teoria já viria sendo aplicada por Adam Smith, no século XVIII, A doutrina de direito e economia vem ampliando seu quando esse ilustre economista analisou os efeitos econômicos das leis mercantilistas. Outros defendem que a teoria teria sido espaço nas academias. A análise econômica do direito tem sua origem na Europa, mas foi desenvolvida efetivamente nos Estados Unidos, com destaque para Escola de Chicago. Sua característica principal maior expoente, Richard Posner, em razão da ampliação da analise é a adoção de conceitos e princípios da economia como mecanismo econômica do direito em todos os ramos do direito. eficiente para aplicar o direito. A teoria econômica tem por objetivo estabelecer uma estrutura teórica para análise da lei. O instituto da propriedade sempre foi encarado como uma A nova concepção de direito e teoria econômica, que é das premissas inerentes à própria existência da ciência econômica. No entanto, até o final do século XIX, a importância conferida é a aplicação de teses e métodos empíricos da teoria por esse ramo do saber ao estudo da apropriação limitava-se ao econômica ao sistema jurídico. Essa aplicação se dá reconhecimento do fenômeno como realidade naturalística e especialmente em campos da common law como ilícitos exógena, nos exatos termos da doutrina apregoada por Adam Smith e admitida de maneira inconteste por seus seguidores. torts civil, penal e administrativo, à teoria da legislação, à O direito de propriedade, fruto da visão da burguesia aplicação da norma jurídica e à administração judicial. francesa de 1789, desenvolveu-se em virtude dos movimentos No entanto, na velha concepção das relações do direito e sociais, principalmente da mudança da filosofia liberal à social. A da teoria econômica, restringiu-se a atenção às leis que função social da propriedade é exemplo da incidência dos ditames regiam relações econômicas explícitas e, certamente, a sociais no direito de propriedade, antes vinculado à teoria liberal, ou seja, à propriedade no seu sentido absoluto. Assim, diante dessa mudança do direito de propriedade, repaginado pela ótica social, e economia não reconhece tal limitação da análise bem como da ascensão da análise econômica no direito, a tentativa econômica do direito.2 de conjugação dessas idéias torna-se pertinente nos dias atuais. Portanto, este trabalho visa a abarcar como a teoria de direito e economia interpreta o direito de propriedade. como o modo de julgar dos juízes, vêm sendo influenciados pela teoria. Essa influência também tem sido crescente em países europeus, asiáticos e sul-americanos, não só por estudiosos da área 1. Teoria de direito e economia A teoria da economia aplicada ao direito tem sua do direito, mas também por graduados em ciências econômicas. dem que a No Brasil, especificamente, o estudo dessa teoria é bastante forte nas escolas paulistas e cariocas de direito. 1 Advogada e Economista. Mestranda em Direito Empresarial e Cidadania pelas Faculdades Integradas Curitiba. . São Paulo: Livraria do Advogado, 1994, p. 33-34. 2 1.1. Posner fundamenta a eficiência trazida pelo sistema norte-americano como Richard Allen Posner, juiz do tribunal de apelação da explicação do crescimento do país no século XIX, pois a common 7 circunscrição norte-americana, professor da Universidade de law traria permissividade da atividade econômica, possibilitando Chicago, cuja principal obra é Economic Analysis of Law, escreveu desenvolvimento econômico mais acelerado6. a sobre diversos assuntos, inclusive políticos, sendo em 2004 eleito Posner ainda insere nas funções da norma jurídica o um dos vinte doutrinadores mais influentes no direito americano e, conceito de eficiência econômica: a common law vincula custos em 2005, indicado ao prêmio Nobel de economia. da violação do principio, que operam para acentuar a eficiência de A partir da elaboração da citada obra, o ilustre uma economia de mercado. Para Posner, a eficiência econômica doutrinador foi considerado o maior expoente da doutrina da seria resultado da maximização do valor, obtido na exploração dos análise econômica da lei. A obra é bastante elogiada, em razão da recursos necessários à satisfação das necessidades econômicas do expansão da aplicação dos métodos e teorias econômicas a todas homem medidas pela agregada intenção do consumidor de pagar as áreas do direito. pelos mesmos bens. A eficiência ocorre quando o valor máximo do O livro Análise Econômica do Direito, escrito na década comprador e vendedor estão dispostos, respectivamente, a receber de 60, reconhece que não é nova a aplicação da teoria econômica e a pagar. A finalidade da common law, portanto, é assegurar a maximização da eficiência econômica na sociedade. Não se trata teoria é a multiplicidade de problemas jurídicos que se aplicam de maximizar a riqueza, mas a busca de um valor social máximo7. à teoria econômica, ou seja, a todos os ramos de direito. O que o diferencia de antes, quando só se aplicava a teoria econômica se houvessem relações econômicas envolvidas, por exemplo, é que o direito contratual não era abordado. Na proposta trazida por Posner não há tal limitação de aplicação, tendo a teoria econômica papel normativo e positivo sobre os ramos do direito. Por exemplo: no direito penal, quando se comete um crime deve-se analisar a A interpretação econômica não levará a sociedade a saber como comportar-se para evitar roubo, por exemplo, mas poderá ser capaz de mostrar à sociedade como ela poderá ser mais eficiente, para obter maior prevenção a mais baixos custos, usando métodos diferentes.8 O julgador deve atentar não só aos argumentos das partes, mas julgar de forma a inibir casos iguais, mediante redução repressivas e preventivas de ilícitos. dos custos pelo desestímulo na reincidência. Calabresi pensava de maneira distinta de Posner, pois No caso, a sociedade deveria pensar nas pseudojustiças, defendia que não se devem substituir critérios jurídicos por nos custos das