RODRIGO PÓVOA BRAULE PINTO LEI DE DIREITOS AUTORAIS Pequenos trechos, grandes problemas Projeto de pesquisa apresentado ao Programa de Pós-Graduação do Cefor como parte das exigências do curso de Especialização Processo Legislativo. Brasília 2009 CENTRO DE FORMAÇÃO, TREINAMENTO E APERFEIÇOAMENTO em 1. IDENTIFICAÇÃO DO PROJETO Título: LEI DE DIREITOS AUTORAIS – Pequenos trechos, grandes problemas Autor: Rodrigo Póvoa Braule Pinto Instituição: Centro de Formação e Treinamento da Câmara dos Deputados Data: março/2009 Orientador: a definir. Resumo: Trata-se da análise da Lei de Direitos Autorais, considerada uma das mais restritivas do mundo, e a sua influência no fomento da criação intelectual. Serão avaliados alguns dispositivos desta Lei, a fim de se entender o quanto sua redação favorece a disseminação do conhecimento, além de poder contribuir para o aperfeiçoamento, pela Câmara dos Deputados, da correta aplicação da Lei. Para tanto, serão resgatados os históricos dos debates que resultaram na alteração de dispositivos, será feita uma análise das convenções internacionais sobre direitos autorais, serão comparadas as mudanças na lei atual e anterior e, por fim, serão avaliadas as alternativas de disponibilização da produção cultural em plena Era da Internet. 2. APRESENTAÇÃO Trabalho no Centro de Documentação e Informação da Câmara dos Deputados há pouco mais de 10 anos. Pela natureza de suas atribuições e competências, as questões relacionadas ao direito autoral, objeto deste estudo, estão sempre presentes no cotidiano das atividades das coordenações que compõem o Centro. A obscuridade de alguns dispositivos da Lei de Direitos Autorais e a interligação destes dispositivos com atividades rotineiras do Centro suscitam dúvidas cujo esclarecimento vai além de uma simples interpretação da lei, como é CENTRO DE FORMAÇÃO, TREINAMENTO E APERFEIÇOAMENTO o caso clássico da falta de definição do que são pequenos trechos. Essa é apenas uma entre as várias demandas por direitos autorais advindas do Cedi, haja vista que sua estrutura é formada por uma Editora, um Arquivo, uma Biblioteca, uma Coordenação de Bens Culturais e uma Coordenação de Estudos Legislativos, além de uma Coordenação de Pesquisa, Relacionamento e Informação, órgãos naturalmente relacionados às nuanças da lei de direitos autorais. Porém é sabido que o problema encontrado no Cedi é comum aos vários setores da Câmara dos Deputados. Prova disso é que, em 2008, foi criado um grupo de trabalho interdisciplinar para levantar os principais problemas relacionados aos direitos autorais na Casa, com o intuito de sugerir a regulamentação de alguns dispositivos da Lei e estabelecer padrões e modelos de cessão de direitos autorais. Esse grupo de trabalho, que integro, terá suas atividades encerradas provavelmente no segundo semestre de 2009. Trabalhando com questões relacionadas aos direitos autorais, mais diretamente desde 2008, tenho consciência de que se trata de um tema amplo e bastante complexo, mas igualmente apaixonante. 3. PROBLEMA A Lei 9610/98 apresenta, em alguns de seus dispositivos, redações pouco claras acerca de sua finalidade, como é o caso da permissão de reprodução de pequenos trechos de obras para uso privado do copista, previsto no inciso II, do art. 46. A Lei não se preocupou em definir o que seriam pequenos trechos e, apesar das interpretações serem as mais variadas possíveis, nenhuma delas remete à possibilidade de se reproduzir uma obra inteira, ainda que esteja esgotada, fora do mercado e sem possibilidade de reimpressão. Nesse sentido, questiona-se o quanto a Lei tem inibido a produção intelectual. Interessante perceber que na lei 5.988/73, anterior à Lei 9.610/98, era prevista a reprodução de obra inteira para uso privado do copista. O Projeto de Lei 249/89, do Senado Federal, que resultou na aprovação da Lei 9.610/98, também previa a cópia integral. Em que momento da discussão esse dispositivo foi alterado, e qual o argumento utilizado, é o que tentaremos descobrir. Outro ponto interessante, nessa análise histórica, será perceber o quanto a internet, ainda incipiente na época, influenciou os debates. CENTRO DE FORMAÇÃO, TREINAMENTO E APERFEIÇOAMENTO Se naquela época a internet ainda era incipiente, agora é uma realidade. A construção do conhecimento colaborativo e a disseminação global da informação, por meio dessa poderosa ferramenta, forçaram a quebra de paradigmas e o estabelecimento de novos modelos de negócios no que diz respeito ao direito do autor. Que modelos são esses, o quanto eles resguardam o autor e favorecem a criação intelectual serão, também, objetos de estudo. 