está acontecendo de uns tempos pra
cá nos meios acadêmicos. Portanto, é uma leitura que vai lhe proporcionar uma visão mais
crítica do fundador da linguística, mostrando
suas influências teóricas, e sua importância
para os estudos da língua.
CARVALHO, C. de. Para compreender Saussure. Rio de Janeiro: Presença,
1991.
Nesse livro o autor explica de forma simplificada a teoria de Saussure. Portanto, é um texto
básico, que servirá para você retomar e fixar o
que já estudou aqui. E então, nós o apresentamos como mais uma opção de leitura. Veja
que a proposta não é desafiadora como a de
Simon Bouquet. Evidentemente, o objetivo de
leitura aqui é outro, mas tem sua validade.
SAUSSURE, F. de. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix, 1998.
Já fizemos uma apresentação desse livro na
unidade anterior, e o fazemos de novo aqui
pelas mesmas razões. Nada se compara a estudar a teoria lendo o próprio autor. E agora
que você já está mais familiarizado com a teoria de Saussure, vai ser bem mais fácil entendêlo. Para retomar o que discutimos nesta unidade, recomendamos
especialmente os capítulos que tratam das diacronias, e o capítulo
VI da segunda parte: Mecanismo da língua. Você vai se deparar
com muitas reflexões que o farão pensar sobre a variedade de pontos de vista que podem associar-se ao estudo da língua.
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Saussure postulou um objeto de estudo e sistematizou uma metodologia de análise desse objeto, que culminaram na fundação da
Linguística enquanto ciência autônoma de estudo da língua, definida
como um sistema de signos. Em sua definição de signo já se encontra
o par opositivo significado/significante, unidos por uma relação arbitrária. Esse jogo de oposições se encontra na base das dicotomias fundamentais de sua teoria: língua (social, homogênea) /fala (individual,
heterogênea); sincronia (descrição num dado momento) /diacronia
(evolução histórica); sintagma (sequência linear) /paradigma (associação por semelhanças). E a adoção do primeiro elemento de cada par
dicotômico é que vai caracterizar a análise formalista da língua, como
preconizou Saussure.
Autovaliação
Para verificar se você apreendeu os conteúdos apresentados nesta
unidade, propomos, como auto-avaliação, que você reflita sobre a seguinte indagação: Será possível pensar que a sequência de sons / k a z
a / nos possibilita pensar em outro conceito que não o de “casa”? Após
refletir sobre a questão e levantar hipóteses sobre ela, você poderá discutir com seus colegas no nosso fórum de debates. Não se esqueça de
retomar o que disse Saussure sobre isso.
dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
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IV Unidade
Referências
BOUQUET, Simon. Introdução à leitura de Saussure. Trad. brasileira de
Carlos A. L. Salum e Ana Lúcia Franco. São Paulo, Cultrix, 2000.
CARVALHO, C. de. Para compreender Saussure. Rio de Janeiro:
Presença, 1991.
FIORIN, J.L. (Org.). Introdução à linguística. São Paulo: Contexto,
2002.
LOPES, E. Fundamentos a Linguística Contemporânea. São Paulo, Cultrix,
1995.
LYONS, John. Linguagem e linguística: uma introdução. Rio de Janeiro,
Guanabara, 1987
MARTELOTTA, Mário Eduardo et al. Manual de linguística. São Paulo,
Contexto, 2008.
SAUSSURE, F. de. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix, 1998.
O método de análise da
Linguística Estruturalista
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Apresentação
Esta é a nossa quarta unidade. Se você chegou até esse
ponto, podemos dizer que você já possui um conhecimento
mais especializado sobre a língua, ultrapassando o conhecimento do senso comum.
Nas duas unidades anteriores, você fez descobertas sobre
a língua a partir da perspectiva saussuriana. Nesta unidade,
continuamos com essa perspectiva de estudo, mas agora do
ponto de vista da análise de nossa língua. Assim, você vai
adquirir conhecimentos básicos para poder apreender a metodologia de análise da perspectiva estruturalista que define
a língua como um sistema de oposições. Você vai apreender
uma metodologia de análise da língua observando como
ela se estrutura em diversos níveis, através de procedimentos
de associação e distribuição. Trata-se de uma análise da língua pela por ela mesma, sem considerar qualquer aspecto
que lhe seja exterior. É essa opção que caracteriza as análises estruturalistas da língua. Você vai perceber que o método de análise estruturalista não lhe é totalmente estranho,
parecido mesmo com a análise que você fazia na escola,
nas unidades de língua portuguesa. Isso porque o ensino de
línguas absorveu muitos dos preceitos dessa perspectiva.
Objetivos
Esperamos que durante o desenvolvimento desta unidade, e ao final dela, você:
1. Reflita sobre a importância de conhecer e dominar uma teoria
de análise da língua;
2. Entenda o princípio do mecanismo estruturalista de análise linguística;
3. Adquira uma metodologia de análise que lhe permita reconhecer e analisar a estrutura de uma língua natural.
Nosso convite nesta unidade, portanto, é orientado no
sentido de que você descubra os mecanismos da análise
estruturalista da língua, de uma análise interna da língua,
apreenda os métodos dessa corrente linguística, para então
começar a desenvolver sua competência de analista, que irá
desembocar numa análise da língua considerando fatores
externos, como a sociedade, a história, o contexto em que a
língua está inserida. Mas para chegar a esse ponto, precisamos começar do começo. Então vamos lá!
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A análise estruturalista
da língua
A Linguística se constituiu enquanto ciência no início do século XX.
Foi quando se chegou, com Saussure, à definição de seu objeto, aquilo
que parecia mais estruturado, o sistema linguístico estudado a partir de
suas relações internas, e à definição dos métodos de abordagem desse
objeto. Aqui se incluem todos aqueles conceitos que você estudou na
unidade anterior.
Após o Curso de Linguística Geral de Saussure, surgiram várias escolas linguísticas. Uma das mais importantes foi o Círculo Linguístico
de Praga, que teve um notável representante: o linguista Roman Jakobson. Foi ele que empregou pela primeira vez o termo estrutura, para
expressar a ideia de um sistema, cujo interior é constituído de relações.
Saussure empregava a palavra sistema.
“Compreende-se por Linguística Estrutural um conjunto de pesquisas que repousa
sobre a hipótese de que é cientificamente
legítimo descrever a linguagem como sendo
essencialmente uma entidade autônoma de
dependências internas, em uma palavra,
uma estrutura (...) A análise dessa entidade permite constantemente isolar partes
que se condicionam reciprocamente, cada
uma delas dependendo de algumas outras,
sendo inconcebível e indefinível sem essas
outras partes” (HJELMSLEV, apud LOPES,
1995, p. 39)..
1
Os conceitos apresentados no Curso de Linguística Geral de Saussure foram resultantes de um rigor e grau de formalização tal, que
outras disciplinas se valeram do método de análise linguística para desenvolver suas próprias análises, considerando, claro, seu objeto de
estudo específico. Assim, por ocupar essa posição central, a Linguística
foi considerada ciência-piloto para outras disciplinas, como a Antropologia, a Filosofia, a Psicanálise, a Literatura, dentre os mais importantes, desencadeando um amplo movimento nas ciências, que ficou
conhecido como Estruturalismo1.
Nesta unidade veremos como o método estruturalista de análise foi
aplicado na descrição da nossa língua.
Níveis de análise estruturalista da língua
Diferenciando-se de uma abordagem histórica da língua, o novo
modo de investigação linguística se firmou estabelecendo como objetivo, a descrição do sistema da língua. Com o desenvolvimento dos
métodos de descrição, chegou-se à ideia de língua como sistema de
elementos interrelacionados em vários níveis: fonético/fonológico, morfológico, sintático. Diante desse sistema, a tarefa do linguista, bastante
prática por sinal, constitui-se da análise da língua, descrevendo-se os
níveis que a compõem e os princípios gerais que regem o funcionamento do sistema linguístico.
Em termos práticos, vamos conhecer a descrição da nossa língua
seguindo os pressupostos estruturalistas. Comecemos pela descrição
dos sons que fazem parte do nível fonético/fonológico.
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Fonética / fonologia
A Fonologia se define como o estudo dos sons da língua, a partir
de sua distribuição e função. Essa definição se deve a Roman Jakobson e Nikolay Trubetzkoy, outro componente do Círculo Linguístico
de Praga. Eles aprimoraram a doutrina de Saussure, centrada na Fonologia, e precisaram a diferença entre Fonética, ciência dos sons da
fala, e Fonologia, ciência dos sons da língua. Esses são denominados
fonemas. O fonema é a menor unidade fonológica de uma língua. Foi
Trubetzkoy quem precisou o conceito de fonema como um conjunto
de traços fonológicos que opõe o fonema a todos os outros fonemas
da língua. Assim, eles se combinam e distinguem signos, ou seja, têm
função distintiva. Por exemplo, as palavras mar e par do português são
distinguidas por causa dos fonemas / m / e / p /. Através de outras
combinações descobrem-se outros fonemas da língua, como / d /, / b
/, / l /, ao se comutarem as palavras dar, bar, lar. Esse é o método da
comutação, muito empregado na linguística estruturalista.
Já os sons estudados pela Fonética são os sons concretos que ouvimos quando falamos. Portanto, trata-se de um estudo das propriedades
físicas do som: o modo como são produzidos no aparelho fonador de
quem fala2, o modo como são percebidos por quem escuta.
Você pode perceber a diferença entre as duas perspectivas de estudo, a partir os dos exemplos a seguir em forma de diálogo:
Diálogo 1
_ Quando foi que você viu minha tia?
_ Ah, eu vi no dia em que cheguei de viagem.
Ao dizer as palavras tia e dia, os falantes estão distinguindo palavras
com significados diferentes. E essa diferença é estabelecida em função
dos fonemas da língua: / t / e / d /. Já sabemos que combinando-se
esses com outros fonemas, formam-se novas e diferentes palavras. A
fonologia estuda então as regras que determinam essas combinações.
Já no diálogo 2, abaixo, temos:
Diálogo 2
_ Você sabe onde tá minha tia?
_ Tua txia já saiu bem cedo.
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Você se lembra da preocupação dos hindus
com a correta pronúncia dos textos sagrados? Em função dessa preocupação eles
descreveram muito bem a produção dos
sons do Sânscrito. A Fonética, portanto, já
tem uma tradição no estudo da língua.
2
Você percebeu que a palavra tia foi grafada de duas formas diferentes. Na primeira pergunta, temos tia como ela teria sido pronunciada
por um nordestino. Já na resposta do diálogo, temos txia, representando a fala de um carioca. No entanto, as duas realizações sonoras da
palavra estão se referindo ao mesmo significado. Com essa ilustração
podemos mostrar que houve apenas uma alteração na pronúncia dos
falantes, portanto, uma variação de sons, sem que isso significasse uma
mudança de significado.
Estamos, portanto, no domínio da Fonética, onde se estudam os
sons da fala, quer dizer, o suporte material do significante, os sons que
as pessoas produzem e combinam numa sequência, quando falam. E
esses sons são chamados de fones.
Qualquer língua pode ter seu sistema fonológico descrito3. A seguir,
apresentamos os fonemas que fazem parte do sistema fonológico do
português falado no Brasil.
Sistema fonológico do português do Brasil
Esse sistema se compõe de sons vocálicos, e consonantais. As vogais são fonemas resultantes da livre passagem do ar para a boca
(vogais orais) ou para as fossas nasais (vogais nasais). Elas assumem o
centro da sílaba. Temos sete fonemas vocálicos orais e cinco fonemas vocálicos nasais:
/ a / faz
/ ã / lã
/ e / fez / ẽ / vêm
/ Fé /
Atividade I
Para fixar o que você acabou de ler sobre Fonética e Fonologia, leia
o que é dito a seguir:
Ao pronunciar os enunciados:
/ i / fiz
/ ĩ / vim
/ o / for / õ / dom
/ ɔ / foz
/ u / furo / ũ / tumba
Temos ainda as semivogais, assim chamadas porque não figuram
no centro da sílaba. São elas o / w / e o / j /, que aparecem por
exemplo, em pai / paj / e pau / paw /.
a) Eu gosto muito
e
São consonantais os sons produzidos quando alguma barreira
impede a livre passagem do ar. Assim, temos as 19 consoantes em
português4:
b) Eu gosto mutcho,
o falante está utilizando sons variantes da língua. Dessa forma, não
está distinguindo significados.
/ p / pato
/ t / rota
/ k / roca
Agora é sua vez. Responda:
/ b / bato
/ d / roda
/ g / roga
Os sons produzidos diferentemente nos enunciados a e b são fonemas da
língua? Por quê? Neste caso, esses sons são descritos pela Fonética ou pela
Fonologia? Justifique.
/ f / mofo
/ s / assa
/
/ queixo
/ v / movo
/ z / aza
/
/ queijo
/ m / má
/ n / nu
/
/ sonho
/ R / erra
/ r / era
/ l / mala
/ / malha
dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
70
Existe um Alfabeto Fonético Internacional
para se uniformizar as transcrições fonéticas, que foi estabelecido pela Associação
Fonética Internacional.
3
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Existe um alfabeto fonético internacional
baseado no alfabeto latino, criado para representar os sons de um idioma falado.
4
plural na língua portuguesa no eixo paradigmático, veremos que seu
número é bem restrito. Você pode pesquisar e descobrir isso. Por enquanto, vamos continuar descobrindo morfemas. Vamos tomar a palavra meninas. Já sabemos que –s é o morfema indicador de plural.
Segmentando mais a palavra, descobrimos –a. Este é o morfema que
indica o gênero feminino. Sobra menin–, uma forma mínima que também tem um sentido na língua. Trata-se do radical, que encerra a ideia
básica da palavra.
Atividade II
Agora que você já sabe como representar os sons através do alfabeto fonético,
propomos a você que transcreva foneticamente as palavras acima. Lembre-se
de que deve usar barras para indicar que se trata de uma transcrição fonética.
Para exemplificar, transcrevemos a primeira palavra.
pato / p a t u /
Podemos dizer então que a palavra meninas está estruturada em
três partes, e cada uma dessas partes encerra um significado. E se decompomos essas partes, vamos encontrar as unidades que não significam, são os fonemas que combinados formam o signo meninas: / m
e n i n a s /.
Foi um outro linguista estruturalista, André Martinet, quem sistematizou essa propriedade de articulação da língua em dois níveis, que foi
denominada dupla articulação. Ela é de extrema importância para a
língua porque representa um fator extraordinário de economia, ao possibilitar uma infinidade de combinações através de um número finito de
elementos linguísticos. Isso graças às características da arbitrariedade e
linearidade dos elementos do sistema linguístico.
Agora é com você. Continue...
Antes de propormos uma atividade para que você fixe os conhecimentos apresentados na parte da Morfologia, vamos a mais um exemplo. Tomemos a palavra falávamos. Decompondo essa palavra, descobrimos que ela contém quatro morfemas. Vamos depreender esses
morfemas através da segmentação.
dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
Morfologia
A Fonologia representa um nível de organização da língua definido
como segunda articulação, composta dos fonemas que constituem as
línguas naturais. Ao se combinarem, esses fonemas resultam em unidades linguísticas que constituem a primeira articulação da língua, os
chamados morfemas. É deles que se ocupa a Morfologia.
Para entender o conceito de morfema, fazemos um paralelo com
o conceito de fonema. O fonema é a menor unidade da língua que
distingue signos. Sua função, portanto, é distintiva. Já o morfema é definido como a menor unidade que tem uma significação linguística.
Falávamos
Fal- : é o radical do verbo
-a- : é a vogal temática dos verbos de 1ª conjugação
-va- : é a desinência que indica o modo e o tempo do verbo
-mos : é a desinência que indica a pessoa verbal.
Veja que aqui o morfema –a– adquire uma significação diferente daquela que vimos em menina. Isso porque ele está inserido num outro contexto linguístico, contrastando com outros elementos da língua,
considerando-se a relação sintagmática.
Está pronto agora para você mesmo realizar uma análise morfológica da língua? Se achar necessário, releia o conteúdo de morfologia antes de realizar as atividades a seguir.
Vamos exemplificar isso.
Convencionou-se indicar o morfema por
meio de um traço que o liga às outras partes
da palavra. Como se convencionou indicar o
fonema entre barras oblíquas.
5
Pense em como revelamos, na maioria das vezes, o plural na nossa
língua. Certamente você pensou que se faz o plural acrescentando um
–s à palavra5. Isso quer dizer que esse –s funciona como um morfema
na língua portuguesa. Se representamos os morfemas indicadores de
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mos a você que atualize seu conhecimento de análise sintática adquirido
nas unidades de língua portuguesa, realizando a atividade seguinte:
Atividade III
A exemplo de como segmentamos a forma verbal falávamos, propomos a você
que segmente as demais formas desse tempo e modo verbal. Assim você estará
descobrindo morfemas verbais de nossa língua. Não se esqueça de indicar que
se tratam de morfemas.
Atividade V
Identifique os sintagmas que compõem os enunciados:
a) A criança cansada adormeceu.
Atividade IV
dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
b) Os alunos gostaram da prova.
A dupla articulação é uma característica fundamental da língua para a
perspectiva estruturalista. Por isso, pedimos que você explique em que ela
consiste e exemplifique essa propriedade linguística.
Sintaxe
No nível sintático da língua é analisada a maneira como as palavras se combinam linearmente para formarem enunciados. Como você
pode verificar no exemplo a seguir, no qual se observa que elementos
linguísticos se unem formando um enunciado, de acordo com o que se
reconhece ser a ordem canônica do português: sujeito + predicado +
complemento:
Para a linguística estrutural, o sintagma
é um grupo de elementos linguísticos que
forma uma unidade.
6
(Nesse caso você vai marcar a presença da preposição de que se junta ao
determinante, compondo o sintagma nominal)
As palavras se combinam para formar sintagmas na língua de acordo com critérios de distribuição. Assim é que o substantivo em português geralmente vem precedido de artigo. Também pode vir precedido
de pronome demonstrativo ou pronome indefinido. Outra classe que
acompanha o substantivo é o adjetivo. Verifique se não é isso que se
dá nas frases a seguir:
As rosas vermelhas estão no vaso
Eu comprei um vestido longo.
Exemplo : A costureira consertou o vestido.
Verifica-se ainda nesse enunciado que ele é composto de dois
sintagmas nominais6: o primeiro, composto de um adjunto, A, e de um
núcleo, costureira. O segundo, composto de outro adjunto, o, e outro
núcleo, vestido. Esse sintagma faz parte do sintagma verbal consertou o
vestido, que tem o verbo como núcleo.
Atividade VI
Na língua portuguesa há várias outras possibilidades de combinação de palavras resultando em enunciados com estruturas diferentes.
Assim é que também são várias as funções sintáticas exercidas pelos
sintagmas.
Faça o teste. Identifique, em cada uma das frases acima, a palavra que
representa o substantivo, a partir das que estão relacionados com ele.
Identifique a classe dessas palavras.
Para que você realize uma análise sintática precisa, é importante que
você reconheça os grupos sintagmáticos do enunciado. Por isso propo-
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dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
Ao responder esse exercício você está aplicando a teoria da distribuição sintática das classes de palavras da língua portuguesa. Veja que
já estamos conseguindo fazê-lo alcançar os objetivos propostos para
esta nossa unidade: entender o princípio do mecanismo estruturalista
de análise linguística e adquirir uma metodologia de análise que lhe
permite reconhecer e analisar a estrutura de uma língua natural.
É interessante observar que o nível sintático da língua tem grande
relação com seu nível morfológico. Isso porque o modo como as palavras se distribuem e combinam no enunciado se estabelece a partir de
sua classificação morfológica.
Vamos verificar o que acabamos de dizer observando os sintagmas
que você separou no exercício acima.
Tome as palavras criança e alunos. Quais são as palavras que vem
antes delas? a e os. Esses são artigos na nossa língua. Os artigos sempre precedem substantivos, formando com eles um sintagma nominal.
Podemos concluir então que criança e alunos são substantivos.
Utilizando os eixos sintagmático e paradigmático da língua, podemos encontrar outras palavras que também podem se posicionar antes
dos substantivos, formando com eles sintagmas. É o caso dos pronomes demonstrativos, como esta ou aqueles, formando:
esta criança
e
aqueles alunos;
Atividade VII
Identifique os sintagmas que formam os enunciados abaixo, e as classes de
palavras que compõem esses sintagmas, observando quais se encontram em
relação de combinação.
1) As rosas vermelhas estão no vaso.
2) Eu comprei um vestido longo.
3) O planeta está muito poluído.
Na análise estruturalista como proposta por Saussure não se separa
a rigor a morfologia da sintaxe, dadas as relações de interdependência
entre esses dois níveis de análise. Fala-se então em análise morfossintática da língua. No entanto, como disciplinas, geralmente são separados
os estudos morfológicos dos estudos sintáticos. Isto será feito também
nas disciplinas de língua portuguesa, quando você aprofundará seu
conhecimento sobre a estrutura morfológica e sintática do português.
Por ora, ficamos por aqui, pois nosso intuito foi o de fornecer a
você o conhecimento básico de como os princípios da linguística estruturalista podem ser empregados na análise de uma língua natural.
Esses conhecimentos serão úteis para seu desempenho nas disciplinas
de Morfologia e Sintaxe.
e dos pronomes indefinidos, como em:
alguma criança
e
A seguir indicamos três das muitas obras em que você pode mergulhar para buscar mais conhecimentos sobre o modo de se fazer análise
estruturalista da língua.
alguns alunos.
Continuando com essa análise, o linguista pode chegar a estabelecer a teoria de distribuição sintática de uma língua, bem como as
classes de palavras que compõem essa língua.
Você deve ter notado que do ponto de vista morfológico, todas as
palavras consideradas aqui, artigos, substantivos, pronomes, apresentam idêntica variação morfológica. Ou se encontram no singular ou
apresentam o morfema de plural –s. Isso acontece porque essas palavras estão estabelecendo relações sintáticas entre si.
Passemos agora à última atividade desta unidade, para concluirmos
nosso estudo sobre a aplicação da teoria estruturalista na descrição de
um sistema linguístico.
dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
dica. utilize o bloco
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responder as atividades!
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Leituras recomendadas
DUBOIS, Jean et al. Dicionário de Linguística. Tradução Izidoro Blikstein.
São Paulo, Cultrix, 1993.
Não sugerimos evidentemente a leitura integral do dicionário, mas recomendamos tê-lo
ao lado porque sua consulta é sempre esclarecedora para quem começa a se familiarizar
com os termos da área que estuda. E neste,
dificilmente você não encontrará o termo que
procura.
LOPES, Edward. Fundamentos da linguística contemporânea. 14ª. ed., São
Paulo, Cultrix, 1995.
Indicamos esta obra porque nela você encontra todos os conceitos empregados pela Linguística Estrutural. Bem como as divisões que
apresentamos dos níveis de análise da língua.
A partir de uma seleção do que lhe interessa
neste livro, ele vai lhe servir como um verdadeiro manual.
CABRAL, L. Scliar. Introdução à linguística. 6ª ed., Porto Alegre, Rio de
Janeiro, Globo, 1985.
Este é mais um livro que funciona como manual para você ter uma ideia geral de como se
constitui o corpo teórico da Linguística estrutural. Junto com o livro de Edward Lopes citado
acima, você tem uma bibliografia suficiente
para compreender a aplicação dos princípios
estruturalistas na análise de uma língua natural.
