PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação em Direito
A NATUREZA DO AFETO NAS RELAÇÕES PATERNO-FILIAIS
FRENTE À RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL
Marina Alice de Souza Santos
Belo Horizonte
2011
Marina Alice de Souza Santos
A NATUREZA DO AFETO NAS RELAÇÕES PATERNO-FILIAIS
FRENTE À RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL
Dissertação apresentada ao programa de PósGraduação em Direito da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais, como requisito parcial
para obtenção de título de Mestre em Direito
Privado.
Orientador: Dr. Walsir Edson Rodrigues Júnior
Belo Horizonte
2011
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
S237n
Santos, Marina Alice de Souza
A natureza do afeto nas relações paterno-filiais frente à responsabilização civil
/ Marina Alice de Souza Santos, 2011.
122f.
Orientador: Walsir Edson Rodrigues Júnior
Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Direito
1. Direito de família. 2. Afeto. 3. Responsabilidade civil. 4. Pais e filhos. I.
Rodrigues Júnior, Walsir Edson. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título.
CDU: 347.6
Marina Alice de Souza Santos
A natureza do afeto nas relações paterno-filiais frente à responsabilização civil
Dissertação apresentada ao programa de PósGraduação em Direito da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais, como requisito parcial
para obtenção de título de Mestre em Direito
Privado.
_________________________________________________________
Dr. Walsir Edson Rodrigues Júnior (Orientador) – PUC Minas
_______________________________________________________
Dra. Zamira de Assis – PUC Minas
_______________________________________________________
Dr. Elcio Nacur Rezende – Escola Superior Dom Helder Câmara
Belo Horizonte, 16 de junho de 2011.
Dedico este trabalho ao vovô Sebastião que sem querer e sem saber me ensinou o valor do
afeto na relação familiar.
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiro a Deus.
Agradeço à minha família pelo apoio; em especial, agradeço ao orientador Professor Walsir
Edson Rodrigues Júnior pelo exemplo como profissional, pela troca de conhecimentos e,
principalmente, pela atenção sempre que solicitada; e também a todos os demais professores
do programa.
Em agradecimento mais que especial, alguns nomes merecem ser citados pelo que
vivenciamos juntas nesta jornada: Renatinha, Gabi, Rosane, Sandra, Iara e Juliana.
Por fim, agradeço a todos que de alguma forma me ajudaram e aos que torceram pela
conclusão desta fase.
Muito Obrigada.
“Você não tem ideia do peso da carga que não carrega.”
(Da África - Autor desconhecido)
RESUMO
O presente estudo tem por objetivo precípuo analisar a natureza do afeto nas relações
familiares e seus reflexos na responsabilidade civil. Dessa forma, este trabalho destina-se,
especialmente, a discutir a responsabilização civil pelo abandono afetivo paterno/maternofilial, isto é, a desmistificar o abandono afetivo como algo indenizável. Para tanto, o estudo
dedicou-se primeiramente à família e seus caracteres atuais, sempre na busca de proporcionar
um ambiente propício ao desenvolvimento de cada membro em sua individualidade. Pois é
justamente sobre este “novo” modelo familiar que a doutrina e os tribunais passaram a travar
uma discussão acirrada sobre a possibilidade ou não de reparação civil por dano moral
causado pela falta de afeto. Posteriormente, constatou-se não haver uma concordância entre os
estudiosos do Direito quanto à natureza do afeto nas relações familiares, em especial à relação
paterno-filial, e se este pode ser juridicamente imposto a alguém. Entendendo-se ser este
apenas um sentimento, algo desprovido de qualquer natureza jurídica, principalmente
normativa, a natureza do afeto se configura no âmbito filosófico, psicológico ou sociológico,
mas nem por isso nega-se sua importância nas relações familiares e no Direito de Família.
Assim sendo, como sentimento que é, pressupõe-se advindo da espontaneidade, e, por
conseqüência, não é passível de imposição nem mesmo judicial. Em seguida, tratou-se do
abandono afetivo apresentando seu conceito, as correntes que o defendem como conduta
passível de indenização por danos morais, bem como as decisões favoráveis e seus
fundamentos. Ao final, houve o enfrentamento do problema proposto, em que se concluiu a
impossibilidade de responsabilização dos pais em caso de abandono afetivo, tendo em vista o
não preenchimento dos requisitos exigidos para imputação da responsabilidade civil (conduta
culposa, dano e nexo causal). No entanto a mediação pode ser uma alternativa eficaz para a
resolução de conflitos de natureza afetiva nas relações familiares, em especial, nas paternofiliais.
Palavras-chave: Família. Afeto. Natureza jurídica. Abandono afetivo. Responsabilidade civil.
Mediação.
ABSTRACT
This study aims to analyze the affect on family relationships and its effects on civil liability,
which is aimed at discussing the civil liability for paternal / maternal-filial emotional distance;
or rather, to demystify the emotional distance as something indemnified. Thus, the study was
primarily devoted to family and its current character, providing an environment for
development of each member. It is precisely on this "new" family model that doctrine and the
courts began to wage a heated discussion whether forfeit or not for damage caused by lack of
affection. Subsequently, It was found that there was no agreement among scholars of law as to
the nature of the affect on family relationships, particularly parent-child relationship, and
whether it can legally be imposed on someone. It has being understood that It is just a feeling,
something devoid of any legal nature, especially regulations, the nature of affection sets on
the philosophical, psychological or sociological range; but even so it is denied its importance
in family relations and family law. Therefore, as a feeling, originated from the spontaneity,
and therefore is not subject to judicial enforcement even. After the topic was the emotional
distance presenting their concept, the chains argue that such conduct subject to punitive
damages, as well as a favorable decision and its grounds. At the end, there was the
confrontation of the posed problem in what remains the inability to complete accountability of
parents in case of emotional distance in order to not meeting the requirements for allocation of
liability (guilty illegal action, injury and causal link). However, the mediation can be an
effective alternative for settling conflicts of the affective nature on family relationships,
especially paternal/filial.
Keywords: Family. Affect. Juridical nature. Emotional distance. Civil liability. Mediation.
LISTA DE ABREVIATURA
a. – ano
AC – Apelação Civil
AI – Agravo de instrumento
Art. – Artigo
Coord. – Coordenação
C. Cív. – Câmara Cível
C. D. Priv. – Câmara de Direito Privado
Des. – Desembargador
EResp.- Embargos no Recurso Especial
Ed. – Edição
Jul. – Julgamento
n. – número
Rel. – Relator
Resp. – Recurso especial
v. – Volume
v.u. – votação unânime
LISTA DE SIGLAS
CC/02 – Código Civil de 2002
CCJ – Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania
CDH – Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa
CF/88 – Constituição Federal de 1988
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família
PLS – Projeto de Lei do Senado
STF – Supremo Tribunal Federal
STJ – Superior Tribunal de Justiça
TAMG – Tribunal de Alçada de Minas Gerais
TJMG – Tribunal de Justiça de Minas Gerais
TJPR – Tribunal de Justiça do Paraná
TJRJ – Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
TJRS – Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
TJSP – Tribunal de Justiça de São Paulo
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................12
2 DA FAMÍLIA.......................................................................................................................15
2.1 Breve relato sobre a evolução da Família: da autoridade paterna à busca do pleno
desenvolvimento da personalidade de cada membro...........................................................15
2.1.1 Princípio da dignidade da pessoa humana....................................................................24
2.1.2 Princípio da solidariedade familiar................................................................................25
2.1.3 Princípio da igualdade....................................................................................................26
2.1.4 Princípio da pluralidade.................................................................................................27
2.1.5 Princípio da afetividade (?)............................................................................................29
2.1.6 Princípio da paternidade responsável............................................................................31
2.1.7 Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente...........................................31
2.1.8 Princípio da liberdade ou da não-intervenção...............................................................32
3 AFETIVIDADE: PRINCÍPIO?..........................................................................................34
3.1 Considerações iniciais.......................................................................................................34
3.2 Regras, princípios e valores: distinções necessárias......................................................34
3.3 O Afeto no entendimento da doutrina atual e frente à teoria dos
princípios.................................................................................................................................42
3.3.1 Panorama do “princípio da afetividade” na doutrina brasileira..................................42
3.3.2 Mas o que é o afeto?.......................................................................................................45
4 DA RESPONSABILIDADE CIVIL .................................................................................54
4.1 Considerações iniciais .....................................................................................................52
4.2 Breve histórico da responsabilização civil......................................................................53
4.3 Conceito de responsabilidade civil..................................................................................55
4.4 Das espécies de responsabilidade civil............................................................................56
4.4.1 Responsabilidade contratual e extracontratual.............................................................57
4.4.2 Responsabilidade subjetiva e responsabilidade objetiva...............................................58
4.5 Pressupostos da responsabilidade civil...........................................................................59
4.5.1 Da conduta humana, positiva ou negativa, culposa (ato ilícito)...................................60
4.5.2 Da existência de dano.....................................................................................................63
4.5.2.1 Do dano patrimonial ou material..............................................................................63
4.5.2.2 Do dano extrapatrimonial ou moral ........................................................................64
4.5.2.2.1 Dano moral coletivo..................................................................................................68
4.6 Nexo causal .......................................................................................................................69
4.7 Causas que excluem a responsabilidade civil.................................................................71
4.8 Responsabilidade civil nas relações familiares...............................................................71
5 A FALTA DO AFETO NAS RELAÇÕES FAMILIARES FRENTE A
RESPONSABILIDADE CIVIL.............................................................................................73
5.1 Responsabilidade civil na ruptura de noivado e das relações maritais.......................73
5.2 Responsabilidade civil nas relações paterno-filiais: o “tal” abandono afetivo............82
5.2.1 Os julgados condescendentes com a responsabilização parental por abandono
afetivo.......................................................................................................................................85
5.3 Desfazendo o “mito” da responsabilização civil por abandono afetivo.......................90
5.3.1 Análise dos requisitos da responsabilidade civil e sua aplicabilidade nos casos de
abandono afetivo......................................................................................................................92
5.3.1.1 Ato ilícito culposo........................................................................................................93
5.3.1.2 Dano.............................................................................................................................97
5.3.1.3 Nexo de causalidade entre o abandono e o dano....................................................100
5.4 Projeto de Lei do Senado PLS nº 700/2007...................................................................102
5.5 A mediação como possível solução para as demandas referentes a falta de afeto nas
relações parentais..................................................................................................................103
6 CONCLUSÃO....................................................................................................................108
REFERÊNCIAS....................................................................................................................111
12
1 INTRODUÇÃO
As alterações paradigmáticas na esfera jurídica brasileira dos últimos anos,
principalmente no direito privado, trouxeram a lume novos (ou antigos) institutos, bem como
interpretações afetas a diversos institutos trabalhados no meio jurídico. Dentre estas velhasnovidades, sobressaem o afeto e a responsabilidade civil nas relações familiares.
Na atualidade, as mutações da família como organismo social influenciam mudanças
também no ordenamento jurídico no que visa à sua proteção, conforme ensina os professores
Walsir Edson Rodrigues Júnior e Renata Barbosa de Almeida
a compreensão da família contemporânea perpassa pelo reconhecimento de uma
nova função primordial, qual seja servir de recurso para estruturação pessoal, para a
livre e plena formação da personalidade de seus componentes. Ganha realce, nesses
termos, a proteção dos familiares (2010, p. 69).
E “uma das grandes mutações trazidas foi o afeto, fator preponderante na conformação
das entidades familiares” (VIANNA, p. 454, 2008). Como novidade no meio jurídico, o afeto
é tratado como algo intrínseco às relações familiares, ou como prefere Rolf Madaleno (2009,
p. 65), “o afeto é a mola propulsora dos laços familiares e das relações interpessoais movidas
pelo sentimento e pelo amor, para o fim e ao cabo dar sentido e dignidade à existência
humana”. Daí nascem questionamentos quanto à natureza do afeto: seria esta jurídica, seja
como princípio ou como valor, ou não?
Não há uma concordância entre os estudiosos do Direito, especificamente do Direito
das Famílias, quanto à natureza do afeto nas relações familiares, apesar de ser majoritária a
corrente que sustenta seu status de princípio jurídico.
Guilherme Calmon Nogueira da Gama (2008, p. 82), seguindo o mesmo raciocínio de
Paulo Lôbo (2009), conceitua o princípio da afetividade como “aquele que insere no Direito
de Família a noção de estabilidade das relações socioafetivas e de comunhão de vida, com
primazia do elemento anímico sobre aspectos de ordem patrimonial ou biológica”.
Os defensores da afetividade como princípio jurídico ainda o enquadram como
princípio constitucional implícito aplicável especificamente ao Direito das Famílias, que pode
13
ser extraído por meio da interpretação dos arts. 226, §§ 3º e 6º, art. 227, caput e §1º todos da
Constituição Federal1, conforme expõe Gama (2008b).
Os que argumentam contrariamente à natureza jurídica do afeto, principalmente como
princípio jurídico, dissertam que princípio é norma, e como norma pode e deve ser imposto,
sendo, portanto, passível de cobrança juridicamente. Do mesmo modo, poder-se-ia tratar o
afeto como algo juridicamente imposto a alguém?
Ao mesmo nível em que o afeto passou a ter importância na configuração de entidades
familiares, passou-se a discutir as suas implicações na responsabilidade civil frente as
consequências da falta de afeto no âmbito familiar. No entanto, para se chegar a uma resposta
plausível e juridicamente fundamentada, não bastaria analisar a responsabilidade civil e seus
pressupostos isoladamente; necessário seria, em primeiro lugar, apontar a natureza do afeto.
Para ilustrar, o Superior Tribunal de Justiça, no ano de 2005, ao apreciar Recurso
Especial2 versando sobre indenização por abandono afetivo paterno-filial, entendeu como o
juízo de 1ª instância, reformando o acórdão do Tribunal de Alçada do Estado de Minas
Gerais, ou seja, negou a possibilidade de reparação pecuniária por abandono afetivo do pai
para com o filho. Tal decisão apresentou-se totalmente na contramão do que defende a
doutrina majoritária, o que levou a grandes discussões no meio jurídico.
Deste modo, pelo exposto, o referido estudo visa tentar auxiliar o entendimento do que
venha ser o afeto nas relações familiares e suas implicações jurídicas, se é que estas são
possíveis, visto depender a conclusão quanto a sua natureza. É a partir daí que se poderá então
1
Art. 226 [...] §3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher
como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.[...]
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio [...]
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
§ 1º - O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitida a
participação de entidades não governamentais e obedecendo os seguintes preceitos:
I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil;
II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física,
sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o
treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a
eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos.
2
EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. ABANDONO MORAL. REPARAÇÃO. DANOS MORAIS.
IMPOSSIBILIDADE. 1. A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à
aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação
pecuniária. 2. Recurso especial conhecido e provido. (BRASIL, STJ, 4ª Turma. Resp. nº 757.411 - MG
(2005/0085464-3) Rel. Ministro Fernando Gonçalves. Julg.: 29.11.2005).
14
analisar suas consequências frente à responsabilidade civil, principalmente no que tange à
reparação por dano moral pelo que chamam de “abandono afetivo”.
15
2 DA FAMÍLIA
2.1 Breve relato sobre a evolução da Família: da autoridade paterna à busca do pleno
desenvolvimento da personalidade de cada membro
Inegável é a importância da família na formação de qualquer sociedade e seus
cidadãos. Tanto é que doutrinadores como Caio Mário da Silva Pereira (2005) e Carlos
Roberto Gonçalves (2009, p. 1) mencionam “que a família é uma realidade sociológica e
constitui a base do Estado, o núcleo fundamental em que repousa toda a organização social”.
E corroborando essa afirmação, Guilherme Calmon Nogueira da Gama (2008b, p. 5) ainda
acrescenta, “reconhecida como a célula mater da sociedade, a família é objeto de preocupação
mundial, posto que fundamental para a própria sobrevivência da espécie humana, bem como a
organização e a manutenção da sociedade e, consequentemente, do Estado”.
Além de serem relevantes, são notórias as diversas transformações pelas quais passou
(e ainda passa) o organismo familiar, especialmente no final do século XX e início do atual.
Mudanças significativas de paradigmas não somente jurídicos, mas sociais e culturais, fizeram
da família, em especial, a brasileira da atualidade uma verdadeira “metamorfose ambulante”.
Assim, traçando uma evolução histórica da família brasileira, verifica-se que não é
possível deixar de observar nas antigas civilizações a influência que por muito perdurou na
organização familiar, seja por meio da família romana, seja pelo catolicismo, ou pelo direito
germânico. Iniciemos pela Roma Antiga.
A família antiga como associação religiosa inicia-se em Roma e é descrita como uma
comunidade de culto aos mortos. Adoravam os antepassados de forma a lhes conceder
proteção, campos férteis e prosperidade. Conforme nos ensina Numa Denis Fustel de
Coulanges (2006, p. 56), em Roma e Grécia, “a religião foi o princípio constitutivo da família
antiga”, sendo esta religião uma religião doméstica em volta do “fogo sagrado”
3
que cada
família possuía em sua casa.
3
“A antiga língua grega tinha uma palavra muito significativa para designar a família; dizia-se ser epístion,
palavra que significa literalmente aquilo que está perto do fogo. Uma família era um grupo de pessoas à quais a
religião permitia invocar os mesmos manes, e oferecer o banquete fúnebre aos mesmos antepassados”. (FUSTEL
DE COULANGES, 2006, p.59)
16
A organização familiar se fundava na autoridade exercida pelo pater, “que ao mesmo
tempo era chefe político, sacerdote e juiz” (PEREIRA, 2005, p. 26); que submetia ao seu
comando todos os que integravam a família (mulher e filhos, além dos escravos)4.
Nem o afeto, nem o parentesco eram o fundamento da família romana, [...] tal
fundamento devia residir no poder do pai ou do marido. Fazem desse poder uma
espécie de instituição primordial, mas não explicam como se formou, a não ser pela
superioridade de força do marido sobre a mulher, ou o pai sobre os filhos. [...] a
autoridade paterna ou marital, longe de ter sido causa primeira, foi também efeito:
originou-se da religião, e foi por ela estabelecida. [...] Sem dúvidas não foi a religião
que criou a família, mas foi certamente a religião que lhe deu regras. (FUSTEL DE
COULANGES, 2006, p.57-59)
O casamento era considerado o assento da família, e, por ser uma cerimônia religiosa
sagrada, muitas vezes nos escritos latinos e gregos tinha a mesma designação que ato
religioso.5 Por esta cerimônia, a mulher afastava-se de sua religião doméstica original para
integrar-se à do seu marido, abandonando, assim, o culto aos antepassados de sua família para
passar a adorar os antepassados de sua nova família, mais especificamente de seu marido.
Esse abandono se dava em função da inadmissibilidade de se pertencer a mais de uma religião
doméstica, sendo que a mulher perdia totalmente o vínculo estabelecido com seus familiares
de origem e passava a se ligar unicamente à família do seu esposo até a morte – já que o
casamento, nesse tempo, apresentava-se quase absolutamente indissolúvel, com raras
exceções. Também não se admitia a poligamia.
Havia nessa cultura religiosa a crença de que o homem, após sua morte, tornava-se
uma divindade e um ser feliz, mas que para isso era preciso que os vivos lhe oferecessem
banquetes fúnebres, sob pena do morto se tornar um demônio. Por isso, a regra era que cada
família deveria perpetuar-se, sempre existindo alguém da descendência do morto para cultuálo e, dessa forma, não extinguir a religião doméstica. Diante disso, um dos objetivos da
família era a procriação, ou seja, a geração de um terceiro passível de continuar o culto
familiar. “Mas não bastava gerar filhos. O filho que devia perpetuar a religião doméstica
4
Conforme diz Friedrich Engels (1980, p. 61), “em sua origem, a palavra família não significava o ideal –
mistura de sentimentalismo e dissensões domomésticas – não se aplicava sequer ao par dos cônjuges e aos seus
filhos, mas somente aos escravos. Famulus quer dizer escravo doméstico e família é o conjunto dos escravos
pertencentes a um mesmo homem. Nos tempos de Caio, a família “id est patrimonium” (isto é, herança) era
transmitida por testamento. A expressão foi inventada pelos romanos para designar um novo organismo social
cujo chefe mantinha sob seu poder a mulher, os filhos e um certo número de escravos, com o pátrio poder
romano e o direito de vida e morte sobre todos eles [...]”.
5
“Pólux, que viveu no tempo de Antoninos, mas que podia manusear toda uma literatura que não possuímos
mais, diz que nos tempos remotos, em lugar de designar o casamento por seu nome particular (gámos),
designavam-nos simplesmente pela palavra télos, que significa cerimônia sagrada, como se o casamento fosse,
nesses tempos antigos, a cerimônia sagrada por excelência. (FUSTEL DE COULANGES, 2006, p.61-62)
17
devia ser fruto de casamento religioso. O bastardo [...] não podia desempenhar o papel que a
religião confiava ao filho” (FUSTEL DE COULANGES, 2006, p.72-73).
O casamento, portanto, era obrigatório. Não tinha por finalidade o prazer; seu
objetivo principal não estava na união de duas criaturas que se convinham, e que
desejavam unir-se para a felicidade ou sofrimentos da vida. O efeito do casamento,
aos olhos da religião e das leis, era, unindo de dois seres no mesmo culto doméstico,
dar origem a um terceiro, apto a perpetuar esse culto. (FUSTEL DE COULANGES,
2006, p.73).
Com a realização do matrimônio, certo era que a família não podia ser interrompida,
tendo a mulher o papel primordial de promover a descendência. A incapacidade reprodutiva
da mulher tornava-a inútil e permitia ao homem requerer a anulação do casamento ou o
divórcio. Porém, se a esterilidade fosse do homem, “um irmão ou parente do marido deveria
substituí-lo, e a mulher era impedida de divorciar” (FUSTEL DE COULANGES, 2006, p.74).
Portanto, o filho daí advindo era considerado do marido para continuidade de perpetuação ao
culto doméstico. Ainda, se a mulher tornasse viúva, sem filhos, deveria se casar com o parente
mais próximo do marido, sendo o filho desse novo matrimônio considerado pertencente ao
defunto.
“A religião dizia que a família não podia extinguir-se” (FUSTEL DE COULANGES,
2006, p.74), e por causa disso o celibato também era condenado por colocar em risco a
continuidade do culto.
Por esta forma, o dever de perpetuar o culto doméstico trouxe a adoção como uma
alternativa para aqueles que não podiam ter filhos, ou que não tinham algum filho varão6,
sendo que o adotado era excluído da sua família originária para, só então, agregar-se à nova
família e à religião doméstica que lhe era própria7. Tudo isso também precedido de uma
cerimônia religiosa.
Vale mencionar que o pater exercia sobre os filhos e todos sob sua guarda o poder de
vida e de morte.
6
Pois as filhas já nasciam com a predestinação ao casamento, com o consequente desmembramento de sua
família original, para cultuar os mortos da família de seu marido. Somente os filhos homens garantiam a
perpetuação do culto de uma família. “ O nascimento de uma filha não satisfazia o objetivo do casamento. Com
efeito, a filha não podia continuar o culto, porque, no dia em que se casasse renunciaria à família e ao culto do
pai, e passava a pertencer à família e religião do marido. A família, como o culto, não continuava senão pelos
varões [...]” (FUSTEL DE COULANGES, 2006, p. 75).
7
“O homem se tornava tal completamente estranho à antiga família que, se morresse seu pai natural não tinha
direito de encarregar dos funerais ou de conduzir o enterro. O filho antigo não podia mais voltar à antiga família;
quando muito, a lei permitia-lhe que, tendo um filho, o deixasse em seu lugar na família que o adotara.
Considerava-se que assim a continuidade dessa família estava assegurada, ele podia sair. Mas, nesses caso,tinha
de romper todos os laços que o ligavam a seu filho” (FUSTEL DE COULANGES, 2006, p. 79).
18
Em síntese, é possível dizer que, para os romanos na cidade antiga, a família era
uma comunidade instituída pelo casamento: solenidade religiosa, pela qual unidos
homem e mulher, obtinha-se a descendência tão necessária à preservação do culto.
Em consequência, a situação feminina resumia-se à função reprodutiva e os filhos
restringiam-se a recurso para a continuidade da religião. Ao revés, na figura
masculina concentrava-se toda a autoridade do grupo. Afinal, o homem garantia o
culto. A propriedade privada, por fim, representava o instituto responsável pela
delimitação do espaço de cada uma das religiões domésticas, as quais, por sua vez,
circunscreviam toda a formação social (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2010,
p. 6).
Somente a partir do Século IV, com o Imperador Constantino, o cristianismo se coloca
então como legitimador da constituição da família, sobrepondo-se à religião doméstica. “O
cristianismo condenou as uniões livres e instituiu o casamento como sacramento, pondo um
relevo a comunhão espiritual entre os nubentes, cercando-a de solenidade perante a autoridade
religiosa” (VENOSA, 2006, p.5).
De acordo com o cristianismo, no casamento era necessário a affectio entre os
nubentes, portanto o vínculo é indissolúvel, pois sendo um sacramento uma bênção de Deus,
não poderiam os homens desconstituí-lo. Então, a continuidade da família não visa mais à
concretização do culto religioso, mas a ordem moral passa a predominar, sobrepondo o direito
da cidade ao doméstico, o que de certa forma tolheu em partes a autoridade do pater familias
(PEREIRA, 2005, p. 27).
Por volta do Século VI, em uma evolução pós-romana, o direito germânico passou,
também, a influenciar na organização familiar, baseando-se, ainda, na doutrina cristã, regida
pelo direito canônico8, e com isso restringiu o grupo aos pais e filhos. Pode-se concluir então
que a família, em especial a brasileira, sofreu influência romana, canônica e germânica9.
8
Sendo o casamento religioso o único conhecido.
Conforme nos ensina John Gillisen (2001), o casamento na concepção romana do baixo império era um ato
essencialmente privado e contratual, além do caráter monogâmico. Tinha ainda a característica de ser sine
manus, ou seja, a mulher continuava a pertencer juridicamente a sua família, mas passava a viver com seu
marido, a quem era entregue em uma cerimônia. O divórcio era possível por comum acordo dos nubentes ou por
repúdio unilateral do marido ou da esposa, bastando a manifesta vontade de divorciar. A concepção germânica
de casamento, de caráter também monogâmico, poderia acontecer de três formas diferentes: por consentimento,
por rapto ou por compra. Nesta última, a mulher era vendida pelo seu pai ao seu marido, e esta venda era
realizada em dois atos. Primeiro, verificava-se os esponsais, ou seja, o acordo entre os chefes de família
mediante o pagamento de um preço. Não havia a necessidade de consentimento da noiva, talvez do noivo. Os
esponsais geravam os seguintes efeitos jurídicos: se o noivo recusasse a esposa, devia, mesmo assim, pagar o
preço. Segundo, realizava-se a cerimônia, com a entrega da noiva ao marido, acompanhado de festas e rituais
simbólicos, e em seguida, os noivos se recolhiam à cabana conjugal. Quanto ao divórcio, só havia a possibilidade
de repúdio da esposa pelo marido, desde que baseados em motivos legítimos, como adultério, esterilidade, etc. A
mulher repudiada voltava à sua família de origem e poderia se vingar (vingança privada). Mas fosse a mulher
quem abandonara o marido, caberia a ela pena de morte. Na concepção cristã, o casamento teria por base o amor
entre os noivos, e o consentimento deveria advir apenas destes e não de suas famílias. Quanto às formalidades,
9
19
Em um salto histórico necessário (tendo em vista que durante séculos aquele padrão
familiar continuou intacto), nota-se novamente uma mudança de paradigmas, que vêm
influenciar na estrutura da família, principalmente na Europa fervilhada pelas revoluções
burguesas. Essas revoluções levaram às mudanças socioculturais na busca de um Estado
menos intervencionista, mas que garantissem a sua evolução econômica. Com isso, nota-se
que a obtenção de propriedade passa a ser viés da sociedade e a família não fica fora de tal
propósito. Se antes o casamento e os filhos eram para garantir a perpetuidade do culto, agora
são meios de acúmulo patrimonial. Por meio do casamento, ainda estruturado na forma
religiosa e único meio legítimo de constituição de família, deveriam advir os filhos que se
tornaram importante força de trabalho com objetivo de manter o patrimônio da família. Se por
um lado a mulher continuava com a função reprodutiva, de outro os filhos passaram a
representar a mão-de-obra familiar; e em paralelo, o marido como propiciador da aquisição
patrimonial, subjugando os demais, mantendo-se sua superioridade patriarcal como chefe da
família, detentor do agora denominado “pátrio-poder”.
Assim, família como uma instituição matrimonializada, única forma legítima
existente, era hierarquizada: seus membros continuaram submissos ao pater familias. Era,
também, patrimonializada, uma vez que o patrimônio era o baluarte das relações de direito,
configurando-se a família como um núcleo para aquisição e ampliação do patrimônio para
posterior transmissão à sua prole. E estas características permearam a regulamentação do
Direito de Família nos Códigos surgidos nos séculos XIX e XX, como os Códigos Civis
francês e alemão, além do Código Civil Brasileiro de 1916, influenciado pelos anteriores.
Desta forma, podia-se verificar no século passado uma formação familiar estruturada
de forma matrimonial, hierarquizada e patrimonializada. Esta era a família descrita e
legitimada nas legislações portuguesas que vigeram no Brasil e no posterior Código Civil
Brasileiro de 1916.
Fundada no casamento, única forma legítima de constituição familiar, conforme
expressão do Código de 1916, muitas vezes os termos se confundiam: família era sinônimo de
casamento e vice-versa. Também se visava à reprodução, mas, como exposto anteriormente,
os filhos passaram a ser uma fonte de mão-de-obra na busca de acúmulo de riquezas
(patrimônio), estando junto com a mãe, ainda sob a autoridade do patriarca da família. No dia-
primeiro passava-se pela fase dos esponsais, como os germânicos, após havia a dotatio (entrega do dote pelo
noivo à noiva), seguido do benedito (a benção do padre), e finalmente a traditio puellae (entrega da noiva).
Havia, ainda, certos impedimentos para o casamento baseados na bigamia e no incesto; mas o divórcio era
impossível por qualquer motivo, devido a indissolubilidade do casamento trazida na bíblia pelo bordão “o que
Deus uniu, que o homem não separe”.
20
a-dia, a mulher era a responsável pelo cuidado e educação dos filhos e do lar, enquanto seu
marido provia o sustento de todos.
Sendo uma relativamente incapaz, a mulher casada, além de necessitar da outorga
marital para determinados atos da vida civil, nem mesmo sobre os filhos exercia autoridade,
pois o pátrio poder, como o próprio nome sugere, era de exercício exclusivo do pai, a quem
cabia o poder de decisão, somente outorgado à mãe na falta do patriarca (ALMEIDA;
RODRIGUES JÚNIOR, 2010).
Como aos filhos cabia somente se subjugarem aos poderes do pai, em uma família
nascida legítima e exclusivamente pelo matrimônio, as proles nascidas fora desse molde não
tinham reconhecimento jurídico, sendo considerados ilegítimos, sem qualquer proteção
jurídica. Com isso, era-lhes negado até mesmo o reconhecimento da paternidade. Tudo isso
devido a uma visão patrimonialista da família, que se fundava na justificativa de que o
possível reconhecimento geraria um fracionamento patrimonial injustificado quando da
sucessão (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2010).
Mantinha-se a indissolubilidade do casamento, principalmente por ser uma
“importante entidade social” (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2010, p. 11), mas também
pelo seu fundo religioso cristão, devendo esta ser mantida por si mesma, na estrutura, sendo
os interesses da família instituição superiores aos interesses de seus membros analisados na
sua individualidade.
Pouco importava a satisfação pessoal dos sujeitos componentes da entidade. A
harmonia familiar era entendida como a situação em que cada um dos seus membros
cumpria a função que lhe era destinada, colaborando com o alcance dos fins
patrimoniais. Assim era preservada a paz doméstica. (ALMEIDA; RODRIGUES
JÚNIOR, 2010, p. 11).
No entanto, a realidade social brasileira era diferente das imposições legais: crescente
número de agrupamentos familiares advindos de junções paralelas à família matrimonializada,
seja por uniões maritais sem casamento (concubinatos puros e impuros), seja por mulheres
solteiras chefiando o lar sozinhas com os filhos; além dos filhos não serem vistos como força
de trabalho para a aquisição de propriedade, pois com os avanços industriais10, casamento não
era a melhor forma de adquirir riquezas.
Com este avanço da sociedade, o Estado procurou oferecer, com maior efetividade, a
proteção da família e de seus membros, assegurando-lhes assistência e amparo. Como bem
10
Pois a partir dos anos 30 o Brasil inicia um processo de industrialização, se afastando daquela estrutura rural
que privilegiava a formação de famílias com numerosos filhos que ajudassem na lavoura.
21
aduz Silvio Sálvio Venosa (2006, p.5), “a ciência do direito demonstrou nos últimos séculos o
caráter temporal do casamento, que passou a ser regulamentado pelo Estado, que o inseriu nas
codificações a partir do século XIX como baluarte da família”. Os avanços industriais
transformam drasticamente a composição da família que “evolui à medida que a sociedade
muda e cria novas estruturas adaptadas às novas necessidades, decorrentes de novas
realidades sociais, políticas e econômicas. O Direito deve acompanhar as mudanças que sofre
a família” (RODRIGUES, 2006).
Conforme expõem Almeida e Rodrigues Júnior (2010), dezenas de leis surgiram
posteriores ao Código Civil visando à adaptação de suas preposições à realidade social
vigente na época:
a) Em 1949, é promulgada a Lei nº 883, em que veio a admitir o reconhecimento de
filhos ilegítimos desde que finda a sociedade conjugal;
b) Em 1962, devido à saída da mulher do trabalho exclusivo no lar para disputar o
mercado de trabalho com homens na indústria, a Lei nº 4.121 (Estatuto da Mulher
Casada) veio para retirar da mulher casada a condição de relativamente incapaz, vindo
a admitir e regulamentar o exercício de atividade profissional pela mulher, dentre
outras coisas, sem necessitar a autorização do marido;
c) Em 1977, com a Emenda Constitucional nº 9 e a Lei nº 6.515 (Lei do Divórcio), o
casamento, antes uma instituição vitalícia, passou a ser dissolúvel pelo divórcio,
possibilitando então aos ex-cônjuges da relação desfeita casarem-se novamente,
constituindo uma nova família, até mesmo regulamentando uma situação real na
sociedade.
Neste contexto, pode-se concluir que a legislação nacional que trata da
regulamentação das relações familiares começou a enxergar o que já era notório: a família não
se resume ao casamento, nem é hierarquia patriarcal e patrimonialista, sendo o Código Civil
de 1916 inadequado para regê-la.