4. OBJETIVOS Objetivo Geral: Fazer uma avaliação da Lei 9.610/98, principalmente no tocante ao dispositivo que trata da permissão para reprodução de pequenos trechos, a fim de verificar o quanto a Lei pode influenciar no aumento ou na retração da criação intelectual. Objetivos específicos: Resgatar o histórico dos debates que resultaram na aprovação da Lei de Direitos Autorais, a fim de entender os motivos que ensejaram a mudança na redação de alguns dispositivos; Indicar alternativas para o compartilhamento da informação e a criação colaborativa na rede mundial de computadores, resguardando o direito do autor. 5. JUSTIFICATIVA A Lei de Direitos Autorais, aprovada em 1998, tem a função precípua de proteger as obras intelectuais. Estas são definidas pela própria Lei como sendo as criações do espírito e expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro. Porém a Lei tem sido alvo de diversas críticas, entre elas a de não contribuir CENTRO DE FORMAÇÃO, TREINAMENTO E APERFEIÇOAMENTO com a disseminação da informação e criação intelectual. Nesse sentido, é fundamental entendermos os argumentos dos parlamentares para alterarem alguns dispositivos que, inicialmente, tinham redação diversa daquela que foi aprovada e avaliarmos novas formas de proteção ao direito do autor, principalmente em se tratando de material disponibilizado na Internet, pois assim poderemos contribuir para o aperfeiçoamento e adequação, pela Câmara dos Deputados, da correta aplicação da Lei de Direitos Autorais na tratativa de suas criações intelectuais, e naquelas que estão sob sua responsabilidade, possibilitando o acesso à informação, fomentando a cultura e promovendo, em última análise, a cidadania. 6. REVISÃO DA LITERATURA Em uma época em que a ditadura militar e a repressão ainda vigoravam no Brasil e que a sociedade tinha pouca liberdade de se expressar e, quando o fazia, era severamente reprimida pelos órgãos oficiais de censura, nasce uma lei que viria a garantir e regular os direitos do autor, a Lei 5.988/73. Vinte e cinco anos depois, em plena democracia, uma nova lei que altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais, é aprovada. Tudo perfeito, exceto por um detalhe: a lei aprovada em plena ditadura permite a cópia integral de obras para uso privado do copista, favorecendo bem mais a criação intelectual e o compartilhamento do conhecimento, especificamente neste ponto, do que a lei aprovada no regime democrático. Esse favorecimento à criação intelectual e ao compartilhamento do conhecimento, cerceado por essa nova lei, será o objeto deste estudo. Ainda que esteja devidamente expressa na Lei de Direitos Autorais-LDA a permissão de reproduzir apenas pequenos trechos de obras sem caracterizar violação dos direitos autorais, há uma pequena corrente de estudiosos que defende ser possivelmente legal a reprodução integral de obras, para uso privado do copista, desde que sem intuito de lucro. Os professores Allan Souza e João Souza (2007), entendem que uma interpretação do art. 184 do Código Penal não criminaliza a exceção instituída no art. 46 da LDA, que trata dos pequenos trechos. O autor parte da lógica que o art. 46 da LDA já é, por natureza, uma exceção, e que o Código Penal refere-se à exceção daquilo que é tratado no art. CENTRO DE FORMAÇÃO, TREINAMENTO E APERFEIÇOAMENTO 46, entendo-se como tal, a cópia integral das obras. Porém esse entendimento não é compartilhado pela ampla maioria dos estudiosos do tema. Menezes (2007) alerta para o fato de que o Inciso II, art. 46, da LDA, remete aos primórdios da evolução do Direito do Autor, em uma época em que as cópias ainda eram manuscritas, porém, ainda que a redação desse inciso tenha um caráter retrógrado, a autora sentencia: Assim, dentre outras práticas de pirataria, as reproduções xerográficas de livros inteiros destacam-se como a maior forma de desrespeito a esse inciso. Isso porque a lei permite apenas cópias de pequenos trechos, o que não autoriza os leitores a simplesmente ignorarem os direitos morais do autor e os direitos patrimoniais da editora, passando a reproduzir o inteiro teor de suas publicações (MENEZES, 