Resumo
O estudo da língua herdeiro do estruturalismo de Saussure se faz a
partir de sua definição enquanto sistema regulado por regras e valores. Assim, a análise de uma língua seguindo o modelo estruturalista
está necessariamente voltada para a observação do que está posto no
sistema. Isto compreende principalmente os níveis fonético/fonológico,
em que se estudam os sons, morfológico, em que se estuda a forma
que os signos assumem em determinada língua, e sintático, em que se
estuda a distribuição das palavras formando grupos sintagmáticos. A
apreensão desses três níveis de análise de uma língua é suficiente para
a descrição de sua estrutura.
Autovaliação
Para que você avalie seu aprendizado nesta unidade, sugerimos que
relacione os termos apresentados que são específicos da área científica
que estamos estudando. Apresente uma definição para esses termos e
procure dar uma exemplificação para cada um deles. Ao final, você
pode voltar à unidade e completar o que faltou. Dessa forma, você
estará retomando os conceitos estudados, demonstrando que conseguiu entende-los, ao exemplifica-los, e assim, atingindo os objetivos
propostos para esta unidade: entendendo o princípio do mecanismo
estruturalista da análise linguística; e adquirindo uma metodologia de
análise que lhe permite reconhecer e analisar a estrutura de uma língua
natural.
dica. utilize o bloco
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Referências
V Unidade
CÂMARA Jr., J. Mattoso. Estrutura da Língua Portuguesa. Petrópolis, RJ,
Vozes, 1985.
LOPES, Edward. Fundamentos da linguística contemporânea. 14ª. ed.,
São Paulo, Cultrix, 1995.
SILVA, Mª Cecília e KOCH, Ingedore. Linguística aplicada ao português:
morfologia. 2ªed, São Paulo, Cortez, 1985.
_____ . Linguística aplicada ao português: sintaxe. 2ª ed. São Paulo,
Cortez, 1986.
SAUSSURE, F. de. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix, 1998
(1916).
WEEDWOOD, Barbara. História concisa da linguística. Tradução de
Marcos Bagno. 2. Ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.
Outros Estruturalismos
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Apresentação
Objetivos
À medida que for acompanhando nossos comentários,
você se dará conta de que esta quinta unidade significará a
ampliação de um horizonte, mas também o encerramento
de um ciclo. Falamos em ampliação porque vamos tomar
conhecimento de estudos que deram continuidade ao que
estava estabelecido pelo estruturalismo e que ao mesmo
tempo representaram avanços significativos em termos de
compreensão do objeto linguístico.
Certamente você se lembra de nossa primeira unidade,
quando ficou sabendo das primeiras especulações que os
estudiosos antigos fizeram sobre a língua. Essas especulações nos parecem hoje muito evidentes, como em geral tudo
o que se disse antes, nos outros domínios, parece ser. Mas
na verdade não é bem assim. Aquelas especulações foram
resultado de muito esforço de reflexão por parte dos estudiosos. E elas forneceram as bases para que pudéssemos
amadurecer nosso conhecimento atual.
Assim também aconteceu com o Estruturalismo. A partir
dele, os estudiosos deram um salto muito grande no que se
refere à compreensão do modo de funcionamento de uma
língua. E ao darem sua contribuição, os estudos estruturalistas abriram espaço para novas perguntas que começavam a
ser feitas sobre este nosso objeto de estudo. Nesse momento
é que situamos o fechamento de um ciclo. Mas antes de
fechar o ciclo estruturalista, cabe ainda conhecer um pouco
mais sobre essa tão importante corrente linguística. Esta é
nossa proposta para esta quinta unidade, e assim estabelecemos alguns objetivos a serem alcançados após sua conclusão. São eles:
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Esperamos com esta unidade, que você:
• Conheça mais sobre o estruturalismo linguístico e sobre os autores filiados a essa corrente;
• Conheça as principais contribuições teóricas de Jakobson e
Chomsky.
• Compreenda o desdobramento das ideias linguísticas ao mesmo tempo em que desenvolve a consciência de que a linguística
é uma ciência e como tal é evolutiva;
• Desenvolva a atitude crítica do analista que domina um determinado conhecimento específico sobre seu objeto de estudo.
Esses objetivos serão alcançados a partir da leitura e reflexão dos
textos que apresentamos a seguir.
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Ainda o Estruturalismo
Você percebeu que quando tratamos do Estruturalismo, o fizemos
sempre associando essa corrente linguística à figura de Saussure. No
entanto, o Estruturalismo foi um movimento científico amplo, que alcançou outras áreas do saber. Isso também já dissemos.
Mas sempre vale a pena relembrar idéias fundamentais, elas nos
ajudam a sedimentar nosso conhecimento sobre os temas que estamos
estudando. Sendo assim, repetimos essa idéia dizendo que os conceitos
apresentados no Curso de Linguística Geral de Saussure foram resultantes de um rigor e grau de formalização tal, que outras disciplinas se
valeram do método de análise linguística para desenvolver suas próprias análises, considerando, claro, seu objeto de estudo específico.
Pois, como bem disse Saussure em seu Curso de Lingüística Geral
(pág. 15), “bem longe de dizer que o objeto precede o ponto de vista,
diríamos que é o ponto de vista que cria o objeto”.
Assim, por ocupar essa posição central, a linguística foi considerada
ciência-piloto para outras disciplinas, como a Antropologia, a Filosofia,
a Psicanálise, a Literatura, dentre os mais importantes, desencadeando
um amplo movimento nas ciências, o Estruturalismo.
Pois bem, o Estruturalismo não só se expandiu alcançando diversos
domínios científicos, como também se desenvolveu internamente em
várias direções. Assim, a linguística estruturalista, que adquiriu status
científico com o lançamento do Curso Geral de Saussure, pelo seu
rigor científico à época, pelos novos problemas que levantou para se
pensar sobre a língua, favoreceu um desdobramento de suas teses que
resultou em outros estruturalismos. Esses são herdeiros, contudo, dos
postulados saussurianos básicos que redirecionaram o olhar lingüístico
sobre a língua. Como o procedimento de generalização, por abstração, de aspectos comuns a toda uma categoria de fatos linguísticos.
Atividade I
Releia as unidades anteriores, se preciso, e responda: o que significou o
Estruturalismo para a linguística? Quais os postulados saussurianos que
definiram esse novo ponto de vista sobre a língua? Você pode unir suas
considerações sobre essas duas questões numa mesma resposta.
dica. utilize o bloco
Mas é sobre outros estruturalismos que pretendemos tratar netsa
unidade. Então mãos à obra. Foram muitos os desdobramentos estruturalistas em linguística, de modo que vamos nos limitar àqueles que não
podemos deixar de conhecer, mesmo sem um aprofundamento teórico,
porque estabeleceram marcos no campo das ideias linguísticas. Essa
restrição é necessária tendo em vista nossos limites de espaço e de tempo. Mas isso não significa que se alguma delas lhe chamar a atenção,
você não terá como conhecê-la mais a fundo. É só você buscar outras
fontes de pesquisa para aprofundar seus conhecimentos. Um percurso
para isso já lhe fornecemos com a indicação de uma bibliografia ao
final dessa unidade.
Aliás, devemos chamar sua atenção para esse procedimento didático imprescindível ao estudante de nível superior que pretende adquirir
sua autonomia, conduzindo sua própria busca de conhecimento. Estamos falando da pesquisa bibliográfica. Observe que nós indicamos a
cada unidade, leituras úteis e agradáveis para quem começa a se aventurar no tema específico de conhecimento que estamos explorando.
E se você tiver acesso a alguns dos livros que apresentamos aqui
nas referências bibliográficas, você encontrará no final deles uma lista,
por ordem alfabética, dos autores que o próprio autor do livro que você
está lendo já leu ou consultou, para escrever seu próprio livro. Esse é
um modo acadêmico de fazer progredir a ciência. Trata-se de buscar
o que outros já disseram a respeito do que tema que se quer discutir,
acrescentando novas descobertas, novos pontos de vista.
Os postulados básicos da linguística estruturalista são tão produtivos que ainda hoje essa tradição permanece sendo explorada com
bastante vigor. Ela é indispensável, por exemplo, quando o linguista
está diante da tarefa de descrever uma língua que não possui escrita.
Faz-se necessário nesse caso, que o linguista lance mão das técnicas de
descrição fonológica, morfológica, sintática, para apreender o sistema
linguístico que pretende descrever.
Você já começou a fazer parte desse movimento e nossa intenção
é que não saia dele. Não sinta vontade de sair. Porque certamente seu
esforço vai lhe render bons frutos. Só lembramos que nada se consegue
sem algum esforço. Portanto, faça sua parte como já dissemos:
Aliás, já que estamos encerrando um ciclo, você mesmo pode dar
sua contribuição e mostrar que sabe muito bem do que estamos falando, realizando a atividade a seguir:
• Leia com bastante atenção o material que foi preparado para
você;
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Teoria Linguísticas I
• Reserve umas horas de seu dia para se dedicar aos estudos;
• Visite sua sala de unidade na internet e discuta com o tutor o
que você leu, o que não entendeu, as descobertas que fez.
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de anotações para
responder as atividades!
Comente até mesmo sobre o prazer de estar se dando conta de aspectos sobre a língua que lhe passavam despercebidos, claro, porque
é muito natural fazer uso de uma língua. Mas melhor ainda é ter consciência do que estamos realizando quando usamos a língua. Aliás, essa
é uma tese cara aos estudos linguísticos atuais. Chegaremos lá. Por
enquanto, vamos seguindo os passos dos que já deram sua contribuição e fizeram evoluir essa ciência. Comecemos pelo Círculo Linguístico
de Praga, que tem em Roman Jakobson, esse nome já lhe deve soar
familiar, seu mais conhecido representante entre nós.
O Círculo Linguístico de Praga
Dentre os sucessores do estruturalismo saussuriano, o Círculo Linguístico de Praga, fundado em 1928, foi uma escola que se destacou
pelas suas contribuições. Você está lembrado de que quando explicitamos alguns conceitos necessários à descrição fonológica das línguas,
citamos os nomes de Nikolai Trubetskoi e Roman Jakobson? São eles
os dois representantes russos desse círculo, que dominaram a cena ao
lado de outros eminentes linguistas, como os franceses Benveniste, de
quem falaremos em uma próxima unidade, e André Martinet de quem
já falamos na unidade anterior.
PAVEAU, Marie-Anne & SARFATI (2006, p.
114) esclarecem que “De fato, o funcionalismo tem seu lugar no conjunto do movimento
estruturalista; é e um estruturalismo específico que se pode chamar de estruturalismo
funcional. (...) o ponto de vista funcionalista
privilegia as constantes transformações das
formas da linguagem na sociedade (...)
1
Os linguistas desse círculo assumiram as teses estruturalistas, mas
a enriqueceram com alguma especificidade. A mais importante delas é
que esses linguistas creditavam um caráter funcional à língua1, ao lado
de seu caráter formal. Lembra da noção de fonema estabelecida por
Trubetzkoi?
O caráter funcional da língua foi explorado sobremaneira por Roman Jakobson. Nesse sentido, é exemplar a teoria que ele desenvolveu
para explicar o processo de comunicação partindo dos seis elementos:
emissor, receptor, canal, código, referente, mensagem, para estabelecer
uma função correspondente a cada um deles, na medida em que no
circuito da comunicação, um desses elementos está sendo privilegiado.
São as respectivas funções: expressiva, conativa, fática, metalinguística,
referencial, poética, a que estão relacionados diferentes recursos gramaticais e estilísticos para expressá-las.
Hoje esse modelo está visivelmente ultrapassado. Nós teremos
oportunidade de discutir o que as novas teorias têm a dizer sobre o
que as pessoas fazem quando usam a língua. Mas as ideias de Jakobson representaram um salto substancial em relação à ideia de língua
como apenas um sistema formal passível de descrição em unidades
mínimas. A ideia de que à língua se associava uma função primordial,
comunicar, foi amplamente aceita nos meios acadêmicos, de modo a
figurar nos programas universitários da disciplina linguística e influenciar o ensino da língua portuguesa. Seu livro Linguística e Comunicação
foi traduzido e bastante estudado no Brasil. Nele, explica que os atos
de comunicação verbal envolvendo fatores como “o remetente, a mensagem, o destinatário, o contexto, o canal e o código” prendem-se a
uma das funções da linguagem – emotiva, conativa, referencial, poética, fática e metalinguística. Portanto, a estrutura verbal da mensagem
passa a depender da função da linguagem que nela predomina. É esse
ponto de vista sobre a língua que determina a denominação de funcionalista para tal perspectiva. Jakobson se notabilizou ainda porque foi
um teórico que soube agrupar várias outras disciplinas aos seus estudos
linguísticos, como a patologia da linguagem, a antropologia, a teoria
da informação, a estilística, o folclore.
Como a resposta a essa pergunta é indicadora desse caráter funcional que está sendo ressaltado aqui, pedimos que você a responda
por escrito.
Atividade III
Atividade II
Retome a definição de fonema, explicitando em que essa definição revela o
caráter funcional da língua.
Reflita sobre o que você leu acerca das propostas do Círculo Linguístico de
Praga e sobre o processo de comunicação proposto por Jakobson. Perceba que
a própria palavra comunicação aparece como um dado novo na linguística. Você
pode identificar que outros elementos novos estão presentes nessa teoria? Você
pode explicitar o avanço que representa a consideração desses elementos para
a linguística, até então muito marcada pelo sistema saussuriano?
dica. utilize o bloco
dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
de anotações para
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O gerativismo de Noam Chomsky
O estruturalismo americano
PAVEAU, Marie-Anne & SARFATI (2006, p.
114) afirmam que “em oposição ao funcionalismo, o ponto de vista formalista tem no
centro de suas preocupações o funcionamento interno do sistema linguageiro”.
2
Com esse título estamos lhe apresentando um dado novo. Até agora situamos a linguística no espaço físico europeu. Mas também na
América se fez linguística. Estamos falando de pesquisas estruturalistas
que se desenvolveram com bastante propriedade nos Estados Unidos,
a ponto de se caracterizar um estruturalismo americano, caracterizado
como a vertente formalista2, no que se opõe ao funcionalismo da Escola de Praga.
Uma corrente desse estruturalismo surgiu de uma necessidade bem
prática: a descrição de línguas indígenas ágrafas americanas, que estavam em vias de serem extintas. Como dissemos anteriormente, o método estruturalista é bastante eficaz para esse objetivo. E então, linguistas como Franz Boas (1858-1942), Edward Sapir (1884-1939), aluno
de Boas, e Lee Whorf (1897-1941), discípulo de Sapir, estabeleceram
como objetivo de suas investigações, aprimorar um método formal de
análise dessas línguas. E esse objetivo estava associado a um interesse
antropológico, visto que esses linguistas eram também antropólogos. O
estudo da língua nesse caso esteve associado a objetivos mais amplos,
ligados à compreensão da sua relação com a cultura e a sociedade.
Esses trabalhos marcam a primeira fase do estruturalismo americano,
da metade do século XIX aos anos 20 do século XX.
Atividade IV
Comparados aos linguistas do Círculo de Praga, os linguistas americanos
dessa primeira fase estruturalista podem ser considerados essencialmente
descritivistas. Isso porque, como sabemos, de acordo com o que pretende o
analista ao estudar seu objeto, uma determinada metodologia será adotada.
Explicite assim, a opção metodológica desses estruturalistas americanos.
O linguista Noam Chomsky é o representante da segunda fase do
estruturalismo americano. Sua teoria ultrapassa o estágio descritivo
da primeira fase, pretendendo alcançar agora uma explicação para o
porquê das línguas serem como são. Suas ideias explicativas sobre a
língua foram tão pertinentes que influenciaram muitos dos estudiosos
que o sucederam.
Veja o que diz Ilari (2007, p. 85) sobre a teoria de Chomsky:
A linguística chomskyana é em si mesma um capítulo fascinante da história das ideias; suas realizações são tão amplamente reconhecidas que as
resistências e as polêmicas que lhe foram opostas
pelos estruturalistas americanos nos anos 1960
aparecem, hoje, como um episódio menor.
Como não temos fôlego para numa unidade nos determos apenas a
esse “capítulo fascinante da história das ideias”, nesta nossa unidade vamos
nos deter na explicitação dos principais pressupostos teóricos de Chomsky,
o que será suficiente para você perceber por que seus pressupostos resultaram em novos direcionamentos às investigações sobre a língua.
Chomsky postulou que todo falante possui, já ao nascer, uma capacidade universal de desenvolver uma língua particular. Isso explicaria a extraordinária competência que as crianças tem para desenvolver
a língua falada na sociedade em que ela vive. Dessa forma, conclui-se
que qualquer língua pode vir a ser a língua materna. E o que explicaria
esse fato? Chomsky postula que as línguas possuem algumas regras
que são comuns a todas elas. Haveria uma gramática universal a todas as línguas, e a partir dela, formam-se as gramáticas particulares
a cada língua.
Seria então o objetivo da linguística, a explicitação dessa gramática
formada por um conjunto finito de regras, a partir das quais são geradas
todas as frases possíveis de serem elaboradas na língua. Essa gramática
ficou conhecida como gramática gerativa. Através dela se explica porque
um falante competente da língua é capaz de produzir e compreender frases que ele nunca escutou antes. A essa capacidade do falante, Chomsky
deu o nome de competência. E é a partir dela, da competência de um
falante ideal, de uma comunidade linguística ideal, que são extraídas as
regras da gramática da língua interna de todo falante.
Ao lado da competência, formando um par dicotômico, Chomsky
estabelece o desempenho ou performance, ou seja, a realização concreta, externa da língua, pelo falante. Por ser uma realização concreta,
o desempenho está sujeito às diversas variáveis sociais e individuais
que afetam a língua. Por isso, não é levada em consideração na teoria
de Chomsky. Outra dicotomia da teoria gerativa é a que se estabelece
entre uma estrutura profunda e uma estrutura de superfície. Esta última
pode sempre ser reduzida à estrutura profunda. Para isso, definem-se
as regras gramaticais de reescrita e, através delas se percebe como se
dica. utilize o bloco
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dá a transformação de uma frase no nível profundo, para uma frase
no nível superficial da língua. As regras de reescrita, como já dissemos,
são limitadas. Mas com elas o falante produz infinitas frases superficiais.
Apenas para exemplificar: a partir de um simples sintagma nominal
como “o menino” e de um sintagma verbal como “correu”, há infinitas
possibilidades de construção de outras frases na superfície da língua.
As ideias de Chomsky foram amplamente difundidas nos meios acadêmicos, e os cursos de Letras em geral adotaram seu modelo de análise
sintática. A sintaxe é o ponto central de sua teoria, e ele a define como:
“o estudo dos princípios e dos processos segundo os quais as frases são construídas nas línguas
particulares. O estudo sintático de uma língua tem
como objetivo a construção de uma gramática que
pode ser considerada uma espécie de mecanismo
que produz as frases da língua tomada para análise” (CHOMSKY, apud PAVEAU, 2003, p. 168).
A primazia da sintaxe é um pressuposto para que o gerativismo
seja definido como formalista, em oposição aos estudos de cunho funcionalista, como o de Jakobson. Essa discussão é bastante produtiva
e você pode saber mais sobre ela lendo alguns artigos de Bentes e
Mussalim (2007).
Como exercício de reflexão, propomos a você que justifique a afirmação de
Carboni com base no que você leu sobre a teoria de Chomsky.
Só para comprovarmos que você compreendeu mesmo o principal
da teoria gerativa, pedimos que reflita um pouco mais e responda a
questão que segue.
Atividade VI
Essa atividade é para refletir mesmo sobre a nossa língua. Você
sabe que em nossa sociedade algumas camadas da população não
dominam a língua padrão que é ensinada nas escolas. No entanto,
acreditamos que você nunca ouviu alguém dizer algo em português
parecido com: ônibus de vou eu.
Lembramos ainda, para concluir nossa pequena incursão sobre a
teoria gerativa, que seu foco recai sobre as frases gramaticais, quer
dizer, as frases bem formadas de acordo com o sistema da língua,
produzidas pelo falante ideal. Nesse sentido, ficou célebre sua frase:
As ideias verdes sem cor dormem furiosamente, como exemplo de frase
totalmente aceita do ponto de vista gramatical, embora não do ponto
de vista semântico. Este será um ponto bastante criticado da teoria de
Chomsky, entre outros, e que teremos oportunidade de discutir mais
adiante em nosso curso.
Tomando por base o que acabou de aprender sobre a teoria gerativa, como você
pode explicar que frases como essa não são produzidas na nossa língua?
Agora vamos fixar o que foi aprendido acerca dessa teoria tão inovadora para a época.
No momento, encerramos nossa sucinta apresentação sobre o gerativismo, não deixando de esclarecer que este modelo teórico não parou
de evoluir desde a publicação do primeiro livro de Chomsky, em 1957:
Syntactic structures. De modo que, a quem interessa aprofundar-se no
conhecimento da teoria gerativista, faz-se necessário buscar as recentes
publicações do autor. Este é um trabalho para especialistas e portanto,
poderá ser feito numa outra fase de sua caminhada acadêmica.
Atividade V
Explicitando uma das evidências que ancoram a teoria de Chomsky,
Carboni (2008, p. 57) afirma que:
“mesmo quando uma pessoa aprende uma língua
estrangeira e a fala de modo aparentemente perfeito, é incapaz de proferir os juízos de gramaticalidade com a mesma sutileza dos locutores nativos”.
dica. utilize o bloco
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Aproveite e faça uso dos conceitos explicitados aqui e que são próprios da
teoria. Assim você começa a produzir uma escrita mais diferenciada, própria
de quem conhece os termos usados no campo teórico que está estudando.
Por ora, sugerimos a leitura de algumas obras para que você tenha conhecimento de outros ramos de pesquisa de cunho estruturalista
que compuseram esse grande movimento na linguística no século XX.
Agindo assim você também terá oportunidade de aprofundar o conhecimento dos teóricos e das teorias que apresentamos aqui. Lembramos
que não temos espaço para mostrar mais do que a ponta do iceberg.
Portanto, cabe a você mergulhar e descobrir as riquezas que se escondem na profundidade.
Só temos a lhe desejar boas leituras!
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dica. utilize o bloco
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Leituras recomendadas
CARBONI, Florence. Introdução à Linguística. Belo Horizonte: Autêntica,
2008.
Indicamos este livro porque a autora trata dos
temas linguísticos que trabalhamos aqui com
muita clareza e simplicidade. Não há dificuldade para você compreender os temas tratados, porque ao mesmo tempo em que os
descreve, a autora comenta sua validade, suas
controvérsias. Você pode até relembrar o que já estudou sobre a
evolução da linguística, é por aí que a autora introduz o leitor nessa
correnteza linguística.
BENTES, Anna Christina & MUSSALIM, Fernanda (orgs.). Introdução à
Linguística. Fundamentos epistemológicos. São Paulo, Cortez, 2004. Vol. III.
Nesse livro você encontrará textos que aprofundam o conhecimento das teorias de que
tratamos aqui. Também são apresentados outros teóricos que deram sua contribuição às
investigações linguísticas. Portanto, são textos
mais densos, ricos em dados, que exigem uma leitura atenciosa.
Mas lembramos que essa é um percurso indispensável para quem
quer saber mais sobre os temas estudados.
PAVEAU, Marie-Anne & SARFATI, Georges-Élia. As grandes teorias da linguística.