Paulo Lôbo (2009) explica, como também fora exposto anteriormente, que sempre se
atribuiu à família alguma função de acordo com sua evolução no tempo e no espaço, seja de
ordem religiosa, política, econômica e procracional. Na atual conjuntura, as funções religiosa
e política não se verificam mais, e a função econômica perdeu sentido “pois a família – para o
que era necessário o maior número de membros – não é mais unidade produtiva [...]
Contribuiu para a perda dessa função a progressiva emancipação econômica, social e jurídica
22
feminina e a drástica redução do número médio de filhos[...]” (LÔBO, 2009, p. 3). Sob a
mesma ótica, perde também espaço a função procracional, de influência religiosa, pois
crescente é o número de casais que optam por não terem filhos.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, foi trazida para o Direito uma
parcela da realidade vivida, consagrando proteção à família nos indivíduos que a compõem,
em detrimento do instituto por si mesmo. As inovações trazidas pela CF/88, no que concerne
à proteção da família, “voltaram-se muito mais para os aspectos pessoais do que para os
patrimoniais das relações de família, refletindo as transformações por que passam” (LÔBO,
2009, p. 3).
Por mais uma vez, verificou-se essa mudança de paradigmas, pois a família passa
agora a ser funcionalizada; qual seja, pode-se afirmar que a família hoje é o meio funcional
para o pleno desenvolvimento da personalidade de seus membros. Há um “deslocamento da
função econômica-política-religiosa-procracional para essa nova função”, que, como prefere
definir Paulo Lôbo (2009, p. 11-12), “enquadra-se no fenômeno jurídico social denominado
repersonalização das relações civis, que valoriza o interesse da pessoa humana mais do que
suas relações patrimoniais”. Privilegia-se a pessoa humana como o centro das relações
jurídicas.
A família, considerada a base da sociedade, tem garantida por previsão constitucional
proteção especial do Estado, não por ser portadora de um direito superior, mas sim por ser o
local onde se forma a pessoa humana.
Pelo que Lôbo chama de repersonalização11, enquanto Almeida e Rodrigues Júnior
denominam como funcionalização, pode-se dizer que esse retorno da pessoa humana é o
objetivo primeiro do Direito; como fora proclamado pelos romanos no Digesto12, pelos
Iluministas, pela Declaração Universal dos Direitos do Homem. “Há, indubitavelmente, uma
função social – e que se mostra primordial e permanente – da nova família: a de valorizar a
constituição e o desenvolvimento das melhores potencialidades humanas [...]” (GAMA,
2008b, p. 27).
O desafio que se coloca ao jurista e ao direito é a capacidade de ver a pessoa humana
em toda sua dimensão ontológica e como simples e abstrato sujeito da relação
jurídica. A pessoa humana deve ser colocada como centro das destinações jurídicas,
valorizando-se o ser e não o ter” (LÔBO, 2009, p. 12-13).
11
Que não se verifica somente no estudo do Direito das Famílias, mas em todos os ramos do direito privado,
principalmente.
12
Digesto (1, 5, 2): hominum causa ius constitutum sit, todo direito é constituído por causa do homem. (LÔBO,
2009, p. 12).
23
A família antes fundada no patrimônio, hoje, vê-se regida pela solidariedade e pelo
respeito à dignidade humana de cada membro. É como Rodrigo da Cunha Pereira (1995, p.
25) afirma: “a família é uma estruturação psíquica onde cada integrante possui um lugar
definido, independente de qualquer vínculo biológico”
Como preleciona Guilherme Calmon Nogueira da Gama
Desse modo, considera-se que a família patriarcal, considerada o modelo único no
Brasil desde a Colônia, entrou em crise no curso do século XX e, desse modo, foi
superada, perdendo sua sustentação jurídica, notadamente diante dos valores
introduzidos pela Constituição Federal de 1988. [...] A nova família não se encontra,
no entanto, em crise, identificando-se nos princípios fundamentais da dignidade da
pessoa humana e da solidariedade social como referências seguras, e se baseia nas
noções de tutela da pessoa humana na dimensão existencial e socioafetiva. Trata-se
da concepção eudemonista da família, que potencializa, desse modo, os liames de
afeição entre os seus integrantes, com nítida valorização das funções afetivas da
família, tornando-se o refúgio privilegiado das pessoas humanas contra os problemas
encontrados nas grandes cidades e decorrentes das pressões econômicas e sociais. A
família passa a ser encarada como comunidade de afeto e entre - ajuda, servindo
para o desenvolvimento da pessoa humana, especialmente no âmbito dos interesses
afetivos e existenciais. (grifo do autor) (2008b, p. 28-29)
Com a evolução mundial, surgem esperanças para solucionar problemas na seara da
família, que são marcados por grandes mudanças e inovações provocadas pela inversão de
valores, pela liberdade sexual, conquista de poder pela mulher, pela proteção dos conviventes,
pela alteração dos padrões de conduta social e pela rápida desvinculação dos filhos do poder
familiar (DINIZ, 2006). Também concedeu amparo legal “às famílias não fundadas no
casamento, como união de fato, família natural e a família adotiva” (VENOSA, 2006, p.17).
Porém, não se objetivou, em qualquer momento, a extinção de outros tipos de família,
deixando, assim, lacunas para a formação de novas formas de constituição familiar.
Nas palavras de Paulo Lôbo
Somente com a Constituição de 1988, cujo capítulo dedicado às relações familiares
pode ser considerado um dos mais avançados dentre as constituições de todos os
países, consumou-se o término da longa história da desigualdade jurídica na família
brasileira. Em normas concisas e verdadeiramente revolucionárias, proclamou-se em
definitivo o fim da discriminação das entidades familiares não matrimonializadas,
que passaram a receber tutela idêntica às constituídas pelo casamento (caput do art.
226), a igualdade dos direitos de deveres entre homem e mulher na sociedade
conjugal (§ 5º do art. 226) e na união estável (§3º do art. 226), a igualdade entre
filhos de qualquer origem, seja biológica ou não biológica, matrimonial ou não (§6º
do art. 227).Consolidando a natureza igualitária e solidária da família e das pessoas
que a integram, após a Constituição, foram editados importantes diplomas legais,
notadamente o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, as leis sobre a união
estável de 1994 e 1996, o Código Civil de 2002 e o Estatuto do Idoso em 2003
(2009, p. 23-24).
24
Assim, como ressalta Flávio Tartuce
[...] na realidade pós-positivista, os princípios constitucionais ganharam um novo
papel, plenamente aplicável às relações particulares. Dos princípios gerais do Direito
saltamos à realidade dos princípios constitucionais, com emergência imediata.
Justamente por isso é que muitos dos princípios do atual Direito de Família
brasileiro encontram substractum constitucional (2008, p. 37).
Deste modo, tendo o legislador constituinte reforçado ser a família a base da sociedade
e ter considerado a sua importância na formação das pessoas, deu todo um aparato jurídicoestatal, formado por normas e princípios que regem o direito de família. Dentre esses “novos”
princípios trazidos pela recente concepção de família, podem-se elencar os que se seguem.
2.1.1 Princípio da dignidade da pessoa humana
Conforme o art. 1º, III da Constituição de 1988 (CF/88), o Estado Democrático de
Direito tem como fundamento a dignidade da pessoa humana.
Sendo considerado um
macroprincípio, este visa uma inegável proteção à pessoa humana, o que atualmente muitos
nomeiam de personalização ou despatrimonialização do Direito Privado, ou seja, enquanto o
patrimônio perde importância, a pessoa é cada vez mais valorizada (TARTUCE, 2008).
Com guarida constitucional, a dignidade da pessoa humana é central, tendo se tornado
o paradigma de toda interpretação e aplicação da legislação ordinária, o que abrange,
principalmente, mas não exclusivamente, a matéria de cunho familiar.
O princípio da dignidade da pessoa humana tem um duplo aspecto, material e moral. O
material diz respeito às condições de subsistência do indivíduo. Já o moral, que interessa neste
trabalho, prima pela preservação da liberdade e dos valores de espírito. (PERES, 2006, p. 54).
Nas palavras de Luís Roberto Barroso (2002, p. 2), o princípio da dignidade representa
“a superação da intolerância, da discriminação, da exclusão social, da violência, da
incapacidade de aceitar o outro, o diferente, na plenitude de sua liberdade de ser, pensar e
criar”.
Para ilustrar tal tópico, podem-se citar alguns julgados que foram baseados no
princípio da dignidade:
25
PROCESSUAL – EXECUÇÃO – IMPENHORABILIDADE – IMÓVEL –
RESIDÊNCIA – DEVEDOR SOLTEIRO E SOLITÁRIO – LEI 8.009/90. A
interpretação teleológica do Art. 1º, da Lei 8.009/90, revela que a norma não se
limita ao resguardo da família. Seu escopo definitivo é a proteção de um direito
fundamental da pessoa humana: o direito à moradia. Se assim ocorre, não faz sentido
proteger quem vive em grupo e abandonar o indivíduo que sofre o mais doloroso dos
sentimentos: a solidão. É impenhorável, por efeito do preceito contido no Art. 1º da
Lei 8.009/90, o imóvel em que reside, sozinho, o devedor celibatário”. BRASIL,
STJ, Corte Especial. Embargos de Divergência no Recurso Especial. EREsp 182223
SP 1999/0110360-6 Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. Julg. 05.02.2002.).
INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS – RELAÇÃO PATERNO-FILIAL –
PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – PRINCÍPIO DA
AFETIVIDADE. A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o
privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser
indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana” (MINAS
GERAIS,Tribunal de Alçada, 7ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível
408.555-5. Rel. Unias Silva. Julg. 01.04.2004. v.u.)13
Nas palavras de Tartuce,
Como se pode perceber, o princípio de proteção da dignidade da pessoa humana é o
ponto central da discussão atual do Direito de Família, entrando em cena para
resolver várias questões práticas envolvendo as relações familiares. Concluindo,
podemos afirmar que o princípio da dignidade da pessoa humana é o ponto de
partida do novo direito de família. (grifo do autor) (2008, p. 40).
2.1.2 Princípio da solidariedade familiar
Também reconhecida constitucionalmente, a solidariedade social é apresentada como
um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3º, I da CF/88), e se
entende pela interação entre os indivíduos na busca de uma melhor correlação entre eles,
perfazendo assim uma vinculação com finalidade de mútuo auxílio.
Apesar de essa busca de interação mútua entre os cidadãos ser vislumbrada de forma
generalizada, tal princípio tem especial aplicação na seara do direito de família. Isto porque é
dentro do seio familiar, nas relações íntimas deste ambiente peculiar, que se inicia a formação
do ser como cidadão. Sendo cidadão e inserido em uma dada sociedade, a interdependência se
torna inevitável. “A partir do momento em que ocorre uma conscientização acerca da
13
Julgados no mesmo sentido serão objeto de discussão em momento oportuno deste trabalho. Desta forma, a
citação acima não indica a concordância do mérito do julgamento, mas somente ilustra a utilização do princípio
da dignidade da pessoa humana pelos aplicadores do direito em matéria de direito de família.
26
vinculação mútua que une os membros sociais, ser solidário passa a representar ser
responsável pelo outro (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2010, p. 57) (grifo dos autores).
Por isso, a solidariedade merece destaque especial no meio jurídico, até porque este
princípio vem a completar o elencado anteriormente (princípio da dignidade da pessoa
humana), uma vez que busca garantir a tutela da pessoa humana.
Conforme os professores Almeida e Rodrigues Júnior, a solidariedade apresenta uma
face negativa e outra positiva.
A negativa se explica pela ordem de respeito e tolerância frente a forma eleita pelo
outro para sua realização social. A positiva, por sua vez, explica-se pelo imperativo
de sanar as carências do outro a fim de conceder-lhe situação adequada ao seu livre e
pleno desenvolvimento. A finalidade da solidariedade é contribuir para a
autodeterminação(2010, p. 58-59).
E sendo a família a base da sociedade (art. 226, CF/88), é deste ambiente que há de ter
o contato primário com a solidariedade, visto que se espera que os familiares sejam solidários
entre si, “a fim de auxiliar a promoção do livre desenvolvimento da personalidade de todos”
(ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2010, p. 60).
A solidariedade como princípio implica um dever jurídico, em que se vislumbra como
obrigatória, na defesa da pessoa, a cooperação entre os indivíduos. Deste modo, a
solidariedade pode impor mútuo auxílio material (tanto o é, que é um dos princípios
fundamentais que regem os alimentos entre parentes), até que o outro adquira sua
independência, sua autonomia. (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2010).
No entanto, a solidariedade não é somente material, como lembra Tartuce (2008), mas
também psicológica e afetiva. Nas palavras de Maria Berenice Dias, conclui-se
ao gerar deveres recíprocos entre os integrantes do grupo familiar, safa-se o Estado
do encargo de prover uma gama de direitos que são assegurados constitucionalmente
ao cidadão. Basta atentar que, em se tratando de crianças e adolescentes, é atribuído
primeiro à família, depois à sociedade e finalmente ao Estado (CF 227) o dever de
garantir com absoluta prioridade os direitos inerentes aos cidadãos em
formação(2005, p. 62).
2.1.3 Princípio da igualdade
A partir do princípio da dignidade da pessoa humana, desaparece o poder marital, que
é substituído por um sistema em que as decisões devem ser de comum acordo entre os
27
conviventes, uma vez que o homem e a mulher têm os mesmos deveres e direitos na
sociedade conjugal.
Considerando que a mulher foi em busca do mercado de trabalho e provou que é capaz
para coordenar carreira, casa e família, conquistou isonomia jurídica conjugal, ou seja, a
mulher passou a ter condições de igualdade.
A evolução jurídica, como evolução social que é, não admite retrocesso. A elevação
jurídica da mulher se completou com a dupla regulamentação de relações pessoais e
patrimoniais, pela participação mais direta e intensa nos direitos e obrigações
inerentes ao pátrio poder – hoje poder familiar – à tutela, e uma ingerência maior na
economia doméstica (CONSENTINI apud PEREIRA, 2005, p.15).
Contemporaneamente, as relações familiares baseiam-se na igualdade de direitos e
deveres dos cônjuges e no respeito mútuo entre seus integrantes, bem como na igualdade
absoluta de atenderem à manutenção do lar e à formação integral dos filhos mediante esforço
mútuo que resulte compatível com o desenvolvimento das atividades sociais de ambos.
Conforme disposto no artigo 226, § 5º da Constituição Federal (a igualdade nos
direitos e deveres do homem e da mulher na sociedade conjugal), os cônjuges devem exercer
em conjunto seus direitos e deveres conjugais, não podendo um cercear o direito do outro,
inexistindo quaisquer diferenciações relativamente aos direitos e deveres. Esta é uma
inovação constitucional: a paridade entre os cônjuges ou conviventes, tanto nas questões
pessoais como nas patrimoniais, igualdade de direitos e deveres, sendo expandido seu
exercício na sociedade conjugal.
Decorrente também do principio da dignidade humana, o artigo 227, § 6º da CF/88,
iguala a condição dos filhos legítimos, naturais ou adotivos, não se admitindo qualquer
discriminação entre os mesmos, no que se refere ao nome, poder familiar, alimentos e
sucessão, permitindo, ainda, o reconhecimento de filhos havidos fora do casamento a qualquer
tempo, além de proibir qualquer referência quanto à filiação ilegítima, vedando designações
discriminatórias.
2.1.4 Princípio da pluralidade
A evolução da humanidade demonstra a não estagnação da existência social da
família. Esta se encontra em constante formação e transformação.
28
A família é considerada a base fundamental da sociedade, por isso é possível afirmar
que é ainda plenamente atual. E assim, em cada momento histórico, surgem novas
necessidades, novos interesses e, consequentemente, uma peculiar estruturação familiar.
As diversas transformações na sociedade, a partir do século XX, revolucionaram o
conceito clássico de entidade familiar, impondo a reformulação de seus critérios
interpretativos e albergando novas formas de convívio, diferentes da forma antiga.
A Constituição Federal de 1988 optou para positivar novos modelos de entidade
familiar, além do casamento (que por muitas décadas foi considerado a única forma legítima de
constituição familiar), passando a família a ser fundada nos vínculos afetivos que norteiam a
sua formação.
Nessa linha de raciocínio, podemos citar
A Constituição Federal de 1988 absorveu essa transformação e adotou uma nova
ordem de valores, privilegiando a dignidade da pessoa humana, realizando uma
verdadeira revolução no Direito de Família, a partir de três eixos básicos. Assim, o
artigo 226 afirma que a entidade familiar é plural e não mais singular, tendo várias
formas de constituição. O segundo eixo transformador encontra-se no § 6º do artigo
227. É a alteração do sistema de filiação, de sorte a proibir designações
discriminatórias decorrentes do fato de ter a concepção ocorrido dentro ou fora do
casamento. A terceira grande revolução, situa-se nos artigos 5º, inciso I, e 226 § 5º,
ao consagrar o principio da igualdade ente homens e mulheres, derrogou mais de
uma centena de artigos do Código Civil de 1916.(GONCALVES, 2006, p.17)
A Carta Magna, refletindo as novas concepções de família, reconhece que ela deixou
de ter a forma singular ao expressar, em seu artigo 226, algumas das várias formas e
possibilidades de se constituir uma família. Com isso, a família não mais se resume àquelas
formadas pelo casamento, mas também abrange as formações da união estável e de qualquer
dos pais que convivam com seus descendentes, a denominada família monoparental, e também
aquelas outras que se apresentem sustentadas por um ambiente afetivo que promova a
formação pessoal de seus membros. A doutrina e a jurisprudência vêm considerando outras
modalidades de família que não estão presentes no rol constitucional, sendo um dos exemplos
mais reiterantes o da união homoafetiva.
Assim, a tutela jurídica não abrange somente a família matrimonial, mas também as
constituídas pela união estável e as monoparentais (estas positivadas constitucionalmente),
além de outros arranjos que podem ser identificados na sociedade e que merecem ser
protegidos juridicamente como família.
29
Pode-se, então, dizer que atualmente a família não é somente formada por ascendentes
e descendentes e não se origina somente do casamento. Ela busca a realização plena de seus
membros envolvidos na vivência e convivência familiar.
2.1.5 Princípio da afetividade (?)
Árduas e acirradas são as discussões que atualmente têm movimentado os civilistas: a
afetividade como princípio jurídico aplicado ao direito de família. Destacam-se, basicamente,
duas corrente: os que defendem a afetividade como princípio contra os que negam seu caráter
jurídico. A maior parte da doutrina pugna pelo caráter principiológico do afeto14.
Segundo Paulo Lôbo (2002), há características comuns, sem as quais não configuram
entidades familiares:
a) afetividade, como fundamento e finalidade da entidade, com desconsideração do
móvel econômico;
b) estabilidade, excluindo-se os relacionamentos casuais, episódicos ou
descomprometidos, sem comunhão de vida;
c) ostensibilidade, o que pressupõe uma unidade familiar que se apresente assim
publicamente.
No mesmo sentido, Rodrigo da Cunha Pereira (2004) aduz que tais requisitos devem
estar presentes em um relacionamento para que se conclua pela existência de uma entidade
familiar. Desse modo, entende que não é o afeto por si que indica a existência de uma
entidade familiar, mas é ele conjugado com os demais requisitos.
Diante deste quadro estrutural, o que se conclui é ser o afeto um elemento essencial
de todo e qualquer núcleo familiar, inerente a todo e qualquer relacionamento
conjugal ou parental. Mas será que o contrário é verdadeiro, ou seja, sempre que
existir afetividade estará presente uma entidade familiar? [...]
Para que haja uma entidade familiar, é necessário um afeto especial ou, mais
precisamente, um afeto familiar, que pode ser conjugal ou parental (PEREIRA,
2004, p. 128).
Carlos Roberto Gonçalves (2006, p. 56) defende que o Código Civil de 2002 (CC/02)
veio atualizar e adequar a legislação civil ao texto constitucional,
14
Assunto este que será discutido com maior propriedade no Capítulo seguinte deste trabalho.
30
As alterações trazidas pela nova lei civil visam preservar a coesão familiar e os
valores culturais, conferindo-se à família moderna um tratamento mais consentâneo
à realidade social, atendendo a necessidade da prole e afeição entre os cônjuges ou
companheiros e aos elevados interesses sociais.
Nesta esteira, defende-se que, baseando-se nos demais princípios constitucionais,
principalmente da dignidade da pessoa humana e da igualdade, a família é o local propício e
ideal para o desenvolvimento pleno da personalidade de cada membro, caracterizando assim a
chamada família eudemonista15. Dessa forma, estaria ligado a um reconhecimento do afeto
como um valor jurídico a ser preservado e tutelado nas relações familiares.
Por isso, insista-se, a família só faz sentido para o Direito a partir do momento em
que ela é veículo funcionalizador à promoção da dignidade de seus membros. Em
face, portanto, da mudança epistemológica ocorrida no bojo da família, a ordem
jurídica assimilou tal transformação, passando a considerar o afeto como um valor
jurídico de suma relevância para o Direito de Família. Seus reflexos crescentes vêm
permeando todo o Direito, como é exemplo a valorização dos laços de afetividade e
da convivência familiar oriundas da filiação, em detrimento, por vezes, dos vínculos
de consanguinidade. Além disso, todos os filhos receberam o mesmo tratamento
constitucional, independente da sua origem e se são biológicos ou não (PEREIRA,
2004, p. 130).
Como expõe Rolf Madaleno
a afetividade deve estar presente nos vínculos de filiação e de parentesco [...] A
sobrevivência humana também depende e muito da interação do afeto; é valor
supremo, necessidade ingente, bastando atentar para as demandas que estão surgindo
para apurar responsabilidade civil pela ausência do afeto (2009, p. 65).
Também Maria Berenice Dias defende o afeto como princípio jurídico ao afirmar que
“o princípio norteador do direito das famílias é o princípio da afetividade” (2010, p. 72).
Entretanto, na visão contrária, tem-se a corrente que dispõe sobre o não caráter
normativo da afetividade. Argumenta-se principalmente pela impossibilidade de cobrança do
mesmo, ou melhor, de sua observância obrigatória, sob pena de coerção judicial, como se
verifica nos princípios jurídicos, como normas que são.
No entanto, não negam a sua importância do afeto nas relações familiares,
principalmente por ser elemento constitutivo e integrante das relações familiares, advindo do
exercício da autonomia privada, que faz com que surtam certos efeitos no âmbito do Direito
(ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2010).
Ana Carolina Brochado Teixeira e Renata de Lima Rodrigues esclarecem que
15
O eudemonismo é um sistema ou teoria filosófico-moral segundo a qual o fim e o bem supremo da vida
humana é a felicidade.
31
[...] o afeto só se torna juridicamente relevante quando externado pelos membros das
entidades familiares através de condutas objetivas que marcam a convivência
familiar, e por isso, condicionam comportamentos e expectativas recíprocas e,
consequentemente, o desenvolvimento da personalidade dos integrantes da família
(2009, p. 39).
Nessa instabilidade doutrinária, pauta-se parte da discussão deste trabalho, o qual
voltará a discutir a afetividade, o afeto, sua natureza, em capítulo próprio.
2.1.6 Princípio da paternidade responsável
Dispõe a Constituição Federal, em seu artigo 226, § 7º16, que o planejamento familiar
é de livre decisão do casal, fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da
paternidade responsável. Ali são estabelecidas as diretrizes do direito ao planejamento
familiar e do seu exercício, que envolve eventual necessidade de acesso aos recursos
educacionais e científicos, de responsabilidade do Estado. O novo Código Civil, por sua vez,
em seu artigo 1.565, §2º17, reforça a matéria.
Gama (2008b) explica que a terminologia correta, tendo em vista o princípio da
igualdade, seria “parentalidade responsável”, visto que o conteúdo de tal princípio importa
não somente ao homem – o pai, mas também à mulher – a mãe, a observância da
responsabilidade no exercício das liberdades inerentes à sexualidade e à procriação no gerar
de uma nova vida humana. Por isso, pessoa deve ser priorizada na proteção e garantia de seu
bem-estar físico, psíquico e espiritual, bem como reconhecidos todos os seus direitos
fundamentais.
2.1.7 Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente
16
CF/88. Art. 226. § 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o
planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e
científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou
privadas.
17
CC/02. Art. 1.565. [...] § 2o O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado
propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito, vedado qualquer tipo de coerção por
parte de instituições privadas ou públicas.
32
Em direta consonância com os princípios da dignidade da pessoa humana, da
parentalidade responsável e da liberdade, no que tange ao planejamento familiar, o princípio
do melhor interesse da criança e do adolescente ou da proteção especial ao menor e ao
adolescente apresenta-se como diretriz determinante nas relações mantidas entre os menores
com seus pais e parentes, bem como com a coletividade e o Estado.
Dentro do âmbito familiar, o filho passa a ser merecedor de tutela especial do
ordenamento jurídico, prioritário em relação aos demais membros do núcleo familiar do qual
participa. Tudo isso se deve à peculiar situação do menor por ser pessoa ainda em particular
processo de desenvolvimento de sua personalidade.
E é no ambiente familiar que este desenvolvimento deve ocorrer.
Sendo a família um núcleo de companheirismo e afeto é de se supor ser um
ambiente bastante propício para incentivar a maturidade volitiva dessas pessoas
proporcionalmente ao que sua condição permite. A realização de escolhas
verdadeiramente autônomas no exercício de seus fundamentais e, por conseguinte,
na sua formação pessoal talvez, fique, dessa forma, garantida (ALMEIDA;
RODRIGUES JÚNIOR, 2010, p. 67).
2.1.8 Princípio da Liberdade ou da não-intervenção
Fundado no livre poder de constituir uma comunhão de vida familiar, o princípio da
liberdade veda qualquer imposição ou restrição de pessoa jurídica de direito público ou
privado na decisão pessoal:
[...] intervindo o Estado apenas em sua competência de propiciar recursos
educacionais e científicos ao exercício desse direito; na convivência conjugal; na
livre aquisição e administração do patrimônio familiar e opção pelo regime
matrimonial mais conveniente; na liberdade de escolha pelo modelo de formação
educacional, cultural e religiosa da prole; e na livre conduta, respeitando-se a
integridade físico-psíquica e moral dos componentes da família (DINIZ, 2006, p.
22).
As relações jurídicas do casamento, união estável, adoção e reconhecimento dos
filhos, nascem de atos voluntários, do exercício da liberdade, mas, uma vez realizados,
submetem às normas cogentes, de interesse público, assumindo na maior parte dos casos o
caráter de dever (CARVALHO; FUGIE, 2002, p.7).
33
Leonardo Barreto Moreira Alves (2010) traz o entendimento de que a autonomia
privada no âmbito familiar deve ser a regra geral, visto ser a promoção da dignidade humana
sua principal missão, e a autonomia é o que permite que cada indivíduo desenvolva suas
relações da maneira que melhor lhe aprouver.
Por este mesmo entendimento, busca-se uma menor ingerência do Estado no seio
familiar, visto ser este um espaço íntimo daquelas pessoas que compõem o núcleo, que por
meio do afeto buscam o pleno desenvolvimento de sua personalidade e a felicidade de todos
ali envolvidos.
Assim, não pode o Estado pretender sufocar as relações familiares, devendo permitir
o exercício da liberdade afetiva por parte dos seus membros. Há muito tempo a
família deixou de constituir célula do Estado, sendo que atualmente a sua
participação, como elemento estranho, externo às relações afetivas, pode prejudicálas, daí por que deve ser ao máximo evitada (ALVES, 2010, p.142).
Dessa forma, entende-se que a intervenção do Estado nas relações familiares somente
poderá ocorrer em situações excepcionais, devendo prevalecer a liberdade dos membros da
família, seja para constituir ou extinguir a entidade, para adquirir e administrar o patrimônio
familiar, no planejamento familiar, na formação dos filhos, etc (ALVES, 2010).
E é por essa defesa da intervenção mínima do Estado que Alves (2010) prefere a
utilização da expressão Direito de Família Mínimo, em analogia ao direito penal em que a
atuação do Estado é ultima ratio.
Em verdade, o Estado somente deve interferir no âmbito familiar para efetivar a
promoção dos direitos fundamentais dos seus membros – como a dignidade, a
igualdade, a liberdade, a solidariedade, etc. –, e, contornando determinadas
distorções, permitir o próprio exercício da autonomia privada dos mesmos, o
desenvolvimento de sua personalidade e o alcance da felicidade pessoal de cada um
deles, bem como a manutenção do núcleo afetivo. Em outras palavras, o Estado
apenas deve utilizar-se do Direito de Família quando essa atividade implicar uma
autêntica melhora na situação dos componentes da família (ALVES, 2010, p. 145).
34
3 AFETIVIDADE: PRINCÍPIO?
3.1 Considerações iniciais
Como exposto no capítulo anterior, ao tratar da afetividade, pode-se identificar
claramente que a maioria da doutrina nacional, como Rodrigo da Cunha Pereira (2004), Paulo
Lôbo (2009), Guilherme Calmon Nogueira da Gama (2008b), Maria Berenice Dias (2010),
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka (2006), Rolf Madaleno (2009), apontam com
veemência uma natureza jurídica principiológica do afeto. No entanto, para alcançar um dos
objetivos deste trabalho, que consiste na identificação da natureza do afeto nas relações
jurídicas familiares, uma discussão cara e antiga, mas não pouco relevante, da teoria do direito
deve ser enfrentada também aqui: a distinção entre regras, princípios e valores.
Neste diapasão, nomes consagrados são lembrados por suas discussões, numa
saudável disputa da mais adequada interpretação de tais termos: são eles Robert Alexy (2008)
e Ronald Dworkin (1999)(2002)(2005). E é baseando-se em estudos destes18, que se tratará
nesse capítulo das conclusões destes estudos, para ao final se chegar a uma definição plausível
quanto à natureza do afeto.
3.2 Regras, princípios e valores: distinções necessárias
Antes mesmo de adentrar na distinção entre os verbetes propostos (regras, princípios e
valores), alguns conceitos preliminares necessitam ser trazidos a lume.
Primeiramente, quando se fala de regras e princípios tem-se em mente que se trata de
espécies de norma. Mas o que seriam as normas?
Conforme ensina Humberto Ávila (2006, p. 30), normas são “os sentidos construídos a
partir da interpretação sistemática de textos normativos”. Ou seja, “norma é aquilo que
interpretamos; aquilo que se extrai da análise do texto legal ou dispositivo ou daquilo que
18
Buscando arrego nas observações trazidas por outros doutrinadores que os utilizam como base, como
Humberto Ávila (2006), Marcelo Campos Galuppo (1999) e Habermas (2003) que serão traçadas as linhas
conclusivas deste tópico.
35
interpretação (sic) em relação ao princípio. [...] Ela [a norma], então, é o resultado e não o
produto” (RODRIGUES, 2009).
Por tais definições de normas pode-se concluir que os textos legais ou documentos
normativos não são normas, sendo estas a interpretação daquelas extraída. Ainda, é possível
existirem normas sem que exista um texto legal prévio, ou um texto legal do qual não se
extraia qualquer norma jurídica; e ainda, de um único texto jurídico, podem-se extrair diversas
normas, ou ao contrário, de diversos dispositivos pode-se extrair apenas uma norma.
Exemplificando: no primeiro caso, Ávila (2006) cita os princípios da segurança jurídica e da
certeza do Direito, os quais não advêm de qualquer dispositivo específico; no segundo caso, o
mesmo autor cita o enunciado Constitucional que prevê “a proteção de Deus”; no terceiro
caso, cita-se o prescritivo legal para instituição ou aumento de tributos, dos quais se chegam
aos princípios da legalidade, da tipicidade, à proibição de delegação normativa, dentre outros.
E por fim, os dispositivos que garantem a legalidade, a irretroatividade e a anterioridade, que
remete ao princípio da segurança jurídica. (ÁVILA, 2006, p. 30-31).
Entendidos como normas, as regras e os princípios cultivam entre si diferenças que são
apontadas por diversos estudiosos e que geram discussões seculares. O professor Marcelo
Campos Galuppo (1999) apresenta pelo menos três teorias que tentam explicar os princípios,
tomando por base as suas diferenciações frente às regras.
A primeira teoria indica os princípios como normas gerais de um sistema jurídico,
sendo para os defensores de tal posicionamento, como Bobbio e Del Vecchio, “os princípios
jurídicos como fruto de processos de generalização operada pela ciência do direito”
(GALUPPO, 1999, p. 192). No entanto, critica-se esta compreensão, pois não seria o grau de
generalidade como abstração19, que diferenciaria os princípios das regras. Isto porque, apesar
de conterem uma alta carga de generalização, nem sempre se formam por meio de um
processo abstração, e, ainda, há regras no sistema que se apresentam excessivamente
genéricas20. A generalidade, como explica Galuppo, não seria uma causa, mas, talvez, uma
consequência do conceito de princípio, o que somente numa visão ampla poderia diferenciar
as duas categorias de normas.
19
Como explica Ferraz Jr. (apud GALUPPO, 1999, p. 192), generalidade como abstração seria “a qualidade de
se prescrever uma conduta cujo conteúdo é genérico, não correspondente a uma situação concreta e
particularizada.”
20
Para exemplificar, Galuppo (1999, p. 192) nos apresenta as seguintes argumentações: “[...] o princípio
federativo adotado pela Constituição brasileira seria uma generalização de quê? O princípio da legalidade
generaliza quais normas? De outro lado, existem regras excessivamente genéricas, como o tipo constante do art.
12 da [antiga] Lei de Anti-Tóxicos (Lei 6.368/76), sobretudo se entendermos generalidade como abstração”.
36
Outro problema dessa primeira teoria é que, caracterizando os princípios por serem
generalíssimos, leva-se a conclusão de que sendo gerais poderiam ser aplicados a qualquer
tipo de situação, o que resulta numa falsa afirmação, pois em um mesmo caso dois ou mais
princípios aplicáveis poderiam levar a soluções diferentes. “Portanto, ao contrário do que
pressupõe essa teoria, um princípio não é uma norma que se aplica em qualquer
circunstância”. (GALUPPO, 1999, p. 192. Grifos do autor).
Devido à essa última percepção (de que os princípios seriam aplicáveis a qualquer
caso), apresenta-se a segunda teoria lembrada pelo professor Galuppo, que tem como defensor
Robert Alexy21.
Primeiramente, cabe dizer que para Alexy (2008) as regras e os princípios são
subespécies de normas, e assim sendo descrevem um dever ser (estão no plano deontológico).
Por isso, para o autor, a distinção entre ambas é de extrema importância, pois se trata da
distinção ente dois tipos de normas.