2007, p.100). Em busca de uma solução legal para a questão, a Associação Brasileira da Propriedade Intelectual, por meio de sua Comissão de Estudos de Direito Autoral, aprovou a Resolução 67/2005, sugerindo uma proposta de alteração do art. 46 da LDA, que consiste basicamente em permitir a reprodução parcial ou integral da obra intelectual desde que atenda a dois dos seguintes princípios: 1) tenha como objetivo educação, pesquisa, ensino, entre outros expressamente relacionados na resolução; 2) não tenha finalidade comercial; 3) não acarrete prejuízo à exploração normal da obra. Esse tipo de sugestão parece caminhar ao encontro de uma necessidade premente que é fazer da LDA um mecanismo facilitador da criação intelectual e do compartilhamento do conhecimento. Reza a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu art. XXVII: “Toda pessoa tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar no progresso científico e nos benefícios que deste resultam”, reza ainda, em seu art. XXVI: “Toda pessoa tem direito à instrução...”. A Lei de Direitos Autorais, quando autoriza a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por esse, sem intuito de lucro, não parece favorecer o compartilhamento do conhecimento. Primeiro porque ninguém sabe ao certo o que seriam os pequenos trechos, cabendo ao bom senso decidir, e segundo que a reprodução deve ser feita pelo próprio copista, o que significa dizer, a grosso modo, que o copista deve reproduzir o documento de próprio punho ou ser um operador de Xerox para que efetue sua própria reprodução, pois, do contrário, estará violando a LDA. CENTRO DE FORMAÇÃO, TREINAMENTO E APERFEIÇOAMENTO Branco (2007) alerta sobre a necessidade de se encontrar um equilíbrio entre os interesses que devem ser tutelados pela LDA. De um lado, o autor da obra que deve ser remunerado por sua criação e, do outro lado, a sociedade que busca, nas limitações do direito do autor, a autorização legal para o uso das obras de terceiros. Mas critica veementemente a negativa de obtenção de cópia integral. Alerta para os casos em que a proibição de cópia integral prejudica o acesso ao conhecimento e à formação educacional do indivíduo, exemplificando hipoteticamente uma obra rara e fora de circulação disponível apenas na cidade vizinha, cuja impossibilidade de copiá-la inviabiliza o acesso ao conhecimento guarnecido nessa obra. Considera ainda inadequada a falta de critérios na proibição de cópias integrais, relatando: Na verdade, a LDA não faz qualquer distinção quanto ao uso que se dará à cópia da obra. Veda-se igualmente a cópia integral para fins didáticos, para fins de arquivo, para uso em instituições sem fins econômicos, para uso doméstico e até mesmo de obras que estejam fora de circulação comercial, o que é dar tratamento absolutamente inadequado a esses casos particulares (BRANCO, 2007, p.120-141) Além de não favorecer o compartilhamento da produção intelectual, em plena era da Internet, a Lei de Direitos Autorais, em seu art. 107, aplica sanções para quem alterar ou inutilizar, de qualquer maneira, dispositivos técnicos introduzidos nas produções protegidas para evitar ou restringir sua cópia. Tratase do controverso DRM, que é um dispositivo de gerenciamento de direitos autorais digitais. Josgrilberg (2006) tece um comentário provocativo sobre esse excesso de rigidez no controle das cópias, inclusive digitais, imposto pela Lei de Direitos Autorais: Por mais que se gaste com ações e sistemas digitais de proteção, a sociedade, em filigrana, continua a escapar pelas lanHouses, escritórios, quartos de adolescentes, laboratórios de universidades, telecentros, entre outros espaços de recriação da vida. É de se pensar se a situação dos direitos autorais nos dias de hoje não lembra a descrição do aparato disciplinador apresentado pelo filósofo Michel Foucault em “Vigiar e Punir”. Ao que parece, a força disciplinadora do poder, das leis, ficou artificial demais para a vitalidade do corpo da sociedade atual. Ou o aparato se adapta à nova realidade ou mata o corpo e, nesse caso, o poder perde a sua razão de ser (JOSGRILBERG, in sete pontos, ano 4, 36, julho 2006). CENTRO DE FORMAÇÃO, TREINAMENTO E APERFEIÇOAMENTO Sendo a internet uma realidade amplamente difundida no mundo inteiro, é fundamental analisarmos as novas formas colaborativas de produção, disseminação e uso da informação, sem