Da gramática comparada à pragmática. São Carlos: Claraluz, 2006.
Essa é mais uma outra obra para aprofundamento das leituras. Cada capítulo trata de uma
teoria específica, e como abrange um período
longo da linguística, da gramática comparada
às teorias pragmáticas, temos uma visão da
evolução dos estudos linguísticos, das origens
intelectuais desses estudos, das relações entre teóricos. Portanto,
trata-se de um texto essencial para se ter uma visão atualizada de
muito do que foi feito no século XX em Linguísitica.
Como referência específica a Chomsky, indicamos o link da revista DELTA
que você pode acessar através do endereço: http://www.scielo.br/scielo.
php?script=sci_issuetoc&pid=0102-445019970003&lng=pt&nrm=isso
Neste endereço você encontrará textos do autor e entrevistas que ele concedeu na época em que esteve no Brasil. Nesse ponto, podemos dizer que
é sempre mais interessante conhecer o autor através dele mesmo.
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Resumo
A partir dos postulados primeiros de Saussure, o Estruturalismo linguístico se expandiu e tomou outras direções, suscitando novos problemas
para se pensar sobre a língua. Vários grupos de estudiosos foram formados a partir de então, destacando-se como herdeiros dessa tradição,
os linguistas do Círculo Linguístico de Praga, que teve em Jakobson seu
maior expoente. Sua teoria sobre as funções da linguagem inauguraram uma nova vertente de investigação da língua, a vertente funcionalista. Nos Estados Unidos, a tradição estruturalista se manteve forte com
a necessidade de descrição e registro das línguas ágrafas dos indígenas. Até que esse modelo começasse a dar sinais de esgotamento, e
surgisse a figura de Chomsky, chamando a atenção para os processos
mentais envolvidos com a capacidade linguística. A preocupação desse
linguista estava voltada então para a formulação de um modelo teórico
capaz de explicar e não apenas descrever línguas.
Autovaliação
Chegou o momento de você avaliar os conhecimentos adquiridos
nesta unidade. Propomos a você que pense sobre o que você aprendeu a mais sobre a língua, sobretudo em se tratando das proposições
teóricas de Jakobson e de Chomsky. Para isso, responda as questões a
seguir:
1) Por que a perspectiva de estudo da língua formulada por Jakobson ficou
conhecida como funcionalismo?
2) Por que a gramática proposta por Chomsky foi denominada gerativa?
Ao responder essas perguntas você estará retrabalhando os conceitos já estudadas do estruturalismo. Se preciso, faça uma nova leitura
da unidade, revendo suas anotações, as dúvidas que surgiram desde
nossa primeira unidade, reveja as discussões realizadas no ambiente
virtual de estudo.
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dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
Referências
VI Unidade
CARBONI, Florence. Introdução à linguística. Belo Horizonte: Autêntica,
2008.
BENTES, Anna Christina & MUSSALIM, Fernanda (orgs.). Introdução à
Linguística. Fundamentos epistemológicos. São Paulo: Cortez, 2007.
Vol. III.
LEPSCHY, Giulio C. A Linguística Estrutural. Tradução de Nites
Therezinha Feres. 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1975.
MARTELLOTA, Mario et alii (Orgs.) Manual de Linguística. São Paulo:
Editora Contexto, 2008.
PAVEAU, Marie-Anne & SARFATI, Georges-Élia. As grandes teorias
da linguística. Da gramática comparada à pragmática. São Carlos:
Claraluz, 2006.
Saussure, Jakobson, Hjelmeslev, Chomsky. Os pensadores. Traduções de
Carlos Vogt et al. São Paulo: Abril Cultural, 1974.
WEEDWOOD, Barbara. História concisa da linguística. Tradução de
Marcos Bagno. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.
XAVIER, Antônio Carlos e CORTEZ, Suzana (orgs.). Conversas com
linguistas: Virtudes e controvérsias da linguística. São Paulo: Parábola,
2003.
Novos percursos
para a Linguística
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Apresentação
Objetivos
Com a unidade anterior dissemos que estávamos fechando o ciclo estruturalista nos estudos da língua. Um fechamento temporário, bem entendido, porque sabemos que as
ideias inovadoras não se esgotam em sua época. Elas são
aproveitadas e tomam formas diferentes nas épocas posteriores. Não é assim com os estudos da Antiguidade grega e
latina?
Pois bem, vamos agora apresentar as críticas que foram
feitas aos estudos estruturalistas e que, a partir da análise
cuidadosa do que constituía uma fragilidade teórica, deram
condições de formulação de novas considerações sobre o
estudo da língua. Afinal, é assim que avança a ciência. Essas
novas formulações também serão apresentadas nesta unidade. Ao revelar no que a perspectiva estruturalista estava
falhando, estaremos mostrando como o que chamaremos
as novas correntes da Linguística, de que começaremos a
tratar a partir de então, puderam ser forjadas nesse grande
caldeirão do pensamento científico.
Levando em consideração o que está dito na apresentação, esperamos que você alcançar nesta unidade, os seguintes:
1. Reflita sobre as considerações feitas até agora sobre a língua.
2. Examine nessas considerações o que pode representar uma falta levando em consideração o avanço das discussões linguísticas.
3. Debata as novas perspectivas de investigação da língua.
Vamos começar então pelo grande nome fundador da
Linguística, Saussure, para depois falar de Chomsky, com
quem fechamos a unidade anterior e de quem afirmamos o
mérito de alçar a Linguística, na época inserida no campo
meramente descritivo, para o campo explicativo.
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Pronto para pensar um pouco e abrir mão das certezas firmadas
com os conhecimentos adquiridos até aqui, para se aventurar no caminho da reflexão e crítica do que já estava tão bem assentado em sua
cabeça? É essa a nossa proposta. Não deixar a ideia se sedimentar a
ponto de não responder mais aos problemas do momento. Estamos só
começando. Temos muito o que aprender até chegarmos ao final desse
curso de Linguística.
Comecemos então pelo começo, os limites do modelo estruturalista.
3. O sistemático abstrato prevalece sobre a verdade histórica.
5. A reificação do elemento linguístico isolado substitui a dinâmica
da fala.
São inquestionáveis os méritos de Saussure. No entanto, analisando-se mais de perto suas asserções, percebemos que alguns conceitos
são passíveis de crítica. E muito criticados são a separação que Saussure faz entre língua, linguagem e fala, o próprio conceito de língua como
sistema convencional depositado na mente de cada um dos indivíduos
como um tesouro, como diz o próprio Saussure, a exclusão do aspecto
diacrônico na consideração dos fatos linguísticos. Sobretudo se critica
a negação do sujeito como elemento imprescindível para a realização
da língua, como se o objeto tivesse existência por si só.
Podemos encontrar uma sistematização dessas críticas em Mikhail
Bakhtin, na obra Marxismo e filosofia da linguagem publicada em
1929. Bakhtin foi um teórico russo que teve suas obras traduzidas para
o Ocidente a partir da década de 60, e no Brasil tem sido bastante
citado em trabalhos acadêmicos a partir da década de 90. A repercussão de sua teoria se faz também sentir pela significativa quantidade de
publicações que vem sendo realizadas tratando dos temas explorados
pelo autor. Dada a propriedade de suas ideias para a Linguística atual,
preocupada com a maneira como o homem age na sociedade, dedicaremos mais a frente toda uma unidade à discussão dos seus pressupostos teóricos.
Críticas bakhtinianas ao
estruturalismo linguístico
Pelo que já adiantamos acima, você deve então aproveitar esse
momento para já se familiarizar com as ideias do autor. Começamos
dizendo que Bakhtin denomina a corrente estruturalista de objetivismo
abstrato e sistematiza as críticas a essa corrente nos itens que apresentamos a seguir:
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2. O abstrato prevalece sobre o concreto.
4. As formas dos elementos prevalecem sobre as do conjunto.
Limites do modelo
estruturalista
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1. “Nas formas linguísticas, o fator normativo e estável prevalece
sobre o caráter mutável.
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Teoria Linguísticas I
6. Univocidade da palavra mais do que polissemia e plurivalência
vivas1.
Observe os conceitos de polissemia e plurivalência: “Chama-se polissemia à propriedade do signo linguístico que possui vários
sentidos” (DUBOIS, Jean et al., 1993, p.
471). “Chama-se plurivalência à propriedade que possui uma unidade linguística
(palavra ou frase) de poder receber várias
interpretações, de possuir vários sentidos
ou valores” (DUBOIS, Jean et al., 1993, p.
470). Em oposição a esses conceitos, o de
univocidade remete para a ideia de atribuição de um único sentido para o signo.
1
7. Representação da linguagem como um produto acabado, que
se transmite de geração a geração.
8. Incapacidade de compreender o processo gerativo interno da
língua”.
(BAKHTIN, 2002, p. 103)
Atividade I
Em conformidade ao explicitado no nosso objetivo, vamos propor a você nessa
primeira atividade, que reflita sobre as críticas acima. Para isso, é preciso
ler atentamente cada uma delas. Depois de ler atentamente cada uma, tente
identificar que pontos da teoria de Saussure estão sendo criticados por Bakhtin.
Como fazer isso? Retomando as unidades em que falamos sobre Saussure,
retomando os exercícios que você fez, discutindo com os colegas em sua sala
virtual. Escreva o que você consegue identificar. Não tem problema se algo
ficou ainda em suspenso. Vamos continuar com Bakhtin e seus comentários a
respeito do objetivismo abstrato.
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de anotações para
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Bakhtin (2002) aponta o que ele considera falho nessa teoria. Na
primeira crítica, é clara a objeção à escolha de Saussure pelo estudo
do aspecto sincrônico em detrimento do aspecto diacrônico no estudo
da língua. E à consideração da língua como sistema de normas. Vamos
ler o que ele disse.
A compreensão que o indivíduo tem da língua não
está orientado para a identificação de elementos normativos do discurso, mas para a apreciação de sua
nova qualidade contextual. (...) aquilo que constitui a
descodificação da forma linguística não é o reconhecimento do sinal, mas a compreensão da palavra no
seu sentido particular, isto é, a apreensão da orientação que é conferida à palavra por um contexto e
uma situação precisos, uma orientação no sentido
da evolução e não do imobilismo (p. 94).
“Os signos linguísticos, embora sendo essencialmente psíquicos, não são abstrações; as associações, ratificadas pelo consentimento coletivo e cujo
conjunto constitui a língua, são realidades que têm
sua sede no cérebro” (1998, p. 23).
Vê-se que Bakhtin discorda totalmente da visão de língua de Saussure. Para Bakhtin, a língua é o que está em uso, é o que se vê, o que
se fala, o que se ouve, e por estar em uso, está sujeita a todas as variações e faz parte da vida social. Por isso que ele diz que o que Saussure
chama de língua é uma abstração, pertence apenas a um indivíduo, é
monológica.
A terceira crítica trata da abstração em relação ao histórico, e
Bakhtin a justifica dizendo que
“A reflexão linguística de caráter formal-sistemático
foi inevitavelmente coagida a adotar em relação
às línguas vivas uma posição conservadora e acadêmica, isto é, a tratar a língua viva como se fosse
algo acabado, o que implica uma atitude hostil em
relação a todas as inovações linguísticas. A reflexão linguística de caráter formal-sistemático é incompatível com uma abordagem histórica e viva
da língua” (p. 104).
Atividade II
dica. utilize o bloco
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responder as atividades!
Lendo o comentário de Bakhtin, você percebe a inclusão de alguns elementos
que não são familiares ao Estruturalismo linguístico? Relacione os elementos
que você percebe como estranhos a essa teoria. Você concorda com Bakhtin?
Escreva expondo seu ponto de vista sobre a crítica do autor.
Atividade III
Quanto à afirmação do abstrato sobre o concreto, o autor defende
que
“A enunciação monológica fechada constitui, de
fato, uma abstração. A concretização da palavra
só é possível com a inclusão dessa palavra no contexto histórico real de sua realização primitiva. Na
enunciação monológica isolada, os fios que ligam
a palavra a toda a evolução histórica concreta foram cortados” (p. 103).
Após este terceiro comentário, você identifica qual o aspecto essencial que
para Bakhtin determina o estudo de uma língua? Ao responder você poderá
dizer que já conhece algo do posicionamento teórico de Bakhtin.
Na quarta crítica, Bakhtin já trata mais especificamente da língua,
ao falar dos elementos em relação ao conjunto. Vamos entender isso
lendo o comentário do próprio autor:
O trabalho de pesquisa reduz-se ao estudo das
relações imanentes no interior do terreno da enunciação. Todos os problemas daquilo que se poderia
chamar de “política externa” da enunciação ficam
excluídos do campo da observação. (...) não há
relação nem transição progressiva alguma entre as
formas dos elementos constituintes da enunciação
e as formas do todo no qual ele se insere (p. 103).
Para entender essa crítica é preciso lembrar que Saussure dizia ser
a língua concreta, mas essa concretude só existia na cabeça dos indivíduos. Você está lembrado que os signos linguísticos são de ordem
psíquica? Vamos retomar o que diz o próprio Saussure:
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Esse comentário é bastante rico, porque aqui Bakhtin diz muito sobre
o método e as categorias de análise adotadas pela Linguística estrutural.
Certamente você lembra das categorias que mostramos como sendo
alvo da investigação dessa corrente linguística. Se não, o conselho é:
retome essa unidade para “saber onde o galo está cantando”. Pois bem,
Bakhtin critica justamente o estudo atomizado da língua, o estudo de
seus elementos internos, morfemas, fonemas, o que se convencionou
chamar de estudo “imanentista” da língua e que é muito criticado porque considerado redutor.
Certamente ficam de fora desse estudo o que Bakhtin está chamando de “política externa”, o que resumimos aqui como o contexto
maior em que todo enunciado se insere. Como exemplo, o autor cita o
exemplo do estudo da sintaxe, dizendo que “existe um abismo entre a
sintaxe e os problemas de composição do discurso” (BAKHTIN, 2002,
p. 104). E mais adiante dá o exemplo notável do que não deve ser feito
no estudo dos textos literários: “Se encerrarmos a obra literária na unicidade da língua como sistema, se a estudarmos como um monumento
linguístico, destruiremos o acesso a suas forma como formas da literatura como um todo” (p. 105). É preciso que os professores de língua e
literatura leiam Bakhtin.
Um exemplo para isso se encontra num trecho de Bakhtin em que
ele fala da expressão da fome que pode ganhar matizes diferentes: de
deprecação, de raiva, de lamento ou de indignação, o que dependerá
da situação imediata em que foi expressa a sensação de fome, e da
situação social do indivíduo que a expressou. De fato percebe-se que
a palavra é a mesma enquanto forma linguística, mas que ela adquire
significados diversos em função do momento em que for pronunciada.
São essas considerações que escaparam aos estruturalistas porque
estavam muito preocupados em desvendar os meandros do sistema em
si. Mas estando o sistema linguístico descrito, era necessário avançar
o conhecimento da língua. Nesse sentido, Bakhtin foi um precursor.
Muito do que ele disse ainda no segundo decênio do século vinte está
sendo hoje amplamente demonstrado pelas correntes linguísticas da
atualidade.
Com a sétima crítica, Bakhtin se posiciona mais uma vez contra a
ideia da língua como um sistema pronto que resta ao falante assimilar
para então fazer uso. Para Bakhtin,
A quinta crítica retoma algo do que já está exposto na anterior,
ampliando-a agora para a realização concreta da língua, os diálogos,
os discursos, as unidades, um romance literário, todas as manifestações
do uso da língua que são desconsideradas pela análise estruturalista.
Leia o que o autor diz a seguir:
“A forma linguística somente constitui um elemento
abstratamente isolado do todo dinâmico da fala,
da enunciação. (...) A enunciação como um todo
não existe para a linguística. Consequentemente,
apenas subsistem os elementos do sistema, isso é,
as formas linguísticas isoladas. (...) (fonética, morfologia, etc.) que se desenvolvem independentemente do sistema como um todo e sem qualquer
referência à enunciação concreta”.
“Na verdade, a língua não se transmite; ela dura e
perdura sob a forma de um processo evolutivo contínuo. Os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada; eles penetram na corrente da
comunicação verbal; ou melhor, somente quando
mergulham nessa corrente é que sua consciência
desperta e começa a operar” (p. 108).
Vamos dar uma paradinha em nossos comentários para que
você exercite sua atitude reflexiva.
E que por isso são estáticas, porque não são analisadas no momento em que tomam parte da “dinâmica da fala” que, para Bakhtin, é
eminentemente social. Ele ainda diz que ao afirmar que o ato de fala é
individual, o objetivismo abstrato está produzindo seu proton pseudos,
sua “primeira mentira”.
Univocidade X polissemia. Agora é a vez da palavra. Bakhtin diz
que
“O sentido da palavra é totalmente determinado
pelo seu contexto. De fato, há tantas significações
possíveis quantos contextos possíveis. No entanto,
nem por isso a palavra deixa de ser una. Ela não
se desagrega em tantas palavras quantos forem os
contextos nos quais ela pode se inserir” (p. 106).
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Atividade IV
Nessas considerações sobre a língua, é citado um elemento bastante importante
para a Linguística atual e que foi ignorado na perspectiva estruturalista. Nós o
citamos no início desta unidade, quando começamos a falar sobre os limites
do modelo estruturalista. Se necessário, releia o primeiro parágrafo dessa
parte. Tendo identificado esse elemento, o que você poderia dizer sobre seu
papel em relação à língua nessa perspectiva bakhtiniana em contraposição à
perspectiva estruturalista?
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responder as atividades!
Chegamos à última crítica bakhtiniana ao objetivismo abstrato. Aqui é
claramente criticada a separação dicotômica sincronia/diacronia, e a
primazia da primeira para a análise da língua. Para Bakhtin, a língua
é dinâmica, não sendo possível estudá-la excluindo-a da história. “A
língua é um fenômeno puramente histórico” (p. 109). Também está
evidente a crítica ao social como o entende Saussure, porque para ele
o social na língua se limita ao fato dela ser um código comum a todos
os falantes de uma comunidade. Ao passo que Bakhtin só concebe a
existência da língua a partir do social.
É importante ainda ao se confrontar teorias, levar em conta a definição de termos próprios a cada uma delas. Saussure separa nitidamente,
como vimos, a língua, o verdadeiro objeto da Linguística, da linguagem
e da fala. Já Bakhtin não faz essa distinção, e muitas vezes, em seus
escritos, esses termos aparecem como equivalentes. Mas teremos oportunidade de falar mais detidamente sobre Bakhtin mais adiante. Nesse
momento, diante de todas essas constatações, só resta inferir que
O objetivismo abstrato, como vimos, não sabe ligar
a existência da língua na sua abstrata dimensão
sincrônica com sua evolução. (...) A língua, como
sistema de formas que remetem a uma norma, não
passa de uma abstração, que só pode ser demonstrada no plano teórico e prático do ponto de visa
do deciframento de uma língua morta e do seu ensino. Esse sistema não pode servir de base para
a compreensão e explicação dos fatos linguísticos
enquanto fatos vivos e em evolução. Ao contrário,
ele nos distancia da realidade evolutiva e viva da
língua e de suas funções sociais... (p. 108).
Podemos dizer que as críticas de Bakhtin aqui apresentadas são
razoáveis quando se começa a analisar a língua de um outro ponto de
vista. Na época em que as elaborou, Bakhtin estava certo ao afirmar
que “A linguística estuda somente a relação existente entre os elementos
dentro do sistema da língua, e não a relação existente entre o enunciado e a realidade...” (BAKHTIN, 2000, p. 346). Foi então o ponto de
vista que mudou. E também a Linguística, alimentada por essas novas
ideias que contradizem o que estava estabelecido.
Vamos ver o que se assinalou também em Chomsky que não respondia mais aos anseios de linguistas que queriam dotar o estudo da
língua de um matiz mais funcional. Para isso, vamos à discussão a
seguir.
Crítica à perspectiva
chomskiana
Já que vínhamos falando do fator social, podemos começar dizendo
que também Chomsky trabalhou com a língua isolada do social, das
situações concretas de uso. O sujeito, embora apareça em sua teoria,
mas aparece como um sujeito falante ideal, de uma língua ideal, longe
do indivíduo real que fala sua língua e está condicionado por fatores
sociais. E é sobre a intuição desse sujeito, a sua competência para
distinguir as frases bem formadas na língua, que ele ergue sua teoria.
Essa é uma crítica recorrente que se faz a Chomsky. Como também o
fato de haver radicalizado a separação entre sistema e uso ao estabelecer a dicotomia competência/ performance, relegando esta última
porque, sendo individual, não é de interesse para o estudo do sistema
linguístico.
Vemos aqui, portanto, uma radicalização da dicotomia língua/
fala, proposta por Saussure. Sendo assim não é difícil deduzir o que
Chomsky considera então o objeto da Linguística. E certamente você já
deduziu. Só que para Chomsky a língua é uma faculdade mental inata
do indivíduo, é geneticamente constituída e portanto transmitida pela
espécie. Nesse ponto vale a pena voltar à unidade anterior e reler o que
dissemos lá sobre a teoria de Chomsky. Vale a pena também parar um
pouco para inserir seu momento de reflexão.
Ao ler que para Chomsky a língua é transmitida geneticamente,
você deve ter lembrado de alguma das críticas de Bakhtin a Saussure.
Veja como é interessante esse movimento das ideias. Bakhtin evidentemente não conhecia o trabalho de Chomsky quando publicou o Marxismo e filosofia da linguagem em 1929, obviamente. Mas como ele
próprio diz em sua teoria, as ideias dialogam entre si, tanto com as que
lhes antecederam, quanto com as que ainda estão por vir. Esse é um
princípio básico para Bakhtin. Vamos falar dele mais adiante, como já
prometido. Por ora, pedimos que você faça o exercício a seguir.
Atividade V
Vamos pedir agora algo muito simples em vista do que você já realizou. Pedimos
que identifique qual das críticas de Bakhtin se aplicaria à ideia de transmissão
genética da língua de Chomsky. Em seguida, explique o conceito de língua dos
dois autores, que faz com que haja um embate entre as duas teorias.
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dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
Continuando com Chomsky, verificamos que os críticos julgam sua
teoria inadequada por ela não englobar aspectos que se consideram
essenciais para o funcionamento da língua. Sem desmerecer a importância de se observar a competência gramatical do falante, por exemplo, é importante além disso verificar como e em que situações sociais
o falante faz uso de sua competência. Isso já remete para uma outra
questão que é a da heterogeneidade da língua, um fator hoje indiscutível em qualquer vertente da linguística. E do modo como a veem
Saussure e Chomsky, a língua seria um objeto homogêneo. Aliás, como
você deve estar lembrado, para o primeiro essa é uma condição essencial para que a mesma seja tomada como objeto da Linguística.
Concluída a discussão sobre Chomsky, passamos agora ao nosso
último exercício.
Atividade VI
Como último exercício dessa unidade, pedimos que você sistematize o que
foi criticado na Linguística estruturalista. Você pode fazer isso através de um
levantamento das categorias criticadas, identificando o que no conceito de
tais categorias foi suscetível de crítica.
de anotações para
responder as atividades!
SEAD/UEPB
A definição de um objeto formal foi necessário para firmar a Linguística no cenário científico da época em que Saussure lançou as bases
da nova ciência. E isso foi alcançado com êxito. Questões relativas aos
processos evolutivos por que passaram as línguas, às diferenças entre
elas, à estrutura morfo-fonológica, a descrição das línguas indígenas,
o reconhecimento das estruturas sintáticas que são bem formadas e as
que não são aceitas pelo falante da língua, todas essas e muitas outras
questões foram eficazmente exploradas pela Linguística estruturalista
que, seguindo esse caminho, tornava-se cada vez mais formal e menos
humana e social.