políticas, de modo a refletir sobre o que seria menos econômicos, mas utilizá-los como subsídios multidisciplinares da oneroso para ela, se a prisão perpétua ou a pena de morte. Propõe temática imposta, ou seja, como instrumento para aperfeiçoar as que, para crimes dispostos na lei antitruste, as penas deveriam ser instituições jurídicas e decisões dos tribunais3. substituídas por multas, de modo que o pagamento em dinheiro Na responsabilidade civil, Posner sustenta que a compensação por ato de negligência seria justamente para seria muito mais benéfico à sociedade do que gastar com a manutenção do preso9. desencorajar acidentes antieconômicos. A reparação da vítima por A respeito do direito de propriedade, reconhece as eventuais perdas é tida como algo secundário, pois a verdadeira diferenças entre a concepção jurídica e econômica. Coloca que o finalidade é econômica, isto é, forçar a mudança de comportamento mercado é o método mais eficiente para otimizar o uso da terra, até para evitar outras perdas. A indenização paga à vitima, portanto, mais eficiente do que os litígios judiciais. Já aborda a questão da é mero detalhe4. compra do direito de poluir, com base no direito de vizinhança. Na verdade, para limitar essa responsabilização, surge a teoria do enriquecimento ilícito, cuja idéia principal é evitar desperdícios, pois o desperdício vai de desencontro com a eficiência5. A respeito da atividade do judiciário, o ilustre autor defende que o sistema da common law é o mais eficiente. Posner Posner sustenta que, se o direito falhar na imputação das responsabilidades, podem as partes transacionar de modo a anular a atribuição legal. A importância do common law é menor quando os custos de transação são menores, onde os costumes e as práticas são eficientes, e as regras criadas são inefici . 10 Calabresi critica a teoria de Posner, trazendo um conceito 3 FARIA. Opus cit. p. 35. Idem. 5 Ibidem, p. 39. 6 Ibidem, p. 36. 7 Idem. 8 Ibidem, p. 38. 9 POSNER, Richard A. Economic Analysis of Law. Canadá: LIB, 1977, p. 79. 10 FARIA. Opus cit. p. 42. 4 da responsabilidade civil que se aplicaria tanto ao sistema jurídico teoria de direito e economia moderna, escreveu dois artigos que o da civil law e o da common law. Calabresi sustenta que uma colocam como expoente nessa teoria: The Nature of the Firm A sociedade de mercado determina os direitos, de modo que o ônus Natureza da Firma Journal of Law & Economics. v. 3., The Problem of Social Costs O Problema dos Custos dos acidentes é determinado pela atividade envolvida . 11 Sociais No artigo Natureza da Firma, introduz o conceito dos 1.2. Calabresi custos de transação para explicar o tamanho das firmas. Essa teoria formado em Direito pela Universidade Yale, juiz da Corte de tem influenciado principalmente a teoria moderna das organizações Apelações dos Estados Unidos da 2a Circunscrição, e professor e da regulação estatal. Nesse artigo, Coase tenta explicar o motivo titular da Universidade de Yale. da existência de tantas firmas de serviços, em vez de uma série de As principais contribuições para a teoria de direito trabalhadores autônomos que contratariam uns aos outros, os quais e economia estão no campo da responsabilidade civil e na não teriam nenhuma organização empresarial. Por que e em que interpretação do teorema de Coase. circunstâncias essas firmas se desenvolveriam? Como as firmas É reconhecido como um dos fundadores da teoria da economia aplicada ao direito, com a publicação do artigo Some necessitam de contratação de pessoal, deveriam buscar ajuda na contratação em vez de contratar por escolhas pessoais. Thoughts on Risk Distribution and the Law of Torts na Revista A teoria econômica aplicada sugere, baseada na Yale Law eficiência do mercado, que será sempre mais barato contratar em Journal e transformado no livro The Cost of Accidents: a legal and economic analysis O Custo dos Acidentes: uma Análise Legal e pelo mercado é, na realidade, o mais justo preço do bem-estar. Outros custos, como de pesquisa, informação, negociação, é a intitulada Property Rules, Liability Rules and Inalienability: segredos industriais, regulação e sanções, podem ser todos One View of the Cathedral Regras da Propriedade, Regras potencialmente acrescidos nos custos de procurar algo no mercado. de Responsabilidade Civil e inalienabilidade: uma Visão do A firma crescerá se o arranjo produtivo interno evitar os custos de transação. O tamanho ótimo da firma será resultado entre as A tese principal do referido trabalho baseia-se no fato tendências competitivas dos custos. Aumentar o tamanho da firma pode ser inicialmente vantajoso, mas os rendimentos decrescentes poderão eventualmente ser reduzidos, prevenindo que a firma enquanto outros são apenas protegidos pela responsabilidade cresça indefinidamente. O segundo artigo, O Problema dos Custos Sociais, aponta que quando se tem direitos de propriedade bem definidos à responsabilização apenas por danos monetários pela perda pode-se ter majorado os problemas de externalidades. Para analisar econômica. Esse tipo de proteção do direito do transgredido a origem da externalidade, o ilustre professor trabalha com o poderia prevenir o proprietário do direito de negar outros usos. exemplo de um criador de gado, cuja propriedade é demarcada Enquanto há direitos que são protegidos por relevância social, por um fazendeiro plantador de milho. O rebanho do estancieiro concede ao proprietário o direito de prevenir outros danos, como, vive solto, e um dia invade a plantação do vizinho. As soluções por exemplo, a exclusão, de usar até mesmo se o transgressor para resolver o problema seriam a construção de uma cerca, a tiver direito de pagar os danos causados. Também faz análise de que os diversos interesses envolvidos sobre um fato trazem a plantação de milho, todas soluções ineficientes. Caberia ao variados métodos e níveis de proteção do fato. Alguns direitos estancieiro e ao fazendeiro acordar quem