Essa distinção é a base da teoria da fundamentação no âmbito dos direitos
fundamentais e uma chave para a solução de problemas centrais da dogmática dos
direitos fundamentais. Sem ela não pode haver nem uma doutrina satisfatória sobre
colisões, nem uma teoria suficiente sobre o papel dos direitos fundamentais no
sistema jurídico (ALEXY, 2008, p. 85).
Apontando a generalidade como um dos critérios mais utilizados na diferenciação
entre regras e princípios, Alexy entende ser esta tese dotada de fragilidade. Principalmente,
porque Alexy chama a atenção para o fato dos princípios não serem aplicáveis plena e
integralmente em qualquer situação, pois seriam estes mandados de otimização, devendo ser
cumpridos na maior medida possível, mas em diferentes graus. Diverso das regras, que são
binárias, no sentido de serem ou não aplicadas, sendo estas contidas de determinações, os
princípios, carentes de mandados definitivos, os são apenas prima facie. “Isso significa que a
distinção entre regras e princípios é uma distinção qualitativa, e não uma distinção de grau [de
generalidade]” (ALEXY, 2008, p. 91).
Mas é na análise da colisão entre princípios e no conflito entre regras que a distinção
entre eles se torna mais evidente. Uma possível “tensão” entre princípios ou conflito entre
regras acontece quando se verifica que a sua aplicação separadamente levaria a resultados
incompatíveis, ou juridicamente contraditórios. “Um conflito entre regras somente pode ser
21
Vale destacar que Alexy tem seus estudos baseado na teoria de Dworkin, que será discutida a seguir, numa
tentativa de aprimorar tal teoria.
37
solucionado se se introduz, em uma das regras, uma cláusula de exceção que elimine o
conflito, ou se pelo menos uma das regras for declarada inválida [...] e, com isso, extirpada do
ordenamento jurídico” (ALEXY, 2008, p.92). No entanto, na resolução de conflito entre
princípios, a solução é diferenciada. Isso porque o conflito entre princípios somente existe no
caso concreto.
Se dois princípios colidem – o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de
acordo com um princípio e, de acordo com outro é permitido –, um dos princípios
terá que ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser
declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção.
Na verdade, o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face do outro
sob determinadas condições. Sob outras condições a questão pode ser resolvida de
forma oposta (ALEXY, 2008, p. 93).
Assim, Alexy (2008, p. 94) conclui que “conflitos entre regras ocorrem na dimensão
da validade, enquanto as colisões entre princípios [...] ocorrem, para além dessa dimensão, na
dimensão do peso”.
Deste modo, Galuppo (1999) chama atenção para o fato de que essa ideia de peso nos
princípios significa que o conflito entre os mesmos será resolvido por uma hierarquização
entre eles. Todavia, não será uma hierarquização absoluta, mas tão somente na aplicação do
caso concreto, por meio da ponderação, pois abstratamente os princípios possuem mesmo
nível. Então, no caso concreto, analisa-se qual dos princípios conflitantes possui maior peso.
Dessa forma, está-se diante de uma precedência condicionada, e não absoluta, pois é no caso
concreto que serão analisadas as condições que fazem com que um princípio prefira o outro,
estabelecendo-se assim uma regra para aquele, e somente aquele caso.
“A ponderação dos princípios implica a existência de uma regra segundo a qual em
toda situação em que o condicionamento jurídico e o condicionamento fático forem
exatamente os mesmos prevalecerá sempre um único e mesmo princípio” (GALUPPO, 1999,
p.195).
Alexy também traça distinções entre princípios e valores, que por muitas vezes são
utilizados como sinônimos. No entanto, o autor afirma que “princípios e valores diferenciamse [...] em virtude de seu caráter deontológico, no primeiro caso, e axiológico, no segundo”
(ALEXY, 2008, p. 153). Isso quer significar que os princípios expressam dever, proibição,
permissão ou direito a algo, ou seja, implica um dever-ser, aquilo que é devido; enquanto os
valores estão ligados à classificação do que é bom, do que é melhor.
38
Alexy, então, apresenta os valores como normas, sendo estes normas axiológicas
(diferenciando, assim, das deontológicas – regra e princípio) que se apresentam como regra de
valoração e critério de valoração (valor) (ALEXY, 2008,p. 151).
E é nesse ponto que se podem apontar as inconsistências da teoria de Alexy. Como o
direito deve se preocupar com o que é devido, e não do que é bom para a sociedade, ou seja,
pelas normas jurídicas apresentarem uma função deontológica, permite-se entender que os
valores podem se apresentar como algo importante e inerente a elas; mas, em um processo de
ponderação, o que se analisam são os princípios, as normas colidentes, e não os valores que
estes possam vir conter. Valores não implicam um dever-ser. Apesar de afirmar a diferença
entre princípio e valor, em seus argumentos Alexy os aproxima, pois, ao apontar uma possível
colisão entre normas principiológicas, tal conflito resolver-se-ia por meio da ponderação que,
nos moldes utilizados pelo autor, indicaria qual princípio iria preferir a outro, “o que só faz
sentido se os concebermos como valores” (GALUPPO, 1999, p. 196).
Tanto que é por meio da crítica a essa teoria defendida por Alexy, que surge a terceira
teoria, que identifica os princípios com normas cujas condições de aplicação não são prédeterminadas.
As críticas ao posicionamento de Alexy baseiam-se na teoria de Ronald Dworkin. E
Jürgen Habermas (2003) assim o faz.
Apesar de Alexy afirmar a diferença entre princípios e valores em virtude do caráter
deontológico do primeiro e axiológico do segundo, quando da análise de solução de possíveis
colisões entre princípios, o autor, no desenvolvimento das leis de colisão e de ponderação,
utiliza-se de critérios axiológicos, pois acaba por conceber que só seria possível uma
resolução de conflitos quando preferir um princípio em lugar de um outro. No entanto, este
posicionamento somente faz sentido se se conceberem os princípios como valores.
(Explicar-se-á). Conforme apresenta Galuppo (1999), Alexy, ao expor sua teoria para
resolução de conflitos entre princípios, utiliza-se de método típico da axiologia, pois
estabelece que no caso concreto é possível hierarquizar os princípios, e se assim é, ou seja,
uma aplicação gradual dos princípios, estes não poderiam ser caracterizados como normas
jurídicas. E por que não? Porque normas jurídicas se referem ao conceito de dever, e dever se
cumpre ou não, ao invés de graduar. Ao contrário, os valores podem sim ser hierarquizados,
pois representariam mais uma preferibilidade de um grupo do que um dever para os seus.
Valor, como explica Lalande (apud GALUPPO,1999, p. 196), pode ser entendido como o
“caráter das coisas consistindo em que elas são mais ou menos estimadas ou desejadas por um
sujeito ou, mais ordinariamente, por um grupo de sujeitos determinados” (grifo no original).
39
Dworkin explica que
A diferença entre princípios jurídicos e regras jurídicas é a natureza lógica. Os dois
conjuntos de padrões apontam para decisões particulares acerca da obrigação
jurídica em circunstâncias específicas, mas distinguem-se quanto a natureza da
orientação que oferecem. As regras são aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada. Dados
os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que
ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a
decisão. [...] Mas não é assim que funcionam os princípios [...] Um princípio [...]
não pretende (nem mesmo) estabelecer condições que tornem sua aplicação
necessária. Ao contrário, enuncia uma razão que conduz o argumento em uma certa
direção (2002, p. 39-41)
Com isso, podemos citar algumas considerações de Habermas ao pensamento de
Dworkin:
Portanto, normas e princípios distinguem-se, em primeiro lugar, através de suas
respectivas referências ao agir obrigatório ou teleológico; em segundo lugar, através
da codificação binária ou gradual de sua pretensão de validade; em terceiro lugar,
através de sua obrigatoriedade absoluta ou relativa e, em quarto lugar, através dos
critérios aos quais o conjunto de sistemas de normas ou de valores devem satisfazer.
Por se distinguirem segundo essas qualidades lógicas, eles não podem ser aplicados
da mesma maneira (2003, p. 317).
Ainda, explica Habermas:
Princípios ou normas mais elevadas, em cuja luz outras normas podem ser
justificadas, possuem sentido deontológico, ao passo que os valores têm um sentido
teleológico.[...] Posso orientar o meu agir concreto por normas ou por valores,
porém a orientação da ação não é a mesma nos dois casos. A pergunta: “o que devo
fazer numa situação dada?” não se coloca da mesma maneira em ambos os casos,
nem obtém a mesma resposta. À luz de normas, é possível decidir o que deve ser
feito; ao passo que, no horizonte de valores, é possível saber qual comportamento é
recomendável (2003,p. 316).
Desse modo, em primeiro lugar, Habermas quer dizer que normas (em especial, os
princípios), como algo que impõe a seus destinatários comportamentos, o faz se
fundamentando naquilo que é correto num sentido universal; enquanto os valores, além de
não terem uma força obrigatória em qualquer situação, sendo assim de obrigatoriedade
relativa, não se baseiam no que seja correto, devido, mas no que é bom para uma determinada
coletividade atingir seus fins. Em outras palavras, valores representam preferências
compartilhadas subjetivamente, sendo algo particular, analisado caso a caso, sopesado numa
ordem de valoração. “E, uma vez que não há medidas racionais para isso, a avaliação realizase de modo arbitrário ou irrefletido, seguindo ordens de preferências e padrões
consuetudinários” (HABERMAS, 2003, p. 321).
40
Ainda, as normas ou são válidas ou inválidas, não cabendo escalonamento de
preferências como ocorre com os valores.
Normas diferentes não podem contradizer umas às outras, caso pretendam validade
no mesmo círculo de destinatários; devem estar inseridas num contexto coerente,
isto é, formar um sistema. Enquanto valores distintos concorrem para obter a
primazia; na medida que encontram reconhecimento intersubjetivo no âmbito de
uma cultura ou forma de vida, eles formam configurações flexíveis e repletas de
tensões (HABERMAS, 2003, p. 317).
“Se a norma é um comando, valor é antes um conselho” (GALUPPO, 1999, p. 197).
A partir de tais constatações, Habermas passa a contrapor Alexy e Dworkin no que se
refere à aplicação de resolução de conflitos entre princípios. Ao contrário de Alexy, que
propõe na ponderação, que pressupõe uma gradação entre princípios, Dworkin propõe uma
“cessão” no caso concreto, que implica uma exceção de aplicação de um princípio perante
outro. Dworkin parte do pressuposto de que “o que move essa decisão é exigência contingente
de prosseguimento da jurisdição e do processo, ligada à Integridade do direito” (GALUPPO,
1999, p. 200). Sendo assim, Dworkin apresenta uma conceituação do Direito que “deve ser
visto como um conjunto de princípios jurídicos decorrentes da história institucional de
determinada sociedade, que condicionam os direitos dos cidadãos e os juízos interpretativos”
(MATOS, 2010, p. 69). Ou seja, o direito não pode ser visto como um catálogo de regras
predefinidas a serem aplicadas pelo juiz, como destaca a doutrina positivista. Antes de tudo,
em uma sociedade plural e mutante, para se cumprir com os ideais de justiça e equidade por
meio da integridade do direito, deve-se fazê-lo pela interpretação das normas, concebendo os
princípios como direitos decorrentes desta sociedade, de forma que possam ser excepcionados
no caso concreto. Isto é, os juízes devem estar atentos em sua fundamentação, na resolução de
conflitos entre princípios, nos
vetores interpretativos oriundos desse conjunto de princípios, práticas e precedentes
anteriormente manuseados, de modo que suas razões estejam vinculadas a esses
aspectos históricos de maneira coerente e assim permitir que a segurança e
legitimidade de suas decisões sejam averiguadas pelos destinatários de suas
interpretações (MATOS, 2010, p. 72).
Nas palavras de Dworkin (1999, p. 271-272) “o princípio judiciário da integridade
instrui os juízes a identificar direitos e deveres legais, até onde for possível, a partir do
pressuposto de que foram todos criados por um único autor – a comunidade personificada –,
expressando uma concepção coerente de justiça e equidade”.
41
Como salienta Galuppo (1999, p. 200), com relação à concepção de integridade do
direto por Dworkin “antes que uma questão de avaliação (valores), a questão é uma questão
de hermenêutica acerca do que é relevante para se atingir uma decisão justa (vale dizer, que
respeita a Integridade) no caso concreto”.
Em outras palavras, por meio da interpretação
a Teoria do Direito como integridade constitui, daí, um mecanismo de
dessubjetivação das razões utilizadas pelos juízes quando da atividade interpretativa
[...] aumentando o grau de objetividade das suas razões a partir de elementos
encontráveis fora do sistema jurídico, mais exatamente na política e na história
institucional, mas sempre de modo que suas razões estejam vinculadas ao Direito
posto, e assim respeitar a segurança jurídica (MATOS, 2010, p. 72-73).
Por todo, afastado um entendimento estritamente positivista, tem-se que os princípios,
assim como as regras, sendo normas, têm obviamente um caráter normativo, no sentido de
apresentarem, então, força vinculante. Ou como melhor explica Habermas,
Normas e princípios possuem uma força de justificação maior do que a de valores,
uma vez que podem pretender, além de uma especial dignidade de preferência, uma
obrigatoriedade geral, devido ao seu sentido deontológico de validade; valores têm
que ser inseridos, caso a caso, numa ordem transitiva de valores (grifo do autor)
(2003, p. 321).
Isto é, “normas (princípios) obrigam seus destinatários igualmente, sem exceções, a
cumprirem expectativas geradas de comportamento, enquanto os valores devem ser
entendidos com preferências subjetivamente compartilhadas” (AMORIM, 2005, p. 131).
Entretanto, não há que negar a importância dos valores, tanto que, no Direito, os
princípios podem contê-los. E o é comumente verificado, visto que muitos dos princípios
jurídicos são valores positivados (v.g. a liberdade), e deste modo, passam de uma análise
meramente subjetiva para uma análise objetiva-normativa dos aplicadores/intérpretes do
Direito. Porém, o inverso não ocorre (os valores conterem normas, especialmente princípios),
“visto que os princípios possuem um plus, que é a dimensão prática do dever-ser, e é
exatamente esta que se leva em consideração no estudo das normas jurídicas” (SILVA;
SANTOS JÚNIOR, 2007).
Nas palavras de Ávila
[...] pode-se investigar os princípios de maneira a privilegiar o exame da sua
estrutura, especialmente para nela encontrar um procedimento racional de
fundamentação que permita tanto especificar as condutas necessárias à realização
dos valores por eles prestigiados quanto justificar e controlar a aplicação mediante
42
reconstrução racional dos enunciados doutrinários e das decisões judiciais. Nessa
hipótese, prioriza-se o caráter justificativo dos princípios e seu uso racionalmente
controlado. A questão crucial deixa de ser a verificação dos valores em jogo, para
se construir na legitimação de critérios que permitam aplicar racionalmente esses
mesmos valores. (grifo nosso) (2006, p. 64-65).
Por tudo que fora exposto, na discussão teórica entre Alexy e Dworkin, afastado está o
pensamento positivista: reconhece-se o caráter normativo dos princípios como espécie de
normas, ao lado das regras. No entanto, filia-se à teoria Dworkiana, principalmente no
entendimento de que princípios e valores não se confundem: princípios, como norma, têm um
sentido deontológico de validade, de obrigatoriedade geral e abstrata, sem qualquer
hierarquização; valores são válidos de acordo com as circunstâncias, sendo apenas
aconselhamentos, não tendo a mesma obrigatoriedade e imposição geral dos princípios.
Todavia, não se nega que os princípios possam conter valores, mas a recíproca não é
verdadeira.
E é neste contexto que o presente trabalho irá se pautar.
3.3 O afeto no entendimento da doutrina atual e frente à teoria dos princípios
3.3.1 Panorama do “princípio da afetividade” na doutrina brasileira
No primeiro capítulo, tentou-se traçar uma linha cronológica quanto à evolução do
conceito de família; e partiu-se de um entendimento em que a família se baseava na expressão
do poderio paterno, na procriação e no acúmulo de riquezas, até, enfim, chegar-se ao
consenso atual de que a família baseia-se na busca do pleno desenvolvimento da
personalidade de seus membros, como reflexos diretos dos princípios constitucionais.
Além dos princípios eminentemente constitucionais, outros são apresentados pelos
doutrinadores como princípios especiais ao direito de família. Dentre estes, pode-se elencar o
que, além de ser o foco deste trabalho, é apresentado pela maioria da doutrina como principal
fundamento do direito de família: a afetividade.
Paulo Lôbo (2009) refere-se à afetividade como o princípio implícito da Constituição,
que fundamenta o atual conceito de família, baseado na comunhão de vida entre seus
membros e na estabilidade dessas relações socioafetivas. É a expressão de outros valores
43
Constitucionais, porém especializado às relações familiares, como: igualdade entre filhos e
entre cônjuges, a liberdade de constituição familiar, a solidariedade familiar, além da própria
dignidade da pessoa humana.
O mesmo autor elenca a afetividade como um dos elementos caracterizadores da
relação familiar, ao lado da estabilidade e da ostensibilidade, com as quais deve ser conjugada
para tal identificação.
Rodrigo da Cunha Pereira (2004), seguindo o mesmo entendimento de Lôbo, traz a
visão de que, com a evolução do conceito de família até o estágio atual, devido ao princípio
da liberdade de constituição familiar, que se encontra intimamente ligado à autonomia
privada, o indivíduo procura encontrar nessas relações a felicidade, que, segundo o autor, farse-ia por meio da afetividade. E sendo a afetividade um reflexo do princípio primeiro da
dignidade da pessoa humana, que se reflete no pleno desenvolvimento da personalidade de
cada membro da entendida familiar, a afetividade seria o princípio pelo qual se chegaria a esta
felicidade.
Os professores Almeida e Rodrigues Júnior, ao se referirem ao afeto, explicam que
Trata-se de um sentimento que concorre para a realização da pessoa e sua constante
formação, mas que só passou a ser objeto de atenção jurídica quando a família
legítima – sediada no casamento – demonstrou a fragilidade dos seus contornos
formais para a satisfação dos seus membros (2010, p.49).
Nas palavras de Pereira,
Ademais, o art. 226, § 8° da Constituição Brasileira de 1988 assimila o marco ora
tratado da nova família, com contornos diferenciados, pois prioriza a necessidade da
realização da personalidade dos seus membros, ou seja, a família-função, em que
subsiste a afetividade, que, por sua vez, justifica a permanência da entidade familiar.
Esta é a família constitucionalizada, que trazemos a lume no presente trabalho.
Por isso, insista-se, a família só faz sentido para o Direito a partir do momento em
que ela é veículo funcionalizador à promoção da dignidade de seus membros. Em
face, portanto, da mudança epistemológica ocorrida no bojo da família, a ordem
jurídica assimilou tal transformação, passando a considerar o afeto como um valor
jurídico de suma relevância para o Direito de Família. Seus reflexos crescentes vêm
permeando todo o Direito, como é exemplo a valorização dos laços de afetividade e
da convivência familiar oriundas da filiação, em detrimento, por vezes, dos vínculos
de consanguinidade. Além disso, todos os filhos receberam o mesmo tratamento
constitucional, independente da sua origem e se são biológicos ou não (2004, p.
130).
Lôbo (2009, p. 49) ainda expõe que “a afetividade, cuidada inicialmente pelos
cientistas sociais, pelos educadores, pelos psicólogos, como objeto de suas ciências, entrou
nas cogitações dos juristas, que buscam explicar as relações familiares contemporâneas”.
44
Deste modo, defendendo o caráter principiológico da afetividade, Lôbo (2009),
todavia, ressalta que esta como princípio jurídico não se confunde com o afeto em seu caráter
psicológico, subjetivo, pois aquela pode ser presumida. Neste diapasão, a afetividade como
princípio apresenta-se, ainda, como um
dever imposto aos pais em relação aos filhos e destes em relação àqueles [e dos
parentes entre si], ainda que haja desamor ou desafeição entre eles [...] No caso dos
cônjuges e companheiros, o dever de assistência, que é desdobramento do princípio
jurídico da afetividade (e do princípio fundamental da solidariedade que perpassa
ambos), pode projetar seus efeitos para além da convivência, como a prestação de
alimentos e o dever de segredo sobre a intimidade e a vida privada (LÔBO, 2009, p.
48-49).
Há, ainda, os que defendem o afeto como direito de personalidade, como Flávio
Tartuce (2009) e Márcia Helena de Oliveira Cunha (2009), o que irá justificar a possibilidade
de reparação por dano moral, trabalhado no próximo capítulo.
Em contraposição, há na doutrina corrente divergente da maioria, que se baseia na
negativa de caráter jurídico ao afeto ou à afetividade, como Breno Mendes Forel Muniz
Vianna (2008) e Renata Barbosa de Almeida e Walsir Edson Rodrigues Júnior (2010).
Vianna (2008) em seu estudo conclui que o afeto nada mais é que um valor de
natureza moral, e que não deve ser visto como fator preponderante para a configuração de
laços familiares no estudo do Direito. Ainda, que é equivocado o trazer do afeto ao direito,
seja como valor jurídico ou princípio jurídico, isto porque
diante de uma realidade na qual as soluções a serem tomadas pelo Direito não se
fundamentam nele próprio, estaremos diante de um problema argumentativo,
fazendo com que se perca o caráter normativo deste, decidindo, como nas ações
precursoras da tese, em convicções morais e paradigmáticas (VIANNA, 2008, p.
483-484).
Desse modo, pode-se entender que não caberia apreciação judicial ao que a corrente
anterior chama de abandono afetivo.
No mesmo sentido, Leonardo Castro (2008, p. 20) afirma que “nas relações familiares,
cabe ao judiciário apenas a defesa aos direitos fundamentais do menor. A sua intromissão em
questões relacionadas ao sentimento é abusiva, perigosa e põe em risco relações que não são
de sua alçada”.
Assim, o autor apresenta o afeto como meramente um sentimento, sem caráter jurídico
o abandono afetivo, o que também leva a concluir que não poderá ser enquadrado como
direito fundamental do menor como muitos defendem.
45
Também, no mesmo campo de raciocínio, Almeida e Rodrigues Júnior (2010)
defendem a não caracterização do afeto como fator jurídico, mas meramente como um valor,
sem caráter normativo, não podendo ser enquadrado como princípio, pois como exposto
acima, “princípios jurídicos são normas e, por isso, de obrigatória observância” (ALMEIDA;
RODRIGUES JÚNIOR, 2010, p. 50).
Isto posto, os autores concluem que a afetividade não é passível de imposição, nem
cobrança.
Se o afeto é um sentimento de afeição para com alguém, soa intrínseco ao mesmo a
característica de espontaneidade. É uma sensação que se apresenta, ou não,
naturalmente. É uma franca disposição emocional para com o outro que não tolera
variações de existência: ou há ou não há; e, tanto numa como noutra hipótese, o é
porque autêntico. Isso impede que, ainda que se pretenda, se possa interferir sob o
propósito de exigibilidade nas situações em que ele não se apresentar
automaticamente. Insistir nisso é desvirtuar a virtude do afeto. Uma vez imposto não
é sincero e, assim, não congrega as qualidades que lhes são próprias, desde as quais
o incentivo à sadia conformação da identidade pessoal dos envolvidos (ALMEIDA;
RODRIGUES JÚNIOR, 2010, p. 50).
3.3.2 Mas o que é o afeto?
Primeiramente, cabe salientar que o afeto tem conceito de difícil definição.
Na doutrina, como vimos, ora trata-se do afeto associado ao conceito de princípio, ora
como um valor jurídico, ora nega qualquer destes conceitos sua caracterização. Mas o que
seria o afeto, tanto na sua acepção conceitual, quando para o estudo do direito?
A psicanalista Giselle Câmara Groeninga (2010) explica que, apesar de no senso
comum aferimos à palavra afeto no sentido positivo, ou seja, amoroso, este, como energia
mental, expressa tanto qualidades positivas, quanto negativas, como o ódio.
Os afetos constituem a energia psíquica, baseada no prazer e desprazer, que investe
pessoas ou representações, que valora as relações, e que se transforma em
sentimento – dando um sentido aos relacionamentos. Como dito, os afetos não
existem puros – só de amor ou só de ódio, e em função desta nossa natureza um
tanto ambivalente, uma dose de conflito é inerente à vida. Várias são as
combinações dos afetos, e enquanto o amor prevalecer as famílias continuam a se
constituir, por meio da solidariedade e da cooperação, o mesmo se dando nas
relações sociais e mesmo entre os países (GROENINGA, 2010, p. 204).
Dessa forma, tendo em vista a análise psicanalítica do afeto, cabe salientar que para o
estudo do afeto nas relações familiares, principalmente quando se trata da necessidade dos
46
pais dedicarem afeto aos filhos, está-se diante do seu sentido positivo, do que seja bom para
tal relação. E é deste afeto que trata o presente trabalho.
Como expõe Rafael Bucco Rossot (2009), o significado de afetividade seria o
conjunto de fenômenos afetivos, como emoções, sentimentos e paixões. O autor conclui que
afeto seria nada mais que um sentimento, não podendo ser enquadrado nem como valor, nem
como virtude.
Os valores pressupõem a valoração de uma conduta humana, de modo que
estabeleça certo juízo acerca daquela, e que estabeleçam marcos de orientação do
agir. Estes valores podem se materializar em regras morais que venham a vincular a
conduta de um indivíduo em face do grupo social em que o mesmo se encontre
inserido.[...] Portanto, os valores, sem se confundir com regras morais, só podem ser
aferidos em face da atitude concreta do ser humano. Agir (adotar conduta) de modo
afetivo pode ser valorado como bom ou mau, mas o afeto, em si e abstratamente,
não pode ser assim qualificado, pois simplesmente é, ou seja, é uma realidade
ontológica que independe de valorações (ROSSOT, 2009, p. 7) (grifos do autor).
E continua o autor
Por outro lado não se trata de uma virtude, pois esta implica na tradução prática de
um valor, como por exemplo, a virtude de ser corajoso (valor). Isto de modo que se
pode dizer que a todo valor corresponde uma virtude. Como o afeto não é um valor,
também não é uma virtude (ROSSOT, 2009, p. 7).
Todavia, apesar de toda explanação transcrita acima, em especial pela defesa do afeto
como simplesmente um sentimento, o autor termina por concluir que o afeto é um dever
jurídico. Tal afirmativa se extrai da seguinte passagem:
Pela análise levada a cabo depreende-se que há, no direito brasileiro, dever jurídico
de afeto, sendo os pais (biológicos, socioafetivos ou quem cumpra a função)
obrigados a respeitar esse mandamento sob pena de responderem civilmente,
desembocando no dever de reparar. (ROSSOT, 2009, p. 22-23)
No entanto, o autor afirma que, apesar de ser um dever jurídico, contra este não existe
um direito subjetivo, mas há a possível exigência de reparação pecuniária.
Soa um tanto dissonante o posicionamento de Rossot, isto porque em um primeiro
momento ele nega qualquer natureza jurídica ao afeto, para posteriormente enquadrá-lo como
dever jurídico imposto aos pais perante os filhos. Entretanto, o autor nega a existência de um
direito subjetivo dos filhos, mas concorda com a possibilidade de reparação por dano moral
em caso de descumprimento de tal dever.
47
Para explicar melhor, cabe trazer à baila, sucintamente, as diferenciações entre dever,
obrigação, sujeição e ônus. Como expõem Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald
(2009, p. 86) “dever, obrigação, sujeição e ônus são situações jurídicas subjetivas passivas.
Podem ser conceituadas como qualquer situação de desvantagem titularizada por um sujeito,
por efeito da concretização de uma norma”. No entanto, apesar de haver pontos convergentes,
são quatro termos que apresentam idéias distintas.
O dever jurídico importa a observância de determinado comportamento imposto pelo
ordenamento jurídico a toda coletividade, e que em sua contrapartida há sempre um direito
subjetivo.
Já a obrigação é um dever jurídico individualizado que decorre de uma relação jurídica
patrimonial consubstanciada no cumprimento de uma prestação de dar, fazer ou não-fazer.
Também tem em contrapartida um direito subjetivo.
A sujeição tem em sua contraprestação os direitos potestativos que por colocarem uma
das partes em uma situação de poder (pois estes são poderes jurídicos, que por livre ato de
vontade produz efeitos jurídicos sobre a outra parte), a outra fica em estado de submissão.
Aquele que se encontra no status de dominação poderá unilateralmente alterar a
situação do outro de per si ou judicialmente, sem que ele possa a isto se opor. O
titular do direito potestativo não exige um comportamento de outrem, mas submeteo a sua vontade (FARIAS; ROSENVALD, 2009, p. 87).
O ônus jurídico pode ser conceituado como a necessidade de se adotar uma conduta
para a defesa de interesse próprio, sem imposição legal para tanto. Não há correspondência a
uma situação ativa, pois “não se trata de um dever ou de uma obrigação, pois o seu
inadimplemento não gera sanção e o seu cumprimento não satisfaz um direito subjetivo
alheio, simplesmente proporciona uma vantagem ou evita uma desvantagem para seu próprio
titular” (FARIAS; ROSENVALD, 2009, p. 88).
Daí, como ser o afeto um dever jurídico ou uma obrigação sem haver em contrapartida
um direito subjetivo?
Vianna (2008), buscando arrego em outras ciências, também apresenta algumas
definições para o afeto. Numa definição etimológica, o afeto, palavra originada do latim
affectus, seria “estado psíquico ou moral (bom ou mau), afeição, disposição de alma, estado
físico, sentimento, vontade” (VIANNA, 2008, p. 465), afinidade. Para a psicanálise, o autor
conclui que “em linhas gerais, [...] o afeto é um estado emocional abrangente, tanto de
48
sentimentos positivos: (amor, simpatia, carinho, amizade), quanto negativos: (ódio, desamor,
raiva, aversão), dentre outros” (VIANNA, 2008, p. 466).
Na filosofia, o afeto é apresentado como as emoções positivas que se referem a
pessoas, sendo a “afeição usada filosoficamente em sua maior extensão e generalidade,
porquanto designa todo estado, condição ou qualidade que consiste sofrer uma ação sendo
influenciado ou modificado por ela” (Carlos Pinto CORREA, apud VIANNA, 2008, p. 466).
E em suas diversas formas, é apresentado de dois modos, seja como unidade e identificação
total entre dois seres, ou como troca recíproca entre indivíduos autônomos (ROSSOT, 2009).
Analisado no âmbito das relações familiares, nas palavras de Ricardo C. Pérez
Manrique (2010, p. 480) “se concluye entonces que el afecto, es decir vínculo subjetivo entre
las distintas personas que integram el núcleo familiar, se convierte en el elemento que como
resultado último del análisis permite estruturar la forma familiar”.
Nesse ensejo, pode-se concluir que o afeto é visto simplesmente como um sentimento,
como algo desprovido de qualquer natureza jurídica, seja como princípio ou como valor. A
natureza do afeto, ou da afetividade, é somente filosófica, psicológica ou sociológica.
Vale dizer que não se nega sua importância no Direito, principalmente no Direito de
Família (especificamente no foco deste trabalho, em que o que interessa é o seu aspecto
positivo, conforme define a psicologia), visto que este permeia tais relações, podendo por
vezes fundamentar a constituição e manutenção do vínculo familiar. No entanto, não é algo
que possa ser imposto ou exigido como cumprimento de uma norma.
Para explicar melhor esse entendimento, cabe ainda salientar que não há que confundir
cuidado com afeto, principalmente no que tange às relações paterno-filiais. Todavia, trata-se
de cuidado em seu aspecto objetivo, intimamente relacionado nas relações parentais aos
deveres inerentes ao poder familiar. Numa compreensão considerada recente, “entende-se por
poder familiar a autoridade jurídica dos pais sobre os filhos menores no propósito de
preservação e promoção dos interesses destes” (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2010, p.
473).
Sendo um múnus, o poder familiar incumbe aos pais na obrigação legal de proteger,
sustentar e acompanhar os filhos menores. Pelo art. 1.634 do CC/02, estes deveres se referem
em ter os filhos em sua companhia e guarda e dirigir-lhes a educação e criação; conceder-lhes
ou negar-lhes consentimento para casarem; nomear-lhes tutor por testamento ou documento
autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder
familiar; representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa
idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; reclamá-los de quem
49
ilegalmente os detenha; e exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios
de sua idade e condição.
Em especial22, os deveres de ter os filhos na companhia e guarda dos pais e destes
dirigir-lhes a criação tem ligação direta ao direito fundamental das crianças e adolescentes à
convivência familiar, conforme previsão constitucional23. Tal direito tem fundamento nos
princípios da dignidade da pessoa humana, no melhor interesse da criança e do adolescente,
bem como no pleno desenvolvimento da personalidade.
Neste sentido, os pais têm a obrigação de, pessoalmente, criarem seus filhos em seu
âmbito familiar, visto ser este o local adequado para o seu desenvolvimento pela presunção de
estar repleto do afeto característico das relações familiares. Se aqueles mantêm uma relação
conjugal ou de companheirismo tradicional24, a convivência entre estes, sendo comum em um
mesmo ambiente diuturnamente, implicará uma guarda e companhia dos filhos compartilhada
e, por presunção, mais benéfica ao filho.
Entretanto, pode ser que os pais não tenham qualquer vínculo familiar, o que não
interfere no vínculo entre cada um deles com os filhos.
Nessas circunstâncias, a guarda e a companhia do filho deverão ser coordenadas.
Isso equivale a um acréscimo na criação do menor. Ao invés de um único, mais de
um ambiente familiar lhe será ofertado e, em cada um deles, vários indicadores
comportamentais. Esses referenciais multiplicados podem ser equivalentes ou
dissonantes e, desta forma, talvez se reforcem ou se fragilizem mutuamente.
Considerando tais possibilidades, é preciso, mais cautelosamente preparar o filho
para bem conviver com isso, não devendo o pai apresentar a variação como
rivalidade. Afinal, eles hão de contribuir com e não concorrer – no sentido de
disputar – na criação do menor (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2010, p. 476477)
Por este direito fundamental à convivência familiar do filho menor com seus pais e sob
seus cuidados, cunhou-se no meio jurídico a visão da visita como um dever dos pais que não
exercem a guarda física dos filhos, sendo em contrapartida um direito do menor, que, se
descumprido, é passível de ser reclamado judicialmente, além de configurar abandono.
Com este raciocínio, Joubert R. Rezende (2005) conclui que a visitação como poderdever daquele que exerce o poder familiar, implicando uma obrigação de fazer infungível, que
22
Especial por implicar diretamente no problema a ser discutido neste trabalho.
CF/88. Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem,
com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo
de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
24
Tradicional no sentido dos conviventes viverem numa mesma residência.