Permanecendo nessa perspectiva, o modelo estruturalista não dava
conta de aspectos que começavam a ser considerados pelos linguistas
como fazendo parte intrinsecamente da língua. Porque a língua é muito
mais complexa do que o que deixa transparecer em sua estrutura. E os
linguistas começaram a ampliar seu campo de observação para além
do próprio objeto linguístico, constatando que para analisá-la em uso
faz-se necessário a consideração de fatores de natureza muito diversa.
Assim, novos parâmetros começaram a ser estabelecidos para se compreender esse objeto sempre em aberto, submetido às intempéries do
tempo, do lugar, do contexto histórico em que está inserida. Também
nesse sentido contribuições de outras ciências foram sendo agregadas
à análise da língua. Lembremos do estruturalismo norte-americano em
sua primeira fase que, apesar de adotar uma metodologia bastante
formalista, já apontava um direcionamento da Linguística rumo à Antropologia, porque seus teóricos já apontavam uma relação da língua
com a cultura do povo que a falava. Ou seja, percebemos já a consideração de um elemento exterior para estudar a língua. O próprio
Jakobson, como já sabemos, transitava por diversas áreas do saber,
demonstrando uma interdisciplinaridade possível.
A Linguística então, já dava sinais de haver adquirido um grau de
autonomia que a permitia dialogar com outras disciplinas, e esta vem
sendo uma tendência que cada vez mais tem se firmado nos estudos da
atualidade. Você terá oportunidade para constatar o que acaba de ser
dito, continuando seu curso e observando os avanços da Linguística e
seus efeitos, por exemplo, na prática de ensino. Na próxima unidade
você já terá contato com uma corrente de estudos linguísticos, e seus
maiores representantes teóricos, evidentemente, que se firmou após o
“esgotamento” do modelo estruturalista, a Linguística Enunciativa.
dica. utilize o bloco
106
Para finalizar, apenas um
pouco mais de discussão sobre
os caminhos da linguística
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Resumo
Leituras recomendadas
BAKHTIN, Mikhail. (Voloshinov). Marxismo e filosofia da linguagem. (Trad.
de M. Lahud e Y. Vieira). São Paulo, Hucitec, (1986) (1929). ISBN
852710041X
Bakhtin é hoje reconhecidamente um teórico que figura entre os grandes nomes da
Linguística. Indicamos sua leitura porque
nele encontramos a crítica pertinente ao estudos estruturalistas da língua, nosso tema
nessa unidade. Além disso, o conhecimento de suas ideias hoje é indispensável para
quem ensina, estuda, gosta de discutir língua. Estaremos falando de Bakhtin em uma próxima unidade, como
prometido, mas sua leitura nesse momento não seria vã, se é que
existe tal leitura. Seria uma forma também de já conhecer o estilo de
escrita do autor, que se distancia da tradicional escrita acadêmica.
CARBONI, Florence. Introdução à linguística. Belo Horizonte: Autêntica,
2008.
Já indicamos a leitura de Carboni na unidade
anterior. Repetimos a recomendação aqui por
sua linguagem fácil que faz a leitura fluir. Sua
apresentação da teoria seguida de comentários
favorece a compreensão dos temas discutidos.
Não podemos deixar de levar em consideração, claro, que ela faz uma introdução à Linguística.
PAVEAU, Marie-Anne & SARFATI, Georges-Élia. As grandes teorias da
linguística. Da gramática comparada à pragmática. São Carlos: Claraluz,
2006.
Essa é nossa indicação para a busca do
aprofundamento teórico. Indicamos aqui
especialmente o capítulo 5, em que a autora apresenta a recepção crítica à obra de
Saussure, trazendo ao conhecimento do
leitor o que disseram vários linguistas que
concordaram ou se opuseram ao empreendimento saussuriano. Mas o capítulo 8 é também elucidativo para
a compreensão do que foi o formalismo. Vale a pena se aventurar
em uma leitura desafiadora.
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Teoria Linguísticas I
O modelo estruturalista para o estudo da língua esteve centrado sobre
a concepção de código linguístico, e na descrição formal dos componentes fonológicos, morfológicos, e posteriormente sintáticos, desse
código, realizando a análise imanente da língua. Esse modelo, no entanto, começou a ser alvo de críticas por parte de linguistas que não
mais viam a língua dissociada da realidade social em que ela estivesse
inserida. Assim, noções como a de sujeito, contexto, situação de enunciação, começaram a fazer parte da ordem do dia das especulações
linguísticas, e sinalizaram para um redirecionamento da Linguística em
busca de um objeto que estivesse mais relacionado ao homem e à sociedade, seguindo pelo caminho do diálogo com outras disciplinas.
Autovaliação
Esse momento da autoavaliação foi planejado no sentido de oferecer a você a oportunidade de avaliar seu desempenho quanto à aprendizagem dos conceitos que lhe foram apresentados. É um momento
também para fixar o que há de mais importante a ser retido.
Portanto, encerramos agora essa discussão querendo saber de você. Queremos
ouvir sua palavra. O que você acha de todas essas mudanças no modo como a
língua passa a ser vista pelos que propuseram um ponto de vista diferente do
estruturalismo? Qual a sua opinião acerca desse processo? O que foi válido
nesse percurso? O que merece ainda ser tratado com cautela? Pense e expresse
sua opinião a seguir.
dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
Teoria Linguísticas I
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109
VII Unidade
Referências
BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. (Trad. de Mª. E. Pereira).
São Paulo: Martins Fontes, 2000.
BAKHTIN, Mikhail. (Voloshinov). Marxismo e filosofia da linguagem. (Trad.
de M. Lahud e Y. Vieira). São Paulo, Hucitec, (1986) (1929).
CARBONI, Florence. Introdução à linguística. Belo Horizonte: Autêntica,
2008.
DUBOIS, Jean et al. Dicionário de Linguística. Tradução Izidoro Blikstein.
São Paulo: Cultrix, 1993.
BENTES, Anna Christina & MUSSALIM, Fernanda (orgs.). Introdução à
Linguística. Fundamentos epistemológicos. São Paulo: Cortez, 2007.
Vol. III.
MARCUSCHI, Luis Antônio. Produção textual, análise de gêneros e
compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.
PAVEAU, Marie-Anne & SARFATI, Georges-Élia. As grandes teorias
da linguística. (Trad. de Mª do Rosário Gregolin, Vanice Sargentini,
Cleudemar Fernandes). Da gramática comparada à pragmática. São
Carlos: Claraluz, 2006.
SAUSSURE, F. de. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix, 1998
(1916).
A linguística da
enunciação
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Teoria Linguísticas I
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Apresentação
• Sempre que possível, recorra aos textos que indicamos como
referências. Essa atitude é necessária para um maior aprofundamento dos conhecimentos adquiridos nas unidades.
Finalizamos a unidade anterior indicando uma nova perspectiva nos
estudos linguísticos a partir da insuficiência da linguística estrutural para
explicar certos fenômenos na língua que só poderiam ser explicados a
partir do exterior.
Esse fato define uma nova fase da linguística, que passa então a ser
marcada por uma diversidade muito grande de perspectivas de estudo
da língua. Isso porque são vários os fatores que passam a ser levados
em consideração para se analisar até mesmo um simples enunciado.
Que pode até ser simples do ponto de vista estruturalista da língua,
considerando-se sua forma. Mas e do ponto de vista de sua função?
O que pode estar implicado num enunciado como “está chovendo”
quando ele é considerado a partir do sujeito que o pronunciou, da circunstância em que ele fez isso, a partir da pessoa a quem o enunciado
foi dirigido? Até o modelo de comunicação proposto por Jakobson
parece agora muito simplificado para responder questões tão variadas.
Retomaremos Jakobson nesta unidade porque ele foi um precursor da
linguística enunciativa. Também Bally, aluno de Sausssure.
A partir de agora só podemos dizer que um campo ainda mais
vasto de observação da língua começa a se revelar. Temos certeza de
que você só irá se beneficiar com tantas possibilidades de escolha para
se posicionar em um ou outro ponto de vista e a partir dele começar a
fazer suas próprias análises da língua. Mas para alcançar esse grau de
conhecimento e autonomia, reafirmamos a necessidade de cooperação e empenho de sua parte.
• E o que é muito importante: não guarde dúvidas. Recorra ao
professor tutor até que elas sejam suficientemente esclarecidas.
Adotando esses procedimentos, temos certeza de que você fará
bom uso do tempo dedicado aos estudos. Só temos a lhe desejar muito
sucesso e o alcance dos objetivos que estabelecemos a seguir, a partir
dessa nova fase de ampliação do campo de estudo da linguística.
Objetivos
Esperamos que você:
• Apreenda as bases teóricas sobre as quais se firmou a Linguística da Enunciação;
• Defina a língua na abordagem enunciativa;
• Reflita sobre a metodologia da Linguística da Enunciação;
• Apreenda as categorias linguísticas abordadas nos estudos
enunciativos;
• Compreenda a importância desses estudos enunciativos para
as perspectivas contemporâneas de estudo da língua.
Nesse sentido:
• Leia com bastante atenção os textos;
• Estude sozinho primeiramente, para levantar os pontos que não
ficaram claros, para fazer suas observações, marcar o que lhe
chama atenção naquela teoria;
• Faça os exercícios. Mesmo para os que você achar difíceis escreva alguma coisa, é importante não deixar espaços em branco.
• Após o estudo individual é importante a socialização. Conversando com os outros colegas você vai se dar conta de questões
que você não tinha percebido. Isso porque cada leitor seleciona
uma direção para sua leitura.
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113
A linguística
da enunciação
Atividade I
A partir do resumo que fizemos acima para a identificação de pressupostos
estruturalistas, você deve identificar como são considerados esses mesmos
pressupostos, agora pela linguística enunciativa.
Começamos esse texto pelo título da unidade: A linguística da
enunciação. E destacamos um termo novo que até então não havia
sido empregado, enunciação. E isso por uma razão muito simples: até
agora estivemos lidando com a perspectiva estruturalista. E a unidade
de análise nessa perspectiva não vai além da consideração da frase em
seus aspectos formais, a partir de um modelo de análise descritivo ou
explicativo.
Outra é a direção dos estudos que seguem a vertente funcionalista,
em que se enquadra a linguística da enunciação. Seu objeto de análise passa a ser considerado a língua em uso. E nós sabemos que nem
sempre quando usamos a língua o fazemos através de frases completas
e bem formadas. Portanto, fez-se necessário adotar um outro conceito
para definir a unidade de análise numa perspectiva enunciativa. Essa
unidade passou a ser o enunciado. O enunciado concreto, realizado em
situações concretas por pessoas que estão interagindo através da língua. E que portanto, o que dizem está sujeito a condicionantes sociais,
culturais, históricos. Em última instância, esses fatores são preponderantes para que os falantes digam o que dizem de determinada maneira em
particular, e não de outra. Porque a língua é sobretudo um fenômeno
social, resultado de uma atividade de construção sócio-histórica realizada pelos falantes. Nesse sentido ela é um objeto concreto.
Fica evidente que para analisar a língua sob tal perspectiva, os conceitos de morfema, fonema, ou de frases bem formadas segundo uma
gramática ideal não ajudam muito. Assim, os linguistas foram lançando
mão de outras categorias para a análise da língua. Detalharemos essas
categorias com o desenrolar da unidade.
Por ora, propomos a você que sistematize as diferenças que expusemos entre o modo estruturalista e enunciativo de analisar a língua.
Para isso vamos ajudá-lo, fornecendo os itens relativos ao estruturalismo e então você explicita os que, por oposição, dizem respeito ao
funcionalismo.
São preceitos da linguística estrutural a consideração do código
em sua imanência, independente de qualquer fator que diga respeito
à exterioridade da língua; a consideração das línguas como potencialmente iguais, assentadas em uma estrutura comum; a adoção da norma como equivalendo ao uso da língua; a adoção da homogeneidade
como característica do código e da comunidade linguística.
Agora é sua vez.
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Teoria Linguísticas I
Pressupostos básicos da
linguística da enunciação
Trouxemos para esse momento a explicação do termo enunciação,
com que iniciamos essa unidade. E expandimos para a explicitação de
seu correlato enunciado. Essas são duas noções básicas para se entender a linguística enunciativa.
Partindo de nosso conhecimento geral de falantes/ouvintes de língua portuguesa, bem como do conhecimento adquirido em nossas unidades de português, podemos dizer que reconhecemos em “Hoje está
chovendo”, uma frase bem formada na língua portuguesa.
Mas se pensarmos num momento de produção para essa frase,
num falante que a pronunciou numa situação específica, vamos dizer
que estamos diante de um enunciado para o que antes chamaríamos
uma frase da língua. E assim, cada vez que outro falante pronuncia
essa mesma estrutura formal, está produzindo um novo enunciado. O
mesmo falante está também produzindo enunciados diferentes a cada
momento que repete a estrutura formal. Esse é um tema caro aos estudos enunciativos: a forma é repetível, mas o enunciado jamais se
repete. É sempre um novo enunciado a cada vez que é produzido.
Você está percebendo que não estamos tratando aqui apenas de
uma troca de termos? Lembre-se disso: os termos que utilizo para falar
de determinado objeto definem de que ponto de vista eu estou falando
desse objeto. Assim, cada vertente teórica constrói seus conceitos e os
termos que são empregados para isso passam a identificar a teoria.
Em se tratando da linguística da enunciação, ao lado do termo
enunciado, com ele formando um par, tem-se o termo enunciação que
dá o título à vertente linguística. Koch (1995, p. 14) define o conceito
de enunciação como sendo “o evento único e jamais repetido de produção do enunciado”.
Teoria Linguísticas I
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115
dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
Para exemplificar como pode ser entendido o termo enunciado, a autora procede de maneira semelhante a Bakhtin, como vimos na unidade
anterior, ao demonstrar seu conceito de língua através dos vários matizes
que a sensação da fome poderia adquirir quando expressa por palavras.
A teoria de Bakhtin é um dos pilares da linguística da enunciação.
Koch (1995, p. 14) recorre ao exemplo de um enunciado simples:
“Tomemos um exemplo. O enunciado ‘O dia está
bonito’, em diversas situações de enunciação, pode
ter sentidos bastante diferentes: pode tratar-se de
uma asserção (uma simples constatação), de uma
pergunta (O dia está bonito?), de uma demonstração de surpresa (O dia está bonito!)...”
E assim continua, levantando outras situações passíveis de corresponder à situação de produção do enunciado O dia está bonito, para
então concluir que:
“a par daquilo que efetivamente é dito, há o modo
como o que se diz é dito: a enunciação deixa no
enunciado marcas que indicam (‘mostram’) a que
título o enunciado é proferido” (Idem, Ibidem).
Chegou o seu momento. O momento de exercício criativo e
reflexivo.
Pense em um enunciado e crie para ele duas situações de enunciação, de modo
que o resultado sejam dois enunciados diferentes. Descreva os elementos que
você utilizou para fazer parte da enunciação.
de anotações para
responder as atividades!
Outros conceitos formam os fundamentos da linguística enunciativa. Vamos retomar a citação acima de Koch (1995, p. 14), porque ela
nos revela uma noção recorrente nos estudos de cunho enunciativo.
Interessa-nos sobretudo o seguinte trecho: “a enunciação deixa no
enunciado marcas que indicam (‘mostram’) a que título o enunciado é
proferido”.
A palavra “marcas” está em itálico e não é à toa. Ela aparece bastante nos trabalhos filiados a essa vertente linguística. Flores e Teixeira
(2008, p. 11) dizem que “as teorias da enunciação estudam as marcas
116
Esse é um tema central para a linguística da enunciação: o sujeito.
Essa categoria que esteve ausente nos estudos estruturalistas passa a
ocupar agora uma posição central nos estudos enunciativos. Saussure
não se interessava pelo sujeito, estava ocupado com o objeto enquanto
sistema formal, absoluto. Também para Chomsky a categoria do sujeito, entidade mental, não tem importância para sua teoria. De forma
que falamos em apagamento do sujeito no estruturalismo.
Assim, será uma reviravolta nos estudos linguísticos a aparição do
sujeito. E será Benveniste o teórico fundador da enunciação, que vai
colocar em cena a questão do sujeito, da subjetividade, da intersubjetividade. Trataremos de explicitar os pontos fundamentais de sua teoria
na próxima unidade. Mas antecipamos o novo direcionamento que ele
imprimiu aos estudos linguísticos a partir do momento em que chamou a atenção para aquele que produz a linguagem. Esse fato resultou
numa maior amplitude dos rumos na investigação sobre os fatos relativos ao uso da língua. Veja que se define uma nova linguística. Agora
da enunciação, não mais da “língua”. Flores e Teixeira (2008, p. 12)
afirmam que com o conceito de enunciação “consolida-se o estudo
que busca evidenciar as relações da língua não apenas como sistema
combinatório, mas como linguagem assumida por um sujeito”.
Note o emprego da palavra linguagem. Esta vai agora também ter
espaço garantido. Você deve lembrar que para Saussure a linguagem
se apresentava por demais heterogênea. Já sabemos no que resultou
tal constatação. Então, a linguagem, que também ficou de fora do estruturalismo, igualmente será resgatada pela teoria da enunciação.
A partir da consideração desses elementos, define-se então o objeto da linguística como essencialmente heterogêneo, e naturalmente fatores de diversas ordens vão fazer parte dele, como as irregularidades,
os inesperados, as subversões etc.
Atividade II
dica. utilize o bloco
do sujeito no enunciado...” e mais à frente, página 12, “As marcas de
enunciação no enunciado têm a especificidade de remeter à instância
em que os enunciados são produzidos, fazendo irromper o sujeito da
enunciação”.
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Teoria Linguísticas I
Agora é sua vez. É preciso retomar esses novos conceitos para têlos fixados como conteúdos aprendidos. E para fixá-los, propomos a
resolução da atividade a seguir.
Atividade III
Identifique em que categoria especialmente a linguística da enunciação se
fundamenta e que a diferencia essencialmente do estruturalismo. E claro,
justifique.
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dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
Precursores da enunciação
“CH. BALLY definiu deste modo a estilística: ‘Estudo dos fatos de expressão da linguagem organizada do ponto de vista de seu
conteúdo afetivo, isto é, expressão dos fatos
da sensibilidade pela linguagem e ação dos
fatos de linguagem sobre a sensibilidade”
(DUBOIS et al. 1993, p. 237).
1
Charles Ballly, o fundador de
uma nova estilística1
“a estilística abarca toda a linguagem. Todos os
fenômenos linguísticos, desde os sons até as combinações sintáticas mais complexas podem revelar
algum caráter fundamental da língua estudada”
(BALLY, apud FLORES e TEIXEIRA, 2008, p. 16).
Bally foi aluno de Saussure e um dos organizadores do seu Curso
de Linguística Geral. E embora sendo seguidor de muitos dos postulados do mestre, elaborou suas próprias reflexões, tendo antecipado
ideias que foram mais tarde abarcadas pela linguística da enunciação.
Por isso, é considerado um pioneiro nessa perspectiva de abordagem
da língua.
No prefácio que fez para o Curso de Linguística Geral, ao justificar
suas lacunas, já antecipa sua visão sobre temas que ele julga importantes para fazerem parte de um programa de linguística,
Ele diz: “A ausência de uma ‘Linguística da fala’ é mais sensível.
Prometida aos ouvintes do terceiro curso, esse estudo teria tido, sem
dúvida, lugar de honra nos seguintes”; (SAUSSURE, 1988, p. 4)
A partir de um torneio de ideias dedutivas, Flores e Teixeira (2008,
p. 16) introduzem os conceitos de enunciado e enunciação na estilística
de Bally. Veja como os autores sintetizam as ideias de Bally:
“O autor parte de um princípio: a linguagem é apta
a expressar sentimentos e pensamentos, e é próprio
da estilística estudar a expressão dos sentimentos.
Isso significa que a estilística deve se preocupar
com a presença da enunciação no enunciado e
não apenas com o enunciado propriamente dito”.
Outros comentários de Flores e Teixeira (2008, p. 16) dão conta
do pioneirismo de Bally. Vale a pena conferir o que os autores dizem:
“Bally distingue, ainda, os efeitos naturais e os
efeitos de evocação do meio para diferenciar a
informação sobre os sentimentos experenciados
pelo locutor – normalmente, marcados na escolha
lexical – daquela sobre o seu meio linguístico, ou
seja, certas palavras e/ou construções sintáticas
que podem ser percebidas como identificadoras do
meio no qual são mais frequentes. Em ambos, há
formas semelhantes de expressão do pensamento,
mas distinta expressividade afetiva”.
Pela importância que credita ao estudo da fala, já percebemos um
direcionamento no sentido de autonomia no percurso teórico de Bally,
ao colocá-la numa posição de destaque, sobretudo se pensamos na
dicotomia língua/fala proposta por Saussure. Esse já é um ponto que o
indica como precursor da linguística da enunciação. O ponto de vista
sobre a fala como o lugar legítimo para observação do funcionamento
da língua. O que ele deixa claro ao definir esta última:
“[...] se a língua é o acervo dos signos e das relações entre os signos, enquanto todos os indivíduos
lhes atribuem os mesmos valores, a fala é o funcionamento desses signos e de suas relações para
expressar o pensamento individual: é a língua em
ação, a língua realizada” (AUROUX, apud FLORES
e TEIXEIRA, 2008, p. 17).
Tomando sua definição de Estilística como sendo o “Estudo dos
fatos de expressão da linguagem organizada do ponto de vista de seu
conteúdo afetivo”, e somando a parte de sua definição de língua como
ação, realização, podemos claramente deduzir que em sua visão de
língua está inserida a questão da subjetividade. Claramente temos um
sujeito aí que, para expressar em situações concretas de fala sua afetividade, mobiliza os recursos que a língua lhe oferece.
Em se tratando de recursos linguísticos, é notável a ênfase que o autor dá à observação de todo e qualquer aspecto empregado pelo usuário
da língua que possa revelar a singularidade desse uso. Isso fica explícito
quando lemos, por exemplo, o que ele diz a seguir sobre a estilística:
118
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“A estilística desse autor é um estudo que busca,
na investigação dos processos linguísticos por meio
dos quais o falante se expressa, dar conta do caráter coletivo da expressividade linguística”.
Desses comentários retemos a noção de que há expressões que são
específicas a determinados meios, e que portanto os identificam, e ainda a ideia de que a expressão do falante tem caráter coletivo. Essas são
noções que vão ganhar uma dimensão tamanha na linguística, a ponto
de se definir uma linha de estudos apenas para analisar essa relação
entre os fatos da língua e o social. Certamente trataremos dessa linguística e no momento, automaticamente, você se lembrará de Bally.
Nesse momento agora, encerramos nossa apresentação do teórico
para falar de um outro não menos importante. Mas antes temos um
convite.