suportaria os custos. Se são inalienáveis, outros protegidos pelo direito criminal e outros, o gado ficasse confinado no rancho, não haveria tantos danos, mas ainda, pela responsabilidade civil. se o gado continuasse solto e o vizinho fosse prejudicado, deveria o estancieiro responder pelos danos causados ao fazendeiro. O 1.3. Coase fazendeiro, por sua vez, também teria o dever de manter o gado afastado de sua plantação, devendo suportar os custos de eventuais do prêmio Nobel de economia em 1991, e professor catedrático danos. Argumenta ainda que sem custos de transação seria da Universidade de Chicago. Reconhecido como um dos pais da economicamente irrelevante saber a quem recairiam os direitos de 11 Ibidem, p. 61. propriedade originários; o estancieiro e o fazendeiro teriam que As críticas a esta teoria recaem sobre diversos aspectos, entrar em acordo sobre a possibilidade de cercar o gado ou não, principalmente sobre a visão normativa da teoria. A maioria dos ou se cercariam a plantação de milho, baseados na idéia do que adeptos trabalha com a concepção neoclássica da economia, seria mais eficiente economicamente. A importância do direito conseqüentemente as críticas incidem sobre a teoria econômica de propriedade estaria na eficiência da alocação dos recursos, e aplicada. As principais críticas se referem à escolha racional dos principalmente na distribuição12. agentes, principalmente em razão das simplificações realizadas Entretanto, se houvesse custos de transação, os direitos sobre a natureza humana. Também a teoria não levaria em conta de propriedade originários teriam efeitos significativos. Do ponto as soluções eficientes propostas, os direitos humanos e a justiça de vista da eficiência econômica, os direitos de propriedade distributiva. transferidos, assim como os direitos do proprietário, visam à Entretanto, as críticas mais pesadas advêm dos teóricos tomada de decisões eficientes. Dessa forma, se a eficiência fosse obtida com a não restrição do rebanho, ao estancieiro deveria Especificamente quanto ao teorema de Coase, a maioria das críticas recai sobre o fato de os custos de transação serem freqüentemente muito altos, impedindo um acordo. O economista James Meade, por exemplo, defende que mesmo para um simples Assim, o teorema de Coase busca relacionar a eficiência econômica da alocação estatal dos direitos de propriedade. O cerne do teorema baseia-se na ausência de custos transacionais, sendo eficientes todas as alocações estatais do direito de propriedade, porque no interesse pessoal cada parte buscaria diminuir as externalidades. Para desenvolver essa teoria, Coase utiliza o bem definida a propriedade das freqüências, não importaria se a apicultor perto de um plantio o acordo proposto por Coase seria ineficiente. Trata-se de uma análise não-coaseana, do ponto de vista da teoria neoclássica tradicional, com custos de transações exógenos. A visão da economia institucional, adotada por Meade, também considera a dinâmica da criação dos custos de transação13. A outra linha de crítica sobre o teorema coaseniano recai sobre o bem-estar social, que se manifestaria pelos acordos estação de radio limítrofe interferisse por radiodifusão na mesma coasenianos. Na maioria dos casos de externalidade, o acordo não banda de freqüência. Assim a estação mais forte economicamente ocorre entre dois atores econômicos, mas pode ocorrer entre uma teria um incentivo para que a outra de menor potencial não interferisse. Na ausência de custos transacionais, ambas as dizem os críticos, não apenas os custos de transação se elevam estações poderiam acertar um acordo mutuamente vantajoso. mas também a possibilidade de um acordo ocorrer é impedida Não haveria importância se uma ou outra estação tivesse o pelos problemas básicos do dilema do prisioneiro. O direito de direito sobre a radiodifusão e, conseqüentemente, o direito da propriedade pode estipular, por exemplo, que os proprietários radiodifusão terminaria com a parte que pudesse dissuadir o devam indenizar a fábrica por parar de poluir. Certamente os maior valor a ser usado. Entretanto, acabou-se reconhecendo a proprietários diminuirão a poluição causada por eles próprios, na tentativa de que os custos recaiam sobre a carteira dos outros distribuição inicial dos direitos de propriedade. Assim, os direitos proprietários. de propriedade poderiam ser transferidos por atores, obtendo A respeito da proposta de Posner, Dworkin realiza sua então a maior utilidade sobre eles. Logo, a distribuição é ótima. crítica no artigo Uma Questão de Princípios. As considerações da Mesmo nos casos em que a barganha corrigisse as imperfeições na economia sobre o direito baseiam-se numa concepção de eficiência distribuição, os recursos econômicos não deveriam ser gastos em fundamentada no equilíbrio de Pareto, conceito paretiano esse custos de transação. O problema é que na realidade o estado não defasado, pois pressupõe que maximização de riqueza e eficiência sabe previamente o valor utilitário dos recursos. Outra consideração são sinônimos. Dever-se-ia utilizar, portanto, o conceito de é que o estado deve criar instituições que minimizem os custos ofemilidade de Pareto14, que traz novas concepções para a teoria de transação, de forma a corrigir as distorções na distribuição do valor e da distribuição, com base no equilíbrio geral de Pareto rapidamente e com menor custo. 1.4. Críticas 12 13 prender apenas às concepções de utilidade e valor de uso, ou seja, The Problem of Social Costs. 3. ed. Estados Unidos: J Law & Econ I, 1960. FARIA. Opus cit. p. 53. 