23
50
se não adimplida, é passível de ser demandada com a tutela específica das obrigações de
fazer, podendo haver a imposição de astreintes para compelir o pai/mãe (devedor) a cumprir a
obrigação25. O descumprimento ao dever de visita é o principal pivô do chamado “abandono
afetivo”, do qual se tratará em momento oportuno.
Em suma, o entendimento é de que os pais devem estar na companhia de seus filhos
dedicando-lhes imensurável afeto, pois, caso contrário, estar-se-á diante de ato que
configurará como um tipo de ato ilícito, o “abandono afetivo”.
No entanto, entendem-se temerários tais argumentos conclusivos. Primeiramente pela
natureza do afeto: é um sentimento. E por isto ser, pressupõe-se advindo da espontaneidade,
não sendo passível de imposição nem mesmo judicial. Segundo, o direito à convivência
familiar merece uma reflexão mais cuidadosa, baseada no melhor interesse da criança e do
adolescente, e não simplesmente em um dever a ser cumprido, pois, analisado o caso, poderse-á concluir que a presença do pai/mãe pode ser prejudicial ao filho menor. E, obrigar o
pai/mãe a conviver afetivamente com o filho pode gerar consequências desastrosas à
formação do filho.
Por todo exposto, vale repetir: não se está desmerecendo a importância do afeto nas
relações familiares, principalmente nas relações parentais. No entanto, afeto sendo
sentimento, algo extremo e naturalmente subjetivo e de gênese espontânea, não pode ser
imposto, sob pena de desconfigurá-lo.
Agir e reagir afetivamente é expressar emoções e sentimentos. Essa é, sem dúvida, a
melhor qualificação para o afeto. Não há como, nessa direção, conceituar de forma
precisa, incontroversa e pormenorizada este sentimento ou emoção (e nem qualquer
outro, dadas as peculiaridades inerentes às manifestações psíquicas humanas). Tal
situação, de certo modo, vem impedindo reflexões jurídicas mais acuradas sobre o
tema. E o ponto central da discussão é exatamente o acima arrolado: tange à própria
substância da matéria que se pretende disciplinar – algo tão complexo e vasto como
a materialização de um sentimento ou emoção, refletindo esta incerteza na própria
clareza das definições (ROSSOT, 2009, p. 8)
Vale também ressaltar que não se está negando a possibilidade de punição dos pais
pelo descumprimento ou abuso no exercício do poder familiar. No entanto, não é a exigência,
a imposição de cumprimento destes deveres, principalmente o de visitar (que apresenta
ligação direta com o afeto, ou, para os que defendem, o princípio da afetividade), a melhor
solução. O próprio direito de família já apresenta suas sanções aos maus pais, que de alguma
25
Há, ainda, os que defendem ser o não cumprimento das visitas estabelecidas judicialmente como crime de
desobediência (Arnaldo WALD, apud REZENDE, 2005, p. 155).
51
forma geram algum prejuízo à formação do filho: a suspensão ou destituição do poder
familiar, tratados nos artigos 1.637 e 1638, ambos do CC/0226
26
Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os
bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça
reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha.
Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença
irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão.
Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:
I - castigar imoderadamente o filho;
II - deixar o filho em abandono;
III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;
IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.
52
4
DA RESPONSABILIDADE CIVIL
4.1
Considerações iniciais
Para uma melhor compreensão deste trabalho, uma vez que já se dissertou sobre a
evolução da família e a natureza do afeto, faz-se necessária uma quebra no raciocínio para
discutir, em linhas gerais, sobre a responsabilidade civil, e então posteriormente retornar a
discussão central deste trabalho.
Por intermédio do instituto da responsabilidade civil, obtêm-se as garantias da
responsabilidade da integralidade moral e material das pessoas físicas e jurídicas, abaladas em
decorrência de ilícitos.
A responsabilidade civil se reveste no ordenamento jurídico pátrio como sendo de
grande importância, revelado principalmente pelas discussões doutrinárias e jurisprudenciais,
e pelo elevado volume de ações intentadas no poder judiciário.
Carlos Roberto Gonçalves discorre sobre a importância do estudo da responsabilidade
civil.
O tema é, pois, de grande atualidade e de enorme importância para o estudioso e
para o profissional do Direito. Grande é a importância da responsabilidade civil, nos
tempos atuais, por se dirigir à restauração de um equilíbrio moral e patrimonial
desfeito e à restituição da riqueza de conformidade com os ditames da justiça,
tutelando a pertinência de um bem, com todas as suas utilidades, presentes e futuras
de um bem, como poderá José Antônio Nogueira, o problema da responsabilidade é
o próprio problema do direito, visto que “todo o direito assenta na idéia da ação,
seguida da reação, de restabelecimento de uma harmonia quebrada”. (2003, p. 04)
Ao longo dos últimos anos, a responsabilidade civil apresentou palco para grandes
debates, sobretudo no que refere à responsabilidade por dano moral, na tentativa de se chegar
a uma solução para a ausência de previsão legal para a sua mensuração, e considerando
principalmente o subjetivismo do seu objeto. E mais recente ainda é a discussão da reparação
por danos morais (e também materiais) ocorridos no âmbito familiar, em especial pela
ausência de afeto.
Neste presente capítulo, procurar-se-á fazer uma abordagem a fim de contribuir para
uma maior compreensão do instituto.
53
4.2
Breve histórico da responsabilização civil
De acordo com a teoria clássica, a responsabilidade civil baseia-se em basicamente
três pressupostos: o dano, a conduta culposa e a relação de causalidade entre os dois
primeiros.
Entretanto, nos primórdios da humanidade, não se vislumbrava a perquirição de culpa
ao causador de danos, pois se encontrava sobre o império da vingança privada, em que, como
ensina Alvino Lima (apud GONÇALVES, 2010, p. 36), predominava-se a “forma primitiva,
selvagem talvez, mas humana, da reação espontânea e natural contra o mal sofrido; solução
comum a todos os povos nas suas origens, para a reparação do mal pelo mal”. Não havia de se
falar de observância de regras ou limitações para tentar reparar os danos provocados,
encontrando-se presente a pena do talião, qual seja, “olho por olho, dente por dente”.
Superado tal período, iniciou-se, ainda sem perquirição de culpa, o período da
composição, em que a pessoa que sofria o dano passava a exigir vantagens e conveniências,
com cunho econômico ao causador do dano, a seu critério.
Em um terceiro momento, a vingança privada é vedada e a composição econômica
passa a ser obrigatória como forma de reparação de danos ocorridos, sendo que com isso veio
a tarifação, já que não havia nenhum critério a ser observado.
É quando, então, o ofensor paga um tanto ou quanto por membro roto, por morte de
um homem livre ou escravo, surgindo, em conseqüência, as mais esdrúxulas
tarifações, antecedentes históricos das nossas tábuas de indenizações
preestabelecidas por acidentes do trabalho (GONÇALVES, 2010, p. 36-37).
Apenas com o direito romano houve a diferenciação entre pena e reparação, e o Estado
chamou para si a função de punir, enquanto ao particular cabia apenas buscar a reparação de
seus danos por meio da ação de indenização (GONÇALVES, 2010).
Um marco importante foi a elaboração da Lex Aquilia, em 250 a.c, nela é que se
esboçou o princípio geral regulador da reparação do dano.
Todavia, é no direito francês que se estabelece um princípio geral da responsabilidade
civil, sem elencar de forma taxativa os casos em que seria aplicado, e em seu lugar foram
sendo elaborados novos princípios, como: “direito à reparação sempre que houver culpa;
54
existência de uma culpa contratual; e o princípio aquiliano, qual seja: a culpa ainda que
levíssima, obriga a indenizar” (VIANNA, 2008, p. 455).
Gonçalves (2010) observa que se deve, inicialmente, ao desenvolvimento industrial e à
multiplicação dos danos, o surgimento de novas teorias acerca da responsabilidade civil
visando à proteção das vítimas.
No Brasil, o Código Civil de 1916 sofreu na sua elaboração influência direta da ideias
contidas no Código Civil Francês, sendo que a teoria da culpa restou evidenciada no art. 15927
como regra geral, entretanto, estabelecendo-se os casos específicos de responsabilidade sem
perquirição de culpa.
Pode-se concluir, pois, o desenvolvimento da teoria clássica da responsabilidade civil,
com a adoção subsidiária da responsabilidade objetiva. “Fundamenta-se a responsabilidade na
ideia de culpa, e somente quando esta é insuficiente para atender às noções de humanidade
ocorre a obrigação legal de reparar, independentemente daquela noção” (VIANNA, 2008, p.
455). Em linhas gerais, tal entendimento é o que se impõe na atualidade – como mais adiante
ter-se-á a oportunidade de analisar –, onde três pressupostos para a configuração da
responsabilidade civil se apresentam: o ato ilícito, o dano e o nexo de causalidade.
Árduo foi o reconhecimento da possibilidade da aplicação da responsabilização civil
por danos morais. Inicialmente, vigorava a tendência negativista, em que o dever de reparação
estava vinculado a certas disposições especificas naquele sentido; ou seja, só os casos
previamente previstos em lei eram passíveis de serem tutelados. Ainda, argumentava-se por
negar a indenizabilidade dos danos morais, aduzindo que a indenização não teria condições de
eliminar o prejuízo e suas consequências. Ou seja, dano moral era dano não indenizável.
Com a Constituição Federal de 1988, elevou-se o dever de reparabilidade a status
constitucional ao elencar entre os seus direitos e garantias fundamentais o direito de resposta,
proporcional ao agravo, além do reconhecimento dos direitos à intimidade, à vida privada, à
honra e à imagem das pessoas, assegurou o direito à indenização pelo dano material ou moral
decorrentes de sua violação, previstos nos incisos V e X, do art. 5º28.
27
Código Civil de 1916. Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência,
violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.
28
CF/88. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
[...]
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou
à imagem;
[...]
55
No atual Código Civil, encontra-se expresso o dever de indenizar ao estabelecer no art.
186 que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar
direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. E o art.
927 ao prever que “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica
obrigado a repará-lo”.
Feitas estas breves análises no histórico do surgimento do dever de reparabilidade,
passa-se ao estudo de suas teorias, pressupostos e modalidades.
4.3
Conceito de responsabilidade civil
Etimologicamente, a palavra responsabilidade advém do latim re spondere, no sentido
de segurança ou garantia de restituição ou compensação do bem sacrificado (GONÇALVES,
2010, p. 50).
Sergio Cavalieri Filho (2008, p. 2) inicia diferenciando responsabilidade de obrigação:
a “obrigação é sempre um dever jurídico originário; responsabilidade é um dever jurídico
sucessivo, consequente à violação do primeiro” (grifo do autor). Ou seja, a violação de um
dever jurídico originário (obrigação) leva ao surgimento de outro dever, o dever de compor o
prejuízo causado.
É aqui que entra a noção de responsabilidade civil. Em seu sentido etimológico, a
responsabilidade exprime a idéia de obrigação, encargo, contraprestação. Em sentido
jurídico, o vocábulo não foge dessa idéia. Designa o dever que alguém tem de
reparar o prejuízo decorrente da violação de um outro dever jurídico. Em apertada
síntese, responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para
recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário
(CAVALIERI FILHO, 2008, p. 2).
Todavia, como observa João Agnaldo Donizeti Gandini e Diana Paola da Silva
Salomão,
a amplitude do conceito de responsabilidade civil revela dificuldades em se ater
numa só definição que seja, porque a doutrina tende compilar os conceitos técnicos e
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
56
a realidade concreta da obrigação de reparar os danos, independentemente de serem
identificadas as causalidades, à teoria subjetiva ou à objetiva (2003, p.1).
Neste mesmo diapasão, Carlos Roberto Gonçalves (2003, p. 01) explica que entre as
várias acepções existentes, algumas fundadas na doutrina do livre arbítrio, outras como
motivações psicológicas, destaca-se a noção de responsabilidade como aspecto da realidade
social, em que toda atividade que cause prejuízo traz em seu bojo como fato social, o
problema da responsabilidade, que visa, assim, restabelecer a harmonia e o equilíbrio violado.
Dito isso, conclui:
Pode-se afirmar, portanto, que responsabilidade exprime idéia de restauração de
equilíbrio, de contraprestação, de reparação de dano. Sendo múltiplas as atividades
humanas, inúmeras dão também as espécies de responsabilidade, que abrangem
todos os ramos do Direito e extravasam os limites da vida os limites da vida jurídica,
para se ligar a todos os domínios da vida social. Coloca-se, assim, o responsável na
situação de quem, por ter violado uma determina norma de sua conduta danosa,
podendo ser compelido a restaurar o statu quo ante. (2003, p. 02)
4.3.1 Responsabilidade civil e responsabilidade penal
Ainda, para se traçar uma melhor definição de responsabilidade civil, e analisar as suas
espécies, cabe diferenciá-la da responsabilidade criminal ou penal, visto que ambas podem
nascer de uma conduta ilícita do agente.
A ilicitude não é algo privativo da esfera penal, e assim esta poderá ser analisada em
diferentes ramos do direito, em especial na esferas civil e penal, sendo que sua incidência irá
variar de acordo com norma jurídica que impõe o dever violado pelo causador do dano.
Quando se fala em crimes ou contravenções, o autor do fato danoso infringe uma
norma de direito público, provocando uma reação do Estado que intervém aplicando ao
agente uma pena, como forma de resguardar a sociedade. Assim, o infrator, por meio de sua
conduta, perturba a ordem social e, por conseguinte, seu ato provoca uma reação do
ordenamento jurídico na aplicação de uma cominação legal, que pode ser configurada por
uma pena privativa de liberdade, restritiva de direitos ou multa.
Em se tratando da responsabilidade civil, há apenas o interesse da pessoa lesada em
ver estabelecido o equilíbrio anterior ao dano provocado. É regida por normas de caráter
privado, dependendo diretamente da manifestação da parte lesada para que o autor do dano
tenha a obrigação de ressarci-la.
57
Cavalieri Filho (2008) explica que o que vai diferenciar um ilícito civil de um ilícito
penal é a sua gravidade; quais sejam as condutas mais graves, que atingem bens de maior
relevância social, são passíveis de responsabilização penal; enquanto que as condutas menos
graves são repreendidas pela lei civil.
Porém, nada impede que uma mesma conduta, um mesmo ato ilícito, pela sua
gravidade e suas consequências, repercuta tanto na esfera civil como na penal, por infringir,
assim, uma norma de direito público ao mesmo tempo em que acarreta prejuízos ao particular.
Dessa forma, a conduta gravosa, além de desencadear uma reação do Estado – que é o único
competente para a aplicação da sanção penal –, submetendo o transgressor à pena prevista, é
passível de indenização à vítima. “[...] como se vê, haverá dupla sanção: a penal, de natureza
repressiva, e a civil, de natureza reparatória, consubstanciada na indenização” (CAVALIERI
FILHO, 2008, p. 14).
4.4 Das espécies de responsabilidade civil
4.4.1 Responsabilidade contratual e extracontratual
Como explicado anteriormente, quem infringe um dever jurídico do qual resulte dano
a outrem fica obrigado a reparar, sendo que esta violação poderá ter como fonte uma relação
jurídica obrigacional anteriormente estabelecida, oriunda de um contrato ou uma manifestação
unilateral de vontade, ou por violação a uma obrigação imposta por alguma norma.
Se preexistente a relação jurídica entre as partes, a responsabilidade civil é contratual
por resultar de inexecução de obrigação constituída em ato jurídico negocial. Entretanto, se
inexistente vínculo de natureza negocial entre a vítima e o autor do dano que violou preceito
legal impositivo, a responsabilidade civil é extracontratual ou aquiliana, em homenagem à Lex
Aquilia29.
Interessante ressaltar que, além de se diferenciarem pela preexistência ou não do
vínculo entre a vítima e o agente causador do dano, na responsabilidade contratual cabe ao
29
Isto se deve ao fato de atribuírem a origem do elemento culpa como algo fundamental na reparação do dano à
Lex Aquilia.
58
devedor provar que não agiu com culpa, porque esta se presume no vislumbrar do
descumprimento
do
dever
jurídico
previamente
estabelecido.
Ao
contrário,
na
responsabilidade civil aquiliana é a vítima que deve provar a culpa do agente.
4.4.2 Responsabilidade subjetiva e responsabilidade objetiva30
Apresenta Cavalieri Filho (2008) ser a culpa, de acordo com a teoria clássica, o
principal pressuposto da responsabilidade civil subjetiva, abrindo, entretanto, exceções para a
responsabilidade objetiva ou por risco, criando-se, dessa forma, um sistema misto de
responsabilidade. Com isso, pode-se, assim, a responsabilidade civil, conforme o seu
fundamento, ser subjetiva ou objetiva
Quando se exige a análise da conduta do causador do dano, a responsabilidade é dita
como sendo subjetiva, de modo que a prova da culpa – em sentido lato, abrangendo o dolo, a
negligência ou a imprudência – daquele que praticou a conduta danosa é indispensável para
que se verifique a incidência do dever de indenizar.
Por outro lado, na responsabilidade objetiva é irrelevante a análise dos aspectos
volitivos da conduta do autor do ato lesivo. Assim, não importa se o ato foi praticado com ou
sem dolo ou culpa; sua responsabilidade nasce do liame de causa entre eventual ação ou
omissão e o dano a outrem. Tais situações ou são impostas por lei ou se fundam no risco da
atividade exercida pelo agente, conforme prevê o art. 927 do CC/02, ou no excesso dos
limites impostos para o exercício de um direito do qual é titular o agente causador do dano
(art. 187 do CC/02)31.
Importante frisar que é relevante identificar em que casos dar-se-á a aplicação da
responsabilidade subjetiva ou da objetiva, visto que como regra prevalece a responsabilidade
subjetiva, e somente por exceção há incidência da responsabilidade objetiva.
É importante salientar que para o presente estudo importará somente a
responsabilização subjetiva, ou seja, baseada na culpa, tendo em vista as próprias
30
Neste momento, importará apenas apresentar as diferenças entre tais modalidades de responsabilidade civil.
No entanto, quando oportuno, aprofundar-se-á no que for pertinente ao estudo.
31
CC/02. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente
os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
59
características das relações familiares, que não se enquadram nas especificações da
responsabilidade objetiva.
4.5 Pressupostos da responsabilidade civil
A responsabilidade de indenizar de acordo com a teoria clássica necessitava da
ocorrência, conjunta e indissociável, de três requisitos essenciais, quais sejam: a conduta
culposa do agente, a existência de dano e a relação de causalidade entre a conduta e o dano.
Desse modo, de acordo com a teoria clássica, a culpa era elemento essencial na
responsabilidade civil.
Conforme aduz Anderson Schreiber
Na prática judicial, isto significava que a vítima de um dano precisava, além de
evidenciar seu prejuízo, superar duas sólidas barreiras para obter indenização: (i) a
demonstração de culpa do ofensor, e (ii) a demonstração do nexo de causalidade
entre a conduta culposa do ofensor e o dano. Esta duas barreiras – prova da culpa e
prova do nexo causal – chegaram a ser chamadas filtros da responsabilidade civil
ou filtros da reparação, por funcionarem exatamente como óbices capazes de
promover a seleção das demandas de ressarcimento que deveriam merecer acolhida
jurisdicional. Aos olhos da época, parecia evidente que se, por qualquer catástrofe,
estes filtros se rompessem, o Poder Judiciário seria inundado com um volume
incalculável de pedidos de reparação (grifos do autor) (2009, p.11).
Como alhures comentado, estar-se-á diante de uma nova concepção do dever de
responsabilidade, sendo que, com a evolução do nosso ordenamento jurídico, já não se admite
a concepção de que a responsabilidade civil está sempre atrelada à culpa.
Nesse sentido, nas lições de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2010,
p. 67), “a culpa, portanto, não é um elemento essencial, mas sim acidental”, sendo que “os
elementos básicos ou pressupostos gerais da responsabilidade civil são apenas três: a
conduta humana (positiva ou negativa), o dano ou prejuízo, e o nexo de casualidade” [...]
(grifos do autor)
No entanto, mesmo sendo a culpa elemento não essencial a configurar o dever de
indenizar, esta se apresenta imprescindível se verificada sob a óptica da responsabilidade civil
na modalidade subjetiva, que, como já mencionado, é a regra geral adotada pelo Código Civil,
conforme se extrai do estudo do caput do art. 927 (“aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e
187) causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”), combinado com o art. 186 (“aquele
60
que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar
dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”).
Dessa forma, no que tange à responsabilidade civil subjetiva, que será utilizada por
base, acrescentar-se-á aos pressupostos elencados a culpa do agente na conduta danosa.
4.5.1 Da conduta humana, positiva ou negativa, culposa (ato ilícito)
Conduta pode ser conceituada como o comportamento humano voluntário por meio de
uma ação (positiva) ou omissão (negativa), objetivamente manifestada, e que produz
consequências jurídicas (CAVALIERI FILHO, 2008).
A ação é a forma mais comum de exteriorização da conduta, porque fora do domínio
contratual, as pessoas estão obrigadas a abster-se da prática de atos que possam lesar
ao seu semelhante, de sorte que a violação desse dever geral de abstenção se obtém
através de um fazer. Consiste, pois, a ação em movimento corpóreo comissivo, um
comportamento positivo, com a destruição de uma coisa alheia, a morte ou lesão
corporal causada em alguém, e assim por diante. Já, a omissão, forma menos comum
de comportamento, caracteriza-se pela inatividade, abstenção de alguma coisa
devida. Vieira dizia, com absoluta propriedade, que omissão é aquilo que se faz não
fazendo (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 24).
A omissão adquire relevância jurídica como conduta ensejadora de dever de indenizar,
quando o omitente tem o dever jurídico de agir, de praticar um ato que impeça a ocorrência de
um resultado danoso.
A regra é que só será responsabilizado pelo dano aquele que lhe deu causa por conduta
própria, sendo chamada responsabilidade direta por fato próprio. Porém, a lei estabelece
alguns casos em que surge a responsabilidade de fato de terceiro, em que o responsável pela
reparação está ligado ao causador do dano de algum modo, por um dever de guarda, vigilância
e cuidado. São os casos dispostos nos arts. 932 e 933 do CC/0232.
32
CC/02. Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;
II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;
III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes
competir, ou em razão dele;
IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins
de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;
V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.
61
Na responsabilidade civil subjetiva, verifica-se que é indispensável o voluntarismo da
ação ou omissão do autor do dano, qual seja, que a conduta seja culposa. Mas o que é culpa?
A culpa, como apresentam Stolze e Pamplona Filho,
(em sentido amplo) deriva da inobservância de um dever de conduta, previamente
imposto pela ordem jurídica, em atenção à paz social. Se esta violação é proposital,
atuou o agente com dolo; se decorreu de negligência, imprudência ou imperícia, a
sua atuação é apenas culposa, em sentido estrito (2010, p. 165).
Na concepção de Cavalieri Filho (2008, p. 30), a noção de culpa, em sentido amplo
(lato sensu), abrange “toda espécie de comportamento contrário ao Direito, seja intencional,
como no caso de dolo, ou não, como na culpa”. E continua: “pode-se conceituar culpa [em
sentido estrito] como conduta voluntária contrária ao dever de cuidado imposto pelo Direito,
com a produção de um evento danoso involuntário, porém previsto ou previsível” (2008, p.
34). Já o dolo “é a vontade conscientemente dirigida à produção de um resultado ilícito. É a
infração consciente do dever preexistente, ou o propósito de causar dano a outrem” (2008, p.
31).
Por esses conceitos apresentados, extraem-se os elementos da conduta delituosa, que a
doutrina basicamente elenca três:
a) a voluntariedade da conduta do agente, seja por meio do dolo ou da culpa, apesar do
resultado muitas vezes ser involuntário. “Em suma, enquanto no dolo o agente quer a
conduta e o resultado, a causa e a consequência, na culpa a vontade não vai além da
ação ou omissão. O agente quer a conduta, não, porém, o resultado; quer a causa, mas
não quer o efeito” (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 35);
b) previsibilidade: sem ela estar-se-á fora do limite da culpa, pois configurará caso
fortuito ou força maior; e
c) violação de dever de cuidado, cautela ou diligência.
Ainda, a culpa pode ser graduada em grave, leve ou levíssima, o que poderá
influenciar diretamente no quantum indenizatório. Tal interpretação se extrai do parágrafo
Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte,
responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.
62
único do art. 944 do CC/02, em que se prevê que “se houver excessiva desproporção entre a
gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização”.
Pode-se também elencar, conforme apresenta a doutrina, modalidades de culpa que,
quanto à natureza do dever violado, pode ser contratual ou extracontratual; e ainda, no que se
refere ao modo que se apresentam, podem ser in vigilando, in elegendo ou in custodiendo.
A culpa in vigilando é a que decore da falta de vigilância, em face da conduta de
terceiro pelo qual se é responsável. Os pais, por exemplo, respondiam pelos atos dos filhos
menores, via de regra, pela falta de vigilância. Entretanto, o CC/02 (art. 932, I) optou pela
responsabilização objetiva dos pais pelos atos dos filhos sob sua autoridade, não sendo mais
aplicável a culpa in vigilando.
In eligendo é a culpa decorrente da má escolha. Exemplo comum, mas que deixou de
ter importância prática pelo motivo que o anterior, é o do patrão que responde pelo ato danoso
do empregado, que é tratado no ordenamento atual na esfera objetiva da responsabilidade (art.
932, III, CC/02).
Já a culpa in custodiendo caracteriza-se pela falta de atenção em relação a animal ou
coisa sob responsabilidade do agente. Também fora passada à responsabilização objetiva.
Como ressalta Stolze e Pamplona Filho (2010), importante salientar a existência da
culpa in contrahendo, aquela em que incorre o agente que se nega a celebrar o contrato
esperado, prejudicando o interesse legítimo a outra parte, caracterizando uma violação da boafé objetiva, aplicada em todas as fases contratuais, inclusive na pré-contratual.
Finalizando, o pressuposto da conduta humana que configure ato ilícito, impõe-se
saber que a obrigação de reparar pode subsistir mesmo quando alguém atuando dentro da
órbita estrita de seu direito causa prejuízo a terceiro: é o que se chama de responsabilidade por
abuso de direito.
Sobre o assunto Silvio Rodrigues (2002) buscou a origem da teoria do abuso do
direito, constando que prevaleceu durante quase todo o século XIX a ideia de que os direitos
individuais eram absolutos, e, assim sendo, aquele que agia dentro de seu direito a ninguém
prejudicava. Todavia, com o passar dos anos, verificou-se que parecia intolerável que atos
praticados com o visível espírito de prejudicar terceiros pudessem deixar seu autor isento de
reparar os danos provocados, apenas ao fundamento de que este agira dentro da órbita de seu
direito subjetivo. A partir de então, passou-se a vislumbrar a abusividade no exercício dos
direitos dos quais são titulares os causadores dos danos como conduta que ensejaria direito à
reparação civil.
63
Essa é a inteligência verificada na interpretação conjugada dos arts. 927 e 187, ambos
do CC/02.
4.5.2 Da existência de dano
Dano pode ser conceituado como qualquer lesão a um bem jurídico, qualquer que seja
a sua natureza, patrimonial ou extrapatrimonial (moral), causado pela conduta do agente
infrator. Em outras palavras, pode-se concluir que dano, em sentido jurídico, seria a supressão
ou a diminuição de uma situação favorável à vítima que estava protegida pelo direito.
A presença do dano para a configuração da responsabilidade civil é indispensável,
visto que é da essência da responsabilização civil a reparação, indenização ou ressarcimento
de um dano sofrido. Para a conduta humana acarretar responsabilidade civil do agente, é
imprescindível a comprovação do dano dela decorrente, eis que é possível a ocorrência de
ações, que são consideradas atos ilícitos, ou seja, violação de um dever jurídico, mas que
podem, no caso concreto, não causar qualquer prejuízo.
Um exemplo trazido pela doutrina é o de se alguém dispara uma arma de fogo, num
local onde transitam várias pessoas, terá praticado em tese um ato ilícito. Porém, é possível
que os projéteis não atinjam qualquer pessoa ou coisa, e por consequência não cause danos
patrimoniais ou morais. A conduta continua reprovável, e por ter praticado uma conduta
tipificada pela norma penal, é possível sanção na esfera criminal, mas não gera para o autor
dos disparos consequências obrigacionais.
Como dito, o entendimento de dano tem a capacidade de englobar tanto o prejuízo
patrimonial (econômico), como o não-patrimonial (moral) sofrido pela vítima, do qual sem a
sua ocorrência inexiste a indenização.
4.5.2.1 Do dano patrimonial ou material
O dano patrimonial ou material consiste na lesão concreta ao patrimônio da vítima,
acarretando por consequência a perda ou deterioração dos bens materiais que lhe pertencem,
sendo assim suscetível de quantificação pecuniária.
64
Dano patrimonial é gênero que comporta duas espécies: os danos emergentes e os
lucros cessantes33. Os danos emergentes são aqueles prejuízos materiais efetivamente sofridos
pela vítima em virtude da lesão sofrida. Como exemplo, pode-se citar que em um acidente
automobilístico os danos emergentes seriam as despesas com conserto do carro, o reboque, as
diárias no hospital, etc.
Diferentemente, os lucros cessantes são os benefícios patrimoniais que o lesado deixou
de aferir em virtude da lesão sofrida. São os ganhos frustrados. Exemplificando: se na
hipótese anterior, o automóvel danificado tratasse de um táxi, e a vítima o taxista que ficou
impossibilitado de trabalhar por um determinado período, o que este deixou de ganhar neste
interstício é o que se entende por lucros cessantes.
Discute-se no meio acadêmico o enquadramento da chamada perda de uma chance:
para uns será modalidade de danos emergentes, para outros de lucros cessantes, como
Cavalieri Filho (2008), e há os que defendem sua autonomia dentre os danos materiais,
configurando uma terceira espécie, como Nelson Rosenvald (2008).
Na teoria da perda de uma chance, remanescente dos direitos francês e italiano, cunhase o entendimento de que, apesar do benefício ser incerto, a oportunidade (chance) de aferir
alguma vantagem econômica é certa. Conforme explicita Cavalieri Filho (2008, p. 75) “é
preciso, portanto, que se trate de uma chance séria e real, que proporcione ao lesado efetivas
condições pessoais de concorrer à situação futura esperada.” Verifica-se, então, a aplicação do
princípio da razoabilidade. “A indenização, por sua vez, deve ser pela perda da oportunidade
de obter uma vantagem e não pela perda da própria vantagem”.
4.5.2.2 Do dano extrapatrimonial ou moral
Durante muito tempo, as discussões em torno do dano moral se baseavam quase que
exclusivamente se este pode ou não ser indenizável, ou se este pode ou não cumular com os
danos materiais. No entanto, vencida essa etapa, a discussão se apresenta na própria definição
do dano moral.
33
CC/02. Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor
abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.
65
Há os que definem como qualquer dano que não seja patrimonial, e os que definem
como o sofrimento, a dor, o vexame, o desconforto, a humilhação.
No entanto, a melhor definição para dano moral pode ser a apresentada por Maria
Celina Bodin de Moraes (2007) e Cavalieri Filho (2008) como a lesão aos direitos da
personalidade.
Sobre a evolução do dano moral, Gama faz uma sucinta mas eficaz abordagem:
A doutrina nacional divide a evolução histórica do dano moral basicamente em três
fases distintas: a) a negativista, em que não se reconhecia o direito à reparação do
dano; b) a intermédia, no período de 1966 a 1988, em que a reparação passa a ser
acolhida em determinado casos, sendo inadmitida a cumulação dos danos morais
com os danos patrimoniais. c) a positivista, iniciada em 1988, em que a reparação do
dano moral ganha patamar constitucional, dotada de autonomia e pleno
reconhecimento como direito fundamental (2008a).
Constituindo, assim, o dano moral a lesão aos direitos da personalidade (e não o
sofrimento, a tristeza, o transtorno) em qualquer dos seus aspectos, de reparação garantida
constitucionalmente, cabe traçar a sua natureza, trazendo a lume outro ponto crucial de
discussões na doutrina e nos tribunais sobre o assunto.
Basicamente, defendem o dano moral com caráter meramente compensatório, como
Moraes (2007), ou lhe agregam um caráter também punitivo, como Pedro Augusto Lopes
Sabino (2004).
Defende Sabino que há um duplo objetivo na indenização por danos morais:
Em conformidade com entendimento amplamente aceito na doutrina e na
jurisprudência nacionais, a indenização por danos morais possui caráter dúplice:
satisfativo e punitivo. Paga-se, em pecúnia, ao ofendido uma satisfação atenuadora
do dissabor suportado (evidentemente, não haverá uma equivalência aritmética entre
o valor indenizatório e a dor sofrida) e, ao mesmo tempo, castiga-se o ofensor,
causador do dano, desestimulando a reiteração de sua prática lesiva. A indenização
não pode ser, em conformidade com este entendimento, estabelecida de tal forma
que seja preferível para o causador do dano persistir com suas práticas abusivas
(2004).
Da mesma forma, observa José Roberto Ferreira Gouvêa e Vanderlei Arcanjo da Silva
(2004) que a visão hoje predominante é a de que embora a ofensa à dignidade não tenha preço
e nem possa ser mensurada pecuniariamente, os danos morais são plenamente reparáveis em
dinheiro. No entanto, não visa à restituição absoluta do statu quo ante da vítima, mas apenas
um escopo de alívio, amenização, buscando, ainda, sancionar o agente ofensor a fim de que
ele não reitere a conduta ofensiva. Assim, num contexto mais amplo, consiste o objeto dessa
reparação pecuniária na defesa dos valores essenciais à preservação da personalidade humana,
66
atribuindo à vítima algum tipo de compensação, ao mesmo tempo que penaliza o ofensor pelo
ato danoso.
Do outro lado, os que defendem um caráter apenas compensatório da vítima na
reparação por danos morais, como Adriano Stanley Rocha Souza (2009) e Maria Celina
Bodin de Moraes (2007), apresentam seus argumentos explanando, dentre outros, os critérios
para fixação do quantum da reparação.
Enquanto os danos materiais são calculados com fulcro no exato montante do prejuízo
econômico sofrido pelo ofendido em seu patrimônio, os danos morais em seu turno não
possuem dimensão monetária, sendo insuscetíveis de avaliação estrita.
A sua quantificação tem se revelado um tema amplamente controvertido e polêmico,
não sendo raros os comentários acerca da “indústria do dano moral” ou das “loterias
indenizatórias”.
Muitos foram os juristas que tentaram e tentam estabelecer critérios justos para
mensurar o valor monetário do dano moral, mas a dificuldade de liquidação do mesmo está
ligada ao caráter predominante subjetivo que lhe é peculiar, uma vez que a legislação pátria
(fora raras exceções, como o caso da Lei de Imprensa, art. 53) é omissa, ficando a cargo dos
magistrados a tarefa de quantificar o valor da indenização.