Teoria Linguísticas I
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verbal ou suscetível de verbalização; um CÓDIGO
total ou parcialmente comum ao remetente e ao
destinatário (ou, em outras palavras, ao codificador
e ao decodificador da mensagem); e, finalmente,
um CONTATO, um canal físico e uma conexão psicológica entre o remetente e o destinatário, que os
capacite a ambos a entrarem e permanecerem em
comunicação. Todos estes fatores inalienavelmente
envolvidos na comunicação verbal podem ser esquematizados como segue:
Atividade IV
Nós achamos que ficou suficientemente justificada a presença de Bally numa
unidade sobre linguística da enunciação. Você pode dizer em que nos ancoramos
para poder afirmar isso? Sua resposta deve explicitar em que medida as ideias
de Bally podem ser aproveitadas para, por exemplo, fundamentar uma análise
da língua numa perspectiva enunciativa. Bom trabalho!
CONTEXTO
REMETENTE
dica. utilize o bloco
MENSAGEM
DESTINATÁRIO
..................................
de anotações para
responder as atividades!
CONTACTO
CÓDIGO”
Correspondendo a cada um desses elementos, temos uma função
predominante da linguagem. Veja que o termo linguagem vai ser muito
mais empregado quando se está inserido nessa teoria, do que língua.
Roman Jakobson, o linguista
da comunicação
A partir de agora vamos identificar as bases teóricas sobre as quais
se firmaram os fundamentos da linguística enunciativa. Começaremos
pelo nosso já conhecido teórico da comunicação, Roman Jakobson
Para fazermos a ligação entre Jakobson e a linguística enunciativa
seguiremos pela via de sua teoria da comunicação. Já falamos dessa
teoria anteriormente, mas veremos agora o motivo de sua importância
para a linguística da enunciação.
Sabemos que Jakobson era um seguidor das teses estruturalistas,
mas sabemos também que delas se distanciou ao introduzir o caráter
funcional ao conceito de língua. É nesse ponto que o aproximamos da
linguística enunciativa. Porque para falar das funções da linguagem ele
introduz o conceito de sujeito emissor de uma mensagem. Nesse momento já se pode considerar que o sujeito está ocupando um lugar na
língua. Vejamos como se deu isso através das próprias palavras do autor,
ao falar sobre seu modelo da comunicação. Jakobson (s/d 123) diz:
“Para se ter uma ideia geral dessas funções, é mister uma perspectiva sumária dos fatores constitutivos de todo processo linguístico, de todo ato de
comunicação verbal. O REMETENTE envia uma
MENSAGEM ao DESTINATÁRIO. Par ser eficaz, a
mensagem requer um CONTEXTO a que se refere (ou “referente”, em outra nomenclatura algo
ambígua), apreensível pelo destinatário, e que seja
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Flores e Teixeira (2008, p. 23) apresentam recursos linguísticos que
são comumente empregados para se enfatizar uma determinada função: “a) função emotiva (as interjeições são o estrato puramente emotivo
da linguagem); função conativa (expressa no vocativo e no imperativo);
c) função referencial (quando se tem a criação de contextos comuns
mediante a representação, serve para transmitir uma informação sobre
o contexto); d) função fática (trocas linguísticas por meio de fórmulas
ritualizadas: ‘Alô, está me ouvindo?’); e) função metalinguística (glosas
como ‘não estou compreendendo – que quer dizer?’); f) função poética
(aquela em que a mensagem se volta para si mesma)”
Naturalmente esse modelo recebeu críticas. Ele supõe uma comunicação homogênea, direta e sem percalços. O código aparece como
um elemento exterior, ao lado do contexto e do canal. Aqui, vale ressaltar, permanece a concepção estruturalista de língua como código.
Não são considerados elementos como cultura, contexto, situação de
comunicação.
Mas o importante das formulações de Jakobson para a perspectiva enunciativa, é que aparece aqui o sujeito. Um sujeito que mantêm
relações com um destinatário, que imprime um real sobre o elemento
da comunicação, e a função da linguagem, que deseja priorizar. Um
sujeito que fala e que está envolvido nessa atividade. É justamente no
reconhecimento das marcas que o sujeito reproduz no enunciado que
consiste o objetivo do trabalho do linguista.
Que tal exercitarmos o que foi aprendido sobre Jakobson e a relação entre seus conceitos e a linguística enunciativa?
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Leituras recomendadas
Atividade V
Você já conhece o modelo de comunicação de Jakobson, já conhece suas falhas.
Mas também já conhece suas virtudes. O que propomos para você é que analise
o enunciado a seguir do ponto de vista da teoria de Jakobson e em seguida teça
as considerações que seriam pertinentes às contribuições da linguística da
enunciação que aprimorariam sua análise.
Este é um exercício básico para quem estuda língua. Tomar um objeto para
análise, utilizando para isso uma teoria condizente. Mãos à obra!
Enunciado:
dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
• Eu quero que você preste atenção no que digo agora!
Concluindo nossos estudos, podemos dizer que alcançamos o objetivo proposto de fazê-lo conhecer as bases teóricas que dão sustentação
à construção da teoria enunciativa. Apresentamos a você dois grandes
nomes que estão nessa base, Charles Bally e Roman Jakobson.
Bally não é um teórico muito citado em trabalhos atuais, exceto no
campo da Estilística, em que realmente ele figura merecidamente como
alguém que inaugurou um novo percurso para a disciplina. Portanto,
deixamos aqui como sugestão pra você, fazer suas próprias leituras
sobre Bally. Certamente você deverá encontrar temas interessantes a
discutir.
Quanto a Jakobson, lembramos que foi um escritor muito profícuo.
Qualquer manual de linguística vai se referir a sua capacidade de transitar em diversas teorias, realizando uma verdadeira interdisciplinaridade. Portanto, insistimos mais uma vez na necessidade de mais leituras, o
máximo que você puder fazer, porque ainda há muito para descobrir. E
veja que a partir de agora a linguística abre um leque de possibilidades
inimagináveis de pesquisas em torno da língua.
Nesse sentido, oferecemos a você no momento uma bibliografia
básica. Mas através dela, você chega à bibliografia que é apresentada
no final de cada livro, e aí você tem uma quantidade de indicações
de autores suficiente para aprofundar seu conhecimentos. Já demos a
dica. Agora é com você.
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SEAD/UEPB
I
Teoria Linguísticas I
FLORES, Valdir do Nascimento e TEIXEIRA, Marlene. Introdução à
linguística da enunciação. São Paulo: Contexto, 2008.
Como o próprio título indica, o livro é uma
introdução. Portanto, é bastante útil para
quem vai se iniciar nos conceitos, no modo
de abordagem de uma teoria. É um livro
bastante didático. Para ter uma ideia, ele
traz uma parte em que apresenta sob forma
de questões e respostas os temas básicos da
teoria, bem como apresenta uma cronologia dos estudos enunciativos. Você também encontrará nele a apresentação de outros teóricos que trabalham nessa perspectiva.
JAKOBSON, Roman. Linguística e Comunicação. Trad. Izidoro Blikstein e
José Paulo Paes São Paulo: Cultrix, s/d.
Recomendamos a leitura de Linguística
e Comunicação por dois motivos: um
diz respeito ao que já falamos sobre a
importância de descobrir o autor lendo
ele mesmo. O outro é que nesse livro
você constata a capacidade de Jakobson de “passear” por diversos campos
de conhecimento. Você vai sentir como
é prazeroso o contato com a escrita do
autor, como ele expõe seu ponto de vista sobre temas tão variados
e com bastante propriedade, o que é preciso salientar.
PAVEAU, Marie-Anne & SARFATI, Georges-Élia. As grandes teorias da
linguística. Da gramática comparada à pragmática. São Carlos: Claraluz,
2006.
Este então é o livro indicado para o aprofundamento, mas podemos dizer que ele
completa o anterior. O ideal portanto é ler
o primeiro e aqui você terá os temas com
mais detalhamento. Na verdade esses dois
autores já vem nos acompanhando e vão nos acompanhar ainda.
São leituras essenciais para seguir um curso de linguística.
Teoria Linguísticas I
I
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Resumo
Referências
A linguística da enunciação se firma sobre uma necessidade que os estudiosos sentiam de observar a língua/linguagem não só como código,
o sistema formal do modelo estruturalista, mas como o resultado que
aparece quando alguém faz uso da língua. Sob esse novo prisma há
necessidade de se fazer em análise linguística, não só análise das relações internas da língua, mas da sua relação com o que lhe é exterior.
Nesse sentido, autores dentro do próprio estruturalismo já sinalizavam
suas limitações. Entre eles, tratamos aqui de apresentar Bally e Jakobson que apontaram o sujeito, suas intenções, a situação de produção
dos enunciados, como elementos inerentes à atividade de fala, à situação de enunciação. E justamente a fala, renegada por sua heterogeneidade, que passa a ser vista como lugar ideal para a realização e,
portanto, para observação da língua.
CARBONI, Florence. Introdução à linguística. Belo Horizonte: Autêntica,
2008.
DUBOIS, Jean et al. Dicionário de Linguística. Trad. Izidoro Blikstein.
São Paulo: Cultrix, 1993.
FLORES, Valdir do Nascimento e TEIXEIRA, Marlene. Introdução à
linguística da enunciação. São Paulo: Contexto, 2008.
FLORES, Valdir do Nascimento et al. (org.). Dicionário de linguística da
enunciação. São Paulo: Contexto, 2009.
JAKOBSON, Roman. Linguística e Comunicação. Trad. Izidoro Blikstein e
José Paulo Paes São Paulo: Cultrix, s/d.
KOCH, I.G. VILLAÇA. A inter-ação pela linguagem., São Paulo:
Contexto, 1995.
PAVEAU, Marie-Anne & SARFATI, Georges-Élia. As grandes teorias
da linguística. Da gramática comparada à pragmática. São Carlos:
Claraluz, 2006.
Autovaliação
Tivemos a pretensão de iniciar você numa nova perspectiva de
observação dos fatos ligados ao uso da língua. Diante disso, nossa
proposta de autoavaliação é para que você reflita sobre os conceitos
apreendidos nesta unidade. Para isso, leia o que dizem Flores e Teixeira
(2008, p. 108):
SAUSSURE, F. de. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix, 1988
(1916).
“o ponto de vista da enunciação busca ancoragem
em uma concepção de ciência menos comprometida com a ideia de repetição e mais aberta à irrepetibilidade do uso da língua”.
dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
Agora, expresse por escrito o que você entende por uma concepção de língua
segunda uma abordagem enunciativa; e de uma metodologia de análise da
língua na perspectiva da Linguística da Enunciação. Lembre-se de que você
poderá compartilhar sua autoavalição no ambiente virtual, com seus colegas e
seu professor. Portanto, faça bom uso dessa ferramenta.
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Teoria Linguísticas I
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VIII Unidade
A enunciação na
perspectiva de Benveniste
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Apresentação
Podemos dizer que nesta unidade damos prosseguimento
ao tema tratado na unidade anterior, que é a linguística da
enunciação. Mas vamos fazer isso especificamente através
dos estudos do teórico francês Émile Benveniste sobre a língua. Neste momento, você pode se perguntar: por que vamos falar de um autor em especial se o que estava em foco
é toda uma teoria? A resposta é que, assim como Saussure
e Chomsky, Benveniste também é considerado um divisor
de águas na linguística. Foram seus trabalhos sobre a subjetividade que abriram espaço para o desenvolvimento de
uma ampla gama de estudos que se abrigou sob a capa da
linguística da enunciação. E assim penetraram no domínio
do estudo científico da língua.
Portanto, Benveniste é um teórico que merece toda nossa atenção. Por isso, a partir de agora vamos estudar sua
teoria, conhecer seus conceitos fundamentais que determinaram o estabelecimento de uma perspectiva de estudo da
língua para além do sistema linguístico. Suas reflexões teóricas são de tal maneira relevantes que continuam a ser
atualizadas em muitos trabalhos de linguistas da atualidade.
Nesses trabalhos se percebe a filiação teórica de seus autores aos pressupostos teóricos lançados por ele nos anos
1950 -1960.
Objetivos
Com esta unidade, esperamos que você:
• Reconheça a importância da perspectiva enunciativa no desenvolvimento dos estudos linguísticos;
• Reconheça o pioneirismo de Émile Benveniste como linguista
fundador da teoria enunciativa;
• Compreenda os conceitos básicos da teoria de Benveniste,
como o de enunciação, de subjetividade da linguagem, de língua enquanto aparelho formal da enunciação;
• Reconheça uma análise enunciativa da língua a partir da identificação das categorias enunciativas exploradas na análise.
Certamente você está lembrado do conceito de enunciação que foi mostrado na unidade anterior. Se não estiver
bem lembrado, reveja esse conceito. Aliás, releia e estude
os pontos principais da unidade anterior. Não adiante seus
estudos sem tê-la compreendido bem. Ela é importante para
que a leitura desta unidade prossiga com bastante fluidez.
Desejamos a você uma boa leitura e um bom proveito
dos conhecimentos que serão adquiridos.
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A introdução da
enunciação na linguística
Para falar da entrada da enunciação no cenário dos estudos linguísticos, é importante lembrar que o estruturalismo, dominante na época,
assentava-se na ideia de língua como sistema de signos, analisável em
função de suas relações internas que definiam as leis de organização
desse sistema. Dessa forma, a opção pela língua se deu em função
de um caráter de objetividade necessária para que o estudo do objeto
linguístico fosse reconhecido pelo seu grau de cientificidade. Nesse aspecto, Benveniste reconhecia a importância dos trabalhos de Saussure
para a Linguística do século XX. Reconhecia a necessidade de se definir
a língua como sistema formal que pode ser analisada em níveis.
Já que falamos em Saussure, propomos fazer uma pausa antes de
prosseguirmos. Mas essa pausa não deve ficar esvaziada. E então pedimos a você que a preencha. Esse será seu primeiro exercício.
Você deve ter respondido que Saussure dicotomiza a relação fala/
escrita, relegando à fala tudo o que é assistemático, heterogêneo, porque ela é de ordem individual. A fala seria o domínio do falante, com
todas as suas idiossincrasias. Assim, a língua em sua imanência é que
ganhou o status de objeto da linguística. Vimos que essa ideia se manteve por muito tempo predominando nos estudos linguísticos.
Voltando a Benveniste, dissemos anteriormente que ele não se opõe
à ideia de língua de Saussure, mas também não é um estruturalista
dogmático. E então propõe uma perspectiva inovadora de investigação dos fenômenos linguísticos, porque associa teses do estruturalismo
a uma perspectiva subjetiva da língua. Benveniste mostra ser possível
uma análise da língua para além de seus traços formais, mostra que a
língua pode ser analisada também levando-se em conta os fenômenos
da enunciação. Certamente essa nova proposta se dava em sentido
contrário ao que propunham os primeiros estruturalistas. Mas era também um sinal do que já falamos sobre o esgotamento do modelo estruturalista. E a enunciação então entra definitivamente no domínio da linguística. Assim, vamos estudar nesta unidade os pressupostos teóricos
principais de Benveniste que definem esse novo olhar sobre a língua.
Para isso vamos apresentar o máximo possível, as próprias palavras do
autor, através de seus Problemas de Linguística Geral I e II. Comecemos
pelo seu conceito fundamental de enunciação.
A enunciação em Benveniste
Atividade I
Começamos pela definição canônica de enunciação como a concebe Benveniste:
Já que falamos da língua como o lugar da objetividade para Saussure, relembre
as ideias do autor para o que significa ser a fala, considerando o par dicotômico.
Registre essas ideias nas linhas abaixo.
Vamos pensar nesta definição de enunciação que envolve o conceito de língua. Primeiramente Benveniste diz que através da enunciação é
que surge a possibilidade de funcionamento da língua. A língua portanto, está atrelada a uma função. Jakobson já antecipara esse fato. Mas
e quanto à língua? Você percebe o deslocamento que se opera nessa
definição, se tomamos seu conceito clássico como sistema de signos? A
língua em Benveniste é um sistema que se atualiza no momento em que
é posta para funcionar. E o que é necessário para a ativação da língua?
Vamos ao que falta da definição: o “ato individual de utilização”. Para
a língua funcionar é preciso alguém que o faça. É preciso um sujeito.
Vamos tratar desse sujeito mais adiante para pensar nesse momento um
pouco mais sobre a língua e a enunciação.
dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
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“A enunciação é este colocar em funcionamento a língua por um ato
individual de utilização” (1989, p. 82).
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Teoria Linguísticas I
Teoria Linguísticas I
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Resumindo: Na perspectiva de Benveniste,
a Semiótica está para o intralinguístico,
enquanto a Semântica está para o extralinguístico.
1
Mais adiante, Benveniste (1989, p. 82) diz que:
“A enunciação supõe a conversão individual da língua em
discurso”.
E agora, o que aparece de novo que precisamos entender? O termo discurso. O que seria então esse discurso que se engendra a partir
da língua? Para responder a essa questão precisamos seguir a sequência do raciocínio de Benveniste. E para isso vamos utilizar suas próprias
palavras. Ele retoma a ideia de língua de Saussure que você já sistematizou anteriormente. Vamos ler o que diz Benveniste (1989, p. 229):
“Instauramos na língua uma divisão fundamental, em tudo diferente
daquela que Saussure tentou instaurar entre língua e fala. Parecenos que se deve traçar, através da língua inteira, uma linha que distingue duas espécies e dois domínios do sentido e da forma (...)”
Releia a proposta de Benveniste para a diferenciação dos dois níveis de observação da língua e responda as questões a seguir. Assim
você estará refletindo sobre o que está lendo e, consequentemente,
apreendendo os novos conceitos que estão sendo apresentados nesta
unidade.
Atividade II
1) Fazendo um paralelo com a dicotomia língua/fala de Saussure, onde você
identificaria o lugar da língua e o lugar da fala na proposta de Benveniste? 2) Explique por que você identificou esses lugares.
Com esta afirmação, Benveniste propõe uma nova divisão para a
análise da língua segundo dois níveis que vamos explicitar abaixo: um
é o nível da semiótica e o outro é o nível da semântica1.
Para esclarecer o que entende pela função da língua no nível semiótico, Benveniste (1989, p. 227) explica:
3) Levando em consideração a definição de enunciação, ela está para a
semiótica ou para a semântica? Por quê?
“Tudo o que é do domínio do semiótico tem por critério necessário
e suficiente que se possa identificá-lo no interior e no uso da língua.
Cada signo entra numa rede de relações e de oposições com os
outros signos que os definem, que o delimitam no interior da língua.
Quem diz ‘semiótico’ diz ‘intralinguístico”.
Para identificar o que está inserido no domínio da semântica, o
autor esclarece que:
dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
Um resumo da questão envolvendo a semiótica e a semântica está
bem formulado no seguinte trecho:
“Eis aí verdadeiramente dois universos diferentes,
embora abarquem a mesma realidade, e possibilitem duas linguísticas diferentes, embora os seus caminhos se cruzem a todo instante. Há de um lado
a língua, conjunto de signos formais, destacados
pelos procedimentos rigorosos, escalonados por
classes, combinados em estruturas e em sistemas;
de outro, a manifestação da língua na comunicação viva” (BENVENISTE,1995, p. 39)
“A noção de semântica nos introduz no domínio da língua em emprego e em ação; vemos desta vez na língua sua função mediadora
entre o homem e o homem, entre o homem e o mundo, entre o
espírito e as coisas, transmitindo a informação, comunicando a experiência, impondo a adesão, suscitando a resposta, implorando,
constrangendo; em resumo, organizando toda a vida dos homens”.
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Com esse comentário, Benveniste deixa claro que não há separação estrita entre língua e fala. Pela enunciação essas duas realidades
se combinam, são constitutivas uma da outra, tendo em vista que pela
definição de enunciação, enunciar significa transformar a língua em
frases no ato de comunicação.
Propomos ainda mais uma questão sobre a semântica de Benveniste.
Atividade IV
Nesse momento pedimos a você que explicite em que se diferencia o conceito
de frase proposto por Benveniste em relação ao conceito empregado por
Chomsky.
Atividade III
dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
Se necessário releia mais uma vez o que foi dito anteriormente sobre a
semântica. Chama nossa atenção o que está escrito sobre usar a linguagem
com diversas finalidades. O que se pode dizer sobre isso em comparação ao que
Jakobson estabeleceu para as funções da linguagem?
dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
E então continuemos com a frase:
Continuando com a reflexão sobre a semântica, Benveniste diz:
“Ora, a expressão semântica por excelência é a frase” (1989, p. 229).
E mais adiante, na página 231:
“A frase é então cada vez um acontecimento diferente; ela não
existe senão no instante em que é proferida se apaga neste instante; é um acontecimento que desaparece”.
Pelo que lemos acima, pela definição de enunciação que apresentamos na unidade anterior, percebemos que a noção de enunciação
para Benveniste se concretiza na frase. Você deve lembrar de que a
frase também era a unidade máxima de análise do gerativismo. Nesse
ponto requisitamos sua contribuição para a nossa unidade realizando
a atividade a seguir, tendo em vista o que você já aprendeu de teoria
linguística. Se preciso, volte à unidade 5 Outros estruturalismos, para
responder a atividade a seguir:
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Teoria Linguísticas I
“A frase, criação indefinida, variedade sem limite, é a própria vida da linguagem em ação. Concluímos que se deixa com
a frase o domínio da língua como sistema de signos e se entra
num outro universo, o da língua como instrumento de comunicação, cuja expressão é o discurso.
(...)
A frase pertence bem ao discurso. É por aí mesmo que se pode
defini-la: a frase é a unidade do discurso” (BENVENISTE, 1995,
p.39).
E para finalizar essa parte da unidade sobre a língua em sua relação com a enunciação, propomos o exercício a seguir:
Teoria Linguísticas I
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135
Veja bem: se estamos falando em uso, esse uso pressupõe um usuário. Quem seria esse usuário da língua? O falante, aquele que se individualiza através da linguagem: “O ato individual de apropriação da língua introduz aquele que fala em sua fala” (BENVENISTE, 1989, p. 84).
Atividade V
Finalmente, você pode explicitar o que Benveniste considera discurso?
dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
Essa é uma propriedade fundamental da linguagem: fazer emergir
o sujeito. Língua e sujeito portanto, não estão necessariamente dissociados, mas, ao contrário, indissoluvelmente ligados.
A esse respeito Benveniste (1995, p. 285) é categórico. Ele diz:
“Não atingimos nunca o homem separado da linguagem e não o vemos nunca inventando-a. Não
atingimos jamais o homem reduzido a si mesmo e
procurando conceber a existência do outro. É um
homem falando com outro homem, e a linguagem
ensina a própria definição de homem”
A enunciação implica
a subjetividade
Retomamos agora o tema da subjetividade que deixamos em suspenso no início desta unidade. Antes, porém, vamos apresentar uma
definição importante que Benveniste estabelece para a linguagem, englobando aí o conceito de língua. Essa definição é importante porque,
ao propor uma teoria em que estão conjugados estrutura e sujeito, o
autor vai demonstrar como se opera a subjetividade através da linguagem, especificando duas realidades distintas, mas concatenadas, a do
sistema e a do uso da língua. Veja então o que ele diz:
“O hábito nos torna facilmente insensíveis a essa
diferença profunda entre a linguagem como sistema se signos e a linguagem assumida como exercício pelo indivíduo. Quando o indivíduo se apropria
dela, a linguagem se torna em instâncias de discurso, caracterizadas por esse sistema de referências
internas cuja chave é eu, e que define o indivíduo
pela construção linguística particular de que ele se
serve quando se enuncia como locutor” (BENVENISTE, 1995, p. 281).
Benveniste faz claramente referência, neste comentário, à enunciação. É através dela que se estabelece a subjetividade. Por isso, vamos
retomar neste momento a definição de enunciação, nosso ponto de
partida para o estudo de toda teoria de Benveniste.