14 entanto vale o prazer de ter uma quantidade a mais. Já a maximização da riqueza parte do bem-estar social que pode, direta ou indiretamente, colocar-se em relação a um padrão monetário de medida, que seria o bem-estar econômico. receber18. A teoria de direito e economia vem buscando adaptar-se com as coisas, em relação ao valor de uso desses bens. Outra critica feita por Dworkin é que Posner consideraria às críticas anteriormente descritas. Uma prova seria a aplicação da teoria dos jogos ao direito, bem como o método econômico na analise da lei, principalmente pelo uso da estatística e da econometria. sobre a distribuição desse valor gerado. Por fim, Dworkin critica que os juízes não devem ter por 2. Direito e economia aplicados ao direito de propriedade Os direitos de propriedade fundamentam a alocação de dos fundamentos das decisões proferidas. Mitchell Polinski, na obra Análise econômica como um produto defeituoso: um guia para o comprador de uma análise como o direito de se apropriar de determinados elementos, econômica do direito, vê a aplicação da teoria econômica ao concedendo o direito de uso exclusivo pela pessoa. direito como forma de tornar inacessível o direito aos advogados, Verifica-se que muitos autores tentam entender em razão da diversidade de teoria e linguagem da ciência as questões sociais com base no que realmente significa a econômica. Fundamenta seus argumentos baseado na idéia de que propriedade. Para isso há diversas teorias: a de Betham, para quem os criminosos, ao praticarem um crime, nem sempre analisariam a propriedade seria uma expectativa de direito; para Aristóteles, a relação custo-benefício. Censura a idéia de que a Suprema Corte seria mero instrumento de maximização de riqueza social. Burke, o fundamento de liberdade para a vida em sociedade; para Recrimina, ainda, a falta de limites da aplicação da teoria, ainda que acredite que possa ser aplicada em todos os ramos do propriedade traria responsabilidades e não liberdade ao indivíduo direito; ademais, a aplicação da economia no direito pode ser detentor19. Para Marx e Engels a propriedade é considerada como defeituosa15. uma instituição que permite que poucas pessoas escravizem Outro doutrinador que critica fortemente a teoria é muitas. A teoria econômica, entretanto, não busca explicar o que a propriedade é, mas verificar qual a forma mais eficiente e razão de a proposta apresentada pela escola de Chicago não distributiva de propriedade. ser inovadora. Sustenta que a teoria apenas amplia o campo de abrangência de aplicação da teoria. Outra crítica seria que a culpa 2.1 Origem do direito de propriedade ainda teria relevância para a compensação dos danos, uma vez que Cooter e Ulen propõem como origem do direito de a teoria objetiva da responsabilidade se distanciaria da experiência propriedade um mundo em que haja pessoas, terras, ferramentas histórica, não produzindo resultado apreciável. Uma terceira e armas, mas sem polícia ou tribunais. Nesse mundo imaginário, crítica seria o fato de o indivíduo não tomar decisões apenas por o governo não reivindica nem protege os direitos de propriedade. fatores econômicos, carregados de pressupostos liberais . Indivíduos, famílias e alianças entre famílias garantem os direitos 16 O Professor da Universidade da Califórnia, Erik de propriedade, inclusive designando quais as maneiras de defesa dessa propriedade, de modo que o custo marginal de defendê-la superficial, sem soluções, mas apenas indicativo dos problemas. deve ser igual ao custo marginal da propriedade. Assim, tudo o que Afirma que os chamados hard cases poderiam facilmente ser será realizado na propriedade também passará pelo custo benefício 17 solucionados dentro do sistema jurídico e filosófico . Críticos como Donahue e Shavell limitam-se à teoria torts da ação a ser tomada20. Nesse sentido, se os fazendeiros constatarem que a criação de um estado que proteja a propriedade é menos oneroso do objetiva adotada pelo civil law é superior para controlar as que a proteção individual, será gerado um aparato estatal com tal atividades danosas; que o seguro de responsabilidade é socialmente finalidade. Tal acordo entre a sociedade de proteção da propriedade benéfico; e entende ser necessário suplementar a responsabilidade derivaria no contrato social, que visa a estabelecer os termos da pela imposição de multas, de modo que se opere a dissuasão pelo vida em sociedade. Ainda, os recursos seriam transferidos das lutas pagamento além da excelente compensação que as vítimas devem para o trabalho no campo. A sociedade cria, portanto, o direito 15 FARIA. Opus cit. p. 55-56. FARIA. Opus cit. p. 59-60. 17 Ibidem, p. 65. 18 Ibidem, p. 69-70. 16 19 20 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Law and Economics. 3. ed. Estados Unidos: Addison Wesley Longman, 2000, p. 78. de propriedade para encorajar a produção, desestimular o roubo e . A análise, para a teoria de direito e economia, recai 23 reduzir os custos de proteção social. Além disso, pode criar formas sobre as raízes do direito de propriedade, tendo como principal de aquisição de propriedade de modo a preservar os fins. teórico Ronald Coase, no artigo O Problema dos Custos Sociais. A propriedade hoje está longe de ser um aspecto ligado Nesse artigo, Coase inclui que a propriedade não tem nenhuma à coisa, como era para os romanos ou no feudalismo. Esse caráter função a não ser a de servir como linha de base para contratos ou real da propriedade e suas conseqüências são vitais para uma para impor restrições coletivas quanto ao uso da propriedade, além compreensão da propriedade como instituição21. Uma série de de padronizar os conflitos sobre o uso dos recursos exclusivos nos teóricos vem relacionando os direitos de propriedade como direitos termos de disputas bipolares entre A e B. Assim, houve a ascensão relacionados de um particular a uma coisa, e conferenciam àquelas de uma concepção de propriedade como um conjunto de direitos pessoas o direito de excluir uma classe grande e indefinida de entre pessoas e a concepção herdada dos direitos sobre a coisa. outras pessoas. Assim, os teóricos da propriedade reconheceram na Na concepção atual de direito de propriedade, o natureza real dos direitos de propriedade a importância como base doutrinador que mais influenciou foi Coase, que a compreende da