perder o foco do direito autoral. Surge nesse cenário o copyleft que é uma relação contratual originária da legislação do copyright e que, em linhas gerais, autoriza a derivação de trabalhos e concede autorização para trabalhos derivados, e o Creative commons que, apesar de parecer à primeira vista uma flexibilização desvinculada do direito do autor, se baseia integralmente na legislação vigente de direitos autorais, possuindo várias modalidades de licenciamento, desde as mais restritas até as mais amplas, e oferecendo várias soluções a fim de que o autor possa escolher a que melhor lhe atenda, seja para uso comercial, seja para ampla divulgação, seja para uma construção colaborativa. Lima (2008) discorre sobre a facilidade que as tecnologias digitais imprimiram para a produção e disseminação de conteúdos, e dá o enfoque na produção colaborativa afirmando que: As formas colaborativas de produção, disseminação e uso da informação, particularmente aquelas que usam a internet, requerem novos enfoques da propriedade intelectual e do direito autoral. A produção colaborativa pode se construir sob a “licença de uso” para usar e recriar livremente produções anteriores, sem autorização prévia específica. Fundam-se assim novos modos de produção e comunicação colaborativos, que rompem com as formas capitalistas de organização da produção (LIMA, 2008, p. 121-128). Enfim, espera-se que essa visão histórica e global dos direitos autorais, bem como o estudo das alternativas viáveis e legais para flexibilização e simplificação desses direitos, permitam o favorecimento e ampliação do debate e propiciem a indicação de soluções para fomentar a criação intelectual e o compartilhamento do conhecimento. 7. METODOLOGIA A realização da investigação se concretizará da seguinte forma: - Revisão bibliográfica, incluindo artigos e entrevistas relacionados ao tema CENTRO DE FORMAÇÃO, TREINAMENTO E APERFEIÇOAMENTO direito autoral; - Busca na internet de novos modelos de negócio e flexibilização dos direitos autorais; - Pesquisa histórica, no arquivo da Câmara dos Deputados, para avaliar o teor dos debates em plenário; 8. CRONOGRAMA Atividade Levantamento da bibliografia Buscar novos modelos de negócio (Internet) Leitura da bibliografia selecionada Elaboração da monografia Revisão final do texto Defesa da monografia 03/09 04/09 05/09 06/09 07/09 08/09 09/09 10/09 9. BIBLIOGRAFIA JOSGRILBERG, F. B. Direito autoral, socialização do conhecimento e direitos humanos. humanos In sete pontos, ano 4, 36, julho de 2006. BRANCO, S. A lei autoral brasileira como elemento de restrição à eficácia do direito humano à educação. Sur, Rev. Int. direitos human. [online]. 2007, v.4, n.6, p.120-141. ISSN 1806-6445 LIMA, Clóvis Montenegro de; SANTINI, Rose Marie. Copyleft e licenças criativas de uso de informação na sociedade da informação. Revista Ciência da Informação, Informação Brasília: IBICT, v. 37, n. 1, p. 121-128, jan./abr.2008. http://www.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm, acesso em 15 de março de 2009. CENTRO DE FORMAÇÃO, TREINAMENTO E APERFEIÇOAMENTO BRASIL. Lei Federal nº 9.610/98 – Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. BRASIL. Lei Federal nº 5.988/73 – Regula os direitos autorais e dá outras providências. Souza, Allan; Souza, João. Os direitos autorais, a cópia privada e a interpretação dos limites da proteção jurídica no Brasil, Anais Conpedi. Conpedi 2007, p. 2333 a 2347. ISBN 978-85-7840-007-1 MENEZES, Elisângela. Curso de Direito Autoral, Belo Horizonte: Del Rey, 2007. http://www.abpi.org.br/resolucoes/resolucao67.htm, acesso em 18 de março de 2009. MACEDO, Leonardo. Direito Autoral: Parte Geral, Geral Belo Horizonte: Del Rey, 2008. ASSUNÇÃO, José. Direito Autoral, Autoral 2ª Ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. GONDELMAN, Henrique. De Gutemberg à internet: direitos autorais na era digital, digital 4ª Ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Record, 2001. CARBONI, Guilherme. Direito de autor na multimídia, multimídia São Paulo: Quartier Latin, 2003. Oliveira, Jaury; Wellington, João. Anotações à Lei de Direito Autoral Lei 9610/98, 9610/98 organização e notas, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. LEMOS, Ronaldo. Direito, Tecnologia e Cultura, Cultura Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2005. CENTRO DE FORMAÇÃO, TREINAMENTO E APERFEIÇOAMENTO