Atividade VI
Nesse momento, gostaríamos de saber sua opinião. Lembre-se de nossa
segunda unidade, quando discutimos alguns conceitos de língua. O que
você acha desse conceito de língua como linguagem? Como fazendo parte
intrinsecamente da condição humana? Você acha que esse é um conceito mais
completo de língua? Sua resposta já esboçará o direcionamento teórico com
que você mesmo está começando a se orientar para refletir sobre a língua. Por
isso, pense bem para dar sua resposta.
Do que vimos até aqui, podemos concluir que a linguagem é o
meio que possibilita ao falante tornar-se sujeito. E mais radicalmente:
“É na linguagem e pela linguagem que o homem se constitui como
sujeito” (BENVENISTE, 1995, p. 286). Como acontece isso? Vamos
descobrir continuando nossa leitura.
“A enunciação é este colocar em funcionamento a língua
por um ato individual de utilização” (1989, p. 82).
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dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
Da subjetividade à intersubjetividade
Decidimos começar essa parte requisitando sua participação mais
efetiva.
dica. utilize o bloco
Atividade VII
Leia novamente a última citação que transcrevemos de Benveniste. Repare que
nela há um aspecto novo e importante para precisar o conceito de subjetividade.
Você deve identificá-lo e transcrevê-lo no espaço abaixo.
“É identificando-se como pessoa única pronunciando eu que
cada um dos locutores se propõe alternadamente como ‘sujeito’. Assim, o emprego tem como condição a situação de discurso e nenhuma outra”.
Havendo identificado esse novo aspecto, leia mais esta citação de
Benveniste (1989, p. 84):
“Mas imediatamente, desde que ele se declara locutor e assume a língua, ele implanta o outro diante de si, qualquer que
seja o grau de presença que ele atribua a este outro. Toda
enunciação é, explicita ou implicitamente, uma alocução, ela
postula em alocutário”.
Com isto, fica definido que a subjetividade da linguagem, como a
concebe Benveniste, pressupõe a presença do tu. Ele ainda diz: “A linguagem só é possível porque cada locutor se apresenta como sujeito,
remetendo a ele mesmo como eu no seu discurso [...]” (BENVENISTE,
1995, p. 286).
Passamos assim da subjetividade à intersubjetividade. E para compreender bem esse conceito, é preciso entender o funcionamento dos
pronomes pessoais, o que vamos fazer no item a seguir estudando sobre o aparelho formal que constitui a língua.
O aparelho formal da enunciação2
Esse é o próprio título de artigo datado de
1970 e publicado em Problemas de linguística geral II.
Assim, vamos para uma parte bem prática da teoria de Benveniste,
a apresentação dos elementos formais da língua, reveladores da subjetividade. Começamos pelos pronomes eu e tu, as formas linguísticas
que expressam as pessoas envolvidas na enunciação. Essas duas formas se singularizam pelo fato de identificarem-se apenas na instância
do discurso, só aí tem valor.
Assim Benveniste (1995, p. 280-281) se expressa:
de anotações para
responder as atividades!
2
de Benveniste (1989, p. 84) quando afirma: “Tentaremos esboçar, no
interior da língua, os caracteres formais da enunciação a partir da manifestação individual que ela atualiza”.
Nesse momento parece muito evidente que sempre que se usa a
língua ocorra a expressão de subjetividade. E que são os pronomes
pessoais o ponto de partida dessa expressão. Através deles, o locutor eu se enuncia enquanto tal, e institui um outro como alocutário,
designando-o tu. Essa é uma condição para se definir os pronomes
ditos pessoais.
Mas há uma particularidade quanto ao pronome eu. Esse é o pronome subjetivo por excelência, porque através dele a pessoa que fala é
designada e ao mesmo tempo diz algo sobre si mesma. Já o pronome
tu é designado por eu e o que é dito sobre tu é proposto a partir do eu.
Portanto, eu é a pessoa subjetiva e tu é apenas pessoa.
Ao eu e tu Benveniste opõe ele, a “não-pessoa”, que remete para
uma situação objetiva. Esse pronome é usado, por exemplo, para exprimir a impessoalidade. Assim, “A ‘terceira pessoa’ tem por característica
e por função constantes representar, sob a relação da própria forma,
um invariante não pessoal, e nada mais que isso” (BENVENISTE, 1995,
p. 254). Nesta perspectiva, portanto, é incoerente classificar esse pronome como pessoal, porque sua função de fato é de substituir um outro
elemento.
Para explicitar como esses conceitos se aplicam no discurso, resolva
a atividade proposta a seguir. Releia o texto, discuta com colegas, peça
mais esclarecimentos ao professor-tutor, se preciso. Mas não deixe de
fazer a atividade.
A enunciação portanto, prevê a presença de um locutor e um alocutário para o discurso. E suas presenças são expressas através de uma
representação linguística formal. Ou seja, o sujeito é marcado formalmente através de categorias linguísticas. E é a análise dessas marcas,
que constitui o objetivo da linguística enunciativa. É esse o objetivo
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Você está percebendo que esse critério enunciativo de análise dos
elementos linguísticos ultrapassa a mera classificação? Dirigindo-se para
o modo e significado de seu funcionamento em enunciados reais?
Atividade VIII
Para exercitar a compreensão desse novo ponto de vista sobre os
elementos da língua, realize a atividade a seguir.
Lendo o enunciado: “Eu te proponho um encontro amanhã“, que análise pode
ser feita das suas marcas pessoais do ponto de vista da enunciação como a
propõe Benveniste?
Outra forma de evidência dessa subjetividade pode ser observada
em enunciados como: eu juro, eu prometo. Verifica-se nesses casos,
que enunciação e ato confundem-se no momento em que o sujeito se
inscreve no enunciado.
Atividade X
Faça uma análise dos elementos dêiticos4 que aparecem nos enunciados a
seguir. Você deve utilizar os conhecimentos adquiridos sobre seu funcionamento
do ponto de vista enunciativo. Mãos à obra!
A título de atividade, propomos a você que substitua o pronome
pessoa eu, pelo pronome não-pessoa ele nesses enunciados.
1. Espero que você venha aqui logo cedo
2. Traga este móvel para cá.
3. Não vi você ontem.
Atividade IX
dica. utilize o bloco
Que diferença de sentido acarreta para o enunciado se procedermos a
substituição de eu por ele em “Eu juro”?
de anotações para
responder as atividades!
Correlacionados aos pronomes pessoais e de igual estatuto, existem os
pronomes demonstrativos (este, isto, aquele etc), os advérbios de lugar
(aqui, lá etc), de tempo (hoje, agora etc), indicadores das instâncias
espaço-temporais que se organizam em torno do sujeito, o ponto de
referência, que se estabelece no aqui e agora da enunciação. Esses
elementos linguísticos apontam para os objetos, localizando-os em
referência ao eu, cumprindo portanto uma função dêitica3. Cumprese assim também, a necessidade que Benveniste reclama para toda
língua, que é a de referir através do discurso.
Dêixis é palavra grega e significa o ato de
mostrar.
3
“A presença do locutor em sua enunciação faz com que cada instância de discurso constitua um centro de referência interno. Esta
situação vai se manifestar por um jogo de formas específicas cuja
função é de colocar o locutor em relação constante e necessária
com sua enunciação” (BENVENISTE, 1989, p. 84).
140
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Teoria Linguísticas I
“Dêitico é todo elemento linguístico que,
num enunciado, faz referência: (1) à situação em que esse enunciado é produzido; (2)
ao momento do enunciado (tempo e aspecto
do verbo); (3) ao falante (modalização). Assim, os demonstrativos, os advérbios de lugar e de tempo, em geral deles derivados, os
pronomes pessoais, os artigos (“o que está
próximo” oposto a ‘o que está distante’) são
dêiticos, constituem os aspectos indiciais
da linguagem” (DUBOIS, Jean et al., 1993,
p. 167).
4
Há que se considerar ainda que quando o eu se instala no discurso,
isso acontece também, a partir de uma perspectiva temporal. E essa
perspectiva, segundo Benveniste, é a do presente, o agora, “o tempo
em que se fala” (BENVENISTE, 1995, p. 289). Dessa forma, e “em última análise, a temporalidade humana com todo o seu aparato linguístico revela a subjetividade inerente ao próprio exercício da linguagem”
(idem, ibidem).
O estudo da subjetividade na linguagem não se esgota obviamente
nesses aspectos que exploramos aqui. Não tivemos mesmo como inserir
nesse espaço limitado de uma unidade, outros aspectos revelados por
Benveniste como importantes para a análise da língua como enunciação. Observar a língua na situação de uso, por um enunciador, faz surgirem muitas questões que se “escondem” sob a linearidade da língua.
Questões como: quem disse isso? por que disse? como disse? Uma
análise da língua que leve em consideração tais questões implica que
ela não mais seja vista como um instrumento neutro de comunicação.
Tal atitude demanda mais leitura, mais estudo. Portanto, reiteramos o
convite para que você continue com seus estudos e deixamos agora por
sua conta a tarefa de se aprofundar nos temas que apenas apontamos
aqui. É esse o objetivo com que recomendamos as leituras a seguir.
Teoria Linguísticas I
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dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
Leituras recomendadas
BENVENISTE, E. Problemas de Linguística Geral. Volumes I e II 4 ed.
Campinas, SP: Pontes, 1995/ 1989.
Nesses dois volumes estão reunidos os artigos em que Benveniste fundamenta sua
teoria enunciativa da linguagem. Portanto,
é o caminho mais direto para se tornar conhecedor de suas ideias. Dos dois volumes
recomendamos principalmente os textos O
aparelho formal da enunciação e Da subjetividade na linguagem, dos quais foram feitas
muitas citações nessa unidade. Com essa indicação repetimos mais
uma vez nossa recomendação de ler sempre que possível o próprio
autor. Além disso, se você é dos que pensa na língua como algo
além de um código para transmitir mensagens, certamente gostará
de entrar em encontrar com as ideias inovadoras de Benveniste.
FLORES, Valdir do Nascimento e TEIXEIRA, Marlene. Introdução à
linguística da enunciação. São Paulo: Contexto, 2008.
Esta referência você já conhece. E se a repetimos aqui é porque certamente tem algum valor. Como sendo uma introdução, torna-se um
livro sempre útil para quem dá os primeiros
passos na teoria. Mas o retomamos aqui em
função do capítulo dedicado especialmente
a Benveniste, que ajudará você a aprofundar
seu conhecimento sobre as ideias do autor.
Resumo
A teoria da enunciação tem em Benveniste o seu principal representante, e mesmo seu fundador. O estudo da língua como um aparelho
formal que permite a expressão subjetividade na enunciação foi fundamental para fazer emergir o sujeito, categoria excluída das análises
estruturalistas da língua. Assim, a anuência da presença de um sujeito
na língua, e a constatação de marcas linguísticas que atestam a presença desse sujeito, foi determinante para a tomada de um novo rumo
nas investigações linguísticas. Estas foram ideias que fundamentaram a
possibilidade de um estudo da estrutura considerando ao mesmo tempo o processo enunciativo. Por isso, Benveniste é justificadamente um
precursor da nascente linguística enunciativa.
Autovaliação
O momento de auto-avaliação se insere sempre no final de cada unidade para dar a você a oportunidade de avaliar o que conseguiu apreender após tanta leitura, exercício, discussões. E é também um momento
em que, ao estudar as teorias, você consiga formular uma reflexão crítica
acerca do que lê. Isso porque você já começa a se definir em relação aos
conceitos apresentados, aos caminhos de análise desse objeto do qual
você está se tornando especialista. Nesse sentido, propomos que você
reflita sobre os novos rumos que após o estruturalismo, começam a definir um novo modo de se analisar a língua. Sua reflexão deverá contemplar os conceitos de Benveniste estudados nesta unidade. Como ponto
de partida, você pode considerar o que diz o autor a respeito da língua.
“É no uso da língua que um signo tem existência; o
que não é usado não é signo; e fora do uso o signo
não existe. Não há estágio intermediário; ou está
na língua, ou está fora da língua, [...] (BENVENISTE, 1989, p. 227).
Lembre-se de socializar esse conhecimento com seus colegas no
fórum de debates.
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dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
IX Unidade
Referências
BENVENISTE, E. Problemas de Linguística Geral II. Campinas, SP:
Pontes, 1989 (1902-1976).
BENVENISTE, E. Problemas de Linguística Geral I. Campinas, SP: Pontes,
1995 (1902-1976).
CARBONI, Florence. Introdução à linguística. Belo Horizonte: Autêntica,
2008.
DUBOIS, Jean et al. Dicionário de Linguística. Tradução Izidoro Blikstein.
São Paulo: Cultrix, 1993.
FLORES, Valdir do Nascimento e TEIXEIRA, Marlene. Introdução à
linguística da enunciação. São Paulo: Contexto, 2008.
FLORES, Valdir do Nascimento et al. (org.). Dicionário de linguística da
enunciação. São Paulo: Contexto, 2009.
KOCH, I.G. VILLAÇA. A inter-ação pela linguagem., São Paulo:
Contexto, 1995.
PAVEAU, Marie-Anne & SARFATI, Georges-Élia. As grandes teorias
da linguística. Da gramática comparada à pragmática. São Carlos:
Claraluz, 2006.
O dialogismo de
Mikhail Bakhtin
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Apresentação
Continuando com nossa proposta de apresentar as teses
fundamentais que deram impulso a uma nova perspectiva aos
estudos linguísticos, dedicamos esta unidade a um teórico que
é reconhecidamente um precursor das correntes linguísticas
que se denominam enunciativa, textual e discursiva. Trata-se
de Mikhail Bakhtin, que já conhecemos em outros momentos
nesse curso. Voltamos a ele para demonstrar os principais pontos de sua teoria, que estão na origem da linguística enunciativa, bem como nos quais se embasam muitos dos pressupostos
das correntes linguísticas atuais, de vertente discursiva.
Como Jakobson, Bakhtin também participou, no início do
século passado, na antiga União Soviética, de um grupo de
discussões de temas variados, entre eles a linguística. Este
grupo levava seu nome: O Círculo de Bakhtin. Nos trabalhos
resultantes das discussões desse grupo encontram-se muitos
conceitos que foram aproveitados pelas novas correntes linguísticas, como o de enunciação, por exemplo. Outros conceitos, amplamente empregados hoje na linguística, foram
nomeados a partir da ideia que já se encontrava em Bakhtin,
como os de heterogeneidade e intertextualidade.
Primeiramente na literatura, percebemos a riqueza das
discussões empreendidas por Bakhtin. Posteriormente, é que
se descobriu uma diversidade de temas tratados pelo autor
e a propriedade com que o autor os tratava, de modo que
seu nome terminou por figurar em referências teóricas de trabalhos de orientações as mais diversas. Assim, Bakhtin é citado na área da semiótica, da literatura, da psicologia, do
ensino-aprendizagem de línguas, da filosofia da linguagem
e tantas outras. E isso porque sua teoria parte de um princípio considerado hoje fundamental nas ciências humanas de
modo geral e, principalmente, na linguística, que é o princípio
dialógico da linguagem, como se convencionou nomear sua
concepção de que tudo o que é dito tem relação com algo
que foi dito anteriormente ou que ainda será dito. Fazendo do
dialogismo o fio condutor desta unidade, discutiremos outros
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conceitos igualmente imprescindíveis para a compreensão da
proposta teórica de Bakhtin. Conhecendo Bakhtin você identificará muito de sua teoria nos fundamentos de diversas disciplinas que serão estudadas no seu curso. Temos certeza de
que você vai se surpreender com a visão de língua do autor,
do que ela representa na vida social dos falantes. Uma visão muito diferente da proposta pela linguística estrutural que
ainda hoje predomina no senso comum das pessoas e certamente de muitos profissionais que trabalham com a língua, a
exemplo dos professores de português.
O percurso da unidade será feito seguindo-se as ideias
apresentadas em dois livros, Estética da criação verbal, editado após sua morte, e o clássico Marxismo e Filosofia da Linguagem, todo dedicado à apresentação da proposta teórica
de Bakhtin para o esboço de uma linguística que considere
a língua viva, falada pelas pessoas nas situações cotidianas,
como seu objeto de estudo. Uma linguística que só bem mais
tarde, com o declínio do estruturalismo, teve a sua vez.
Objetivos
Esperamos com esta unidade que você
• Conheça os principais conceitos da proposta teórica
de Bakhtin;
• Situe Bakhtin no campo de estudos enunciativos da linguagem;
• Reflita sobre os principais temas desenvolvidos pelo
autor;
• Reflita sobre a língua sob o ponto de vista do dialogismo;
• Compreenda a nova perspectiva de análise da língua a
partir da enunciação.
Esperamos que nesta unidade você leia, reflita, realize as
atividades, discuta com seus colegas, com seu tutor, para assim poder alcançar esses objetivos. Vamos partir da concepção de signo que Bakhtin propõe em seus escritos.
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O que é o signo para Bakhtin
Comecemos a conhecer Bakhtin por meio do conceito que ele formula para o signo, bastante diferente do conceito saussuriano de que
já temos noção. Compreendemos o conceito bakhtiniano opondo signo ao que Bakhtin identifica como sendo sinal, o sistema abstrato de
formas linguísticas. Signo e sinal referem-se a dois pontos de vista antagônicos sobre a língua, que Bakhtin explicita através da própria atitude
do falante:
“Na realidade, o locutor serve-se da língua para
suas necessidades enunciativas concretas (para o
locutor, a construção da língua está orientada no
sentido da enunciação da fala). Trata-se, para ele,
de utilizar as formas normativas (admitamos, por
enquanto, a legitimidade destas) num dado contexto concreto. Para ele, o centro de gravidade da língua não reside na conformidade à norma da forma
utilizada, mas na nova significação que essa forma
adquire no contexto. O que importa não é o aspecto da forma linguística que, em qualquer caso em
que esta é utilizada, permanece sempre idêntico.
Não; para o locutor o que importa é aquilo que
permite que a forma linguística figure num dado
contexto, aquilo que a torna um signo adequado
às condições de uma situação concreta dada. Para
o locutor, a forma linguística não tem importância
enquanto sinal estável e sempre igual a si mesmo,
mas somente enquanto signo sempre variável e flexível. Este é o ponto de vista do locutor” (BAKHTIN,
2002, p. 92-3),
E para manifestar suas “necessidades enunciativas concretas”, não
escapa ao teórico o fato de que o locutor faz uso também de outros
meios de “interação de natureza semiótica”, como “a mímica, a linguagem gestual, os gestos condicionados, etc” (idem, p. 42). Considerar a
importância desses elementos para a análise dos atos de comunicação
é hoje inquestionável. A esse respeito, Santaella (1985, p. 10) diz:
“Cumpre notar que a ilusória exclusividade da língua, como forma de linguagem e meio de comunicação privilegiados, é muito intensamente devida
a um condicionamento histórico que nos levou à
crença de que as únicas formas de conhecimento,
de saber e de interpretação do mundo são aquelas
veiculadas pela língua, na sua manifestação como
linguagem verbal, oral ou escrita”.
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Veja que Bakhtin falou disso em 1929. Mas como nossa atenção
está voltada no momento para os signos verbais, vamos tentar esquematizar os conceitos de signo e sinal. Agora é com você.
Atividade I
Separe em duas colunas os termos que são referentes a signo e os que são
referentes ao conceito de sinal.
dica. utilize o bloco
O conceito de sinal é formulado por Bakhtin para fazer a crítica à
linguística saussuriana, que ele denomina objetivismo abstrato, e ao
seu objeto, o signo linguístico considerado em sua imanência, enquanto sistema de formas desvinculado das situações reais de uso. Nesse
sentido, no modo de dizer de Bakhtin, é feita a análise de uma língua
que “ainda não se tornou língua” (idem, p. 94). O contrário disso é o
signo em sua mobilidade específica, orientado no sentido da enunciação da fala.
Aqui já entramos no terreno da enunciação. É preciso explicitar o
que esta significa para Bakhtin porque este conceito adquire contornos
específicos dentro de sua teoria como um todo. Para Bakhtin,
“A enunciação enquanto tal é um puro produto da
interação social, quer se trate de um ato de fala determinado pela situação imediata ou pelo contexto
mais amplo que constitui o conjunto das condições
de vida de uma determinada comunidade linguística” (idem, p. 121).
O que há de específico na definição de Bakhtin? Não se trata da
enunciação como a conhecemos em Benveniste, ancorada pelas pessoas verbais, pelos indicadores de tempo e lugar, como o aqui e o agora. O que há de específico é que para Bakhtin o contexto é intrínseco
à enunciação, é parte constitutiva, e não algo exterior ligado à enunciação, mas mantendo-se de fora. Estamos vendo que para Bakhtin
é impossível separar a enunciação de seu exterior, como se fossem
realidades distintas.
Na definição anterior de enunciação é importante ressaltar a presença dos termos interação social, comunidade linguística. No subtítulo
de Marxismo e filosofia da linguagem, Bakhtin anuncia a orientação
que será dada ao seu trabalho: Problemas fundamentais do método
sociológico na ciência da linguagem. De fato, a relação entre linguagem e sociedade é o tema que perpassa todo o livro. Para Bakhtin,
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de anotações para
responder as atividades!
assim como a enunciação, também o signo está plenamente imbuído
da situação histórico-social. “[...] o signo linguístico, vê-se marcado
pelo horizonte social de uma época e de um grupo social determinado”
(idem, p. 44). Voltamos ao signo.
Já dissemos que Bakhtin contesta o signo saussuriano, que no final
das contas é sinal e não verdadeiramente signo. Como sinal ele é imutável, e assim não está sujeito às transformações sociais. Está vendo por
que Saussure prioriza a sincronia ? É seu ponto de vista sobre o objeto.
Ao que Bakhtin se opõe, dizendo que “o sistema linguístico, único e sincronicamente imutável transforma-se, evolui no processo de evolução
histórica de uma determinada comunidade linguística, [...] Em poucas
palavras, a língua tem sua história”. (idem, p.79).
Assim como critica a dicotomia sincronia/ diacronia, Bakhtin também critica a dicotomia língua/ fala. É fácil entender o motivo da
crítica. Não já sabemos que para Bakhtin a língua é essencialmente
social? Nesse mesmo sentido, a fala, o ato concreto de utilização da
língua, realizada num contexto e numa situação definida, também é
social. Leia o que diz Bakhtin:
“A enunciação individual (a ”parole”), contrariamente à teoria do objetivismo abstrato, não é de
maneira alguma um fato individual que, pela sua
individualidade, não se presta à análise sociológica” (idem, p. 121). E por ser social, a fala é
suscetível, evidentemente, às mudanças.
Nesse momento vamos fazer uma pausa para que você reflita.
Se Bakhtin prioriza a fala, a enunciação, atestando sua natureza
social, onde é que fica o indivíduo que excluído por tanto tempo da
língua foi resgatado pela linguística enunciativa? Vamos discutir sobre
isso no item a seguir.
Atividade II
Releia o que você identificou como características do signo bakhtiniano e
tente explicar por que Bakhtin faz a crítica à opção de Saussure pela sincronia.
Lembre-se de que o signo, para Bakhtin, é indissociável da sociedade em que
ele vive.
Ao realizar esta atividade, você estará se assegurando de que compreendeu a
amplitude do conceito de signo em Bakhtin. Portanto, não deixe o espaço em
branco.
Qual a condição do
sujeito para Bakhtin?