segurança em face de uma larga escala de interferências por como um agrupamento de direitos, elabora uma lista de direitos outras. William Blackstone, por exemplo, definiu a propriedade permitidos e proibidos na utilização de recursos privados24. Dessa forma, a concepção de propriedade como exerce sobre as coisas externas do mundo, na exclusão total da 22 . agrupamento infinito e variável de direitos, de poderes e de deveres tem-se transformado hoje num tipo de ortodoxo. Não é por O cerne dos direitos de propriedade está no fato de coincidência que a intervenção do estado nas matérias econômicas ligar as pessoas por intermédio de uma coisa. Esses direitos são foi extremamente ampliada nas décadas do século XX, e os impessoais e geralmente ausentes dos direitos e privilégios que direitos constitucionais do proprietário sobre a propriedade foram algumas pessoas detêm. Quando encontramos uma coisa que restringidos. O movimento da lei e da economia que emergiu nos esteja marcada na maneira convencional como sendo possuído, anos de 1960 e 1970 não questionou a concepção da propriedade sabemos que estamos sujeitos a determinados deveres negativos de como um pacote incerto de direitos25. nos abstermos, de respeitar essa coisa, não entrar sem permissão, não a usar, não pegar, etc. De fato, esses deveres universais são a 2.2. Conceito legal de propriedade transmissão ao mundo da coisa própria. Segundo Cooter e Ulen, para o direito a propriedade Portanto, os direitos de propriedade criam os deveres que seria uma porção de direitos, que descrevem o que pode ou não ser ligam a todos e fornecem uma base de segurança que permite aos feito com os recursos que se possui: usar, gozar, dispor, possuir, povos desenvolver recursos e planejar o futuro. Essa característica desenvolver, melhorar, transformar, consumir, exaurir, destruir, da propriedade, entretanto, impõe encargo informativo num vender, doar, transmitir, transferir, hipotecar, arrendar, alugar e excluir terceiros. Esses direitos não são imutáveis26, de forma que envolvidas no contrato, quanto à obrigação de compreender os podem ser restringidos ou ampliados de acordo com o momento direitos e os deveres que recaem diretamente sobre as partes. histórico envolvido e as peculiaridades dos interesses envolvidos. Consequentemente, a propriedade é requerida para vir em pacotes Merrill e Smith entendem que essa é a concepção que estandardizados, que compreendem uma série de direitos. O fato é que o aspecto das coisas na propriedade seria ainda mais geral: a propriedade seria composta por relações desapareceu pela maior parte do discurso acadêmico, gerando a legais entre pessoas, e apenas secundariamente com as coisas. E afirma que a pessoa que ainda crê que a propriedade seja o direito constituirá no declínio da concepção da propriedade como distinto sobre uma coisa estaria caindo na inocência de uma criança ou dos direitos das coisas no pensamento anglo-americano, e na pior27. ascensão do modo de vista entre economistas legais modernos de Essa visão inocente, colocada por Merrill e Smith, que a propriedade é simplesmente uma lista dos usos em recursos decorre da concepção tradicional civilista, que busca na 21 The Yale Law Jornal, v. III: 357-390; 16 out. 2001, p. 360-361. 22 Property, as , mar. 29, 1792, at 174-75, reprinted in 23 24 25 26 27 Op. cit., p. 361. Opus cit. p. 365. Ibidem, p. 370. Ibidem, p. 372. COOTER; ULEN. Opus cit. p. 74. The Yale Law Jornal, v. III: 357- 390,16 out. 2001. origem romana a sua definição. Para os romanos, os direitos de propriedade recairiam sobre o livre exercício dos recursos, ou seja, questão do auto-interesse no direito de propriedade, principalmente a propriedade confere direitos sobre as coisas. Logo, a propriedade quanto aos recursos comunitários, como, por exemplo, a pesca, cria uma zona privada, na qual os proprietários podem exercer sua que pode levar à utilização ineficiente dos recursos. vontade sobre as coisas sem serem questionados. 2.3. Uma teoria econômica da propriedade é livre para exercer os direitos que recaem sobre a propriedade, o que significa que a lei não requer ou proíbe de exercer esses direitos; e, ainda, terceiros são proibidos de interferir no direito de Utiliza-se da teoria da barganha, que serve de base da teoria econômica da propriedade e dos direitos de propriedade. Por acordo, as pessoas freqüentemente barganham com termos de interação e cooperação. Contudo, às vezes, os termos propriedade de outrem. Já o conceito econômico de propriedade, segundo exemplo, pela lei. As regras são mais eficientes quando as pessoas sancionadas entre homens que se originam da existência de barganham, do que quando impostos por lei, de modo que a lei é . Assim, para a economia, o desnecessária e indesejável quando há barganha, e necessária e 28 direito de propriedade especifica normas de comportamento com relação àquilo que cada um precisa observar na interação com desejável quando não há barganha. Primeiro se deve definir o que é apropriável, quem pode os outros ou a sanção por sua não observância. Stephen coloca quais os limites de utilização da propriedade e quando e quem sociais, definindo a posição de cada indivíduo no que diz respeito 29 pode interferir no direito de propriedade. As circunstâncias especiais que limitam a atuação legal estão previstas no teorema . Como premissas da eficiência econômica, têm-se que os direitos de propriedade devem ser privados e bem definidos. mais eficiente. A ausência de direitos bem definidos de propriedade particular Cooter e Ulen exemplificam a teoria coaseniana pelo reduz o incentivo para que os indivíduos façam melhor uso dilema. No exemplo do rancheiro e do fazendeiro, se para aquele dos recursos aos quais têm acesso. Parte-se da premissa liberal construir e manter uma cerca para o gado implicaria em custos de de que os indivíduos são motivados para maximizar a utilidade US$ 75 anuais, já para o fazendeiro cercar a plantação