Porém, insta salientar que tal dificuldade não pode elidir a obrigação que o causador
do dano tem em ressarcir a vitima da conduta lesiva.
Observa-se que em muitos julgados34 há a aplicação por analogia dos critérios para
arbitramento da indenização estabelecidos no art. 5335 da Lei de Imprensa, quais sejam:
34
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL.
[...] QUANTUM INDENIZATÓRIO. Na fixação do valor indenizatório deve o magistrado, por seu prudente
arbítrio, levar em consideração as condições econômicas e sociais do ofendido e do agressor; a gravidade
potencial da falta cometida; as circunstâncias do fato; o comportamento do ofendido e do ofensor; sem esquecer
o caráter punitivo da verba e que a reparação não pode servir de causa a enriquecimento injustificado. Princípios
da razoabilidade e proporcionalidade. [...] (RIO GRANDE DO SUL, TJRS, Apelação Cível Nº 70008836496, 9ª
C. Cív., Rel.: Des. Fabianne Breton Baisch, Julgado em 22/12/2004)
RECURSO ESPECIAL. DANO MORAL. INCLUSÃO INDEVIDA EM CADASTRO RESTRITIVO DE
CRÉDITO. REVISÃO DO VALOR. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA
PROPORCIONALIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. O entendimento deste Superior Tribunal de Justiça é
firme no sentido de que evidente exagero ou manifesta irrisão na fixação, pelas instâncias ordinárias, viola os
princípios da razoabilidade e da proporcionalidade,sendo possível, assim, a revisão da aludida quantificação.
(BRASIL, STJ, REsp 746094 / ES (2005/0070642-)1, 4ª Turma. Rel. Ministro Jorge Scartezzini. Julg.
07.11.2006).
35
Lei n. 5.250/67. Art . 53. No arbitramento da indenização em reparação do dano moral, o juiz terá em conta,
notadamente: I - a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e repercussão da ofensa e a
posição social e política do ofendido; II - A intensidade do dolo ou o grau da culpa do responsável, sua situação
econômica e sua condenação anterior em ação criminal ou cível fundada em abuso no exercício da liberdade de
manifestação do pensamento e informação; III - a retratação espontânea e cabal, antes da propositura da ação
67
natureza da ofensa sofrida; a intensidade efetiva do sofrimento do ofendido; a repercussão da
ofensa no meio social; a existência de dolo, por parte do ofensor, na prática do ato danoso e o
grau de sua culpa; a situação econômica do ofensor; a possibilidade e a capacidade real de o
ofensor voltar a praticar e/ou vir a ser responsabilizado pelo mesmo fato danoso; a prática
pretérita do ofensor relativa ao mesmo fato danoso, ou seja, se ele já cometeu a mesma falta; e
as práticas atenuantes realizadas pelo ofensor, visando diminuir a dor do ofendido.
Discordando de alguns desses critérios, principalmente o que leva em consideração
para arbitragem do quantum indenizatório a situação econômica do ofensor, a outra corrente
apresenta seus argumentos.
Primeiramente, afere-se que pelo art. 944 do CC/02 “a indenização mede-se pela
extensão do dano”. Aliada a isso, Moraes (2007) aduz que a reparação pelo dano moral deve
alcançar integralmente o dano sofrido. Dessa forma, o foco da situação será a condição
pessoal em que a vítima se encontra, excluindo-se parâmetros econômicos e sociais. Quanto
ao dano, levar-se-á em conta a sua dimensão, avaliado na repercussão social e gravidade, mas
sempre analisado em relação à vítima.
Assim, no entender da autora, “apenas os elementos atinentes às condições pessoais da
vítima e à dimensão do dano [...] devem ser levados em conta para, afinal, estabelecer-se a
indenização (MORAES, 2007, p. 332).
Salienta a autora que os critérios próprios de juízo de punição ou que levem em
consideração as condições econômicas do autor e a gravidade de sua culpa não devem ser
utilizados, por dizerem respeito ao dano causado, não ao sofrido.
Do ponto de vista prático, o caráter punitivo do dano moral cria mais problemas do
que soluções. [...] A função punitiva representa atualmente um grande incentivo à
malícia. Ademais disso, ela “corre solta”, sem critérios, já que proveniente apenas da
maior ou menor sensibilidade de cada magistrado; os mais conscienciosos ainda
justificam, mas a maioria dos juízes, por indicação inclusive do STJ, não separa
compensação de punição (MORAES, 2007, p. 328)
Acontece que os defensores dos danos punitivos ou punitive damages, como Sabino
(2004) e Nelson Rosenvald (2008c), entendem que ao fixar a verba indenizatória, o juiz deve
fazer em duas partes autônomas, porém cumulativas: uma destinada a compensar o dano
sofrido pela vítima e uma segunda verba de caráter punitivo, a fim de dissuadir a reincidência.
É uma verdadeira pena privada, que leva em consideração para sua fixação a condição
penal ou cível, a publicação ou transmissão da resposta ou pedido de retificação, nos prazos previstos na lei e
independentemente de intervenção judicial, e a extensão da reparação por êsse meio obtida pelo ofendido.
68
econômica do ofensor e seu grau de culpa. No entanto, a maioria dos magistrados reconhece o
caráter punitivo, além do compensatório, mas fixa um único montante.
A fim de rechaçar esse entendimento, a doutrina contrária apresenta basicamente três
argumentos. O primeiro deles diz respeito à falta de tipificação legal que preveja a punição
por algum dano cometido. Segundo, que competência para punir é do juízo penal, e fixando o
magistrado cível um valor compensatório e punitivo, havendo a possibilidade de
responsabilização penal, este infrator seria condenado duas vezes pelo mesmo ato (bis in
idem). O terceiro refere-se à ocorrência de enriquecimento indevido da vítima, pois esta, além
de receber o que lhe é devido a título de compensação, receberia um plus, que é o dano
punitivo.
Por todo exposto, então, o dano moral como tutela dos direitos de personalidade
devem ter caráter apenas compensatório à vítima, no intuito de amenizar o dano sofrido que
apenas excepcionalmente está sendo apreciado monetariamente. O dano punitivo, nesse
diapasão, apresenta-se na contramão da tutela da dignidade da pessoa humana.
4.5.2.2.1 Dano moral coletivo
A doutrina atual admite o chamado dano moral coletivo, como sendo aquela ofensa
aos bens jurídicos difusos. Tal admissão tem ligação com o princípio da solidariedade.
Como explica Nelson Rosenvald (2008b), a ofensa a direitos difusos, como o meio
ambiente e os direitos do consumidor, que são direitos transindividuais, são direitos de
titularidade de toda a coletividade. Assim, a legitimidade para impetrar tal ação pleiteando
dano moral coletivo caberia ao Ministério Público, em ação civil pública, em que o pedido
seria cumulado com a reparação do dano (Lei n. 7347/85).
O autor ainda explica que a verba indenizatória seria destinada a um fundo de
recomposição dos bens lesados, a fim de se criarem campanhas publicitárias de proteção dos
bens difusos e coletivos.
No que tange a entendimentos jurispudenciais, apesar de alguns tribunais entenderem
pela aplicação do dano moral coletivo, como o Tribunal de Justiça de Minas Gerais36,o STJ37
36
AÇÃO CIVIL PÚBLICA - MINISTÉRIO PÚBLICO - LEGITIMIDADE - DIREITO DIFUSO PROPAGANDA ENGANOSA -VIAGENS PARA QUALQUER LUGAR DO PAÍS - DANO MORAL
69
já entendeu pela sua não aplicação, tendo em vista ser incompatível a noção de dano moral
(individual) com danos aos direitos difusos (coletivo).
4.6 Nexo causal
O nexo de causalidade é o liame entre a conduta do agente e o dano causado. A
constatação do nexo causal é condição essencial para que se verifique a obrigação de
indenizar.
Anderson Schreiber (2009), após conceituar o nexo causal, ou a relação de
causalidade, como vínculo que se estabelece entre dois eventos, de modo que um represente
conseqüência do outro, adverte que a aparente simplicidade da definição contrasta com as
inúmeras dificuldades práticas que surgem na sua aferição.
De fato, reconhece-se há muito, que o nexo de causalidade natural ou lógico
diferencia-se do jurídico, no sentido de que nem tudo que, no mundo dos fatos ou
diferencia-se do jurídico, no sentido de que nem tudo que, no mundo dos fatos ou da
razão, é considerado como causa de um evento pode assim ser considerado
juridicamente. A vinculação da causalidade à responsabilização exige uma limitação
do conceito jurídico de causa, sob pena de uma responsabilidade civil amplíssima. É
o que revela, de forma eloqüente, a ser lembrada passagem de Binding, o próprio
marceneiro que fabricou o leito no qual se deitou o casal amoroso (SCHREIBER,
2009. p. 53).
Alerta o referido autor que ampla discricionariedade concedida ao poder judiciário
para aferição da causalidade jurídica não produz apenas decisões incoerentes, mas resulta
também numa certa insegurança no que tange à própria responsabilidade.
COLETIVO. A propaganda enganosa, consistente na falsa promessa a consumidores, de que teriam direito de se
hospedar em rede de hotéis durante vários dias por ano, sem nada pagar, mediante a única aquisição de título da
empresa, legitima o Ministério Público a propor a ação civil pública, na defesa coletiva de direito difuso, para
que a ré seja condenada, em caráter pedagógico, a indenizar pelo dano moral coletivo, valor a ser recolhido ao
Fundo de Defesa de Direitos Difusos, nos termos do art. 13 da Lei nº 7.347/85 (MINAS GERAIS, Tribunal de
Justiça. 15ª C. Cív. Apelação Cível N° 1.0702.02.029297-6/001 – Rel.: Des. Guilherme Luciano Baeta Nunes.
Julg. 26.06.2006).
37
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. DANO MORAL COLETIVO.
NECESSÁRIA VINCULAÇÃO DO DANO MORAL À NOÇÃO DE DOR, DE SOFRIMENTO PSÍQUICO,
DE CARÁTER INDIVIDUAL. INCOMPATIBILIDADE COM A NOÇÃO DE TRANSINDIVIDUALIDADE
(INDETERMINABILIDADE DO SUJEITO PASSIVO E INDIVISIBILIDADE DA OFENSA E DA
REPARAÇÃO). RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. (BRASIL, STJ, 1ª Turma. REsp 598281 MG
(2003/0178629-9). Rel. Ministro Luiz Fux. Julg. 02.05.2006.)
70
Pior: A liberdade com que o Poder Judiciário trata a questão do nexo causal estimula
pedidos de reparação, fundados mais na desgraça da vítima, que em uma
possibilidade jurídica de imputação dos infortúnios ao sujeito que se considera
responsável. Fala-se, neste sentido, em vitimização social ou blame culture.
(SCHREIBER, 2009. p. 77)
O problema do nexo causal se verifica nas hipóteses em que há uma multiplicidade
de circunstâncias que concorrem com o evento danoso, e há a necessidade de se aferir dentre
elas a causa real do resultado.
Das diversas teorias38 que buscaram trazer uma solução ao problema, podem-se
destacar três: a teoria da equivalência dos antecedentes (ou da conditio sine qua non), a teoria
da causalidade adequada e a teoria da causalidade direta e imediata.
A primeira teoria, como explica Cavalieri Filho (2008), não diferencia causa (aquilo
da qual se depende quanto à existência) e condição (o que permite a produção de efeitos à
causa). Assim, todas as condições que concorrerem para o mesmo resultado têm a mesma
relevância.
Para se saber se uma determinada condição é causa, elimina-se mentalmente essa
condição, através de um processo hipotético. Se o resultado desaparecer, a condição
é causa, mas se persistir, não o será. Destarte, condição é todo antecedente que não
pode ser eliminado mentalmente sem que venha a ausentar-se o efeito (CAVALIERI
FILHO, 2008, p. 47)
Critica-se essa teoria por exacerbar na causalidade, levando a uma regressão infinita
do nexo causal, o que, por exemplo, chegar-se-ia a conclusão de que o inventor da arma, o
fornecedor de matéria prima, etc., seriam responsáveis pelos crimes cometidos com arma de
fogo.
A teoria da causalidade adequada é a que apresenta como causa não somente o evento
antecedente necessário, mas adequado a produzir o resultado danoso. Estabelecido que várias
condições podem levar ao resultado, é necessário agora verificar qual é a mais adequada.
“Causa será apenas aquela que foi mais determinante, desconsiderando-se as demais”
(CAVALIERI FILHO, 2008, p. 48). E a mais adequada somente poderá ser aferida
causuisticamente, cabendo ao julgador colocar-se no lugar do agente, analisar os fatos e emitir
38
Gisela Sampaio da Cruz (2005) elenca as seguintes teorias: da equivalência dos antecedentes causais, da causa
própria, causa eficiente e causa preponderante, da causalidade adequada, do escopo da norma jurídica violada, da
ação humana e do dano direito e imediato.
71
seu juízo quanto à idoneidade de cada condição e apontar, dentre as diversas condições, a que
teve interferência decisiva no dano. Esta será a causa adequada.
Em matéria de responsabilidade civil, a teoria da causalidade adequada é a que
prevalece, apesar de considerável parte da doutrina e da jurisprudência sustentarem que, pelo
art. 40339 do CC/02, se está positivada a teoria da causalidade direta e imediata.
No entanto, conforme assevera Cavalieri Filho
De se ressaltar que a expressão “efeito direto e imediato” não implica a causa
cronologicamente mais ligada ao evento, temporalmente mais próxima, mas sim
aquela que foi a mais direta, a mais determinante segundo o curso natural e ordinário
das coisas. Com (sic) freqüência a causa temporalmente mais próxima do evento não
é a mais determinante, caso em que deverá ser desconsiderada, por se tratar de mera
concausa (2008, p. 50-51).
Como concausa se entende ser a outra causa que, junto da principal, concorre para o
resultado, mas que, no entanto, não tem o fito de iniciar nem interromper o processo causal;
apenas pode agravar o dano.
4.7 Causas que excluem a responsabilidade civil
Podem ser elencadas como causas que excluem o dever de indenizar, apesar de no
caso concreto, em tese, se verem elencados os pressupostos da responsabilidade civil, seja
subjetiva, seja objetiva, por romperem o nexo de causalidade ou excluírem a ilicitude da
conduta: o estado de necessidade, a legítima defesa, o exercício regular do direito e estrito
cumprimento do dever legal, o caso fortuito e força maior, a culpa exclusiva da vítima e os
fatos de terceiro.
Diretamente voltada para a área da responsabilidade civil contratual, também exclui a
responsabilização a chamada cláusula de não indenizar, que constitui uma convenção
realizada entre os pactuantes de excluir o dever de indenizar, em caso de inadimplemento.
39
CC/02. Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os
prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei
processual.
72
4.8 Responsabilidade civil nas relações familiares
Apresentados os pressupostos da responsabilidade civil, suas principais discussões e
apontamentos, cabe neste momento enfrentar a sua abordagem no âmbito do direito de
família, nas relações afetivas. Para tanto, optou-se por dissertar sobre o assunto em capítulo
apartado, abarcando cada relação (noivado, casamento e união estável e paterno-filiais) de
maneira separada.
Entretanto, cabe salientar e afirmar de plano, que não se nega a aplicabilidade do
instituto estudado neste capítulo às relações familiares. Principalmente no que tange aos danos
materiais, não se encontram consideráveis discussões, sendo facilmente admitida a sua
aplicabilidade. No entanto, a mesma facilidade de conclusão não é verificada quanto ao dano
moral, especificamente, quando fundamentado na ausência de afeto de um determinado
membro em relação ao outro dentro do núcleo familiar.
73
5 A FALTA DE AFETO NAS RELAÇÕES FAMILIARES FRENTE À
RESPONSABILIDADE CIVIL
Voltando a discussão ao problema proposto a ser enfrentado neste trabalho, após tratar
do atual conceito de família, da natureza do afeto e da responsabilidade civil, traz-se a baila as
consequências que a falta de afeto nas relações paterno-filiais podem gerar no campo da
responsabilização civil.
Então, cabe salientar que o foco do presente trabalho é a falta do afeto nas relações
entre pais/mães e filhos, mas, nada obsta trazer algumas considerações no que tange ao afeto
frente a outros tipos de relações familiares, como o casamento e a união estável, bem como,
também, o noivado.
5.1 Responsabilidade civil na ruptura do noivado, do casamento e da união estável
Discussões existentes na doutrina e na jurisprudência, porém de menor amplitude em
vista do abandono afetivo paterno-filial (do qual se tratará a seguir), são as referentes ao
cabimento ou não de reparação por danos morais baseado no simples rompimento de
relacionamento amoroso.
É patente na doutrina atual a defesa do núcleo familiar como o local adequado e
propício para o desenvolvimento da personalidade do indivíduo; e este núcleo muitas vezes
nasce do encontro amoroso entre duas pessoas que o fazem no intuito de constituir família.
Constitucionalmente, como tratado em momento anterior, protege-se a família em suas
várias facetas, sendo o rol do art. 226 da CF/88 meramente exemplificativo, ou seja, entidades
familiares não são somente as formadas pelo casamento, união estável ou por um dos pais e
seus descendentes, mas sim por todo núcleo onde se vislumbra o animus familiae (ou affectio,
como preferem vários doutrinadores40) de seus membros, e que vige a busca do livre e pleno
desenvolvimento da personalidade destes. Daí apresenta-se a importância e influência do
afeto nas relações familiares.
40
Em especial Paulo Lôbo (2009).
74
Nota-se que a afetividade é a base das construções das entidades familiares, a partir
de um olhar social, houve uma clara intimização das relações familiares, ou seja,
uma perda da perspectiva social desse agrupamento e um ganho de privacidade, o
próprio Código Civil brasileiro, quando em seu art. 1513, diz que é defeso a
qualquer pessoa, seja de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida
instituída pela família, isto equivale a dizer que a função da construção familiar não
é social, mas privada, a saber: a realização afetiva de seus componentes
(OLIVEIRA, 2003).
Como afirma Luciano Chaves de Farias (2008, p. 6), “o que deverá unir pessoas na
formação de uma entidade familiar serão os sentimentos que os entrelaçam”.
E, apesar da liberdade de composição nos arranjos familiares, ainda é o casamento a
forma mais comum de sua constituição, mantendo no atual Código Civil, no Livro de Direito
de Família, tratamento especial que ocupa 72 artigos (do artigo 1511 ao 1582). É a família
formal que nasce de um contrato41 cercado de formalidades e solenidades específicas para sua
existência, validade e eficácia jurídica.
Tradicionalmente, o noivado antecede o casamento, porém não se trata de instituto do
Direito das Famílias, apesar de em determinados aspectos, analisados em suas peculiaridades,
possa ter reflexos no mundo jurídico, principalmente no Direito das Obrigações. Entretanto,
não é somente por este último motivo que o noivado interessa ao estudo jurídico.
Poder-se-ia identificar no Direito Romano, com reminiscências no direito brasileiro
pré-codificado, os chamados esponsais (sponsalia per verba de futuro), de natureza
contratual, sendo um pré-contrato, uma promessa de casamento, que, se não cumprida,
resolvia-se em perdas e danos, “participando [os esponsais] da dupla feição que nos outros
sistemas jurídicos se lhe atribui, de contrato simultaneamente de Direito de Família e de
Direito de Obrigações” (PEREIRA, 2005, p. 71).
No Brasil Império, o contrato esponsalício era feito por meio de escritura pública,
assinada pelos noivos e seus pais ou responsáveis legais, além de duas testemunhas. Este
estabelecia uma promessa formal de casamento para ocorrer em um determinado prazo, sob
pena de ser compelido a cumprir o prometido ou arcar com perdas e danos (ALMEIDA;
RODRIGUES JÚNIOR, 2010).
41
Este trabalho não negligencia o fato de ainda existirem divergências quanto a natureza jurídica do casamento
que divide a doutrina entre contratualistas, institucionalistas e os que defendem uma corrente mista (casamento
como ato complexo). Mas, opta-se pela primeira corrente, pois não se pode afastar de mensurar que o casamento
primordialmente depende da manifestação de vontade das partes, do exercício da autonomia privada, devendo
passar pelo crivo dos planos de existência, validade e eficácia dos negócios jurídicos, bem como pelo advento da
Lei n. 11.411/07, que estabelece a possibilidade de procedimento administrativo para a dissolução do
matrimônio.
75
Os esponsais não mais figuram no ordenamento jurídico brasileiro desde o Código
Civil de 1916. E o noivado existente é compromisso meramente moral, não podendo lhe ser
atribuído conteúdo jurídico de promessa de casamento, nem qualquer outro que leve ao
entendimento de exigência de cumprimento, podendo livremente qualquer dos nubentes
arrepender-se. “O rompimento do noivado é facultado sempre, como pertinente à noção de
que o matrimônio há de refletir a vontade espontânea dos nubentes” (PEREIRA, 2005, p.71).
Isso porque a sua permissão “atentaria contra a família protegida constitucionalmente, ou seja,
aquela que tem como função promover a formação pessoal de seus componentes”
(ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2010, p. 569).
Todavia, apesar de banidos os esponsais do ordenamento jurídico brasileiro, não se
pode negar a possibilidade de reparação por danos materiais, e até morais, causados pelo
rompimento do noivado, dependendo do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade
civil (ato ilícito, dano e nexo causal).
Com relação aos danos materiais42, não se constatam divergências, pesando-se certa
unanimidade em sua aplicação, conforme se poderá perceber na análise dos julgados que
serão apresentados posteriormente. Entretanto, pesam discussões quanto à admissão ou não de
danos morais, bem como do modo de configurá-lo no caso concreto.
Apesar de ser um direito o desistir de se casar até antes da celebração do casamento,
há que se prezar pelo bom senso e descrição no ato, sem ofensas desnecessárias, de modo a
não submeter a outra parte, se feito unilateralmente, em situação vexatória, o que do contrário
poderá caracterizar abuso de direito.
Assim, já manifestou o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em 2001, em julgado
que mereceu discussões contrárias e a favor do que fora decidido.
Responsabilidade Civil. Casamento. Cerimônia não realizada por iniciativa
exclusiva do noivo, às vésperas do enlace. Conduta que infringiu o princípio da boafé, ocasionando despesas, nos autos comprovadas, pela noiva, as quais devem ser
ressarcidas. Dano moral configurado pela atitude vexatória por que passou a
nubente, com o casamento marcado. Indenização que se justifica, segundo alguns,
pela teoria da culpa “in contrahendo”, pela teoria do abuso de direito, segundo
outros. Embora as tratativas não possuam força vinculante, o prejuízo material ou
moral, decorrente de seu abrupto rompimento e violador das regras da boa-fé, dá
ensejo à pretensão indenizatória. Confirmação, em apelação, da sentença que assim
decidiu. (RIO DE JANEIRO, TJRJ, 5ª C. Cív., Ac. n.º 2001.001.17643, Rel. Des.
Humberto de Mendonça Manes. Julg. 17.10.2001, v. u.) (grifos no original)
42
Frequentemente, os magistrados têm entendido pela divisão meio-a-meio das despesas acarretadas pelo
casamento frustrado, como contratos de Buffet, aluguel de vestido, floricultura, enxoval, etc.
76
Dessa forma, com relação principalmente ao dano moral, há que se analisar com
bastante cautela o fato concreto, pois não é qualquer rompimento de noivado que ensejará a
possibilidade de condenação indenizatória por não cumprir compromisso de se casar.
Somente farão jus aqueles casos excepcionalíssimos em que se configurar alguma prática de
ato ilícito que ofenda os direitos da personalidade de outrem43.
Ou seja, apesar de se reconhecer que os relacionamentos que buscam a estrada do
matrimônio ou da união estável se fundam na maioria das vezes no afeto, o rompimento
baseado na ausência deste, que leva uma das partes a simplesmente experimentar um dissabor,
a mágoa, a sensação de abandono, de frustração de uma expectativa, não gera direito da
reparação civil por dano moral44.
RESPONSABILIDADE CIVIL - DANO MORAL - Rompimento de noivado Enriquecimento sem causa - O mero rompimento de vínculo amoroso não
caracteriza ato ilícito - Eventual ilicitude somente se admite quando o término da
relação é feito de forma abusiva, ferindo a dignidade da pessoa rejeitada - Ausência
de um dos requisitos da responsabilidade civil - Embora lícita a conduta do réu,
persiste o dever de compensar pela metade dos prejuízos econômicos sofridos em
razão do cancelamento das festividades de casamento - Vedação ao enriquecimento
sem causa - Festa que beneficiaria a ambos - Réu não pode deixar de sofrer
diminuição patrimonial às custas da diminuição do patrimônio da autora - Dever de
suportar com metade dos prejuízos decorrentes do cancelamento da festa - Sentença
improcedente - Recurso provido em parte (SÃO PAULO, TJSP, Apelação Cível n.
549.484.4/6-00, 4ª C. D. Priv., Relator Des. Francisco Loureiro, Julg. 16/04/2009)
(grifo nosso).
Ainda cabe salientar que não há que se questionarem os motivos que levaram a tal
decisão de rompimento. Não há que procurar um motivo justo para o fim do relacionamento,
sendo o simples não mais querer, seja pela falta de afeto ou qualquer outro motivo,
43
Cita-se como exemplo “o noivo que deixa para terminar o relacionamento na hora da celebração do
casamento, abandonando a noiva na presença de todos os convidados. Diante dessa situação será possível
caracterizar o abuso de direito [...]”(ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2010,p. 571)
44
Entretanto, as circunstâncias particulares de cada caso podem levar a entendimentos diferentes, mas não
menos defensáveis. EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. NOIVADO. ZONA
RURAL. PROMESSA DE CASAMENTO. RUPTURA INJUSTIFICADA. NOIVA GRÁVIDA. LESÃO À
HONRA OBJETIVA E SUBJETIVA. VERIFICAÇÃO. DESRESPEITO AO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ.
RESPONSABILIDADE CIVIL CONFIGURADA. DEVER DE INDENIZAR RECONHECIDO. SENTENÇA
MANTIDA. - É inconteste a livre manifestação de vontade dos nubentes quanto à possibilidade de rompimento
do noivado, desde que tal ruptura não acarrete ofensa à honra subjetiva e objetiva do outro. Restando provado
nos autos que houve má-fé por parte de um dos nubentes, induzindo a erro o outro, certa é a incidência do
instituto da responsabilidade civil, com a consequente imposição do dever de indenizar. (TJMG - 13ª C. Cível.
APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0701.03.058756-5/001 - COMARCA DE UBERABA - APELANTE(S): OLEVINO
DORISTO DE SOUSA - APELADO(A)(S): CINTIA DOS REIS DE SENE - RELATOR: EXMO. SR. DES.
ALBERTO HENRIQUE. Jul. 05/03/2009. v. u.). Pela análise o inteiro teor do acórdão, nota-se que fato ocorreu
em uma cidade muito pequena do interior de Minas Gerais, onde a noiva, uma jovem “matuta” de 18 anos,
acreditando nas promessas de casamento do seu noivo 18 anos mais velho, manteve relação sexual com o
mesmo, o que resultou em gravidez, que ao ser revelada ao futuro pai, fez com que este negasse a efetivação do
compromisso de se casar.
77
justificativa bastante para o fim do compromisso, e por si só não ofende a dignidade de
ninguém. Toda relação amorosa tem em si um risco natural de não se concretizar da forma
esperada pelos envolvidos.
Conforme expõe Luciano Chaves de Farias (2008, p. 6)
Por estar pautada em sentimentos, uma relação afetiva entre duas pessoas pode vir a
sofrer as consequências das oscilações, típicas da seara humana. O amor e o afeto de
uma pessoa por outra, talvez, não dure para sempre [...]. Com base nessa realidade
indelével, pode-se visualizar uma teoria do risco nas relações afetivas. (grifo no
original)
No entanto, há entendimentos no sentido de aferir dano moral pelo rompimento do
relacionamento amoroso sem motivo justificável, sob o argumento de que tal fato fere a honra
objetiva e subjetiva45 de um dos nubentes.
APELAÇÃO CÍVEL - RESPONSABILIDADE CIVIL - DANO MORAL PROMESSA DE CASAMENTO - RUPTURA INJUSTIFICADA DE NOIVADO
ÀS VÉSPERAS DA REALIZAÇÃO DA CERIMÔNIA - AUSÊNCIA DE
MOTIVO JUSTO - LESÃO AS HONRAS OBJETIVA E SUBJETIVA
CONFIGURADAS - RESPONSABILIDADE - CULPA DO RÉU PELO
ROMPIMENTO - IMPRUDÊNCIA VERIFICADA - DANO MORAL
CONFIGURADO - DESRESPEITO AO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ - VALOR DA
INDENIZAÇÃO FIXADO EXAGERADAMENTE -- NECESSIDADE DE
READEQUAÇÃO - AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDO E APELO
PARCIALMENTE PROVIDO. Em que pese a possibilidade de rompimento de
noivado até o momento da celebração das núpcias, existindo evidente promessa de
casamento e ruptura injustificada do compromisso, que acarreta dano às honras
objetiva e subjetiva da noiva, certa é a incidência do instituto da responsabilidade
civil, com a conseqüente imposição de indenização. (PARANÁ, TJPR, 18ª C.Cível AC 0282469-5, Rel.: Des. Luiz Sérgio Neiva de Lima Vieira. Julg. 16.08.2006)
Mas, como defende Farias (2008), discutir se há ou não motivo justo para o
rompimento da relação, causa um retrocesso no estudo jurídico, hoje baseado na promoção do
ser humano em sua dignidade. Seria como retornar ao Direito Romano, onde as arras
esponsalícias serviam de garantia contra o rompimento da promessa de casamento, a fim de
punir o que descumprir o compromisso.
45
Como explica Cícero Camargo Silva (2003): “A ofensa moral como ataque à honra subjetiva manifesta-se
intrinsecamente na vítima, considerando-se como padecimentos internos, enfim, é o menoscabo com repercussão
no âmago do ofendido, o prejuízo absorvido pela própria alma humana, como dor, angústia, tristeza, sofrimento,
insônia etc., efeitos de dano moral juridicamente passíveis de reparação. Noutros termos, o agravo à honra
subjetiva é a reflexão moral externa, como violação ao íntimo da vítima, aos seus sentimentos interiores. O ente
natural dispõe ainda de honra objetiva, que é a consideração social, são os valores de dignidade. É o apreço
moral da pessoa física perante seu meio civil de convivência”.
78
O autor afirma que a dor da ruptura são custos da seara humana. “Quem entra em um
relacionamento deverá ter essa consciência de que a experiência nem sempre será bem
sucedida” (FARIAS, 2008, p. 20). Daí defende a teoria do risco das relações afetivas. Trata-se
de uma adaptação da teoria dos riscos ao Direito de Família. A teoria dos riscos, comum no
Direito Administrativo e do Consumidor (além de outros casos expressamente previstos,
como os elencados no art. 932 do CC/02), é que fundamenta a responsabilidade objetiva, ou
seja, analisa as atividades do Estado e do fornecedor e sua possibilidade de gerar algum dano
aos administrados e consumidores. No entanto, no Direito de Família, o raciocínio levaria a
uma conclusão contrária a que se alcança com a teoria original. Nela, por se tratar de uma
relação entre desiguais, nasce para o vulnerável a possibilidade de ser indenizado pelos danos
sofridos pela atividade desempenhada pelo Estado ou fornecedor, independente da aferição de
culpa destes. Já no Direito de Família, a teoria dos riscos aplicada às relações afetivas nega a
possibilidade de responsabilização. Isso porque, neste tipo de relação, os envolvidos estão em
uma situação de igualdade, e
[...] qualquer pessoa que inicie um relacionamento deve estar ciente de que os
sentimentos podem não ser correspondidos, existindo vários riscos de decepções e
frustrações. São riscos inerentes ao namoro, ao noivado, ao casamento, são os riscos
da ruptura integral (grifo no original) (FARIAS, 2008, p. 23).
No que tange às relações conjugais, por vínculo matrimonial ou de companheirismo, a
importância do afeto para sua manutenção é notável. Até mesmo porque, sendo um núcleo
familiar, há uma valorização dos seus membros por ser o local onde se primará pelo
desenvolvimento da personalidade de cada um. E é neste mesmo núcleo, de uma intimidade
única, onde os sentimentos comandam, que a aferição de um culpado para o fracasso de um
relacionamento, sob a alegação de cometimento de algum ato ilícito, torna-se tarefa árdua de
se cumprir.
Na responsabilização civil pelo fim do casamento ou união estável, nasce outra
discussão: a sua possibilidade ou não de aplicação do instituto (em especial no que tange ao
dano moral), e, sendo possível, a extensão de tal responsabilização.
Primeiramente, cabe salientar que o afeto é importante para a manutenção da relação, e
que assim a sua falta pode ensejar o fim de tal relacionamento. No entanto, o simples desamor
não será motivo suficiente para aferir qualquer responsabilização civil.
Se estas relações se desenvolvem sob o escopo de efetivar a felicidade de seus
membros, vistos sob a sua individualidade, primando pela dignidade de cada um, se tal
79
relação não mais cumpre seu papel de realizá-los pessoalmente (seja para um ou para todos os
envolvidos), não há como vislumbrar a continuidade da vida em comum se alguém assim não
mais desejar (ZANELLATO, 2005).
Desta forma, no exercício do livre desenvolvimento da personalidade, “o desamor não
constitui ato ilícito e, por isso, quem não ama mais não pode ser responsabilizado civilmente.
Assim, aquele que termina um casamento ou uma união estável por falta de amor exerce um
direito [...]” (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2010, p. 573). E sendo considerado o
exercício regular de um direito, não se pode vislumbrar a prática de um ato ilícito. Pode-se,
ainda dizer, que sendo um vínculo familiar que nasce da voluntariedade das partes, por esta
mesma voluntariedade pode ser desfeito.
Entretanto, há os que partem para a busca de um culpado para o fim da relação afetiva,
baseando-se no descumprimento dos deveres do casamento ou da união estável46. Tal
discussão, hoje, tem o fito de aferindo a responsabilização a um, poderá o outro ser
indenizado pelos danos supostamente causados pela ruptura da relação47.
Há quem defenda que o simples descumprimento de algum dos deveres do casamento
ou união estável configuraria por si ato ilícito indenizável monetariamente. Assim manifestou
o TJMG:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS ADULTÉRIO - DEVER LEGAL DE FIDELIDADE CONJUGAL VIOLADO INDENIZAÇÃO DEVIDA - INEXISTÊNCIA DE DEVER DE INDENIZAR DA
CÚMPLICE DO ADÚLTERO - AGRESSÕES DA EX-ESPOSA AO CÚMPLICE
APÓS FIM DO RELACIONAMENTO - COMPROVACÃO - DANO MORAL
CARACTERIZADO - VALOR DA INDENIZAÇÃO - EXTENSÃO DO DANO PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. A vida em comum impõe aos
companheiros restrições que devem ser seguidas para o bom andamento da vida do
casal e do relacionamento, sendo inconteste o dever de fidelidade mútua. São
indenizáveis danos morais causados em virtude da traição do marido, que praticou
ato ilícito, violando seu dever de fidelidade, o que acarretou danos à esposa traída.