Ao reler a primeira citação que transcrevemos de Bakhtin para explicar o signo, verificamos que ele inclui nesta o locutor: “Na realidade,
o locutor serve-se da língua para suas necessidades enunciativas concretas...” O locutor é elemento imprescindível para operar a transformação do sinal em signo na enunciação concreta. Portanto, o locutor,
o sujeito, não está excluído de suas reflexões. Mas qual a natureza
desse sujeito?
Ele explica:
“Na realidade, o ato de fala, ou, mais exatamente,
seu produto, a enunciação, não pode de forma alguma ser considerado como individual no sentido
estrito do termo; não pode ser explicado a partir
das condições psicofisiológicas do sujeito falante”
(idem, p. 109).
dica. utilize o bloco
de anotações para
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Nesse sentido, não cabe em sua teoria a figura do locutor como
único responsável pela enunciação. Ao usar o termo palavra como
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equivalente de enunciação, Bakhtin diz mais à frente em Marxismo e
filosofia da linguagem, que
“Na realidade, toda palavra comporta duas faces.
Ela é determinada tanto pelo fato de que procede
de alguém, como pelo fato de que se dirige para
alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve
de expressão a um em relação ao outro. Através
da palavra, defino-me em relação ao outro, isto
é, em última análise, em relação à coletividade.
A palavra é uma espécie de ponte lançada entre
mim e os outros. Se ela se apóia sobre mim numa
extremidade, na outra apóia-se sobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e
do interlocutor” (idem, p. 113).
Ou seja, Bakhtin esboça o papel do ouvinte como fundamental
para orientar a fala do locutor, isso porque ele procede de modo a
estabelecer uma atitude que o autor denomina responsiva ativa, em
relação ao que o locutor lhe propõe.
Bakhtin diz:
“Ele concorda ou discorda (total ou parcialmente) completa, adapta, apronta-se para executar,
etc., e esta atitude do ouvinte está em elaboração
constante durante todo o processo de audição e
de compreensão desde o início do discurso, às vezes já nas primeiras palavras emitidas pelo locutor”
(BAKHTIN, 2000, 290).
E isso acontece, não podemos esquecer, dentro de um contexto específico. “Tomemos, por exemplo, o seguinte enunciado: ‘Já saiu o sol.
Vamos! Levante-se! Está na hora’, cuja compreensão responsiva (ou a
resposta fônica) poderia ser: ‘É, realmente, está na hora’, embora também possa ser: ‘O sol já saiu, mas ainda é cedo, vou dormir de novo’.
Aqui há outro sentido do enunciado e outra resposta” (idem, p. 307).
Atividade III
Sabendo agora como Bakhtin concebe a presença do sujeito na enunciação,
explicite em que sua concepção de subjetividade se diferencia daquela de
Benveniste e que o faz ser tomado como referência para as modernas teorias
linguísticas.
Sobre a relação locutor-ouvinte, Bakhtin ainda diz que:
“O ouvinte dotado de uma compreensão passiva,
tal como é representado como parceiro do locutor
nas figuras esquemáticas da linguística geral, não
corresponde ao protagonista real da comunicação
verbal” (idem, 291).
A releitura das três citações acima de Bakhtin nos possibilita repensar o modelo de comunicação proposto por Jakobson que você já
conhece. Essa é uma proposta de exercício para você.
Atividade IV
Em que aspectos o modelo de comunicação de Jakobson demonstra ser falho,
levando-se em consideração esta nova perspectiva de comunicação revelada
por Bakhtin?
Para responder a essa questão, pense ainda a respeito das funções da linguagem
a partir do que Bakhtin expressa sobre o que fazemos com as palavras: “Na
realidade, não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades
ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou
desagradáveis, etc” (2002, p. 95).
É justamente a partir da relação entre eu e tu, eu e o outro, que se
pode falar de uma intersubjetividade em Bakhtin. Não há dúvida de
que o sujeito em Bakhtin é eminentemente social, constituído das muitas outras vozes que circulam na sociedade e das quais ele é portador.
Esse encontro de vozes é o resultado do que Bakhtin considera ser o
princípio que rege toda relação comunicativa que acontece na sociedade, que é o dialogismo.
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dica. utilize o bloco
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Veja como ele utiliza a imagem bíblica do primeiro homem para
falar sobre isso.
“O locutor não é um Adão, e por isso o objeto
de seu discurso se torna, inevitavelmente, o ponto onde se encontram as opiniões de interlocutores imediatos (numa conversa ou numa discussão
acerca de qualquer acontecimento da vida cotidiana) ou então as visões do mundo, as tendências, as
teorias, etc” (BAKHTIN, 2000, p. 319).
Já que Bakhtin trouxe a palavra bíblica para a ela contrapor sua
palavra, vamos fazer o mesmo, utilizando o dialogismo na atividade
a seguir. Vamos promover o encontro de Bakhtin com Platão que já
conhecemos de nossa primeira unidade. Você deve estar lembrado do
que Platão pensava a respeito da língua, não? Se a resposta for negativa, vale a pena reler o que está dito lá. Já dissemos que esse exercício
de idas e vindas ao texto é um bom caminho para a aprendizagem.
O modo como estamos construindo esta unidade, pondo em confronto, num mesmo espaço, ideias de teóricos que nunca se encontraram, nem fizeram referência um ao outro em seus textos, só é possível
em função desse princípio que Bakhtin tão bem formulou, o princípio
dialógico.
Outra forma de pensar esse princípio é quando reconhecemos que
nossas palavras estão atravessadas sempre por outras que circulam
na sociedade. Esse aspecto em particular vai ser fundamental para as
modernas linguísticas discursivas construírem suas teorias. É muito claro hoje para as teorias linguísticas de perpectiva discursiva, que não
existe neutralidade no discurso, que o que dizemos está impregnado
do que outros disseram e dizem ao nosso redor. Seja a família, a igreja, o estado, os amigos etc. Nesse sentido podemos atestar a incrível
capacidade que teve Bakhtin de antever pontos de vista sobre a língua
que só vieram a ser devidamente esclarecidos muito mais tarde pelos
teóricos da linguística.
Vale a pena ler algo mais sobre como ele pensava que acontecia
o encontro da palavra própria com a palavra alheia, em texto editado
após sua morte no livro Estética da criação verbal:
“Por palavra do outro (enunciado, produção verbal) entendo qualquer palavra de qualquer outra
pessoa, pronunciada ou escrita em minha língua
(minha língua materna), ou em qualquer outra língua, ou seja: qualquer outra palavra que não seja
a minha. Nesse sentido, todas as palavras (os enunciados, as produções verbais, assim como a literatura), são palavras do outro. Vivo no universo das
palavras do outro. E toda a minha vida consiste em
conduzir-me nesse universo, em reagir às palavras
do outro (as reações podem variar infinitamente),
a começar pela minha assimilação delas (durante
o andamento do processo do domínio original da
fala), para terminar pela assimilação das riquezas
da cultura humana (verbal ou outra). A palavra do
outro impõe ao homem a tarefa de compreender
esta palavra” (BAKHTIN, 2000, p. 383)
Atividade V
Nossa proposta é a seguinte: leia o que Platão diz a seguir sobre quem seria
o fundador da linguagem e faça um comentário levando em consideração a
posição teórica de Bakhtin. Você será o promotor desse encontro de vozes. E
só para nos certificarmos de que você está mesmo aprendendo, perguntamos:
sobre que princípio você está se firmando para fazer isso?
“Sócrates – Por conseguinte, Hermógenes, nem todos os homens têm capacidade
para impor nomes, mas apenas o fazedor de nomes, e esse, ao que tudo indica, é
o legislador, de todos os artistas o mais raro” (PLATÃO, 1988, p. 153).
Atividade VI
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Pedimos a você agora que contribui com a exposição da teoria de Bakhtin e
exemplifique com situações do cotidiano como acontece o encontro dialógico
das palavras, das enunciações.
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O diálogo em Bakhtin
O conceito de diálogo se insere no que Bakhtin compreende ser a
realidade fundamental da língua, a interação. Bakhtin diz que:
“A verdadeira substância da língua não é constituída por um
sistema abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação
monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada
através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal
constitui assim a realidade fundamental da língua.
O diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro, senão uma das formas, é verdade que das mais importantes, da
interação verbal. Mas pode-se compreender a palavra “diálogo”
num sentido amplo, isto é, não apenas como a comunicação em
voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda comunicação
verbal, de qualquer tipo que seja” (BAKHTIN, 2002, p. 123).
Ou seja, na perspectiva de Bakhtin, toda comunicação verbal, na
verdade, faz parte de um grande diálogo. E todo e qualquer enunciado,
todo e qualquer ato de fala mantém relações dialógicas com outros
enunciados, com outros atos de fala. Para ele,
Outro argumento contundente para a afirmação de que o dialogismo domina toda interação que se faça por meio da língua vamos
encontrar em Estética da Criação Verbal. Trata-se do fato de que enunciados para os quais não se pensasse ser possível estabelecer qualquer
ligação entre eles, podem vir a ser inseridos numa mesma situação de
comunicação e assim empreenderem uma relação dialógica.
Leia abaixo como Bakhtin expressa essa ideia.
“Dois enunciados distintos confrontados um com o
outro, ignorando tudo um do outro, apenas ao tratar superficialmente um único e mesmo tema entabulam, inevitavelmente, uma relação dialógica entre
si. Ficam em contato, no território de um tema comum, de um pensamento comum” (idem, p. 342).
O conceito bakhtiniano de dialogismo, de que todo enunciado remete para outros que o antecederam e mesmo outros que estão por
vir está na base do conceito de intertextualidade que você já deve ter
estudado em seus livros de língua portuguesa ou de literatura. Certamente você já viu confrontados os versos do Hino Nacional Brasileiro
e da Canção do Exílio de Gonçalves Dias, em que há claramente a retomada de um pelo outro. Podemos constatar isso relembrando alguns
versos dos dois textos, como os seguintes:
“Não pode haver enunciado isolado. Um enunciado sempre pressupõe enunciados que o precederam e que lhe sucederão; ele nunca é o primeiro,
nem o último; é apenas o elo de uma cadeia e não
pode ser estudado fora dessa cadeia” (BAKHTIN,
2000, p.375).
Do que a terra mais garrida
Teus risonhos, lindos campos têm mais flores;
“Nossos bosques têm mais vida”
“Nossa vida”, no teu seio, “mais amores”
(Hino Nacional Brasileiro)
Esse é mais um aspecto que comprova o princípio dialógico como
constitutivo de toda forma de comunicação, de interação entre as pessoas, e mesmo condição para que ela possa ter existência. Bakhtin vai
tão a fundo na afirmação do dialogismo que ele o reconhece mesmo
em um monólogo. Ele diz:
“Toda enunciação monológica, inclusive uma inscrição num monumento, constitui um elemento inalienável da comunicação verbal. Toda enunciação,
mesmo na forma imobilizada da escrita, é uma
resposta a alguma coisa e é construída como tal.
Não passa de um elo na cadeia dos atos de fala.
Toda inscrição prolonga aquelas que a precederam, trava uma polêmica com elas, conta com as
reações ativas da compreensão, antecipa-as (idem,
p. 98).”
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Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
(Dias, Gonçalves. Canção do Exílio)
Que tal aproveitar sua leitura sobre Bakhtin e fazer então uma análise sobre o encontro desses versos segundo a perspectiva do dialogismo? Essa é nossa proposta para você realizar na atividade a seguir.
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Bakhtin não se esgota aqui, nem em poucas leituras. Esperamos
que você tenha se surpreendido com as teses desse autor sobre a língua que a mostram tão viva, tão fazendo parte ativamente da vida do
homem. Esperamos que você esteja com muita vontade de conhecer
mais desse autor. Aqui não conseguimos mostrar nem um décimo de
suas reflexões. Por isso, sugerimos as leituras a seguir:
Atividade VII
dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
Escreva um comentário demonstrando a aplicação do princípio dialógico
proposto por Bakhtin a partir dos versos do hino e do poema acima.
Leituras recomendadas
Não há como ler a letra do Hino Nacional e não perceber que ele
retoma versos do poema de Gonçalves Dias. Isso é muito claro. A relação entre esses dois textos é explícita. Mas nem sempre os textos fazem
referência a outros de modo tão explícito. O que não quer dizer que a
relação não exista. Pois como vimos, não há possibilidade para o falante
de se manter em sua individualidade. Toda vez que alguém faz uso da
língua mergulha no que Bakhtin chama de “o fluxo da comunicação verbal”. Aqui Bakhtin cria uma imagem para a comunicação como sendo
uma “correnteza”. E partindo dessa imagem faz uma observação bastante inovadora sobre como se adquire a língua materna. Ele diz que
“Na verdade, a língua não se transmite; ela dura e
perdura sob a forma de um processo evolutivo contínuo. Os indivíduos não recebem a língua pronta
para ser usada; eles penetram na corrente da comunicação verbal; ou melhor, somente quando mergulham nessa corrente é que sua consciência desperta
e começa a operar” (BAKHTIN, 2002, p. 108).
Se parássemos para pensar sobre o que Bakhtin diz aqui, certamente iríamos reavaliar todo nosso ensino-aprendizagem de língua materna. Você tem a oportunidade de fazer isso nesse seu curso que está
voltado para sua formação como professor de língua portuguesa. É um
bom caminho para começar a se pensar sobre o que significa ensinar
uma língua para os falantes dessa língua.
Vamos finalizar esta unidade fazendo apenas referência a um aspecto do signo que não pode ser desconsiderado nas reflexões de
Bakhtin, mas não o fizemos aqui porque isso demanda uma discussão
muito longa. Essa discussão do signo como ideológico pode ser vista,
por exemplo, na perspectiva da Análise do discurso, que você deverá
estudar mais adiante. Por ora, vamos tão somente ressaltar que Bakhtin
não ficou alheio a essa particularidade do signo. E assim ele a expressa
logo no início do Marxismo e filosofia da linguagem: “tudo que é ideológico é um signo. Sem signos não existe ideologia (2002, p. 31)”. E
mais adiante: “As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios
ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os
domínios” (idem, p. 41).
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BAKHTIN, M. (Voloshinov). Marxismo e filosofia da linguagem. (Trad. de M.
Lahud e Y. Vieira). São Paulo: Hucitec. 2002, 1929.
Vamos fazer nossas as palavras de Marina
Yaguello na introdução ao livro. Ela diz:
“o conteúdo do livro é muito mais rico do
que a capa deixa entrever”. É Mesmo, só
lendo Bakhtin, e muitas vezes, para descobrir sua riqueza. Além de ser um prazer.
Fora essas duas razões, asseguramos que
grande parte do que se lê hoje em linguística tem em Bakhtin uma referência certa.
Clark K.; Holquist, M. Mikhail Bakhtin. Tradução J. Guinsburg. São Paulo:
Perspectiva, 2008.
Recentemente essa obra foi traduzida do
inglês e representa uma boa oportunidade
de conhecer a vida de Bakhtin que desperta
interesse especial pela sua resistência e fidelidade a suas ideias num momento crítico
de cerceamento da livre expressão na antiga União Soviética. Além
disso, os autores discutem com propriedade os vários temas abordados por Bakhtin, além de traduzirem muito bem o sentido do que
vem a ser dialogismo para o autor.
FLORES, Valdir do Nascimento e TEIXEIRA, Marlene. Introdução à
linguística da enunciação. São Paulo: Contexto, 2008.
Indicamos novamente essa Introdução porque nela encontra-se um capítulo só dedicado a Bakhtin. E os autores fazem referência aos temas de Bakhtin que estão nos
fundamentos da linguística da enunciação.
Realizam assim uma proposta que julgamos
essencial no estudo de uma vertente teórica,
que é relacioná-la aos que a precederam ou
que lhe vieram posteriormente.
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I
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Referências
Resumo
Firmar as bases de uma linguística mais comprometida com o homem e
sua vida na sociedade. Essa é uma preocupação da linguística moderna e que tem em Bakhtin certamente um de seus maiores expoentes. Em
suas reflexões, Bakhtin não concebe um estudo da língua que não se
dê a partir de sua utilização efetiva pelos membros da sociedade. Só aí
ela funciona em sua plenitude de língua. Fora disso, o que se faz é uma
análise de uma língua que só existe na abstração do analista. Ao contrário disso, Bakhtin aponta para a relação entre a língua e a sociedade, com toda a complexidade que essa relação abarca. No mais, não
há possibilidade para a individualidade na utilização da língua, toda
enunciação proferida passa a fazer parte da grande correnteza verbal
que possibilita o diálogo entre locutores e interlocutores próximas ou
afastados no tempo ou no espaço. Basta apenas que sejam em algum
momento confrontados para que cumpram o que autor institui como
princípio maior que rege a utilização da palavra: a dialogicidade.
BARROS, Diana Luz Pessoa de & FIORIN, José Luiz. (orgs.) Dialogismo,
Polifonia, Intertextualidade. São Paulo: EDUSP, 1994.
BAKHTIN, M. (Voloshinov). Marxismo e filosofia da linguagem. (Trad. de
M. Lahud e Y. Vieira). São Paulo: Hucitec. 2002, 1929.
BAKHTIN, M. (1992) (1922). Estética da Criação Verbal. (Trad. de Mª. E.
Pereira). São Paulo: Martins Fontes, 2000, 1979.
BRAIT, Beth (org.). Bakhtin, dialogismo e construção do sentido.
Campinas, São Paulo: Editora da Unicamp, 1997.
CLARK K.; HOLQUIST, M. Mikhail Bakhtin. Tradução J. Guinsburg. São
Paulo: Perspectiva, 2008.
FARACO, C. A. , TEZZA, C., CASTRO, G. (Orgs.). Diálogos com
Bakhtin. Curitiba: Editora da UFPR, 2001.
FIORIN, José Luiz de. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo:
Ática, 2006.
FLORES, Valdir do Nascimento e TEIXEIRA, Marlene. Introdução à
linguística da enunciação. São Paulo: Contexto, 2008.
FLORES, Valdir do Nascimento et al. (org.). Dicionário de linguística da
enunciação. São Paulo: Contexto, 2009.
Autovaliação
SANTAELLA, L. O que é Semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1985.
Para se certificar de que você compreendeu os pressupostos de
Bakhtin, realize a seguinte atividade: imagine que alguém dissesse a
palavra “Fogo”. Pense no que seria necessário para que essa palavra
chegasse a se constituir um signo segundo a perspectiva bakhtiniana de
língua. Sua resposta poderá servir para uma interessante discussão no
nosso fórum de debates. Não deixe de dar sua contribuição.
dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
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X Unidade
Outras perspectivas
para o estudo da língua
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da segunda metade do século XX passa a se filiar a outros
ramos do saber, tendendo cada vez mais para uma interdisciplinaridade crescente.
Apresentação
Esta já é a décima unidade de nosso curso e isto significa
que estamos encerrando esse ciclo de estudos sobre a linguística. Nas duas unidades anteriores tratamos de apresentar as
ideias de dois grandes teóricos sobre a língua, que representam, sob muitos aspectos, um contraponto ao pensamento
estruturalista que determinou por muito tempo o modo de se
refletir as questões nesse campo de estudo. As considerações
desses autores apontam para o fato de que novos ângulos de
observação da língua já estavam sendo levados em consideração, para além da perspectiva estruturalista.
Lembramos que a grande obra de referência para a linguística moderna, o Cours de linguistique générale de Saussure, foi publicado em 1916. Portanto, início do século XX.
Sua proposta de análise da língua, então alçada à condição
de objeto da linguística, foi determinante para uma mudança de perspectiva no modo de se estudar a língua, e tal é
a coerência que Saussure imprimiu na escolha de seu percurso de análise, que sua teoria permanece como válida
para os estudos da língua que se definem por uma abordagem formal ou estrutural. Vale lembrar que nos últimos anos
Saussure tem sido revisitado e obras tem sido publicadas
mostrando aspectos importantes de sua teoria que haviam
passado despercebidos. Isso demonstra a vitalidade de uma
teoria firmada em princípios bastante sólidos.
Mas todo o século vinte não se caracterizou apenas por
uma predominância absoluta do saussurianismo. Muitas
vertentes de estudos se fizeram presentes para compor o panorama dos estudos linguísticos, que só se ampliou e tem se
ampliado cada vez mais a partir de então. Assim, já tendo
relembrado a importância de Saussure para a linguística,
passemos então a verificar nesta unidade os rumos que a
linguística foi tomando à medida que adotava outros paradigmas para a análise da língua, como o de contexto,
situação, e função envolvidos em situações de uso concreto
da língua. Sobretudo, podemos verificar que a linguística,
definitivamente instituída como ciência autônoma, a partir
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SEAD/UEPB
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Teoria Linguísticas I
É justamente dessa interdisciplinaridade que cada vez
mais caracteriza a linguística, que nos ocuparemos nesta
unidade. Assim, vamos verificar como se dá o diálogo entre
a linguística e outros ramos do saber. Entre eles, a Sociologia, a Antropologia, a Psicologia etc. Diálogo que resultou,
nos anos 50-60, em interdisciplinas como a Sociolinguística,
a Psicolinguística, a Neurolinguística, entre outras.
Para finalizar a conversa
Sendo esta nossa última unidade, estamos certos de que
você seguiu nossas recomendações de estudo, leitura, discussão com os colegas, com o professor. Portanto, estamos certos
também de que você já possui o domínio de um conhecimento
teórico específico sobre a ciência que estuda a língua.
Dessa forma, desenvolveremos a unidade partindo da retomada de algumas ideias fundamentais apresentadas neste
curso de Linguística I. Relembraremos de conceitos que já
foram explorados nas unidades anteriores e ampliaremos
a discussão para uma compreensão da língua no momento em que ela se realiza em contextos reais. Portanto, em
sua relação com o social. Mas para chegarmos até aqui,
você sabe quanto tempo e trabalho investigativo de teóricos interessados nas questões que envolviam a língua, foram
despendidos. E você deve estar lembrado igualmente, de
que era nosso propósito fazer você também participar desta
grande corrente de estudo. Sendo esta nossa proposta, configura-se essencial neste último momento, sua participação
ativa. Isso porque estaremos requisitando sobremaneira os
conhecimentos adquiridos durante o percurso teórico que
traçamos para você até aqui.
E neste momento de encerramento de um ciclo, esperamos sinceramente que você tenha, de fato, adquirido um
novo olhar, um olhar contemplativo, investigativo, específico, sobre esse objeto que estivemos investigando e do qual
fazemos uso constantemente em nossa vida: a língua.
Em função disso que dissemos, estabelecemos os seguintes objetivos para esta última unidade de Linguística I.
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Objetivos
Para finalizar nosso curso, propomos para esta unidade dois objetivos que refletem a culminância de nossos propósitos ao longo de todo
este curso. Sendo assim, é nosso propósito que você:
• Explicite um entendimento sobre as concepções que defendem a
existência de relações entre Linguagem, Sociedade e Cultura;
• Compreenda o fenômeno linguístico como um fenômeno sociocultural dinâmico e inesgotável, um processo em constante
transformação.