custaria US$ 50, e os danos médios anuais causados pela invasão do gado assegurada uma retribuição razoável na utilização dos recursos. seriam de US$ 100. É claro que a solução mais eficiente seria a Para um proprietário utilizar eficientemente a terra, é necessário, construção de uma cerca por parte do fazendeiro. além de garantir retorno, dar perpetuidade no direito e também a Entretanto, colocam os ilustres autores que a solução é apenas aparente, uma vez que se pode supor, além do acordo entre possibilidade de transferência. Entretanto, alerta Stephen, a transferência é uma condição necessária, mas não suficiente. Primeiro porque deve ser fácil, com as partes, diferentes soluções que a lei poderia dar ao caso, no caso de não haver acordo. custos baixos. Segundo, para assegurar direito de exclusividade . Assim, quando uma atividade interfere em outra, a lei Assim, o autor coloca como condições necessárias para obtenção precisa decidir se a parte tem o direito de interferir ou se a outra da eficiência dos direitos de propriedade: parte tem o direito de estar livre de intervenções. O resultado 30 eficiente será aquele cuja parte valorize mais os direitos. Quando as partes seguem uma norma de não-cooperação, as normas de estar em poder de alguém; alocação implicam na eficiência dos direitos. Quando as partes acordam sobre os seus direitos, a alocação legal dos direitos não direitos exclusivos; importa para a eficiência. O acordo entre as partes pressupõe uso os recursos serão transferidos de usos de baixa 31 lucratividade para usos de alta lucratividade . A principal crítica a essa classificação está no fato que nem todos os recursos podem ser apropriados, como, por exemplo, 28 29 Teoria Econômica do Direito. Rio de Janeiro: Makron, 1993, p. 13. Opus cit. p. 14. 30 31 Idem. eficiente dos recursos, independente das normas legais impostas. Contudo, ainda não foi discutido o porquê de algumas barganhas acontecerem e outras não. Coase ainda considera que há outros custos de transação para efetuar um acordo, além dos consumidores, a vantagem. custos de informação dos direitos e interesses envolvidos. Cooter A grande critica é que o teorema de Coase não assume e Ulen colocam que se os custos de transação forem zero, então que os agentes possam adotar comportamento estratégico, o que não haverá porque se preocupar com as questões legais acerca implicaria em mais um custo de transação decorrente da condição de proteger de forma mais eficiente os direitos de propriedade32. de incerteza que gera. Ou seja, há possibilidade de uma barganha Os interesses privados abordarão a respeito do que poderá ser cooperativa, e a solução desta será sempre eficiente. apropriado, quais os limites de utilização da propriedade, e assim Entretanto, quanto à eficiência, cabe salientar que por diante. Ao definir em quais circunstâncias as normas legais diferentes direitos podem produzir diferente distribuição de não são importantes, Coase especifica também quando as leis são recursos, pois afetam a riqueza dos indivíduos. A economia, via de importantes: regra, possui metas distributivas que devem ser valorizadas tanto quando os custos de transação são altos o suficiente para inibir os acordos, o uso eficiente dos recursos vai depender de como estão assegurados os direitos de propriedade. ser consideradas como uma só, desde que determinada metade da distributiva envolva um sacrifício da eficiência. Entretanto, considera-se pela doutrina inadequado incorporar as considerações distributivas, pois implicam em juízos de valor. Deve-se constatar que há limitações no teorema coaseniano, pois apenas considera transações imediatas, e não 2.3.1.1. Teoria da barganha longas. Uma transação que envolva tempo delongado pode vir a A teoria da barganha fundamenta a teoria econômica ter alterações nos custos, inclusive nos custos de oportunidade. da propriedade. Os elementos da teoria da barganha podem ser Ademais, utiliza a rentabilidade das atividades do fazendeiro e do estancieiro como o mesmo, sabe-se que em casos reais dificilmente carro usado35, por exemplo. dificuldade de desistir de algumas coisas do que em adquiri-las, 1957 conversível em bom estado de conservação. O prazer de João, que vive numa cidade pequena, possui um Chevette como no caso do poluidor: é mais fácil comprar os direitos do que parar de poluir. Considera-se ainda normas sociais, que podem ser costumes, portanto não necessariamente legais, que acabam abrangendo os sujeitos nas negociações. De acordo com esses fatos, a barganha para vender o carro est 2.3.1. Teorema de Coase A doutrina freqüentemente o explicita através do seguinte que não aceitará pagar valor superior. Assim, a barganha estará enunciado: Quando os custos de transação são zero, a distribuição de recursos independe da distribuição dos direitos de propriedade. Isso nada mais é do que a aplicação da teoria dos jogos, pois ambas as partes podem ser beneficiadas se cooperarem entre si. Partindo da questão da divisão do valor extra de R$ 100,00, a Assim se teria uma visão de que o Estado de direito não distribuição mais justa seria de R$ 50,00 para cada, pois, se o carro determina a composição da produção. Trata-se de aplicação que parte do princípio de que a troca somente poderia ser feita quando beneficiasse a ambas as partes, pois a decisão do tribunal pode ser 33 . a respeito do preço do carro, utilizando-se de parâmetros para tanto, como as condições mecânicas do carro. Entretanto, mesmo O teorema apresenta as seguintes suposições implícitas, que esse acordo seja possível, nem sempre as partes estão dispostas segundo Cooter e Ulen34: a troca voluntária é mutuamente benéfica; a cooperar, de modo que a criação de um valor excedente seja há perfeito conhecimento das partes e do produto; envolvem dificultada, e ambas as partes devem concordar em como dividir esse excedente. Portanto, a venda do carro consolida o acordo, e o efeitos sobre a riqueza; os produtores maximizam os lucros e os fracasso na negociação corresponde ao fracasso na venda. 