[...]. Recurso parcialmente provido. (MINAS GERAIS, TJMG, 10ª C. Cív.
APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0145.09.539414-7/001, Rel.: Gutemberg Da Mota E
Silva. Jul. 14.12.2010. v.u.)
46
CC/02. Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges: I - fidelidade recíproca; II - vida em comum, no
domicílio conjugal; III - mútua assistência; IV - sustento, guarda e educação dos filhos; V - respeito e
consideração mútuos.[...]
Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e
assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.
47
Mesmo não sendo o foco deste trabalho, cabem algumas palavras sobre o assunto: a discussão de culpa no
término da relação conjugal. Hoje, com a entrada em vigor da Emenda Constitucional n. 066/2010, não mais é
necessária a prévia separação, seja judicial ou de fato, para a decretação do divórcio, que diferente da separação
põe fim ao vínculo conjugal. Desta forma, apesar de não estar abolida do ordenamento jurídico, tender-se-á a
uma menor busca dos casais pela separação judicial, e uma maior pelo divórcio que se pauta apenas na análise
objetiva dos fatos: basta que um apresente a intenção certa de que deseja romper os laços matrimoniais para o
deferimento do pedido.
80
O Desembargador-relator Gutemberg da Mota e Silva expôs no acórdão proferido que
em virtude da traição é
Inafastável, portanto, a conclusão de que a apelante sofreu danos morais. Tais danos
decorrem puramente do fato de ela ter sido traída pelo marido, com quem teve três
filhos, fato este que certamente lhe causou angústia, decepção, sofrimento e
constrangimento, independentemente de a relação entre ambos já estar desgastada.
Diga-se ainda que o próprio LOURIVAL afirmou que teve diversos outros casos
extraconjugais, afirmando ainda que já em 2005 abordava MARISY. Dessa forma,
ficou caracterizado o ato ilícito praticado por LOURIVAL, ao não cumprir seu dever
de fidelidade, ocasionando danos à GEANE, impondo-se sua condenação ao
pagamento de indenização (grifou-se) (MINAS GERAIS, 2011).
Mas, sendo as relações desenvolvidas em um ambiente íntimo que é a família, difícil é
a constatação de um culpado. Até porque, como expõem os professores Renata Barbosa de
Almeida e Walsir Edson Rodrigues Júnior
[...] o que se constata na maioria das vezes é que o descumprimento dos deveres do
casamento ou da união estável nada mais representa do que a perda da vontade de
comunhão de vida com o outro [...]. Assim, o que o legislador coloca como causa
para a dissolução do vínculo familiar na verdade é consequência [...] (grifo nosso)
(2010,p. 574).
Também os Tribunais já manifestaram nesse sentido. Cita-se o julgado da 4ª Câmara
de Direito Privado do TJSP:
Dano moral. Adultério. Circunstância que em si mesma, salvo excepcionalidade
inocorrente na hipótese, não acarreta dano moral indenizável. O relacionamento
extraconjugal é apenas a consequência de uma união cujos sentimentos iniciais não
perduraram no tempo, dando ensejo a que outros se sobrepusessem e levassem
algum dos cônjuges ou companheiros a relação afetiva com outras pessoas.
Considerações e jurisprudências deste TJSP. Improcedência da ação que se impõe.
Recurso dos réus provido e prejudicado o da autora. (SÃO PAULO, TJSP - 4ª C.
Dir. Priv. - AC 361.324.4/7 - Rel. Des. Maia da Cunha - Por maioria – Jul.
27.03.2008).
Não se pode, então, negar que seja possível identificar um culpado no rompimento da
relação conjugal, mas que para tanto se utilizou da prática de ato ilícito, e que merece ser
responsabilizado material e/ou moralmente. Ressalta-se, novamente, que não é qualquer
descumprimento do dever de casamento ou união estável que gera o direito à indenização,
mas tão somente aqueles que extrapolam a normalidade, de forma a ofender a dignidade do
outro e causar com isso danos ao mesmo. A doutrina elenca alguns exemplos de
descumprimento dos deveres de casamento ou união estável que configurariam ato ilícito:
81
ofensa física, estupro, tentativa de homicídio, cárcere privado, injúria grave, etc48.
(ALMEIDA, RODRIGUES JÚNIOR, 2010).
Fato outro que não pode ser afastado de análise é a ocorrência ou não do perdão pela
parte supostamente ofendida. Baseado no princípio da boa-fé objetiva, que tem como
desdobramento a vedação de condutas contraditórias (venire contra factum proprium), tem-se
o entendimento de que, no âmbito do direito de família, uma vez praticado o ato ilícito,
tecnicamente ensejador de dano moral indenizável, no entanto, verificado o perdão do
ofendido, mesmo que tacitamente, ou tolerância ao ato corriqueiramente exercido, ou ainda a
concorrência de um para o descumprimento do dever pelo outro49, não caberá pedido de
indenização50.
Semelhante entendimento foi apresentado pela 3ª Turma do Superior Tribunal de
Justiça:
PROCESSO CIVIL E DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. ALIMENTOS. AÇÃO DE
SEPARAÇÃO JUDICIAL LITIGIOSA. IMPUTAÇÃO DE CULPA. VIOLAÇÃO
DOS DEVERES DO CASAMENTO. PRESUNÇÃO DE PERDÃO TÁCITO.
ALIMENTOS TRANSITÓRIOS. ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. 1. A presunção
de perdão tácito declarada pelo TJ/MG constitui circunstância fática imutável na via
especial, a teor da Súmula 7/STJ. 2. A boa-fé objetiva deve guiar as relações
familiares, como um manancial criador de deveres jurídicos de cunho
preponderantemente ético e coerente.[...] 8. Recurso especial parcialmente provido.
(BRASIL, STJ, 3ª T. Resp Nº 1.025.769 - MG (2008/0017342-0) Rel. Min. Nancy
Andrighi. Julg. 24.08.2010).
Ante tudo o que foi apresentado sobre o assunto, não se pode negar que o afeto tem
sua importância nas relações familiares de casamento ou união estável, seja como causa da
relação, mas principalmente por seu caráter de mantenedor da mesma. Entretanto, como
menciona Maria Berenice Dias (2010, p. 119), “ninguém pode ser culpado por deixar de
amar”. E continua:
O sonho do amor eterno, quando acaba, certamente traz dor e sofrimento, e a
tendência sempre é culpar o outro pelo fim de um amor jurado eterno. O desamor, a
solidão, a frustração da expectativa de vida a dois não são indenizáveis. Para a
configuração do dever de indenizar não é suficiente que o ofendido demonstre sua
48
Outro exemplo que merece citado é trazido por Ana Carolina Brochado Teixeira (2005) que seria a violência
familiar no âmbito psico-físico.
49
Paulo Lôbo (2009, p. 121) lembra o entendimento de Pontes de Miranda, ao tratar do dever de fidelidade
recíproca, de que há um limite neste dever quando o cônjuge concorre para que o outro o descumpra. É mais
uma vez a violação do dever como consequência e não causa da dissolução do casamento.
50
Ficando claro que há de se analisar o caso concreto, visto que muitas das vezes não se tratará de mera
tolerância ou perdão, mas de coação psicológica que impediria o ofendido de buscar solução para o fato, v. g.,
casos de violência doméstica.
82
dor. Somente ocorrerá a responsabilidade civil se presentes todos os seus elementos
essenciais: dano, ilicitude e nexo causal. Não cabe indenizar alguém pelo fim de
uma relação conjugal. Pode-se afirmar que a dor e a frustração, se não são queridas,
são ao menos previsíveis, lícitas e, portanto, não indenizáveis (DIAS, 2010, p.119).
5.2
Responsabilidade civil nas relações paterno-filiais: o “tal” abandono afetivo
Primeiramente, cabe questionar: afinal, no que consiste o abandono afetivo tão
mencionado nas decisões dos tribunais e na doutrina atual?
Muitos doutrinadores, como Flávio Tartuce (2009), apresentam como sinônimo de
abandono afetivo os termos abandono moral, abandono paterno-filial ou, ainda, teoria do
desamor. No entanto, antes de adentrar no conteúdo proposto para este item, necessário se faz
apresentar uma diferenciação terminológica, a fim se evitar confusão no que tange ao termo
abandono moral.
No âmbito do direito penal, abandono moral são as condutas típicas descritas no art.
247 do Código Penal (CP), em capítulo destinado aos crimes contra a assistência familiar,
quais sejam:
Art. 247 - Permitir alguém que menor de dezoito anos, sujeito a seu poder ou
confiado à sua guarda ou vigilância:
I - freqüente casa de jogo ou mal-afamada, ou conviva com pessoa viciosa ou de má
vida;
II - freqüente espetáculo capaz de pervertê-lo ou de ofender-lhe o pudor, ou participe
de representação de igual natureza;
III - resida ou trabalhe em casa de prostituição;
IV - mendigue ou sirva a mendigo para excitar a comiseração pública:
Pena - detenção, de um a três meses, ou multa.
Assim, verifica-se que o art. 247 do CP destina-se à preservação moral do menor no
respeito à sua formação de caráter, procurando impedir situações que o corrompa
(MIRABETE, 2003, p. 79).
Dessa forma, não se pode confundir o que se definirá a seguir como abandono afetivo
com o que os penalistas denominam de abandono moral; expressão esta muitas vezes
utilizada, principalmente, na jurisprudência como sinônimo de abandono afetivo.
83
O abandono afetivo, ou abandono paterno-filial ou teoria do desamor, são termos
utilizados (pelos que o defendem, como Tartuce (2009)51) como a violação de um direito
fundamental do filho menor ao convívio com o pai e a mãe, negando-lhe o amparo afetivo,
carinho e atenção; em outras palavras, os pais têm o dever de conviver com os filhos menores,
seja sob o mesmo teto, ou pelo regime de visitas, se não detém a guarda física do mesmo,
despendendo-lhes carinho e atenção, a fim de que não lhe seja gerado um sentimento de
abandono, o que prejudicaria o desenvolvimento de sua personalidade (COSTA, 2005). Seria,
pois, um direito fundamental pautado nos princípios da dignidade da pessoa humana, da
afetividade, do melhor interesse da criança e do adolescente e da convivência familiar.
Para Paulo Lôbo (2009, p. 288), “o ‘abandono afetivo’ nada mais é que
inadimplemento dos deveres jurídicos de paternidade”. O insigne autor, baseando-se nos
princípios da paternidade responsável e da afetividade52, estabelece que pela Constituição
Federal (art. 227) os pais devem prover os filhos menores não somente de forma material, mas
também moral, como os direitos à vida, à saúde, à educação, ao lazer, à dignidade, ao respeito
e à convivência familiar, considerados de conteúdo moral. Arremata dizendo que o poder
familiar impõe o dever de companhia aos pais.
Maria Berenice Dias (2010), corroborando os referidos posicionamentos, completa
que, devido ao princípio da paternidade responsável, em relação aos pais, a convivência dos
filhos com os mesmos não é direito, é dever53. E continua
Não há direito [dos pais] de visitá-lo [o filho], há obrigação de conviver com ele. O
distanciamento entre pais e filhos produz sequelas de ordem emocional e pode
comprometer o seu sadio desenvolvimento. O sentimento de dor e abandono pode
deixar reflexos permanentes em sua vida (DIAS, 2010, p. 452).
A autora ainda argumenta que a falta de convívio entre pais e filhos gera o
rompimento do elo de afetividade, o que compromete o desenvolvimento do menor, que pode
vir a se tornar uma pessoa insegura e infeliz, consequências de sequelas psicológicas,
geradora de danos emocionais, que merecem reparação (DIAS, 2010).
51
Cabe ressaltar, que neste tópico apenas será tratado dos argumentos utilizados na defesa do dano moral por
abandono afetivo, deixando para momento oportuno a apresentação das teses contrárias.
52
Visto que o referido autor defende a afetividade com princípio jurídico, posicionamento do qual este trabalho
não compartilha.
53
No mesmo sentido, Flávio Tartuce (2009, p. 108-109): “A violação do direito alheio fica clara pelo estudo do
art. 1634 do atual Código Civil, comando legal que prevê os atributos do exercício do poder familiar [...]. Não
restam dúvidas de que tais atribuições são verdadeiros deveres jurídicos [...]”.
84
Deixar de conviver com o filho, negar amparo afetivo, é violar direito fundamental
do filho. Daí o direito-dever de visitar os filhos quando, por não viverem sob o
mesmo teto ambos os pais, apenas um deles detém a guarda. Assim, o outro tem o
direito de visitar o filho, mas principalmente tem o dever, pois o filho menor, criança
ou adolescente, tem prioridade em nosso ordenamento jurídico, conforme dispõe a
Constituição Federal no art. 227 (COSTA, 2005, p. 33).
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka (2006), no mesmo sentido, complementa
que, mesmo os pais presentes fisicamente, podem incorrer no abandono afetivo.
Ainda que a presença dos pais seja uma constância na vida dos filhos, deve-se
atentar para o fato de que não basta a presença física, sendo mister que a presença se
consubstancie no bom desempenho das funções parentais54. Pode se dar [sic], assim,
que o mau desempenho destas funções acarrete danos à formação sócio-psiquicocultural da criança. Quer isto significar que há muitos casos em que os pais
convivem com seus filhos diuturnamente, mas delegam as suas funções de
educadores e de encarnação da autoridade a terceiros, desobrigados destas funções
ipso facto, na medida em que não sejam os genitores das crianças, mas que assumem
de forma derivada uma parcela mais ou menos significativa desta responsabilidade
em função de uma relação jurídica contratual, por exemplo (HIRONAKA, 2006).
Por meio de tais entendimentos, chega-se à consequente conclusão, aliada a outros
pressupostos que serão tratados a posteriori, de que os pais devem, então, compensar os
filhos pela omissão de afeto, por violação deste direito fundamental do menor. E tal
compensação far-se-á pelo instituto da responsabilidade civil, pois configurado o abandono
afetivo, este seria o causador de danos imateriais (danos morais) para o filho negligenciado.
Como expõe Tartuce (2009), o principal argumento jurídico para a possibilidade de
reparação por danos morais causados pelo abandono afetivo seria o enquadramento da
conduta aos termos do art. 186 do atual Código Civil que traz positivado o conceito de ato
ilícito: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar
direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Nesse caso, o autor sustenta que o direito violado, passível de reparação civil, seria a
convivência paterna55, pois conforme prevê o art. 927 do Código Civil “aquele que, por ato
ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
Somente como argumento subsidiário para justificar a existência da violação de um
direito alheio pode ser invocado o direito do filho ao amor de seus genitores.
Segundo a melhor doutrina, o direito ao amor é um direito fundamental do menor,
uma vez que entre os seus direitos essenciais se coloca, em primeiro plano, o direito
54
Maria Berenice Dias (2010, p. 455) apresenta opinião diferenciada. Nas palavras da autora, “ainda assim,
mesmo que o pai só visite o filho por medo de ser condenado a pagar uma indenização, isso é melhor do que
gerar no filho o sentimento de abandono”.
55
Que deve ser entendida tanto como do pai e/ou da mãe.
85
de receber uma carga afetiva dos genitores, o que é primaz para a sua formação
como pessoa humana (TARTUCE, 2009, p.109). (grifos do autor)
No mesmo sentido, o abandono afetivo configuraria ato ilícito por ser o afeto um
princípio ou valor jurídico, portanto um dever jurídico imposto ao pai frente os filhos
menores. Aquele que deixa de cumprir tal imposição está descumprindo um preceito legal. E
tal violação, aliada aos demais pressupostos, possibilitaria a condenação do infrator à
indenização por dano moral.
Outro argumento suscitado para defesa da possibilidade de se aferir a indenização por
danos morais causados pelo abandono afetivo é a ofensa a direitos de personalidade56.
Conforme foi exposto no capítulo anterior, com relação ao dano moral, pode-se chegar
à conclusão de que as reparações pelos referidos danos se destinam a compensar a violação de
algum direito da personalidade, que são aqueles inerentes à pessoa humana por si, na tutela da
própria dignidade.
Desse modo, aliados a todas as características referentes aos direitos da personalidade,
há os que concluem que como
os direitos de personalidade são inerentes ao ser humano, já nascem com ele e são
direitos subjetivos. Portanto, se o afeto é um aspecto que faz parte da humanidade,
logo ele pode ser concebido como direito da personalidade merecendo proteção legal
do artigo 11 do Código Civil (CUNHA, 2009).
A sequência de tal raciocínio também leva ao posicionamento anterior, do abandono
afetivo como ato ilícito, pois estar-se-ia violando um direito alheio, e a consequência disso é a
possibilidade de condenação à indenização por abandono afetivo.
5.2.1 Os julgados condescendentes com a responsabilização parental por abandono afetivo
Não apenas na doutrina, como exposto, mas vários são os julgados, com entendimento
similar, sob os mesmos fundamentos da reparabilidade civil a favor do dano moral causado
pelo abandono afetivo.
56
Como TARTUCE (2009), CUNHA(2009).
86
Noticia-se que a primeira decisão referente à condenação de pai por abandono afetivo
de filho menor foi prolatada na 2ª Vara Cível da Comarca de Capão da Canoa, no Estado do
Rio Grande do Sul, pelo então Juiz de Direito Mario Romano Maggioni, em 15 de setembro
de 2003, e impôs ao pai a obrigação de pagar o valor de R$ 48.000,00 (quarenta e oito mil
reais), a título de indenização por danos morais57.
O trecho da sentença festejada pela corrente defensora58 versa o seguinte,
De se salientar que aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos
filhos (art. 22 da Lei n° 8.069/90). A educação abrange não somente a escolaridade,
mas também a convivência familiar, o afeto, o amor, o carinho, ir ao parque, jogar
futebol, brincar, passear, visitar, estabelecer paradigmas, criar condições para que a
presença do pai ajude no desenvolvimento da criança. Concluindo que a ausência, o
descaso e a rejeição do pai em relação ao filho recém nascido, ou em
desenvolvimento, violam a sua honra e a sua imagem. Basta atentar para os jovens
drogados e ver-se-á que grande parte deles derivam de pais que não lhes dedicam
amor e carinho; assim também em relação aos criminosos (GROENINGA, 2005, p.
427).
E continua o Magistrado: “de outra parte se a inclusão no SPC dá margem à
indenização por danos morais, pois viola a honra e a imagem, quanto mais a rejeição do pai. É
menos aviltante, com certeza, ao ser humano dizer ‘fui indevidamente incluído no SPC’ a
dizer ‘fui indevidamente rejeitado por meu pai’” (GROENINGA, 2005, p. 427-428).
Nota-se que, pelos argumentos apresentados na decisão do magistrado, este buscou
fundamentos na proteção dos direitos da personalidade, enquadrando ali o afeto paterno-filial.
Nas decisões de segunda instância de diversos Tribunais de Justiça do Brasil,
posicionamentos semelhantes puderam ser observados e valem ser analisados.
O extinto Tribunal de Alçada de Minas Gerais (TAMG), em meados do ano de 2004,
proferiu decisão que talvez seja a de maior repercussão no meio jurídico nacional, visto ser a
primeira que encaminhada teve apreciação pelo Superior Tribunal de Justiça, no qual foi
reformada59.
57
Processo n. 141/1030012032-0.
Trecho citado em vários artigos científicos como: GROENINGA, Giselle Câmara. Descumprimento do dever
de convivência: danos morais por abandono afetivo: a interdisciplina sintoniza o direito de família como o
direito à família. In: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes (Coord.) A outra face do poder judiciário.
Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 426-429; MELO, Nehemias Domingos de. Abandono Moral: fundamentos da
responsabilidade civil. Revista de IOB de Direito de Família, ano. 10, n. 46, fev./mar. 2008, p. 08-09;
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Pressupostos, elementos e limites do dever de indenizar por
abandono
afetivo,
2006.
Disponível
em:
http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/9365/8931. Acesso em: 05 jan.
2011.
59
Tratar-se-á do referido Recurso Especial em momento oportuno.
58
87
O recurso apreciado por aquela corte versou sobre o pedido de indenização por danos
morais resultantes de abandono paterno-filial, impetrado pelo filho menor (devidamente
representado por sua genitora) contra seu negligente pai. O magistrado da Comarca de Belo
Horizonte entendeu pela improcedência do pedido sob o fundamento de inexistência de nexo
causal entre o afastamento paterno e os danos psíquicos do filho.
Inconformado, o autor apelou da decisão do juiz singular e a 7ª Câmara Cível do
respectivo TAMG proferiu, à unanimidade, o seguinte acórdão:
EMENTA – INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS – RELAÇÃO PATERNOFILIAL
– PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – PRINCÍPIO DA
AFETIVIDADE. A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o
privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser
indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana. (MINAS
GERAIS, TAMG, AC 0408.550-5, 7ª C.Cív., Rel. Juiz Unias Silva, Julg.
1º.04.2004)
Ou seja, reformou a decisão de primeiro grau, concedendo ao recorrente o direito à
indenização por abandono afetivo contra seu pai. À época, o valor foi fixado em 200
(duzentos) salários mínimos, o que correspondia a cerca de R$ 44.000,00 (quarenta e quatro
mil reais).
O relator do acórdão, Juiz Unias Silva, assim fundamentou seu voto:
A relação paterno-filial em conjugação com a responsabilidade possui fundamento
naturalmente jurídico, mas essencialmente justo, de se buscar compensação
indenizatória em face de danos que pais possam causar a seus filhos, por força de
uma conduta imprópria, especialmente quando a eles é negada a convivência, o
amparo afetivo, moral e psíquico, bem como a referência paterna ou materna
concretas, acarretando a violação de direitos próprios da personalidade humana,
magoando seus mais sublimes valores e garantias, como a honra, o nome, a
dignidade, a moral, a reputação social, o que, por si só, é profundamente grave.
[...]
Assim, depreende-se que a responsabilidade não se pauta tão-somente no dever
alimentar, mas se insere no dever de possibilitar o desenvolvimento humano dos
filhos, baseado no princípio da dignidade da pessoa humana.
[...]
Assim, ao meu entendimento, encontra-se configurado nos autos o dano sofrido pelo
autor, em relação à sua dignidade, a conduta ilícita praticada pelo réu, ao deixar de
cumprir seu dever familiar de convívio e educação, a fim de, através da afetividade,
formar laço paternal com seu filho, e o nexo causal entre ambos (grifos nossos).
Em seu voto, acompanhado pelos demais juízes do Tribunal, o relator baseou-se
também em interpretações dos princípios constitucionais (como a dignidade da pessoa
88
humana, da afetividade e da convivência familiar) e na configuração de violência aos direitos
da personalidade (citados: honra, nome, dignidade, moral e reputação social). Mas diferente
da sentença anteriormente citada, baseou-se também nos requisitos da responsabilidade civil,
tentando enquadrá-los nos fatos narrados no processo.
Semelhante decisão foi proferida em março de 2008, pela 8ª Câmara de Direito
Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).
EMENTA - RESPONSABILIDADE CIVIL - DANO MORAL - Autor abandonado
pelo pai desde a gravidez da sua genitora e reconhecido como filho somente após
propositura de ação judicial. Discriminação em face dos irmãos. Abandono moral e
material caracterizados. Abalo psíquico. Indenização devida. Sentença reformada.
Recurso provido para este fim (SÃO PAULO, TJSP - 8ª Câm. de Direito Privado;
Ap com Revisão nº 511.903-4/7-00-Marília-SP; Rel. Des. Caetano Lagrasta; j.
12/3/2008; DJESP 27/03/2008.).
Analisando o acórdão, Tartuce (2009) comenta que, assim como se verifica nas
decisões mencionadas anteriormente, pautou-se o decisum no enquadramento do abandono
afetivo como ato ilícito conforme descrição do art. 186 do CC. O autor, condescendente com
o acórdão, explica que há uma violação dos direitos descritos no art. 1634 do Código Civil,
pois este impõe, no exercício do poder familiar, que os pais devem direcionar a criação dos
filhos, tendo-os sob sua companhia e guarda. E ainda, busca guarita no art. 229 da
Constituição que prevê o dever dos pais de criar e educar os filhos.
Não restam dúvidas de que tais atribuições são verdadeiros deveres jurídicos que,
violados, geram o direito subjetivo a uma indenização pecuniária, muito além do que
a simples perda do poder familiar, conforme consta do julgado do Superior Tribunal
de Justiça no caso Alexandre Fortes. Pode-se, falar, em reforço, da lesão a um
direito da personalidade, nos termos do que dispõe o art. 12, caput, do atual Código
Civil, particularmente na lesão à honra e à integridade físico-psíquica (TARTUCE,
2009, p. 109)
Qual seja, aliado ao entendimento de violação dos direitos e deveres do poder familiar,
há a violação de direitos da personalidade, e este, para o autor, é o argumento principal para
ensejar a responsabilização.
Somente como argumento subsidiário para justificar a existência da violação de um
direito alheio pode ser invocado o direito do filho ao amor dos seus genitores.
Segundo a melhor doutrina, o direito ao amor é um direito fundamental do menor,
uma vez que entre os seus direitos essenciais se coloca, em primeiro plano, o direito
de receber uma carga afetiva dos genitores, o que é primaz para a sua formação
como pessoa humana (TARTUCE, 2009, p. 109).
89
Extrai-se, ainda, do referido acórdão, quanto à fundamentação jurídica buscada pelo
Desembargador Relator Caetano Lagrasta, que o negar-se a reconhecer espontaneamente o
filho configura atuação dolosa do pai, caracterizando o chamado dolo eventual muito
trabalhado nas cadeiras de direito penal, pois o pai, ao recusar o reconhecimento, coloca o
filho em situação vexatória perante a sociedade, visto que para alcançar seu objetivo precisou
impetrar ação de reconhecimento de paternidade; e para piorar a situação, o suposto pai,
posteriormente comprovado, havia recusado por três vezes a se submeter ao exame de DNA.
Desta forma, o entendimento é de que, ao assumir que tivera um relacionamento
amoroso com a genitora, mas se recusando a submissão ao exame pericial, o pai assumiu o
risco de causar um dano psicológico ao filho, mesmo não o desejando.
Trecho interessante do acórdão é o que descreve o seguinte: “se o pai não alimenta,
não dá amor, é previsível a deformação da prole”. Daí pode-se entender que, na visão do
Relator, todo filho não amado e alimentado pelo pai terá problemas psicológicos.
Outro argumento utilizado no fundamentar da condenação pelo TJSP foi o fato do
apelado (o pai), ao constituir nova família, dela obteve outros filhos, dos quais, pelas
alegações do “filho abandonado”, despojava tratamento diferenciado ao seu, o que culminou
em desrespeito ao preceito constitucional previsto no art. 227, §6º da CF60, bem como no art.
1596 do CC61 que pregam o princípio da igualdade entre filhos, ou seja, a não discriminação
entre os filhos.
Também no TJSP, a 4ª Câmara de Direito Privado entendeu pela não concessão da
indenização por abandono afetivo devido à não comprovação dos danos alegados pela
apelante (ora “a filha abandonada afetivamente”).
Segue a ementa do acórdão:
EMENTA – INDENIZAÇÃO - DANO MORAL - ABANDONO AFETIVO.
Possibilidade em tese, desde bem caracterizada a violação aos deveres
extrapatrimoniais que integram o poder familiar, causando o comportamento
antijurídico, traumas expressivos ou sofrimento intenso ao filho. Prova dos autos
que apontou para o distanciamento de ambas as partes, diante da nova situação
criada com a separação dos pais. Filhos que foram viver em outro Estado da
Federação, dificultando os contatos recíprocos. Ação indenizatória somente ajuizada
após citação em ação revisional de alimentos proposta pelo pai. Filha universitária
recém formada em Direito. Filho estudante de Medicina. Ausência de prova de que a
violação dos deveres inerentes ao poder familiar tenham provocado sofrimento
intenso ou traumas severos na filha. Inexistência de deliberada intenção de
60
CF/88. Art. 227. § 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos
direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
61
CC. Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e
qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
90
abandonar os filhos. Precedentes jurisprudenciais. Ação improcedente. Apelação da
autora não provida. (SÃO PAULO, TJSP, AC 410.524-2/0-00, Ac 3694929, 4ª C. D.
Priv., Rel. Des. Francisco Loureiro. Julg. 08/07/2009)
Os magistrados acordaram por unanimidade pelo improvimento do recurso movido
pela apelante que pleiteou indenização por danos morais referente a abandono afetivo
cometido por seu pai. Entretanto, o que chama a atenção na leitura da íntegra do acórdão é o
fato de que, apesar da votação unânime por negar provimento ao referido recurso, os motivos
da negatória divergiram entre os magistrados. Enquanto os Desembargadores Francisco
Loureiro e Ênio Santarelli Zuliani opinaram pelo improvimento baseados na ausência de
provas do dano psicológico causado pelo abandono paterno, Maia da Cunha fundamentou seu
voto na ausência de ato ilícito62 (SKAF, 2010).
Assim, em tese, o que se pode filtrar de tais julgados é que a fim de conceder
indenização por danos morais advindos de abandono afetivo, os magistrados estão pugnando
pelo preenchimento dos requisitos da responsabilidade civil subjetiva (presença de dolo/culpa
na omissão do afeto – que configurará ato ilícito, o dano efetivamente comprovado – por
perícia psicológica, e o nexo causal), de acordo com os arts. 186 e 927 do CC, apesar do
contorcionismo jurídico para enquadrar os fatos.
5.3 Desfazendo o “mito” da responsabilização civil por abandono afetivo
No tópico anterior, tratou-se do abandono afetivo apresentando seu conceito, as
correntes que o defendem como fato ensejador de indenização por danos morais ao filho em
relação ao pai/mãe negligente, bem como as decisões favoráveis e seus fundamentos.
Entretanto, baseando-se no que fora exposto nos capítulos anteriores, em especial no
segundo, que procurou apresentar a natureza do afeto, parte-se então para a última parte deste
trabalho que visa enfrentar o problema central proposto de discussão: a falta do afeto nas
relações paterno-filiais e seus reflexos na responsabilidade civil.
Com relação ao afeto e à responsabilidade civil nas relações afetivas conjugais e de
companheirismo, tal ponto fora exposto no tópico 5.1. Este, então, destina-se especialmente a
62
Sobre tal tipo de fundamentação tratar-se-á em momento oportuno, visto que este nega o próprio abandono
afetivo.
91
discutir a responsabilização civil pelo abandono afetivo paterno/materno-filial, ou melhor, a
desmistificar o abandono afetivo como algo passível de indenização.
Como se verificou no primeiro capítulo deste trabalho, que foi dedicado à família e
seus caracteres atuais, as relações familiares baseiam-se na autonomia privada, na liberdade
de constituição, na igualdade entre filhos e entre o homem e mulher, na intervenção mínima
estatal, sempre na busca de proporcionar um ambiente propício ao desenvolvimento de cada
membro em sua individualidade. É uma família baseada na busca da felicidade, ou seja, uma
família eudemonista. “Daí a importância dos relacionamentos afetivos, principalmente para a
criança e o adolescente, os quais se encontram em fase de desenvolvimento e formação da
personalidade” (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2010, p. 578).
Diante deste panorama, como visto no tópico anterior, a doutrina e os tribunais
passaram a travar uma discussão acirrada sobre a possibilidade ou não de reparação civil por
dano moral causado pela falta de afeto nas relações paterno/materno- filiais63.
Fundado em um direito fundamental ao convívio familiar, em que para a formação da
personalidade do filho menor há a necessidade da convivência com ambos os pais, a violação
de tal direito traria ao filho o direito de ser compensado pela omissão do pai/mãe negligente,
pois tal ausência causaria danos psíquicos à pessoa em formação.
Seria então a falta de afeto, ou melhor, o abandono afetivo, um ato ilícito. E assim
sendo, aliado aos demais requisitos da responsabilidade civil, é passível de compensação
pecuniária. Ou, para alguns, como Farias e Rosenvald (2010), há a negativa de configuração
de dano moral decorrente de abandono afetivo, porém é possível o dano material (como por
exemplo, traumas que demandam tratamento psicológico, cuja reparação in natura será o
custeio deste tratamento). Ou ainda, há quem defenda (COSTA, 2005) que se deve primar
pela reparação por meio de custeio de tratamento terapêutico, e somente não sendo este
possível é que se deve fixar indenização em dinheiro.
Lado outro, parte minoritária da doutrina, mas majoritária nos tribunais brasileiros,
trata o abandono afetivo como dano não passível de indenização, e até mesmo de apreciação
jurídica.
A Turma da 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais
(TJMG), ao analisar a apelação cível n.° 1.0024.07.790961-2/001, decidiu, por unanimidade
63
Pela maioria dos casos tratados na jurisprudência versarem sobre o abandono paterno, continuar-se-á a utilizar
a expressão paterno-filial, mas sob a ressalva que os raciocínios trazidos a baila cabem a qualquer relação
familiar, em especial a que tiverem como “vítima” criança ou adolescente supostamente abandonado
afetivamente.
92
de votos, seguindo o Desembargador-Relator Alvimar de Ávila, que o dedicar afeto a alguém
não é dever jurídico, por falta de previsão legal impondo tal conduta, não sendo, portanto, ato
ilícito a falta de afeto. Concluindo: não sendo passível de reparação civil.
EMENTA: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANOS MORAIS - ABANDONO
AFETIVO - ATO ILÍCITO - INEXISTÊNCIA - DEVER DE INDENIZAR AUSÊNCIA. A omissão do pai quanto à assistência afetiva pretendida pelo filho não
se reveste de ato ilícito por absoluta falta de previsão legal, porquanto ninguém é
obrigado a amar ou a dedicar amor. Inexistindo a possibilidade de reparação a que
alude o art. 186 do Código Civil, eis que ausente o ato ilícito, não há como
reconhecer o abandono afetivo como passível de indenização. (MINAS GERAIS,
TJMG - Apelação cível n° 1.0024.07.790961-2/001, Rel.: Des. Alvimar de Ávila.
Julg. 16.03.2009, u.v.)
Em data pretérita ao julgado citado acima, os Ministros da 4ª Turma do STJ em
julgamento do Recurso Especial impetrado contra a decisão da Apelação Cível n. 0408.550-5,
da 7ª Câmara do extinto Tribunal de Alçada de Minas Gerais, também apresentaram
entendimento de não ser possível a reparação civil por dano moral causado por abandono
afetivo, por não configurar ato ilícito.