Em nossa primeira unidade sugerimos que você abraçasse a tarefa
de construir um conhecimento novo e específico, com responsabilidade
e compromisso. E isso através de atitudes que se traduziam na prática,
por meio de ações significativas, como:
• Dedicar cotidianamente um tempo para as leituras;
• Ler os textos de modo atento, refletindo sobre os novos conceitos e informações apresentados;
• Reler se necessário, fazendo anotações, marcando o que julgava importante;
• Responder as atividades propostas, com atenção;
• Não guardar para si as dúvidas, esclarecendo-as com o professor ou o tutor;
• Realizar com segurança a autoavaliação que se encontra ao
final da unidade. Considerando esta insatisfatória, recomendamos a retomada das leituras, a pesquisa, a reflexão, a discussão
com o professor ou tutor, até que constatasse a aprendizagem
desejada.
Pois bem. Reforçamos a observação dessas atitudes para que o ritmo de estudos continue a garantir o nível de aprendizagem alcançado
até aqui. Portanto, ânimo e bom trabalho!
Retomando e
ampliando conceitos
Você já sabe que a linguística é a ciência que estuda a língua cientificamente, e que o estruturalista Ferdinand de Saussure foi o responsável pela delimitação do objeto de estudo desta ciência e pela descrição/
construção do seu método de análise, a partir dos quais se estabeleceu
uma análise para a estrutura das línguas naturais.
Ao afirmar que a língua é um sistema de convenções partilhadas
coletivamente, Saussure demonstra reconhecer a importância de outros
fatores não propriamente linguísticos para o estudo da língua, sinalizando a existência de uma relação entre esta e o falante, em sua comunidade. Mas sua intenção era a de empreender uma análise científica
da língua independente de fatores externos localizados na sociedade.
E ao se preocupar em destacar o objeto de estudo da linguística, ele
estabeleceu a diferença entre uma linguística interna e uma linguística externa. Sabemos que Saussure priorizou o caminho da linguística
interna, que significa a possibilidade de analisar os aspectos formais
da língua no interior da sua estrutura, independentemente dos fatores
externos que a influenciam.
Um contraponto à perspectiva interna pode ser exemplificado no
comentário de Alkimim (2001, p. 33), ao priorizar uma perspectiva
mais ampla de observação do objeto da linguística:
“Qualquer tentativa de buscar apreender apenas o
invariável, o sistema subjacente – se valer de oposições como “língua e fala”, [...] – significa uma
redução na compreensão do fenômeno linguístico.
O aspecto formal e estruturado do fenômeno linguístico é apenas parte do fenômeno total”.
Essa citação aponta em direção ao que Saussure legou a seus seguidores, a tarefa relacionada ao estudo da linguística externa ou contextual, que deveria levar em consideração fatores históricos, sociais,
culturais, envolvidos na análise da língua.
Vimos ao longo deste curso, como essa tarefa foi sendo realizada à
medida em que vários teóricos iam contribuindo para a ampliação da
compreensão do objeto da linguística. E assim, a partir do momento
em que a linguística se constituiu como ciência, os seus limites foram se
ampliando a ponto desta ciência se desdobrar em várias ramificações
provenientes de diferentes enfoques. Seguindo essas ramificações, desembocaremos numa interdisciplinaridade entre a linguística e outras
ciências que tem na língua um ponto em comum para estabelecimento
de um diálogo.
Passamos então a falar dessa interdisciplinaridade. Antes, porém,
solicitamos sua colaboração para contribuir com o desenrolar desta
unidade, realizando o exercício abaixo:
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Começamos retornando ao que dissemos na seção Retomando e ampliando conceitos, sobre a preponderância da vertente estruturalista nas
análises que se fez da língua a partir dos pressupostos de Saussure. Ao
lado dessa preponderância sabemos, no entanto, que a partir dos anos
50-60, a linguística assumiu uma postura clara de diálogo com outras
disciplinas, encaminhando-se visivelmente para a interdisciplinaridade.
Atividade I
Pedimos a você que localize nas unidades anteriores, a partir da quinta unidade,
mais especificamente, autores e ideias que já sinalizavam a necessidade de
observação de outros fatores para uma maior compreensão dos fenômenos
relacionados à língua. Registre suas descobertas no espaço abaixo.
Atividade II
O caráter interdisciplinar da linguística
Antes mesmo que comecemos a discutir o tema da linguística em relação a
outros ramos de conhecimento, sugerimos que você pare um pouco para
pensar: Por que será que o estudo da língua possibilita à linguística manter
uma interdisciplinaridade com outras ciências? Esta é uma questão que pode
parecer óbvia, mas é bastante interessante. Por isso, pedimos a você que pense
sobre isso e discuta com colegas e professor no ambiente virtual, para saber
o que eles também pensam a respeito. Com certeza, muitas ideias bastante
relevantes serão apresentadas. Registre a conclusão a que você chegou no
espaço abaixo. Esta será sua segunda atividade nesta unidade.
Você deve estar lembrado que em nossa primeira unidade, quando
apresentamos um percurso histórico da linguística, dissemos que as
primeiras considerações sobre a língua não foram de natureza essencialmente linguística. Se preciso, releia essa unidade para se certificar
de que esse movimento da língua em direção a outros campos de saber
não é de todo inusitado no percurso da linguística. Mas podemos dizer
que esse diálogo ganhou força a partir do momento em que a análise
imanentista da língua não dava mais conta dos aspectos relacionados
ao seu uso. Para isso, se fazia necessária a consideração de fatores
que extrapolam a condição da língua como sistema, e a consideração
da língua como mecanismo presente em várias esferas da atividade do
homem, cumprindo papéis específicos a cada momento de uso.
Assim, surge a necessidade, para a linguística, de compartilhar conceitos que se situavam na fronteira dos seus domínios e de outras ciências. Desse encontro resultou um grande campo de estudo interdisciplinar
para a língua. E esse campo se firmou definitivamente, conquistando um
espaço próprio de investigação. Isso aconteceu por exemplo, a partir do
encontro entre a linguística e a sociologia, a psicologia, a antropologia,
a filosofia, entre outras áreas de estudo que de alguma forma tratam de
questões referentes à língua. De forma que hoje temos disciplinas como
a sociolinguística, a psicolinguística, a antropolinguística, a filosofia da
linguagem, a neurolingiuística, entre outras, consagradas como disciplinas autônomas, ainda que resultantes da contribuição de duas áreas de
saber. Este encontro é possível porque, no final das contas, estudar o
homem envolve também estudar a língua de que ele faz uso.
dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
Agora que você já discutiu e já descobriu por que o estudo da
língua pode se beneficiar de conceitos que se desenvolvem em outros
campos de saber que não propriamente o linguístico, vamos observar
em que direções se estabeleceu a interdisciplinaridade.
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Portanto, ao lado dos estudos reconhecidos como fazendo parte do
núcleo duro da linguística, como a fonética, a sintaxe, a morfologia,
porque atendem perfeitamente bem à análise imanente da língua, outras possibilidades de estudo se descortinaram a partir do diálogo de
que vamos falar a seguir. Mas antes, uma parada para fixar o que está
sendo discutido.
É disso que falam os linguistas na atualidade, como Faraco (apud
XAVIER e CORTEZ, 2003, p. 70), quando declara que:
“pelo menos dois itens deveriam estar na agenda
dos desafios da linguística para o século XXI. O
primeiro é cultivar acirradamente a pluralidade
teórica. Deixar que essa imensa diversidade frutifique; que essa imensa diversidade que os estudos linguísticos agregam ou congregam, que essa
diversidade teórica , essa pluralidade de objetos,
objetivos e interesses, de concepções de ciência,
de linguagem etc., realmente frutifique”.
Atividade III
Pedimos a você nesta atividade, que teça um comentário sobre o que fez a
linguística se abrir para outras perspectivas teóricas de investigação de seu
objeto. As respostas dadas às atividades 1 e 2 já trazem indícios desta questão.
Nesse caso, uma releitura destas respostas certamente facilitará seu trabalho
neste momento.
Outro linguista, Francisco Gomes de Matos, chama a atenção para
áreas até então impensadas para fazer ponte com a linguística, como
“a ecologia, os direitos humanos, a educação para a paz, a psicologia
da paz, a pedagogia crítica, a diplomacia, estudos de gênero (sociocultural)” (apud XAVIER e CORTEZ, 2003, p. 95).
Sem esquecer o compromisso com a descrição das línguas, da gramática interna de todo falante, Koch (apud XAVIER e CORTEZ, 2003,
p. 128) lembra que é também tarefa do linguista,
“acompanhar todas as evoluções sociais,ver como
é que esse sistema de cada língua se insere nas
práticas sociais e se modifica através das práticas
sociais, como é que aparecem esses novos gêneros,
que tipo de expressão linguística vai ser usada nesses novos gêneros, que tipo de expressão linguística
vai ser a mais adequada e inclusive que alterações
em termos da própria interação, vão acontecer em
função dessas alterações (...) Mas também acompanhar a própria evolução humana nas sociedades,
da cultura e abrir caminhos também para o conhecimento do que se passa na mente das pessoas”.
dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
O diálogo entre a linguística
e outras ciências
Se após o primado do estruturalismo como método de análise e
descrição dos dados linguísticos, a linguística tomou definitivamente o
rumo da interdisciplinaridade para alargar suas fronteiras, é certo que
essa tendência só tem evoluído. De modo que a linguística, um campo
de saber hoje de fronteiras bastante móveis, está cada vez mais aberta
a contribuições teóricas diversas que promovem uma renovação na
forma de considerar seu objeto. Este, por sua vez, não se configura
mais como um objeto tão somente restrito a aspectos morfológicos,
sintáticos, fonéticos, mas ao contrário, o signo linguístico tem sido cada
vez mais analisado levando-se em consideração aspectos sociais, históricos, culturais, envolvidos em seu uso.
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Barros (apud XAVIER e CORTEZ, 2003, p. 157) aponta para uma
outra perspectiva, muito prática, em que são indispensáveis as contribuições da linguística: a elaboração de obras de referência, como
dicionários e gramáticas. Podemos pensar ainda na elaboração de materiais didáticos, um trabalho que teria um impacto importante no nosso
ensino de níveis fundamental e médio. A autora ressalta ainda que
“é preciso contribuir, cada vez mais, para que se
conheça melhor o funcionamento da sociedade
brasileira através dos seus discursos, através dos
mecanismos linguísticos. E conseguir que os caminhos tão distintos da linguística dialoguem mais e
realmente assumam um papel complementar no
conhecimento da linguagem, no conhecimento do
homem, no conhecimento da sociedade, no conhecimento da cultura, e no do Brasil, em particular”.
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Constatamos, a partir do que lemos nos autores citados, que as
tarefas que se impõem à linguística hoje, requerem que seus limites de
fato sejam ampliados, e isso só poderá ser feito a partir da articulação com outras ciências. Nesse sentido, apresentamos sucintamente a
seguir, duas disciplinas que estão entre as primeiras resultantes desse
intercâmbio: a sociolinguística e a antropolinguística. Dessa forma você
terá ideia de como conceitos de dois campos de saber podem entrar
em conformidade para responder a questões que não seriam satisfatoriamente esclarecidas se fossem discutidas sob uma só perspectiva.
A sociolinguística vai merecer um curso todo voltado para a apresentação de seus pressupostos. Isso porque esta é uma área que tem
revelado aspectos bastante pertinentes ao se pensar sobre as questões
que resultam da relação entre a sociedade e a língua. Questões importantes, como as que envolvem o ensino-aprendizagem da língua
materna. Por isso, neste momento vamos nos ater apenas à apreensão
de seus principais postulados.
O diálogo entre a
língua e a sociedade
Já é certo que os limites da linguística foram se ampliando a ponto
de ela se desdobrar em várias ramificações provenientes de diferentes
enfoques teóricos. Uma dessas ramificações deu origem ao importante
estudo da relação entre língua e sociedade, relação esta aceita hoje
como inquestionável e da qual surgiu a vertente sociolinguística de estudo da língua.
A sociolinguística, como o próprio nome sugere, funde as relações
entre sociedade e língua em um mesmo campo de estudo, estabelecendo um diálogo consensual da linguística com a sociologia, cuja tarefa
se realiza no plano coletivo.
Para que você compreenda os motivos dessa fusão de trabalhos no
campo da linguagem, cabe aqui apresentar algumas palavras sobre a
tarefa da sociologia na área das Ciências Sociais. Grosso modo, podemos dizer que os sociólogos tem como foco de interesse o sujeito em
suas relações com outros sujeitos, as atividades de interação que eles
constroem entre si em uma comunidade, bem como os fatores sociais
que as influenciam; os mecanismos de sobrevivência adotados pelos
indivíduos nos grupos em que se inserem, e também os mecanismos de
sobrevivência dos próprios grupos frente a outros. Tal é o fundamento
da Sociologia.
Nesse aspecto, se a linguagem é um meio pelo qual as pessoas
estabelecem suas relações de interação nas comunidades de que fazem
parte, a descrição do modo como a língua é realizada nas diferentes
situações de interação acaba por refletir a própria sociedade e, nesse sentido, a língua falada socialmente torna-se um instrumento ade-
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Teoria Linguísticas I
quado não somente à descrição da experiência social mas também à
descrição da própria língua, no que concerne a sua dinâmica, ao seu
caráter movente, bem como à pluralidade de formas que apresenta nos
contextos variados de comunicação.
Desse modo, atuando no campo da sociolinguística, desenvolvese um estudo da língua em suas relações com o meio sociocultural.
Nesse aspecto, a realização da fala dos indivíduos adquire importância
fundamental frente a sua capacidade de expressar o dinamismo e a
heterogeneidade da língua, em um processo inacabado de evolução, à
maneira do que acontece na sociedade.
Sendo assim, o que interessa a partir de então são as relações entre
a língua e os sujeitos que a falam; relações estas em que se configuram
variações de uso, implicadas com as diferenças próprias do falante e do
contexto social de realização de sua fala, em um dado momento histórico
da vida da língua. Já deu para perceber que há muito o que falar sobre
tudo isso. E você terá oportunidade de saber mais sobre a sociolinguística,
já que haverá um curso só para tratar desta disciplina. Podemos suspender neste instante esta discussão. Já é momento de uma parada para você
fixar o que foi dito até aqui, através do exercício proposto a seguir.
Atividade IV
Com o texto você acabou de ler, você já pode explicitar uma concepção desse
ramo da linguística denominado sociolinguística. Portanto, é isso que propomos
a você com esta atividade.
Um outro viés de observação de como a língua se relaciona com
a sociedade pode se dar através da compreensão de que a língua
é a maior responsável pela transmissão de saberes acumulados pela
coletividade que a fala. Através da observação da língua falada pela
comunidade, podemos perceber como uma sociedade se organiza em
termos de experiências, costumes, crenças, ritos, tradições, modos de
agir e interagir em sociedade. Ou seja, tudo que é manifestação da
cultura de um povo, é representado através da língua.
Em função de tudo isso, parece evidente pensar que não há como
separar, como fenômenos distanciados, cultura e língua. Portanto, é
indispensável tomar em consideração conceitos desenvolvidos pela antropologia para, juntamente com os conceitos próprios da linguística,
promover uma compreensão dos fatos da língua como portadores de
significações culturais. Exatamente nesse momento de globalização,
em que as culturas estão constantemente em confronto, percebemos
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dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
sobremaneira a necessidade e a urgência de se conhecer os aspectos
culturais envolvidos nas interações. Levando em consideração tal conjuntura, é certo que a antropolinguística tem muito a contribuir. Vamos
então conhecer um pouco sobre essa disciplina. E quem sabe, seu desejo de conhecer mais sobre o tema seja aguçado.
Começamos dizendo que a antropologia preocupa-se em estudar
o comportamento do homem e os efeitos de seu comportamento no
ambiente em que ele interage. Assim, se pretendemos descrever a cultura de um povo, a consideração da língua que ele fala permitirá uma
descrição mais rica e detalhada do que significam seus comportamentos. Por outro lado, se pretendemos estudar a língua, a consideração
dos comportamentos culturais próprios de cada sociedade nos permite
maior clareza das leis que regem o uso dessa língua. Basta pensar nas
diversas formas de se dirigir ao outro em cada sociedade. O estudioso
Dell Hymes apresenta como problemas para a investigação no campo da linguagem o comportamento linguístico de homens, mulheres e
crianças em uma comunidade específica; o momento adequado para
os usos da fala em uma comunidade. Assim, o questionamento sobre
os fenômenos antropológicos podem ser tomados como pontos de partida em pesquisas que relacionam o modo como as pessoas usam a
língua, e o contexto cultural.
Podemos dizer que a antropolinguística tem sua origem no afã de
estudiosos em desvendar o funcionamento de sociedades étnicas desconhecidas. Como essas sociedades eram ágrafas, naturalmente surgiu
a necessidade de um trabalho conjunto entre linguistas e antropólogos.
Você já leu algo sobre isso em nossa quinta unidade, por isso iniciamos
esse parágrafo fazendo referência a um conhecimento já adquirido. Seria mesmo interessante que você resgatasse esse conhecimento. Assim,
deixamos pra você essa incumbência.
Mas de qualquer forma, vamos refrescar sua memória ao dizer
que a relação entre língua, sociedade e cultura começou a se delinear como indissociável, a partir das pesquisas pioneiras de Franz
Boas, Edward Sapir e Benjamin L. Whorf, realizadas no campo da
Antropologia Linguística. Nesse momento, a nova área da linguística, voltada para a abordagem dos fatos da língua no contexto social, define o seu caráter interdisciplinar, resultante da integração de
trabalho nas áreas das ciências sociais e da linguística. E essa nova
área não parou de dar frutos. De modo que, partindo inicialmente da
observação de sociedades desconhecidas, os enlaces entre antropologia e linguística são hoje sentidos, por exemplo, em investigações
das formas apropriadas do falante se comunicar em sociedade, de
acordo com variáveis como sexo, classe social, região. Nesse contexto, a questão da identidade cultural é fator importantíssimo para se
discutir temas de políticas públicas nacionais, bem como de relações
internacionais. Um outro espaço em que o conhecimento da cultura
é fator determinante, é o espaço escolar. Questões culturais são decisivas para o bom relacionamento entre professor e aluno, para o uso
de metodologias de ensino adequadas, para a elaboração de livros
didáticos etc.
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Enfim, é imensurável a influência que fatores de ordem linguísticoculturais exercem nas diversas áreas em que a interação entre os homens é uma realidade. Pensando nisso, percebemos que já é hora de
você parar um pouco para refletir e sedimentar conhecimentos. Uma
das formas de fazer isso, você já sabe, é através da realização de uma
atividade.
Atividade V
Nossa última proposta de atividade deve ser realizada no fórum de debates. A
ideia é que, após a leitura sobre a antropolinguística, você pense em alguma
situação do dia a dia em que se observa a confluência de fatores linguísticos
e culturais interferindo na condução de uma interação social entre indivíduos.
Você deve discutir como esses fatores são determinantes para a boa condução
da interação.
dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
Após realizar essa última atividade, podemos suspender temporariamente nossa conversa sobre a linguística. Vamos dar uma pausa para
retornarmos com toda energia em nosso próximo curso. Antes, porém,
lembramos que o que fizemos aqui foi relatar brevemente como se deu
a passagem de uma linguística restrita ao estudo de fenômenos que se
dão no interior de seus domínios, para uma linguística interessada em
explorar outros domínios a fim de ter uma visão mais ampla de seu objeto. Nesse sentido, apresentamos sucintamente um exemplo de como se
efetivou o diálogo entre a linguística e duas outras disciplinas. Mas isso
é só uma pequena amostra de um grande movimento teórico que irá
definir os novos rumos da linguística, como veremos no nosso próximo
curso. Portanto, faz-se necessário seu empenho para aprender mais. É
nesse sentido que apresentamos a seção a seguir. Boas leituras!
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Leituras recomendadas
Você poderá ampliar seus conhecimentos no campo das relações
entre língua, sociedade e cultura, em muitas e diversas obras contemporâneas. Como sugestão, recomendamos a leitura dos autores listados abaixo, para, a partir deles, buscar o aprofundamento teórico necessário a quem pretende especializar-se num ramo de conhecimento.
BAGNO, Marcos. A língua de Eulália: novela sociolinguística. São Paulo:
Contexto, 1997.
Com essa “novela sociolinguística”, Bagno apresenta a teoria sociolinguística através do gênero narrativo lúdico. Dessa forma, proporciona ao leitor uma
dupla experiência: uma relacionada ao prazer da leitura; outra, ao prazer de conhecer
os postulados básicos da sociolinguística, que
são discutidos por meio dos diálogos entre a
professora Irene e as estudantes universitárias
Emília, Sílvia e Vera. Destes diálogos, surgem
as oportunidades para a reflexão de muitos aspectos que giram em
torno da relação entre a língua e a sociedade. E isso a partir de
uma leitura fácil e agradável. Portanto, essa obra de Bagno não
pode ser dispensada para as primeiras incursões na área da sociolinguística.
RIBEIRO, B. T. & P. M. GARCEZ (orgs.) (1998) Sociolinguística Interacional:
antropologia, linguística e sociologia em análise do discurso. Porto Alegre: AGE.
Como se pode ler no título, neste trabalho encontramos artigos desenvolvidos com base nos pressupostos teóricos das três áreas de conhecimento que estivemos tratando nesta unidade: antropologia,
linguística e sociologia. São textos fundadores
de autores consagrados. Assim, você terá com
sua leitura, a possibilidade de conhecer como
se faz pesquisa sobre a língua segundo uma perspectiva interdisciplinar. Este sem dúvida é um bom motivo para que você não deixe
de ler o livro.
XAVIER, Antônio Carlos e CORTEZ, Suzana (orgs.). Conversas com linguistas: Virtudes e controvérsias da linguística. São Paulo: Parábola, 2003.
Resumo
A existência de correlações inescapáveis entre língua, sociedade e cultura remetem para a necessidade de se estudar a língua em um contexto social concreto, a partir do qual é possível realizar uma descrição
ampla da língua, para além de uma análise imanente, centrada no
próprio objeto. Esta tomada de posição da linguística em relação ao
seu objeto significou a ampliação do campo de análise linguística, que,
extrapolando os limites do estruturalismo, passou a incorporar saberes
provenientes de outras áreas. Como resultado, configurou-se um campo teórico marcado pela interdisciplinaridade, da qual são exemplos a
sociolinguística e a antropolinguística, ramos da linguística que surge
da intersecção de conceitos desenvolvidos em três grandes áreas de
conhecimento: a sociologia, a antropologia e a linguística.
Autovaliação
Como atividade para última autoavaliação, propomos a você que
reflita e registre um comentário sobre a relação entre língua, sociedade
e cultura. Considere que a atividade linguística se dá concomitantemente à atividade social e, por isso, as variações e mudanças que ocorrem no plano sociocultural refletem-se no plano da linguagem.
Mais uma vez recomendamos a leitura dessa
obra. Isso denota que de fato, conhecê-la faz
diferença. Exploramos nesta unidade as respostas dadas às questões: Como a linguística
se insere na pós-modernidade? e Quais os
desafios para a linguística no século XXI? A
recomendação se dá no sentido de que você
possa ler todas as respostas, na íntegra, dos
linguistas. E assim tenha um conhecimento bastante amplo das novas
perspectivas dos estudos linguísticos.
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dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades!
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Referências
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BENTES, Anna Christina (orgs.). Introdução à linguística: domínios e
fronteiras. V. 1. São Paulo: Cortez, 2001.
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Paulo: Contexto, 1997.
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Paulo: Parábola, 2002.
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RIBEIRO, B. T. & P. M. GARCEZ (orgs.). Sociolinguística Interacional:
antropologia, linguística e sociologia em análise do discurso. Porto
Alegre: AGE, 1998.
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