32 COOTER; ULEN. Opus cit. p. 84. Opus cit. p. 28. 34 COOTER; ULEN. Opus cit. p. 82. 35 Ibidem, 76. 33 Aplicando a teoria dos jogos ao caso, ter-se-ia por base de transação, pois normas ambíguas tendem a elevar os custos39, custo, em razão da multiplicidade de interesses envolvidos. ganhos sociais, uma vez que João continuaria com o prazer de Quanto os custos de transação, há a hostilidade das dirigir seu veículo, e Marcos continuaria com sua poupança de partes e os erros de cálculo de até quanto o outro cederia em prol R$ 5 000,00, de modo que o ganho social total seria de do acordo. A teoria pressupõe que ambas as partes buscarão a R$ 8 000,00. Se, por outro lado, houvesse a venda, e João maximização e o bem-estar conjunto, ou seja, as pessoas não se aceitasse o preço de venda por R$ 3 500,00, João continuaria tentariam contrariar ou lograr umas às outras. Num divórcio, por com a poupança de R$ 1 500,00 e o carro de R$ 4 000,00. O exemplo, é muito difícil conseguir uma solução eficiente quando ganho social seria de R$ 9 000,00. há ódio entre as partes. Portanto, a teoria da barganha segue três passos: os preços A respeito dos custos de execução, estes se tornam de acordo são estabelecidos, determina-se o valor excedente, e mais relevantes conforme o tempo que se leve para cumprir define-se o acordo sobre a distribuição desse excedente. totalmente o acordo. Nos de cumprimento imediato não há Assim, para Coase, quando há condições da barganha custo de transação; quanto mais longo o prazo de cumprimento, gratuita, a solução eficiente é atingida independentemente de porém, maior a tendência de altos custos de execução, pois há quem arca com a responsabilidade . custos de monitoramento e maior probabilidade de punições por 36 descumprimento. 2.3.1.2. Elementos dos custos de transação Para Stephen, o custo de transação nada mais seria 2.3.2. Normatividade de Hobbes e teorema de Coase que o custo da barganha. Estes se dividem em custo da busca de Até então se estava analisando apenas como se o teorema negociadores, negociação da transação e policiamento e execução de Coase embasasse a teoria legal da propriedade, de modo que de normas . os custos de transação fossem exógenos à lei, devendo esta agir 37 Já Cooter e Ulen definem os custos de transação como conforme esses custos. Porém, nem sempre isso ocorre. Alguns custos das trocas. Também apontam que a troca possui três passos: custos de transação são endógenos ao sistema legal, pois as normas primeiro, a outra parte interessada deve ser identificada, via de podem facilitar a transação privada. Para o teorema de Coase, a lei regra alguém que queira comprar o que está sendo vendido ou pode incentivar as transações privadas por meio da diminuição dos vender algo que queira ser adquirido; o acordo deve ser fechado custos. entre as partes envolvidas; e, terceiro, o acordo deve ser cumprido. Uma das maneiras de a lei diminuir os custos de transação A execução envolve monitorar o cumprimento do acordo pelas seria definir os direitos de propriedade de forma clara e objetiva. partes e, em caso de negativa, impor sanções. Dessa forma, pode-se Assim, pode-se estruturar o teorema de Coase40: dizer que há três tipos de custos envolvidos: custos de informação; custos de acordo; e custo de execução38. Deve-se estruturar a lei de modo a não impedir acordos privados. Considerando esses três custos, pode-se dizer que os custos de transação tendem a ser altos quando os serviços A respeito desse impulsionamento legal, há também a ou produtos são exclusivos, e tendem a ser baixos os custos de transação dos produtos e serviços que seguem um padrão. garantir normas que inibam desavenças e falhas na cooperação. Cabe ainda abordar os custos de informação: serão maiores de acordo com a publicidade dos interesses e valores respeito da divisão do excedente gerado, mesmo quando não envolvidos. Por isso negociar um melão é mais barato do que houvesse nenhum impedimento sério para acordar. O instinto negociar uma casa. O comprador conhece e sabe para que serve é levar vantagem até que um terceiro intervenha na disputa e o melão, conseguindo mais facilmente perceber defeitos. Já na imponha uma solução para o conflito. Mediante tais idéias, criou- casa é o vendedor que conhece muito mais os custos de venda e 41 : eventuais defeitos do imóvel. Cooler e Ulen escrevem ainda que Estruture o direito de modo a minimizar os prejuízos direitos de propriedade mais definidos tendem a diminuir custos causados pelas falhas na transação privada. 36 Opus cit. p. 30. Opus cit. p. 35. 38 COOTER; ULEN. Opus cit. p. 88. 39 COOTER; ULEN. Opus cit. p. 89. 40 COOTER; ULEN. Opus cit. p. 94. 41 Idem. 37 Significa que o direito deve prevenir a coerção e os real do direito de propriedade. A lei e a economia cegaram- desentendimentos entre as partes. Assim, quando as partes falham na se a determinadas características dos elementos essenciais da negociação, elas perdem o direito ao excedente, de modo que a lei deve propriedade, que são importantes e não podem ser explicadas em conceder os direitos de propriedade à parte que mais os valorize. nenhum outro termo. Não é errado colocar a propriedade como um conjunto normativos do direito de propriedade: um diz respeito à de direitos sobre uma coisa e oponível a terceiros, sendo esta minimização dos prejuízos causados por desacordos na alocação uma idéia que apareceu aos poucos, passando por um estágio relativamente adiantado no desenvolvimento social e econômico. obstáculos para transações privadas sobre alocação de recursos . 