RESPONSABILIDADE CIVIL. ABANDONO MORAL. REPARAÇÃO. DANOS
MORAIS. IMPOSSIBILIDADE. 1. A indenização por dano moral pressupõe a
prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do
Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária. 2.
Recurso especial conhecido e provido. (BRASIL, STJ, REsp. 757.411 - MG
(2005/0085464-3), 4ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves. Jul. 29/11/2005.)
Note-se que da mesma forma que os que defendem buscam fundamento na
configuração do abandono afetivo como ato ilícito, os seus combatentes negam tal caráter,
estando a discussão direta e intimamente ligada à responsabilidade civil e suas características
para configuração e aplicação. Desse modo, passa-se à análise dos caracteres da
responsabilidade civil nos casos de abandono afetivo.
5.3.1 Análise dos requisitos da responsabilidade civil e sua (in) aplicabilidade nos casos de
abandono afetivo
Como apresentado no capítulo anterior, conforme se extrai da análise do art. 186 do
Código Civil, são três os pressupostos da responsabilidade subjetiva, quais sejam: a violação
93
voluntária de um dever jurídico (ou conduta culposa), o dano e a relação de causalidade entre
eles (CAVALIERI FILHO, 2008). Desse modo, configurado ato ilícito, nasce o dever de
indenizar. E como muitas vezes ressaltado, também nos casos de compensação por dano
moral sofrido em vista do abandono afetivo, devem tais pressupostos serem configurados no
caso concreto, sob pena não haver o dever de indenizar.
Passa-se, então, à análise de tais pressupostos diante do abandono afetivo.
5.3.1.1 Ato ilícito culposo
Como se pode verificar nos julgados e nas passagens doutrinárias que defendem a
responsabilização do pai que deixa de conviver afetuosamente com seu filho, a base de tal
argumentação está no entendimento de ser a visita, a convivência, a dedicação de afeto à prole
como deveres inerentes aos pais, advindos do poder familiar, e que uma vez violados
configuraria ato ilícito.
No entanto, conforme entendimento cunhado neste trabalho, chegou-se à conclusão de
ser o afeto, a afetividade, sentimento que, em outras palavras, significa não ter natureza
jurídica, e assim sendo, não pode ser cobrado ou imposto judicialmente.
Quer-se dizer que, se para a configuração de ato ilícito há a necessidade de violação de
um dever jurídico, dever-se-ia verificar o afeto como um dever atribuído juridicamente a
alguém perante outrem. No entanto, dedicar afeto a alguém, que seja do pai para o filho, não é
dever jurídico.
Não se está afirmando que por não ser dever jurídico, norma, princípio ou qualquer
outra figura trabalhada no Direito o afeto não tenha seu valor nas relações familiares. Pelo
contrário, reconhece-se a sua importância, mas como conduta desejável em tais relações. Ou
seja, espera-se sempre que as relações familiares iniciem em virtude do afeto, e por este
permaneçam. Espera-se que haja sempre uma convivência harmoniosa e afetuosa no âmbito
familiar. Espera-se que todo pai conviva com seus filhos e a estes dedique todo amor, carinho
e atenção.
Não se nega que com o afeto seria mais fácil visualizar uma relação familiar em que
haja o pleno desenvolvimento da vida e da personalidade de cada membro envolvido naquele
núcleo. Entretanto, não se pode esquecer que se trata de sentimento, de algo muitas vezes
incontrolável pela razão humana, e que para ser pleno precisa ser espontâneo e verdadeiro.
94
Questiona-se, ainda, se a imposição do afeto não desvirtuaria o sentimento, e ao invés
de beneficiar o filho menor, na verdade não lhe traria os mesmos prejuízos advindos do
abandono afetivo, visto que o pai cumpriria o dever de visita simplesmente para se ver livre
de uma futura condenação judicial, estabelecendo-se, assim, uma falsa realidade de afeto.
Falsa realidade de certa forma negligenciada por aqueles que defendem a indenização por
abandono afetivo, visto que alguns, como Maria Berenice Dias (2010), chegam a alegar a
preferência por um mau pai, do que para um pai ausente. Nesse caso, esquece-se do princípio
da proteção integral da criança e do adolescente, em que se deve primar pelo seu melhor
interesse. Interesse este que pode ser a ausência do mau pai.
Pelo entendimento supra, poder-se-ia entender que o dever seria meramente o de
convivência ou, como preferem os que defendem tal corrente, o dever de visita do pai ao filho
menor, sem relação direta com o afeto sentimento. No entanto, estes mesmos defensores,
como Giselda Hironaka (2006), reconhecem que é possível a configuração do ato ilícito de
abandono afetivo mesmo quando pais e filhos vivem sob o mesmo teto, ou têm uma
convivência constante. Por este, não se está procurando simplesmente a convivência e sim a
busca de configurar a dedicação, o carinho, o amor, enfim, o afeto como dever imposto aos
pais perante os filhos menores. Volta-se novamente ao início do raciocínio: pode-se impor,
mesmo que juridicamente, um sentimento?
Nota-se que por mais que neguem que defesa da responsabilização civil está ligada ao
dever de visita, de convívio familiar, na verdade quer-se impor o afeto na relação paternofilial, o que se mostra temerário e incompatível com o âmbito jurídico.
Conforme assevera os professores Almeida e Rodrigues Júnior (2010, p. 586)
A entidade familiar deve se encaminhar para a consolidação de uma comunhão
plena de vida, embasada em laços de amor. Entretanto, é extremamente provável que
a imposição desse sentimento não irá cumprir seu papel no seio da família. No lugar
de proporcionar união e respeito mútuos, a obrigatoriedade causará discórdia e
sentimento de desamparo. A liberdade é pressuposto do afeto.
Tanto é baseado num suposto dever de amar, que os pedidos judiciais elegem como
pivô do dano moral a falta de afeto.
Foi notícia no âmbito jurídico (MELO, 2008), no ano de 2004, a decisão do juiz da 31ª
Vara Cível de São Paulo, Dr. Luiz Fernando Cirillo, condenando o pai, por danos morais, sob
o fundamento de que a "paternidade não gera apenas deveres de assistência material, e que
além da guarda, portanto independentemente dela, existe um dever, a cargo do pai, de ter o
filho em sua companhia". E em um verdadeiro contorcionismo jurídico, apesar de considerar
95
não ser razoável que um filho pleiteie em Juízo indenização por não ter recebido afeto de seu
pai, sentenciou nos seguintes termos:
não se pode rejeitar a possibilidade de pagamento de indenização do dano decorrente
da falta de afeto simplesmente pela consideração de que o verdadeiro afeto não tem
preço, porque também não tem sentido sustentar que a vida de um ente querido, a
honra e a imagem e a dignidade de um ser humano tenham preço, e nem por isso se
nega o direito à obtenção de um benefício econômico em contraposição à ofensa
praticada contra esses bens (SÃO PAULO, 31ª Vara Cível Central de São Paulo,
Processo n° 000.01.036747-0, Juiz de Direito Luiz Fernando Cirillo. Julg.
07.06.2004).
Ousa-se discordar do magistrado, visto que os direitos da personalidade (como os
citados: honra, imagem e dignidade) são verdadeiros e consagrados direitos subjetivos, os
quais todos devem respeitar. Afeto, mais uma vez, é sentimento.
De outra parte, colocando de lado o fato de que a natureza do afeto é de mero
sentimento, há os que defendem que o abandono afetivo deve ser visto como dever inerente
aos elencados no que se refere ao poder familiar. No entanto, em caso de descumprimento
dos deveres relacionados ao poder familiar ou autoridade parental64, o próprio direito já
imputa como sanção civil a suspensão ou destituição do poder familiar (art. 1638, II do CC/02
e art. 24 do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA)65, sendo descabida a indenização
por dano moral. E este é o entendimento apresentado pelo STJ, no voto do Ministro Fernando
Gonçalves, relator do Recurso Especial n.º 757.411/MG (2005/0085464-3):
No caso de abandono ou do descumprimento injustificado do dever de sustento,
guarda e educação dos filhos, porém, a legislação prevê como punição a perda do
poder familiar, antigo pátrio-poder, tanto no Estatuto da Criança e do Adolescente,
art. 24, quanto no Código Civil, art. 1638, inciso II. Assim, o ordenamento jurídico,
com a determinação da perda do poder familiar, a mais grave pena civil a ser
imputada a um pai, já se encarrega da função punitiva e, principalmente, dissuasória,
mostrando eficientemente aos indivíduos que o Direito e a sociedade não se
compadecem com a conduta do abandono, com o que cai por terra a justificativa
mais pungente dos que defendem a indenização pelo abandono moral (grifo no
original).
Quanto à culpa, se existir alguma responsabilidade no âmbito familiar, esta será
subjetiva. Portanto, importa analisar se a conduta foi realizada de forma a imputar culpa (em
64
Terminologia que vem crescendo no meio jurídico como a mais adequada a explicar a relação de autoridade
dos pais perante os filhos.
65
CC/02. Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:[...]
II - deixar o filho em abandono;[...]
ECA. Art. 24. A perda e a suspensão do poder familiar serão decretadas judicialmente, em procedimento
contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos
deveres e obrigações a que alude o art. 22.
96
sentido lato) do agente. Dentro da discussão quanto à conduta de abandono, precisar-se-ia ter
muita atenção aos motivos que levaram ao afastamento paterno, visto que em muitos dos
casos podem-se elencar inúmeras causas, como o desconhecimento da existência da prole, as
necessidades do dia a dia ou outras impossibilidades por questões adversas à própria vontade
do pai, ou até mesmo podendo ser imputada a causa àquele que detém a guarda física do
menor, que, na verdade, com a demanda, busca não a reparação do dano do menor, mas uma
vingança pessoal através deste.
[...] é preciso levar em conta que, muitas vezes, aquele que fica com a guarda isolada
da criança transfere a ela os sentimentos de ódio e vingança nutridos contra o excompanheiro, sem olvidar ainda a questão de que a indenização pode não atender
exatamente o sofrimento do menor, mas também a ambição financeira daquele que
foi preterido no relacionamento amoroso (BRASIL, STJ, REsp. 757.411 - MG
(2005/0085464-3), 4ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves. Jul. 29/11/2005).
Ainda, conforme explica a psicóloga Ivone M. Cândido Coelho de Souza (2010, p.
64), o abandono do pai ao filho se verifica por uma possível impossibilidade deste pai dedicar
afeto àquele, por motivos pretéritos de fatos ocorridos em sua vida, de sua própria experiência
com seu ascendente.
A incapacidade do investimento amoroso no descendente, ou o estilo, paterno,
porém, podem ser avaliados sob condições ainda mais primitivas, além de não
entendidas ou não atendidas ao longo da história psicológica do pai agora sub judice.
Provavelmente reproduzem o antigo vínculo pai-filho do hoje réu. [...] Enfim, as
dores do passado familiar voltam a assombrar, mas em veladas condições (SOUZA,
2010, p.64).
E por não ter vivido aquilo que lhe é cobrado, “se julga desobrigado em afetos. Nem
sequer consegue entender de todo as solicitações com que se defronta. Cumpre parte do que
lhe compete [como o pagamento de pensão alimentícia] e desconhece, profundamente, as
necessidades de participação junto ao filho” (SOUZA, 2010, p.64).
Mas cabe asseverar que não se quer dizer que pais advindos de famílias
desestruturadas não serão bons pais, e os que vêm de famílias afetuosas serão pais afetuosos.
Nada impede que vítimas de abandono paterno, no decorrer da vida e até em relação à sua
prole, resgatem aquilo que não tiveram; ou inversamente, que filhos vindos de famílias
afetuosas se tornem pais incapazes de transmitir à sua prole a mesma dedicação que
receberam (SOUZA, 2010).
Da mesma forma que não se pode estigmatizar as relações mal-sucedidas do passado
do pai a uma performance boa ou ruim nas suas atividades paternas, nem toda ausência deverá
97
ser vista como abandono. Almeida e Rodrigues Júnior (2010, p. 587) chamam a atenção para
o fato de que “a afetividade pode ser expressa de muitas formas e até mesmo a ausência do
pai ou da mãe, se, por exemplo, com o intuito de proteger a criança, pode indicar presença de
afeto”.
Cabe trazer outro argumento a ser combatido, que se baseia na afirmação de que não
seria importante a configuração de ato ilícito pelo abandono afetivo se dano for verificado.
Este é o entendimento de Tartuce (2009, p. 109) ao afirmar que
a discussão sobre o abandono afetivo não deve considerar, como ponto principal, se
o pai é ou não obrigado a conviver com o filho, ou se o afeto pode ser imposto ou
não, havendo uma mudança de foco quanto ao essencial para a questão. Muito ao
contrário, em uma análise técnico-jurídica, o ponto fulcral é que no abandono
afetivo há a presença da lesão de um direito alheio, pelo desrespeito a um dever
jurídico estabelecido em lei.
O primeiro requisito da responsabilidade civil a ser analisado é a configuração ou não
do ato do agente que levou ao dano ser ilícito; ou seja, se a conduta do agente é contrária ao
direito. Não há, no caso em tela, que se falar em responsabilização simplesmente pela
verificação de um dano66. Entender que é o dano que indica se há ou não responsabilização do
agente é por demais temerário, configurando um verdadeiro “salto triplo carpado
hermenêutico”.67
5.3.1.2 Dano
Polêmica também é a configuração do dano moral nos casos de abandono afetivo,
observados os argumentos questionáveis apresentados pelos que o defendem.
Argumento muito utilizado é o de que toda pessoa tem direito à biparentalidade, sendo
muitas vezes apontada como um direito fundamental, intimamente ligado a uma interpretação
do princípio da convivência familiar.
66
Tal fato poderia ser possível se verificasse que a atividade exercida é das consideradas de risco, onde se
aplicam as regras da responsabilização objetiva. Porém, como dito, no âmbito das relações familiares qualquer
responsabilização civil será subjetiva.
67
Palavras estas proferidas pelo Ministro do STF Carlos Ayres Brito ao analisar a manifestação do Ministro
César Peluso, quando da apreciação da chamada “Lei da Ficha Limpa”, podendo ser entendida a expressão como
“interpretação ousada e perigosa”.
98
No entanto, concordar com tais apontamentos se torna contraditório ao atual estágio
do estudo do direito de família.
Primeiramente, por se defender a liberdade de constituição familiar, por se tratar esta
de uma entidade social ambientada na busca do pleno desenvolvimento da personalidade dos
seus membros, seria contraditório impor um modelo pré-definido de família ideal: aquele
tradicional formado por ambos os pais e filho(s). Afirmar com veemência que a presença da
figura de ambos os pais é algo indispensável ao pleno e saudável desenvolvimento da
personalidade da criança e do adolescente contraria as característica das novas entidades
familiares defendidas pelo ordenamento jurídico. E por consequência seria como afirmar que
somente tem um desenvolvimento satisfatório aquele que for criado sob o amparo de uma
família estruturada com a presença de ambos os pais, em detrimento daqueles que vivem
somente com um deles ou sem a presença de qualquer dos pais. Infelizmente, por este
raciocínio se chega à conclusão de que haveria uma hierarquia entre as entidades familiares,
em que as famílias monoparentais seriam piores que as constituídas por ambos os pais. Esta
conclusão é antagônica ao atual desenvolvimento do estudo jurídico das famílias.
Não se está negando que a convivência familiar seja um direito da criança e do
adolescente. Na verdade, a interpretação que se apresenta mais coerente é de que toda criança
e adolescente, como pessoas em peculiar situação de desenvolvimento, e por isso merecedoras
de uma maior atenção, têm o direito de serem criadas e educadas junto de seus familiares,
“sendo indiferentes sua espécie e sua origem [...]. Em síntese, o que basta é que se configure
como instrumento válido à sadia constituição de seus membros” (ALMEIDA; RODRIGUES
JÚNIOR, 2010, p. 363).
Daí entende-se que
A mera “existência” dos progenitores não garante, pois, a satisfação desse direito à
convivência familiar da criança ou do adolescente. Em sentido inverso, portanto, a
falta de qualquer deles também não pode ser preliminarmente entendida como
ofensiva à tutela infanto-juvenil. Há que se admitir que o livre desenvolvimento da
personalidade desses sujeitos não tem como condição sine qua non ter ambos
ascendentes genéticos (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2010, p. 365).
Não se pode vincular o direito à convivência familiar com a existência do pai. Isto
porque, pelo princípio da pluralidade, diversos são os arranjos familiares, não sendo taxativo
o rol do art. 226 da CF, aliado ao princípio da liberdade de constituição familiar, no sentido de
que não existem modelos pré-definidos para tal, além da expressa proteção da família
monoparental pela Constituição Federal, bastando que o agrupamento social tenha como
99
características o animus de constituir família, na formação de um ambiente que busque a
felicidade e desenvolvimento da personalidade de seus membros, muitas vezes caracterizado
pelo afeto, para que assim se constitua uma entidade familiar, não há a imprescindibilidade
para sua formação a existência do pai nem da mãe. “A entidade familiar pode cumprir com
perfeição o papel de dar amparo emocional ao indivíduo sem que esteja atrelada a nenhum
conceito restrito ou formação rígida tradicional” (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2010,
p. 587).
Também, não se está negando absolutamente que o abandono afetivo seja capaz de
gerar algum dano ao filho. No entanto, é temerário imputar ao pai a integralidade dos
transtornos psicológicos sofridos pelo filho. Nesse sentido, Almeida e Rodrigues Júnior
(2010, p. 587) assim dissertam, “a caracterização de eventual prejuízo psicológico do menor,
ainda que analisada por profissional habilitado, é extremamente subjetiva e certamente não
poderá ser integralmente imputada a um só fator, no caso, ao abandono afetivo do pai”.
Por outro lado, preocupa-se demasiado com a ausência de afeto dos pais para com seus
filhos, e dos possíveis danos de ordem moral que isto possa gerar, mas esquece-se de que, do
mesmo modo, também o excesso de afeto poderá ser apontado como causador de problemas
ao filho.
Entretanto, Silvia Regina Dias (2011), psicóloga clínica, não nega que a falta de
amparo afetivo pode gerar transtornos psíquicos ao filho, denominando o adulto que advém
de tal dinâmica familiar como “antidependente”, podendo resultar em um adulto carente
afetivamente, “mas [que] supre esta falta com um comportamento auto-suficiente”. Mas por
outro lado, pais superprotetores, que não deixam seus filhos crescerem emocionalmente, e
tentam, a todo custo, evitar-lhes as frustrações naturais da vida, escolhendo a todo momento o
que é melhor para eles, também podem gerar um adulto dependente e inseguro diante da
própria vida. “Inseguro pelo excesso de amor...”.
Desta forma, o potencial de dano causado pelo afeto pode tanto ser por sua falta
quanto pelo seu excesso. E Dias (2011) ainda afirma que em ambos os casos, o filho
considera que algo está faltando, seja a liberdade (por estar sufocado, aprisionado), ou o afeto
(por estar excessivamente livre por razão do desinteresse parental). E “em muitos casos, o que
se procura encontra-se no consumo excessivo de álcool e ou substâncias químicas ilícitas, em
compulsões [...] que são utilizados como amortecedores daquilo que não se consegue
enfrentar”.
Assim, se se admitir que a falta de afeto é gerador de dano moral indenizável, admitirse-á que o excesso do mesmo afeto pode gerar a mesma consequência.
100
Com tudo isso, quer-se dizer que não existe uma fórmula, um manual que ensine como
cuidar e amar um filho, para que assim ele cresça um adulto sem traumas. Por mais que se
tente cercar, o assunto relação parental sempre enfrentará subjetividades que o Direito não
poderá alcançar.
Para melhor explanação do tópico, passa-se a tratar do nexo causal, outro requisito
essencial à configuração do dever de indenizar.
5.3.1.3 Nexo de causalidade entre o abandono e o dano
Nega-se a ocorrência de ato ilícito pelo abandono afetivo.
Mas, mesmo para aqueles que o admitem, estabelecer o nexo causal entre o abandono
afetivo e o dano moral sofrido pelo filho menor, imputando a causa à conduta do pai, será
uma constatação por demais problemática e temerária, mesmo para os mais qualificados
profissionais. Isto porque, conforme expõe Wesley Louzada Bernardo (2008), dificilmente os
traumas de infância e adolescência poderão ser imputados integralmente à ausência de um dos
pais. Ou melhor, como indagam Almeida e Rodrigues Júnior (2010), mesmo que se ateste que
o dano psicológico tenha sido causado pelo abandono afetivo, como este mesmo exame
poderia afirmar com veemência que a presença deste pai inibiria tais transtornos (?).
A psicóloga Ivone M. Cândido Coelho de Souza (2010, p. 70), nessa dificuldade de
atribuir exclusividade do dano psicológico unicamente ao pai que abandonou o filho menor,
sem desmerecer o trabalho da perícia, assevera que
Os laudos periciais, as assessorias de parte, etc., como tantas outras tentativas de
avaliar as condições dos conflitos e sua evolução, não chegam a ser efetivamente as
respostas definitivas para o saneamento dos impasses psicológicos que embasam a
queixa jurídica. Nem mesmo para a transparência das dores ocultas que assolam esta
crise do grupo familiar.
E continua,
Para as demandas jurídicas cada vez mais recorrentes, pode ser relativamente
simples – e é freqüente que se faça esta conclusão – atribuir ao réu e às suas
instâncias psicodinâmicas independentes em desacomodação, a origem dos
abandonos, mas fatores de ordem externa a si mesmo, sempre combinados e
interativos, estão sempre na resultante (grifo nosso). (SOUZA, 2010, p. 70)
101
Inclui-se a estes “fatores de ordem externa” que contribuem para o resultado danoso,
as atitudes da mãe (ou de outro responsável) em relação ao filho, bem como a vida íntima do
mesmo e sua relação os demais da coletividade.
Muitas vezes, é a mãe que decide qualificar como abandono o pai ausente, transferindo
para o filho o seu sentimento de abandono pelo antigo parceiro. Assim, a mãe utiliza o filho
para punir esse antigo parceiro. “Se a mãe guardiã queixa-se do abandono, o pai ausente
abandona como forma velada de queixa” (SOUZA, 2010, p. 69).
Ainda, na verificação do nexo causal, a teoria da causalidade adequada é a que
prevalece no ordenamento brasileiro. Tal teoria apresenta como causa do dano o evento
antecedente necessário mais adequado a produzir o resultado danoso, quando da verificação
de várias condições. E a mais adequada somente poderá ser aferida casuisticamente.
Como visto no capítulo anterior, a causa mais próxima do evento danoso nem sempre
é a mais determinante. E quando isso ocorre, pode-se estar diante de uma concausa que, como
anotado, deverá ser desconsiderada, pois, apesar de apresentar-se junto da causa principal,
pode concorrer para o resultado danoso, mas não o provocou, nem pode interrompê-lo.
Trazendo o raciocínio dos fatores externos que podem influenciar no dano afetivo ao
estudo das concausas, somado à conduta do pai ausente, pode-se chegar em resultados, em
que, mesmo os que pautam pela configuração de ato ilícito , a falta de afeto paterno-filial, o
abandono afetivo, será a concausa, e não a causa principal.
Ainda supondo que haja a possibilidade de condenação por abandono afetivo, a
monetarização do abandono não aparenta ser medida adequada a buscar o interesse do filho,
podendo, ao revés, redundar em novas erupções dentro do ambiente já desgastado. A
contenda processual poderá afastar ainda mais o genitor. Não se quer dizer que o pedido
principal deva ser o cumprimento in natura do supostamente esperado afeto paternal, até
porque tal pedido se apresenta juridicamente impossível, pois não cabe ao judiciário obrigar
os pais a dedicarem amor a seus filhos. Mas dinheiro também não se apresenta como forma
adequada a tal pleito, pois se assim fosse, o pagamento de alimento resolveria o problema.
Diante da dificuldade de aferir o nexo causal, e pelos julgadores parecerem se
contentar com a verificação do dano e o enquadramento da conduta do pai como ato ilícito,
verifica-se que não se parece estar na busca de uma decisão compensatória ao prejuízo do
filho, mas sim em uma punição ao pai ausente. E quanto à utilização da responsabilidade civil
como punição de condutas danosas, apresentou-se o entendimento de não ser esta adequada
ao Direito brasileiro. Punição é da alçada do juízo criminal. Responsabilidade civil busca a
compensação de prejuízos. E quando o direito civil se propõe a punir, este se utiliza de
102
mecanismos próprios, adequados a cada caso específico. Se se entende que o abandono deve
ser punido, esta punição civil será a suspensão/destituição do poder familiar, não o pagamento
de indenização pecuniária.
Não se pretende também afirmar que não existe a possibilidade da atuação da
responsabilidade civil no âmbito das relações familiares paterno-filiais. Esta será possível
sempre que verificados os seus pressupostos, como exemplifica a doutrina, nos casos de
violência doméstica contra os filhos.
Entretanto, no que tange à falta de afeto, o Direito não contém aparatos necessários
para resolver. “Judiciário não pode impor que alguém ame outrem”.
5.4 Projeto de Lei do Senado PLS nº 700/2007
Em “defesa” do abandono afetivo, não somente a doutrina e os Tribunais brasileiros
têm se manifestado. Em dezembro de 2007, o senador pelo Estado do Rio de Janeiro Marcelo
Crivella apresentou no Senado Federal o Projeto de Lei nº 700/2007 visando à modificação do
Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – Lei nº 8.069/90, a fim de tipificar o abandono
afetivo como ilícito no âmbito penal e civil.
Na justificativa, o senador afirma que a lei tem a finalidade de prevenir e solucionar os
problemas de negligência dos pais perante os filhos, prevendo a imposição do dever dos pais
em “acompanhar a formação dos filhos, orientá-los nos momentos mais importantes, prestarlhes solidariedade e apoio nas situações de sofrimento e, na medida do possível, fazerem-se
presentes quando o menor reclama espontaneamente a sua companhia” (grifo no original)
(BRASIL, 2007).
O senador ainda justifica a necessidade de previsão legal para tais condutas, prevendo
responsabilização civil e penal (com a possibilidade de ensejar indenização e ainda pena de
detenção de um a seis meses, para aquele pai que deixar, sem justa causa, de prestar
assistência moral ao filho menor, prejudicando-lhe o desenvolvimento psíquico e social),
devido ao que ele chama de “insegurança jurídica”, isto é, as divergências de opiniões dos
Tribunais brasileiros ao julgarem casos ensejando o abandono afetivo. Então, acredita o
Senador que “isso será superado por essa lei que não deixará dúvidas quanto a esse dever
maior dos pais” (CRIVELLA, 2007).
103
Para o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), o PLS é inovador e
necessário, defendendo a imprescindibilidade da intervenção do Estado nos casos que versem
sobre abandono afetivo. Apenas discordam da criminalização do ato danoso, sendo bastante a
reparação civil (Senado e IBDFAM, 2009).
No entanto, como assevera os professores Almeida e Rodrigues Júnior (2010), este
tipo de intervenção legislativa, além de desnecessária e retrógrada, visto o atual caminhar do
direito brasileiro para uma maior valorização do uso de técnicas hermenêuticas com a
aplicação cada vez mais corrente de cláusulas gerais e princípios, levaria ao notável “risco de
engessar a matéria através de texto legal simplista e que não leva em conta todas as dimensões
da configuração do dano afetivo” (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2010, p. 591).
Ainda, os professores chamam atenção para a utilização da busca de uma segurança
jurídica como justificativa para a lei. Como lembram, “aludida segurança, muito questionada
por juristas da atualidade, não se relaciona a ditames legais que pretendem reger todos os
aspectos de determinado tema” (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2010, p. 592).
Atualmente, o projeto encontra-se para parecer da Comissão de Direitos Humanos e
Legislação Participativa (CDH), após aprovação na Comissão de Constituição, Justiça e
Cidadania (CCJ), aguardando designação de relator68.
5.5 A Mediação como possível solução para as demandas referentes à falta de afeto nas
relações parentais
Apesar do entendimento de que a falta de afeto nas relações parentais não apresenta
solução na ceara do direito, principalmente por meio da responsabilidade civil, não se pode
negligenciar as demandas já existentes e os entendimentos de que é possível a apreciação
judicial, e consequente imposição de indenização.
Cabe trazer para este estudo, em breves linhas, o instituto da mediação, que é assunto
relativamente novo no direito brasileiro, e se apresenta como uma solução alternativa aos
conflitos levados ao judiciário, especialmente os relacionados a demandas advindas das
relações familiares.
68
Consulta realizada em 23 de janeiro de 2011.
104
As particularidades dos conflitos familiares que são levados ao Judiciário acabam por
demonstrar a fragilidade deste para a solução de tais conflitos. Não somente para a solução de
demandas das relações familiares, mas outras de natureza contratual, ambiental, etc. têm
buscado outras formas de solução, ou de promoção de pacificação social, diferente da
jurisdição estatal, mas que a esta se equivalem. Tais expedientes podem ser sintetizados na
arbitragem, na conciliação e na mediação, e são formas alternativas de resolução de conflitos
cada vez mais recorrentes na busca de uma melhor prestação dos serviços jurídicos, visto que
estas existem por deliberação legal.
Mas as figuras (mediação, arbitragem e conciliação), apesar de próximas, não se
confundem. Em todas elas há a participação de um terceiro estranho nesta relação conflituosa
(seja o mediador, o árbitro ou o conciliador), mas na mediação o mediador não decide, como
ocorre na arbitragem; aquele apenas facilita a comunicação entre as partes, visando que elas
mesmas solucionem o conflito ou criem alternativas para o mesmo. Na comparação entre
conciliação e mediação, a distinção é mais complexa, devido à proximidade maior do que na
arbitragem.
Almeida e Rodrigues Júnior (2010) chamam a atenção ao fato de que o ponto crucial
na diferenciação entre mediação e conciliação é o grau de interferência do terceiro (mediador
ou conciliador).
O mediador, terceiro neutro e imparcial, tem a atribuição de mover as partes da
posição em que se encontram, fazendo-as chegar à solução aceitável. A decisão é
das partes, tão somente delas, pois o mediador não tem poder decisório nem
influencia diretamente na decisão das partes por meio de sugestões opiniões ou
conselhos.
Já o conciliador, apesar de não decidir, influencia diretamente na decisão das partes
por intermédio de uma intervenção mais direta e objetiva. Para alcançar o objetivo
final, ou seja o acordo, o conciliador induz, dá palpites e sugestões (ALMEIDA;
RODRIGUES JÚNIOR, 2010, p. 598)
Assim, verifica-se que a mediação não busca como fim o acordo entre as partes, onde
alguém deve ceder, como ocorre na conciliação, mas sim o diálogo entre elas. Ao contrário do
que acontece na arbitragem e na conciliação, na mediação as partes são auxiliadas pelo
intermediário (mediador) e serão elas que irão construir a melhor solução para o caso em
discussão, “em uma perspectiva de co-autoria de um acordo, ou de uma transformação
comportamental, onde ambas saem ganhando” (FERREIRA, 2008, p. 809).
Daí, pode-se conceituar a mediação como um processo, uma técnica não adversarial de
resolução que privilegia a negociação entre as partes, conduzida por um mediador que auxilia
os participantes na resolução da demanda. O acordo final resolve o problema de forma
105
aceitável para todos e de forma a manter a relação entre eles. Como enumera Lilia Maia de
Moraes Sales (2003), os objetivos da mediação podem ser descritos como a solução de
conflitos, a sua prevenção, a inclusão e a paz social. E para completar, João Bosco Dutra
Ferreira (2008, p. 810) afirma que “a mediação tem o objetivo de compor um processo que
propicia o diálogo e a regulação dos conflitos num espírito de compreensão e de cooperação
mútuas”.
Desta forma, pode-se compreender a mediação como a forma alternativa mais
adequada para a solução de conflitos das relações familiares, pois ela visa preservar os
vínculos. Isto porque, muitas vezes, as decisões judiciais não alcançam a pacificação social,
vistos estarem os julgadores presos a critérios objetivos, previamente estabelecidos na
legislação e que não podem deixar de serem observados, e assim não conseguem alcançar o
verdadeiro interesse das partes. Resolve-se aquela demanda, mas o conflito persiste,
principalmente porque as relações familiares apresentam em suas demandas um grau de
subjetividade complexo e considerável.
Os conflitos, de modo geral, são associados a frustrações de interesse, necessidades
e desejos, que podem, ou não, levar o sujeito a algum tipo de reação, evidenciando
que os conflitos encerram em si uma dimensão cognitiva (objetiva) e outra afetiva
(subjetiva), tanto os de ordem intrapessoal, quanto aqueles interpessoais. Nesse
sentido, é possível apreender que a face externa da um conflito reflete apenas uma
parte de sua realidade, ou seja, os conflitos manifestos são parte de um processo
interno complexo e dinâmico (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2010, p. 602)
No particular das relações familiares, os conflitos familiares, antes de serem conflitos
jurídicos inerentes ao direito, são de essência afetiva, psicológica, relacional, antecedidos de
sofrimento, de questões de foro íntimo de cada pessoa (GANANCIA, Daniéle apud
FERREIRA, 2008). Por isso, o Judiciário, na maioria das vezes, não consegue alcançar a
resposta suficiente para tais conflitos. Pela subjetividade extremada, os envolvidos não
conseguem mensurar a realidade do que buscam ao pleitearem a intervenção estatal, nem as
suas consequências. “Assim o foco passa a ser a outra parte e não a questão inicial e,
consequentemente, há um aumento da carga afetiva em relação ao conflito, para o qual a
única resolução possível é a vitória sobre o outro” (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR,
2010, p. 602). Por isso os conflitos familiares são mais complexos e de difícil solução.
Assim, diante das peculiaridades das relações familiares e dos conflitos dali advindos,
ao invés da busca de uma decisão imposta por um juiz, apontando o certo e o errado, será
mais coerente que as próprias partes conflitantes encontrem a solução, num exercício pleno da
106
autonomia privada, que encontra nas relações familiares campo fértil para ser exteriorizado,
vistos os princípios da liberdade e da não-intervenção estatal.
A doutrina atual, quando trata da aplicação da mediação no âmbito familiar, concentra
a discussão nas dissoluções do casamento ou união estável e nas disputas de guarda e
alimentos dos filhos menores. No entanto, quanto aos conflitos por falta de afeto parental,
objeto de demandas cada vez mais frequentes no judiciário brasileiro, onde se pleiteia a
reparação civil, o cogitar da mediação não apresenta como solução primeira, nem comum,
pois parte-se para a busca do ressarcimento pecuniário.