42 Doutrinadores clássicos, como Blackstone, Smith, e Bentham, alertam à possibilidade de um mundo em que os direitos de propriedade são violados rotineiramente, e, conseqüentemente, 3. Conclusão sentiram a importância de articular formas de assegurar a O instituto da propriedade sempre foi encarado como uma propriedade. das premissas inerentes à própria existência da ciência econômica. O movimento da lei e economia, que emergiu nos anos No entanto, até o final do século XIX, a importância conferida de 1960 e 1970, após o problema das formas de assegurar o direito por esse ramo do saber ao estudo da apropriação limitava-se de propriedade ter sido resolvido na maior parte dos países, pelo ao reconhecimento do fenômeno como realidade naturalística menos nas economias avançadas, passou então a se preocupar com e exógena, nos exatos termos da doutrina apregoada por Adam questões que ainda não tinham sido resolvidas, como controlar Smith e admitida de maneira inconteste por seus seguidores. relações contratuais delongadas, controlar o comportamento dos Assim é que, segundo a escola clássica, a maximização agentes em organizações complexas, e incentivar uma distribuição da riqueza constituiria resultado natural da troca de recursos eficiente dos excedentes. Conforme apontam Merrill e Smith, a escassos entre compradores e vendedores racionais, numerosos compreensão dos doutrinadores de uma economia aplicada ao e bem informados, sob a égide do mecanismo auto-regulativo direito ficou restrita não à questão legal, mas à maximização do mercado. A dedução das regras desse mecanismo decorria da do bem-estar. Essa negligência, naturalmente respaldada em aplicação da engenharia social emergente à intenção presumível interesses voltados para economias avançadas, existe apenas no dos agentes econômicos, ensejando conclusões pretensamente topo da pirâmide. Sua base consiste na segurança dos direitos científicas e independentes das instituições político-jurídicas em de propriedade, entretanto sem analisar a extensão dessa base, cujo cenário operava o mercado. implicando no fato de que as concepções constantes na atmosfera Nesse panorama, o domínio parecia ser uma idéia auto- refinada do ápice estão distorcidas ou ao menos incompletas43. evidente. Pressupunha-o toda a ciência econômica, sob influência Para a teoria da análise econômica do direito, assegurar da doutrina jusnaturalista e da ascensão histórica da classe burguesa, o direito à propriedade seria assegurar a própria eficiência no que o proclamavam como fenômeno universal, contemporâneo ao seu uso. O desenvolvimento de uma concepção absoluta no seu próprio homem e intercambiável por excelência. uso é condição de eficiência, pois são três os critérios aplicados: A propriedade é considerada importante pelos universalidade, exclusividade e transferência. A universalidade economistas modernos pois facilita a transferência dos recursos ligada ao direito de um proprietário tudo possuir. A exclusividade por meio dos contratos e serve como regra para a definição das aborda os direitos exclusivos sobre a propriedade. A transferência disputas coletivas entre indivíduos sobre o uso dos recursos. A refere-se à utilização dos recursos de forma a maximizar para um concepção da propriedade para os economistas é um conjunto recurso superior. de direitos reconhecidos atualmente pela lei ou pelo costume ou A Law and Economics analisa a interpretação da por convenção estabelecida. Essa orientação ignora a dimensão propriedade privada sob o enfoque dos custos de transação do caráter real dos direitos de propriedade, característica da sociais e da eficiência do uso, ou seja, os custos de utilização da propriedade que era familiar a Blackstone, a Smith, a Bentham e a seus sucessores, mas foi toda esquecida após a identificação litígio para as partes e para o Judiciário e os custos do erro judicial. revolucionária de Ronald Coase, a respeito dos custos de transação A relação entre essas variáveis é considerada para a formulação como a determinante chave da estrutura de designados legalmente. das estratégias ex ante adotadas pelas partes quando do uso dos Essa teoria abstraiu sistematicamente, afastando a característica recursos da propriedade, e ex post, no caso de eventual litígio. Dessa ponderação inferem-se as técnicas interpretativas que 42 43 COOTER; ULEN. Opus cit. p. 94. Opus cit. p. 397-398. têm maior potencial de reduzir os custos sociais, de minimizar COOTER, R.; ULEN, T. Law and economics. 3. ed. Estados as assimetrias informacionais e as externalidades negativas, e de Unidos: Addison Wesley Longman, 2000. promover melhorias paretianas na situação jurídica das partes. A aplicação dessa teoria será compatível com o direito de propriedade funcionalizado, desde que não leve em consideração o conceito de . Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1994. propriedade absoluta, mas que seja limitado por direitos alheios. A busca da eficiência no uso da propriedade é, portanto, o que de certa forma propõe a função social da propriedade. A A ordem econômica na constituição de 1988. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. utilização da propriedade sem degradação ambiental, abusos ou excessos que venham a prejudicar terceiros é o foco de preocupação da função social. the Pareto principle, preferences and distributive justice. NBER 9622, 2003. Faria: LOUREIRO, F. E. A propriedade como relação jurídica Numa sociedade premida pela insegurança econômica, complexa. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. como a brasileira, em razão dos desacertos sucessivos, de políticas governamentais inadequadas, a linguagem in law and economics? The Yale Law Jornal, v. III: 357-390; dos direitos dos cidadãos cede terreno à argumentação 16 out. 2001. fundamentada em custos e preços e se abre caminho para aplicação da teoria de Posner e Calabresi.44 POSNER, R. Economic analysis of law. 2. ed. Canadá: LIB, 1977. 4. Referências Teoria econômica do direito. São Paulo: BARZEL, Y. Economic analysis of property rights. New York: Makron Books, 1993. Cambridge University Press, 1989. COASE, R. The problem of social cost. The Journal of Law and Economics. v. III, oct. 1960, p. 1-44. 44 . São Paulo: Livraria do Advogado, 1994, p. 85.