Todavia, no que tange ao foco deste trabalho, nos conflitos familiares advindos do
chamado “abandono afetivo” paterno-filial, verifica-se, como todo exposto, que a mediação
apresenta-se como um caminho alternativo, pois se preocupa com a manutenção dos vínculos,
com as histórias de vida de cada um, com a preservação emocional das partes e com a
prevenção de novos conflitos.
Uma vez que a responsabilização civil não será o caminho plausível e capaz de
resolver os litígios paterno-filiais baseados na falta de afeto, pois em vários casos pode levar
ao afastamento definitivo das partes, na erupção total do vínculo entre estes, o que não é (ou
ao menor não deveria ser) o fim quisto pela parte que pleiteou a responsabilização, a
mediação parece ser o caminho para a transformação do conflito, pois o incentivo ao diálogo
entre os conflitantes pode chegar ao final com uma solução de sucesso para ambos.
Com a presença do mediador, muitas vezes corporificado em profissionais não
específicos do direito, como da psicologia69, a melhor elucidação da realidade vivenciada
tanto pelo filho que se sente abandonado, quanto pelo pai supostamente negligente, pode levar
a uma aproximação e fortalecimento do vínculo familiar, consequência esta que o litígio
apreciado pelo Poder Judiciário poderia findar por infrutífero, levando com a possível
condenação ou indeferimento do pedido indenizatório, numa ruptura de difícil reparação,
visto que a demanda judiciário termina por aferir sempre um vencedor contra um perdedor, ou
um culpado versus um inocente.
Como expõe Taisa Maria Macena de Lima (2004, p.629) “há casos em que o
abandono material e intelectual da própria família envolve indistintamente pais e filhos.
Todos são vítimas. Não há como apontar um culpado na própria entidade familiar”.
69
Importando na verdade que o mediador seja devidamente capacitado.
107
Além disso, a busca, não de uma reparação pecuniária, mas do verdadeiro diálogo e
interação entre as partes em conflito, levaria a reatar o laço afetivo perdido, e tão caro às
relações familiares, em especial de cunho paterno-filial.
A verdadeira justiça com paz social só é alcançada quando todas as questões que
envolvem o litígio são discutidas e tratadas de forma completa e satisfatória pelas
próprias partes. É o que ocorre, quando se chega a um acordo por meio da mediação,
pois representa a expressão do que cada parte aceita como justo e se compromete a
cumprir, sendo, por isso, uma solução satisfatória e duradoura (ALMEIDA;
RODRIGUES JÚNIOR, 2010, p. 609)
Não se pode olvidar, porém, que são as partes que devem querer a mediação, não
devendo ser esta uma imposição, sob pena do desvirtuamento do próprio instituto.
Na mediação, o tempo para se chegar à resolução do conflito é determinado pelos
participantes, pela importância que o interesse seja revelado para que pai e filho
consigam chegar ao entendimento (acordo), “passando a limpo o passado”, focando
a relação deles para o futuro e, assim, a relação ser restaurada e a família atinge os
objetivos constitucionais de uma família feliz, a criança ou adolescente em pleno
convívio familiar sadio (MATZENBACHER, 2009, p. 68)
A partir de tudo o que foi exposto, a mediação apresenta-se como espaço alternativo, e
consideravelmente eficaz no que tange à resolução de conflitos de ordem familiar, em
especial para os conflitos paterno-filiais por abandono-afetivo, visto que propicia às próprias
partes conflitantes deliberarem, (re)criando relacionamentos mais verdadeiros, considerando
as realidades vivenciadas por cada um.
Porém, reconhece-se que tal prática não é simples e fácil por resistência, muitas vezes,
das próprias partes, que preferem que a “mão” do Estado-Juiz intervenha e decida qual a
solução para suas mazelas. Por isso, um trabalho de informação e conscientização geral pode
ser uma alternativa para o melhor e maior acesso à mediação como forma de resolver
conflitos, mesmo que de ordem existencial, como a maioria dos advindos das relações
familiares.
108
6 CONCLUSÃO
Iniciou-se este trabalho fazendo um breve estudo da família. Constata-se que esta é
entendida como a base fundamental da sociedade e sua existência é secular, pois, apesar de
ser considerada uma das formações mais antigas, também é possível afirmar ser a família
plenamente atual. Transcorridas diversas épocas, este instituto persistiu e acompanha o
desenvolvimento social.
A família antiga, de origem romana, caracterizava-se como associação religiosa,
originada do casamento, e é descrita como uma comunidade de culto aos mortos, com o
objetivo precípuo da procriação, ou seja, a geração de um terceiro passível de continuar o
culto familiar. A autoridade exercida pelo pater era absoluta perante todos: filhos, esposa e
escravos.
A herança desta estrutura familiar matrimonializada e patrimonializada, trouxe
influência para toda codificação do século XIX, inclusive para o Direito brasileiro, com o
Código Civil de 1916.
Com o passar dos anos, verificou-se que a estrutura familiar estabelecida pelo Código
Civil de 1916 não estava conseguindo abarcar as relações fáticas, sendo que, com este avanço
da sociedade, o Estado procurou oferecer, com maior efetividade, a proteção da família e de
seus membros, assegurando-lhes a assistência e amparo. Ao longo dos anos, foram editadas
dezenas de leis visando adequação dos institutos à realidade social, o que por fim ,com a
promulgação da Constituição Federal de 1988, é que se consagrou a proteção à família nos
indivíduos que a compõem, em detrimento do instituto por si mesmo.
Hoje, a família passa a ser funcionalizada; qual seja, a família hoje é o meio funcional
para o pleno desenvolvimento da personalidade de seus membros. A família antes fundada no
patrimônio hoje se vê regida pela solidariedade e pelo respeito à dignidade humana de cada
membro, merecedora de todo amparo jurídico-estatal, com normas e princípios que regem o
direito de família. Dentre os princípios, encontra-se o da dignidade da pessoa humana,
princípio basilar do qual se extraem os demais princípios, em especial o que a doutrina define
como princípio da afetividade, um princípio implícito da Constituição, que se extrai da busca
do pleno desenvolvimento da personalidade de cada membro, essencial para o alcance da
felicidade.
A caracterização do afeto nas relações familiares como elemento constitutivo ou como
princípio, como maior parte da doutrina defende, ensejou trazer à baila uma discussão cara e
109
antiga sobre a distinção entre regras, princípios e valores. Porquanto impossível se propor a
fazer qualquer estudo sobre a referida distinção sem se valer dos ensinamentos de Robert
Alexy e Ronald Dworkin, concluindo-se que os princípios, assim como as regras, sendo
normas, têm obviamente um caráter normativo, no sentido de apresentarem, então, força
vinculante. Por outro lado, os valores devem ser entendidos com preferências subjetivamente
compartilhadas.
Por esta análise, e em contraposição à corrente anterior, defende-se a negativa de
caráter jurídico ao afeto ou à afetividade, ao fundamento de que o afeto nada mais é que um
valor de natureza moral, e que não deve ser visto como fator preponderante para a
configuração de laços familiares no estudo do Direito, nem caberia apreciação judicial ao que
a doutrina e a jurisprudência chamam de abandono afetivo.
Concluiu-se, então, ser o afeto apenas um sentimento, algo desprovido de qualquer
natureza jurídica, podendo ser valorado apenas no campo da moral, da psicologia,
antropologia, etc.. E por isto ser, pressupõe-se advindo da espontaneidade, não sendo passível
de qualquer imposição nem mesmo judicial, sob pena de descaracterizá-lo.
Esclarece-se, contudo, que não se nega sua importância no direito, principalmente no
direito de família, visto que este permeia tais relações, podendo, por vezes, fundamentar a
constituição e a manutenção de vínculos familiares. No entanto, sozinho não apresenta
relevantes consequências; não é algo que possa ser imposto ou exigido como cumprimento de
uma norma.
No que tange às relações afetuosas de cunho sexual, a falta de afeto pode fundamentar
o fim da relação, mas baseado na vontade de cada parte. Para a responsabilização civil pelo
fim do relacionamento, seja de noivado, casamento ou união estável, o simples desamor não é
motivo suficiente para ensejar a responsabilização civil. Dessa forma, no exercício do livre
desenvolvimento da personalidade, o desamor não constitui ato ilícito e, por isso, quem não
ama mais não pode ser responsabilizado civilmente.
Mas a discussão do afeto, ou da sua falta, gerar direito à reparação por dano moral,
ganha mais corpo nas relações paterno-filiais, visto ser uma relação em que objetivamente o
ordenamento impõe deveres aos pais, na busca de uma tutela especial aos filhos menores. Daí
discute-se se haveria responsabilização civil dos pais perante os filhos, pelo abandono afetivo,
baseado na violação de um direito fundamental do filho menor ao convívio com o pai e/ou a
mãe, de amparo afetivo, carinho e atenção.
Verifica-se que diverso aos posicionamentos doutrinários majoritários, os tribunais
brasileiros vêm firmando entendimento quanto à impossibilidade de responsabilização dos
110
pais em caso de abandono afetivo, tendo em vista o não preenchimento dos requisitos
exigidos para imputação da responsabilidade civil , em especial o ato ilícito.
Verifica-se que o afeto não é um dever a ser imposto, e sim um sentimento, que em
outras palavras, significa não ter natureza jurídica, e assim sendo, não pode ser cobrado ou
imposto judicialmente. Ainda não existe uma cartilha que ensine como se deve criar um filho.
E se um pai/mãe abandona sua prole, não serão quantias em dinheiro que resolverão este
problema, ou muito menos amenizarão o prejuízo que se verificou.
Ao Direito não cabe a tarefa de resolver este tipo de conflito. Não se pode impor um
sentimento, ou controlar o que se sente pelo outro, mesmo sendo parentes. Espera-se que seja
o ambiente familiar permeado pelo afeto, mas a sua falta não implicará necessariamente no
fim desta relação familiar.
Eis que o direito à convivência familiar merece uma reflexão mais cuidadosa, baseada
no melhor interesse da criança e do adolescente, e não simplesmente em um dever jurídico a
ser cumprido, pois, analisado o caso, poder-se-á concluir que a presença do pai/mãe pode ser
prejudicial ao filho. E, obrigar o pai/mãe a conviver afetivamente com o filho também pode
gerar conseqüências desastrosas à formação do filho. Se o abandono prejudica o filho, assim
como pode ocorrer com a presença dos pais, a solução jurídica é a suspensão/destituição do
poder familiar.
Assim, por todos os ângulos que se analisa a problemática proposta, verifica-se ser
inadmissível a imputação de qualquer responsabilidade em caso de abandono afetivo nas
relações paterno-filiais, ou qualquer outra relação, se a responsabilidade se basear puramente
na ausência do afeto.
Uma alternativa para a solução dos conflitos familiares está na mediação, em que pai e
filho, no exercício efetivo da autonomia privada, dos princípios da liberdade e da intervenção
mínima, têm a possibilidade de, por eles mesmos, passando a limpo o passado, focar a relação
para o futuro e restaurar a relação familiar de afeto.
111
REFERÊNCIAS
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução: Virgílio Afonso da Silva.
São Paulo: Malheiros Editores, 2008.
ALVES, Leonardo Barreto Moreira. Direito de Família Mínimo: a possibilidade de
aplicação e o campo de incidência da autonomia privada no Direito de Família. Rio de
Janeiro: Lumen Júris, 2010.
ALMEIDA, Renata Barbosa de. Direito fundamental à procriação: considerações sobre a
maternidade monoparental e a função paterna. 2005. 195 f. Dissertação (Mestrado em Direito)
- Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
ALMEIDA, Renata Barbosa de; RODRIGUES JÚNIOR, Walsir Edson. Direito Civil:
Famílias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
AMORIM, Letícia Balsamão. A distinção entre regras e princípios segundo Robert Alexy:
esboço e críticas. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 42, n. 165, p. 123-134,
jan./mar. 2005
ANGELUCI, Cleber Affonso. Amor tem preço? Revista CEJ, Brasília, n. 35, p. 47-53,
out./dez. 2006.
ARAÚJO, Eugênio Rosa de. Recensão de “Teoria dos Princípios”, de Humberto Ávila. R.
SJRJ, Rio de Janeiro, n. 20, p. 203-227, 2007.
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos.
5 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.
BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de
Janeiro: Renovar, 2005.
BARROS, Sérgio Resende. A ideologia do afeto. Revista Brasileira de Direito de Família,
Porto Alegre: Síntese, IBDFAM, v. 4, n. 14, p. 05-10, jul./set. 2002.
BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo Direito
Constitucional brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 59, 1 out. 2002. Disponível em:
<http://jus.uol.com.br/revista/texto/3208>. Acesso em: 7 mar. 2010.
112
BERNARDO, Wesley Louzada. Dano moral por abandono afetivo: uma nova espécie de dano
indenizável? In: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz Edson. (Org.). Diálogos sobre direito
civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. v. 2.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em: 14
fev. 2011.
BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm. Acesso em: 14 fev. 2011.
BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em: 10 jan. 2011.
BRASIL. Projeto de Lei 700/2007. Modifica a Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto
da Criança e do Adolescente) para caracterizar o abandono moral como ilícito civil e penal, e
dá outras providências. Disponível em
http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=8351 . Acesso em: 01.
Jan. 2010.
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. 3ª Turma. Resp Nº 1.025.769 - MG (2008/0017342-0)
Rel. Min. Nancy Andrighi. Julg. 24 ago.2010. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 15
dez. 2010.
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. 1ª Turma. Resp 598281 MG (2003/0178629-9). Rel.
Ministro Luiz Fux. Julg. 02 mai.2006. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 15 dez.
2010.
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. 4ª Turma. Resp. 757.411 - MG (2005/0085464-3),
Rel. Min. Fernando Gonçalves. Jul. 29 nov. 2005. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em:
15 dez. 2010.
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Corte Especial. Embargos de Divergência no
Recurso Especial. EREsp 182223 SP 1999/0110360-6. Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo
Teixeira. Julg. 05 fev. 2002. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 15 dez. 2010.
CARVALHO, Dimas Messias de. Direito de família. 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.
113
CARVALHO NETO, Inácio de; FUGIE, Érica H. Novo Código Civil Comparado e
Comentado: direito da família. 6. v. Curitiba: Juruá, 2002.
CASTRO, Leonardo. O preço do abandono afetivo. Revista IOB de Direito de Família,
Porto Alegre: Síntese, a. 9, n. 46, p. 14-21, fev./mar. 2008.
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 8 ed. rev. e ampli. São
Paulo: Atlas, 2008.
CEZNE, Andrea Nárriman. A teoria dos direitos fundamentais: uma análise comparativa das
perspectivas de Ronald Dworkin e Robert Alexy, Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 13, n.
52, p. 51-67, jul./set., 2005.
COSTA, Maria Isabel Pereira da. Família: do autoritarismo ao afeto: como e quem indenizar a
omissão do afeto? Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese, v. 7, n.
32, p.20-39, out./nov. 2005.
CUNHA, Márcia Helena de Oliveira. O afeto face ao princípio da dignidade da pessoa
humana e seus efeitos jurídicos no Direito de Família. Instituto Brasileiro de Direito de
Família. Publicado em 12 jan. 2009. Disponível em:
http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=482. Acesso em: 11 jan. 2011.
CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. Rio de
Janeiro: Renovar, 2005.
DANTAS, Marcus Eduardo de Carvalho. Princípios e regras: entre Alexy e Dworkin. In:
MORAES, Maria Celina Bodin de. (coord.). Princípios do direito civil contemporâneo. Rio
de Janeiro: Renovar, 2006.
DIAS, Maria Berenice; BASTOS, Eliene Ferreira; MORAES, Naime Márcio Martins
(Coord.) Afeto e estruturas familiares. Belo Horizonte: Del Rey, IBDFAM, 2010.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 6 ed. ver., atual. e ampli. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
DIAS, Silvia Regina. Dependência emocional: a perda da identidade! Disponível em:
http://www.srdpsicologia.com.br/dependencia-emocional-a-perda-da-identidade.htm. Acesso
em: 14 fev. 2011.
114
DINIZ, Maria Helena. Direito Civil Brasileiro, v.5, Direito de Família, 21.ed. São Paulo:
Editora Saraiva, 2006. 682 p
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução: Nelson Boeira. São Paulo:
Martins Fontes, 2002.
DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução: Jefferson Luiz Camargo. São Paulo:
Martins Fontes, 1999.
DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Tradução: Luis Carlos Borges. São Paulo:
Martins Fontes, 2005.
ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do estado. Trabalho
realizado com as investigações de L. H. Morgan. 6 ed. Tradução de Leonardo Konder. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Obrigações. 4 ed. Rio de
Janeiro: Lúmen Júris, 2009.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2 ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2010.
FARIAS, Luciano Chaves de. Teoria do risco desautorizando a indenização por danos morais
nos casos de ruptura de noivado e das relações matrimoniais. Revista de Direito das
Famílias e Sucessões, Porto Alegre: Magíster; Belo Horizonte: IBDFAM, a. 9, n. 1, p. 5-24,
dez./jan. 2008.
FERREIRA, João Bosco Dutra. A constitucionalidade da mediação familiar e o Estado
Democrático de Direito: uma crítica à realidade brasileira. In: TEIXEIRA, Ana Carolina
Brochado; RIBEIRO, Gustavo Pereira Leite(Coord.). Manual de Direito das Famílias e das
Sucessões, Belo Horizonte: Del Rey e Mandamentos, 2008. p. 797-827.
FUSTEL DE COULANGES, Numa-Denys. A cidade antiga. Tradução: Frederico Ozanam
Pessoa. São Paulo: EDAMERIS, 2006.
GAGLIANO, Pablo Stoze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de Direito Civil:
Responsabilidade civil. 8 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 3.
115
GALUPPO, Marcelo Campos. Os princípios jurídicos no Estado Democrático de Direito:
ensaio sobre o modo de sua aplicação. Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 36, n.
143, p. 191-210, jul./set. 1999.
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Critérios para a fixação da reparação do dano
moral: abordagem sob a perspectiva civil-constitucional. 2008a. Disponível em:
http://www.gontijofamilia.adv.br/2008/artigos_pdf/Guilherme_Calmon_
Nogueira_da_Gama/Criterios.pdf. Acesso em: 14 fev. 2010.
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípios constitucionais de direito de família.
São Paulo: Atlas, 2008b.
GANDINI, João Agnaldo Donizeti; SALOMÃO, Diana Paola da Silva. A responsabilidade
civil do Estado por conduta omissiva. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 106, 17 out. 2003.
Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/4365>. Acesso em: 11 fev. 2011.
GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. 3 ed. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2001.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Comentários ao Código Civil: Parte Especial do Direito das
Obrigações – Responsabilidade objetiva, responsabilidade subjetiva, responsabilidade por fato
de outrem, responsabilidade profissional, etc.: preferências e privilégios creditórios (art. 927 a
965). Coordenador: Antônio Junqueira de Azevedo. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 11.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 6 ed. rev. e atual.
São Paulo: Saraiva, 2009.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
GOUVÊA, José Roberto Ferreira; SILVA , Vanderlei Arcanjo da. A quantificação dos
danos morais pelo STJ, 2004. Disponível em:
http://www.saraivajur.com.br/menuEsquerdo/doutrinaArtigosDetalhe.aspx?Doutrina=575.
Acesso em: 13. Fev. 2010.
GROENINGA, Giselle Câmra. Descumprimento do dever de convivência: danos morais por
abandono afetivo: a interdisciplina sintoniza o direito de família como o direito à família. In:
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes (Coord.) A outra face do poder judiciário.
Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 402-432.
116
GROENINGA, Giselle Câmara. Mediação Interdisciplinar - Um novo paradigma. Revista
Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre: Síntese, a. 8, n. 40, p. 152-170, fev./mar.
2007.
GROENINGA, Giselle Câmara. Estudo da arte da mediação familiar interdisciplinar no
Brasil. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre: Síntese, a. 8, n. 40, p. 140151, fev./mar. 2007.
GROENINGA, Giselle Câmara. A função do afeto nos “contratos” familiares. In: DIAS,
Maria Berenice; BASTOS, Eliene Ferreira; MORAES, Naime Márcio Martins (Coord.).
Afeto e Estruturas Familiares. Belo Horizonte: Del Rey Editora, 2010. p. 201-216.
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução: Flávio
Beno Siebeneichler – UGF. 2 ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. v. I
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Pressupostos, elementos e limites do dever
de indenizar por abandono afetivo, 2006. Disponível em:
http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/9365/8931.
Acesso em: 05 jan. 2011.
LANA, Fernanda Campos de Cerqueira.; RODRIGUES JÚNIOR, Walsir Edson. O direito e a
falta de afeto nas relações paterno-filiais. In: FIUZA, César; SÁ, Maria de Fátima Freire de;
NAVES, Bruno Torquato de Oliveira (Coord.). Direito Civil: Atualidades IV – teoria e
prática do direito privado. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 259-278.
LIMA, Taisa Maria Macena de. Responsabilidade civil dos pais por negligência na educação
e formação escolar dos filhos: o dever dos pais de indenizar o filho prejudicado. In:
PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Afeto, ética, família e o novo Código Civil. Belo
Horizonte: Del Rey, 2004.
LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípio jurídico da afetividade na filiação. Revista de Direito
Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 1, n 3, p. 35-41, jul./set. 2000.
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus
clausus. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 53, 1 jan. 2002. Disponível em:
<http://jus.uol.com.br/revista/texto/2552>. Acesso em: 9 fev. 2010.
117
LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do direito privado. Tradução: Vera Maria
Jacob de Fradera. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998.
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 3 ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro:
Gen e Editora Forense, 2009.
MANRIQUE, Ricardo C. Pérez. El afecto como elemento estructurante del derecho de
familia. In: DIAS, Maria Berenice; BASTOS, Eliene Ferreira; MORAES, Naime Márcio
Martins (Coord.). Afeto e Estruturas Familiares. Belo Horizonte: Del Rey Editora, 2010.p.
473-496.
MARTINS, Argemiro Cardoso Moreira; OLIVEIRA, Cláudio Ladeira de. A contribuição de
Kalus Günther ao debate acerca da distinção entre regras e princípios. Revista Direito GV –
Escola de Direito de São Paulo, São Paulo, v.2, n.1, p. 241-254, jan./jun. 2006.
MATOS, Aníbal Magalhães da Cruz. Conflitos entre princípios constitucionais: elementos
teóricos para uma compreensão adequada ao Estado Democrático de Direito. 2010. 102
f. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Programa de
Pós-Graduação em Direito, Belo Horizonte.
MATZENBACHER, Solange Regina Santos. Reflexão acerca da responsabilidade civil no
Direito de Família: Filho-dano moral X Pai-abandono afetivo. E a família? Revista Direito &
Justiça, Rio Grande do Sul, v. 35, n. 1, p. 61-69, jan./jun. 2009.
MEIRA, Fernanda de Melo. A guarda e a convivência familiar como instrumentos
veiculadores de direitos fundamentais. In: TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; RIBEIRO,
Gustavo Pereira Leite (Coord.). Manual de Direito das Famílias e das Sucessões. Belo
Horizonte: Del Rey e Mandamentos, 2008. p. 275-299.
MELO, Nehemias Domingos de. Abandono Moral: fundamentos da responsabilidade civil.
Revista de IOB de Direito de Família, São Paulo: IOB Tompson, v. 10, n. 46, p. 08-13,
fev./mar. 2008.
MINAS GERAIS, Tribunal de Alçada, 7ª Câmara Cível. Apelação Cível 0408.550-5, Rel.
Juiz Unias Silva, Julg. 1º.04.2004. Disponível em: www.tjmg.jus.br. Acesso em: 10 jan. 2011.
MINAS GERAIS, Tribunal de Justiça. 15ª Câmara Cível. Apelação Cível N°
1.0702.02.029297-6/001. Rel. Des. Guilherme Luciano Baeta Nunes. Julg. 26 jun. 2006. v.u.
Disponível em: www.tjmg.jus.br. Acesso em: 10 jan. 2011.
118
MINAS GERAIS, Tribunal de Justiça. 12ª Câmara Cível. Apelação Cível n°
1.0024.07.790961-2/001. Rel. Des. Alvimar de Ávila. Julg. 16 mar. 2009, v.u. Disponível em:
www.tjmg.jus.br. Acesso em: 10 jan. 2011.
MINAS GERAIS, Tribunal de Justiça. 13ª Câmara Cível. Apelação Cível N°
1.0701.03.058756-5/001. Rel. Des. Alberto Henrique. Jul. 05 mar. 2009. v. u. Disponível em:
www.tjmg.jus.br. Acesso em: 10 jan. 2011.
MINAS GERAIS, Tribunal de Justiça. 10ª Câmara Cível. Apelação Cível N°
1.0145.09.539414-7/001. Rel. Des. Gutemberg da Mota e Silva. Jul. 14 dez. 2010. v.u.
Disponível em: www.tjmg.jus.br. Acesso em: 12 fev. 2011.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte especial (arts. 235 a 361 do
CP). 18 ed., rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2003. v. 3.
MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional
dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.
NETTO, Felipe Peixoto Braga. Teoria dos ilícitos civis. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
OLIVEIRA, Neiva Flávia. Afetividade como base do reconhecimento jurídico das entidades
familiares. In: Anais do IV Congresso de Direito de Família. Belo Horizonte: IBDFAM,
2003. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/?congressos&evento=4&anais. Acesso em:
29 abr. 2009.
PARANÁ, Tribunal de Justiça. 18ª Câmra Cível. Apelação Cível 0282469-5. Rel. Des. Luiz
Sérgio Neiva de Lima Vieira. Por maioria. Jul. 16 ago. 2006.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Direito de Família. 15 ed. rev.
e atual. de acordo com o Código Civil de 2002. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005. v. 5.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável. 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey,
1995.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais e Norteadores para a
Organização Jurídica da Família. 2004. 157f. Tese (Doutorado) - Faculdade de Direito,
Universidade Federal do Paraná, Curitiba. Disponível em:
http://dspace.c3sl.ufpr.br/dspace/bitstream/1884/2272/1/Tese_Dr.%20Rodrigo%20da%20Cun
ha.pdf. Acesso em: 08 jan. 2010.
119
PEREIRA, Tânia da Silva; OLIVEIRA, Guilherme de. Cuidado e vulnerabilidade. São
Paulo: Atlas, 2009.
RIO DE JANEIRO, Tribunal de Justiça, 5ª Câmra Cível. Apelação cível. n.º 2001.001.17643.
Rel. Des. Humberto de Mendonça Manes. Julg. 17 out. 2001, v. u. Disponível em:
www.tjrj.jus.br. Acesso em: 13 fev. 2011.
REZENDE, Joubert R. Direito à visita ou poder-dever de visitar: o princípio da afetividade
como orientação dignificante no direito de família humanizado. Revista Brasileira de
Direito das Famílias e Sucessões, Porto Alegre: Síntese, IBDFAM, a. 6, n. 28, p. 150-160,
fev./mar. 2005
RODRIGUES, Cassiano Garcia. REGRAS E PRINCÍPIOS: Alguns pontos de contato e de
divergência das normas jurídicas, 2009. Disponível em:
http://www.tjms.jus.br/webfiles/producao/GP/artigos/20090211134929.pdf. Acesso em: 11
fev. 2010.
RODRIGUES, Daniela Ladeira. Um breve ensaio sobre a família, 2006. Disponível em:
http://Direito.newtonpaiva.br/revistadireito/docs/convidados/BKP/Um_breve_ ensaio.doc.
Acesso em: 10 nov. 2009.
RODRIGUES, Silvio. Direito civil: responsabilidade civil. De acordo com o novo Código
Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2002. v. 4.
ROSENVALD, Nelson. Responsabilidade civil 1.4. Danos Patrimoniais. TV Justiça –
Programa Saber Direito. Aula exibida dia 20 de outubro de 2008a. YouTube, 1º de junho de
2009. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=aFbe-K7of_o&feature=related.
Acesso em: 24 mai. 2010.
ROSENVALD, Nelson. Responsabilidade civil 2.5. Dano Moral – Noções Gerais. TV
Justiça – Programa Saber Direito. Aula exibida dia 21 de outubro de 2008b. YouTube, 1º de
junho de 2009. Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=D-M_MoThzZ0. Acesso
em: 24 mai. 2010.
ROSENVALD, Nelson. Responsabilidade civil 4.3. A fixação do valor do Dano Moral. In.
TV Justiça – Programa Saber Direito. Aula exibida dia 23 de outubro de 2008c. YouTube, 1º
de junho de 2009. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=adgIPcAUOfI. Acesso
em: 24 mai. 2010.
120
ROSSOT, Rafael Bucco. O afeto nas relações familiares e a faceta substancial do princípio da
convivência familiar. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, Porto Alegre:
Magíster; Belo Horizonte: IBDFAM, a. 11, n. 9, p. 05-24, abr./mai. 2009.
SABINO, Pedro Augusto Lopes. Fixação de montante indenizatório de dano moral: defesa de
processo bifásico de mensuração como conseqüência do imperativo constitucional de
motivação das decisões. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 362, 4 jul. 2004. Disponível em:
<http://jus.uol.com.br/revista/texto/5383>. Acesso em: 13 fev. 2010.
SALES, Lília Maia de Morais. Justiça e mediação de conflitos. Belo Horizonte: Del Rey,
2003.
SÃO PAULO, Tribunal de Justiça, Apelação Cível n. 549.484.4/6-00, 4ª Câmara de Direito
Privado. Rel. Des. Francisco Loureiro. Julg. 16 abr. 2009. Disponível em: www.tj.sp.gov.br.
Acesso em: 10 dez. 2010.
SÃO PAULO, Tribunal de Justiça. 4ª Câmara de Direito Privado. AC 361.324.4/7. Rel. Des.
Maia da Cunha. Por maioria. Jul. 27 mar. 2008. Disponível em: www.tj.sp.gov.br. Acesso em:
10 dez. 2010.
SÃO PAULO, Tribunal de Justiça. AC 410.524-2/0-00; Ac 3694929; 4ª Câmara de Direito
Privado. Rel. Des. Francisco Loureiro. DJESP 08 jul. 2009. Disponível em: www.tj.sp.gov.br.
Acesso em: 10 dez. 2010.
SÃO PAULO, Tribunal de Justiça. 8ª Câmara de Direito Privado. Ap com Revisão nº
511.903-4/7-00. Rel. Des. Caetano Lagrasta. Julg. 12 mar. 2008. DJESP 27 mar. 2008.
Disponível em: www.tj.sp.gov.br. Acesso em: 10 dez. 2010.
SÃO PAULO, 31ª Vara Cível Central de São Paulo. Processo n° 000.01.036747-0. Juiz de
Direito Luiz Fernando Cirillo. Julg. 07.06.2004.Sentença: Ofensa à dignidade da pessoa
humana. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre: Síntese, a. 6,n. 25, p. 151160, ago./set. 2004.
SÃO PAULO, Tribunal de Justiça, 4ª Câmara de Direito Privado. Apelação n°
990.10.038606-9. Rel. Des. Natan Zelinchi de Arruda. Por maioria. Jul. 11 nov. 2010.
Disponível em: www.tj.sp.gov.br. Acesso em: 13 jan. 2011.
SCHEREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos
filtros da reparação à diluição dos danos. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009.
121
SENADO e IBDFAM. Abandono moral dos filhos como ilícito civil e penal. Atos
Normativos e novidades Legislativas. Revista de Direito das Famílias e Sucessões, Porto
Alegre: Magíster; Belo Horizonte: IBDFAM, a. 11, n. 13, p. 121, dez./jan. 2010.
SILVA, Cícero Camargo. Aspectos relevantes do dano moral. Jus Navigandi, Teresina, ano
8, n. 64, 1 abr. 2003. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/3981>. Acesso em:
25 jan. 2011.
SILVA, Mariana Cândido; SANTOS JÚNIOR, Rosivaldo Toscano dos. Regras, princípios,
valores e postulados para bem aplicar o Direito. Revista Direito e Liberdade - Escola da
Magistratura do Rio Grande do Norte. Mossoró: ESMARN, vol. 6, n. 1, p. 257-282, jan-jun
2007.
SILVA, Sônia Maria Teixeira da. Traição e dano moral. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n.
43, 1 jul. 2000. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/542>. Acesso em: 25 jan.
2011.
SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2009.
SOUZA, Adriano Stanley Rocha. O fundamento jurídico do dano moral: princípio da
dignidade da pessoa humana ou punitive damages?. In: FIUZA, César; SÁ, Maria de Fátima
Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira. Direito Civil: Atualidades III: princípios
jurídicos do Direito Privado. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. 255-266.
SOUZA, Adriano Stanley Rocha. Tutelas de urgência na reparação do dano moral. Belo
Horizonte: Del Rey, 2001.
SOUZA, Ivone M. Cândido de. Dano moral por abandono: monetarizando o afeto. Revista de
Direito das Famílias e Sucessões, Porto Alegre: Magíster; Belo Horizonte: IBDFAM, ano
11, n. 13, p. 60-74, dez./jan. 2010.
SKAF, Samira. Possibilidade legal de concessão de dano moral aos filhos abandonados
afetivamente pelos pais, frente ao cometimento de ato ilícito. Revista de Direito das
Famílias e Sucessões,Porto Alegre: Magíster; Belo Horizonte: IBDFAM, a. 11, n. 13, p. 93118, dez./jan. 2010.
TARTUCE, Flávio. Danos Morais por Abandono Moral. Revista Brasileira de Direito das
Famílias e Sucessões. Porto Alegre, Magíster; Belo Horizonte: IBDFAM, a. 10, n. 7, p.100115, dez./jan. 2009.
122
TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Responsabilidade civil e ofensa à dignidade humana.
Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese, v. 7, n. 32, p.138-158,
out./nov. 2005.
TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; RODRIGUES, Renata de Lima. Multiparentalidade
como efeito da socioafetividade nas famílias recompostas. Revista Brasileira de Direito de
Família. Porto Alegre: Magíster, IBDFAM, a. 11, n. 10, p. 34-60, jun./jul. 2009.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2006. v.
6.
VIANNA, Breno Mendes Forel Muniz. Responsabilidade Civil Parental. In: TEIXEIRA, Ana
Carolina Brochado; RIBEIRO, Gustavo Pereira Leite(Coord.). Manual de Direito das
Famílias e das Sucessões, Belo Horizonte: Del Rey e Mandamentos, 2008. p. 453-484.
WALDMAN, Ricardo Libel. A teoria dos princípios de Ronald Dworkin. Revista Direito &
Justiça, Rio Grande do Sul, v. 24, n. 25, p. 119-145, jan./jun. 2002.
ZANELLATO, Ezequiel Paulo. O afeto como fator preponderante para a manutenção da
sociedade conjugal. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese, ano 6,
n. 28, p.45-59, fev./mar. 2005.
Download

Dissertação Marina Alice de Souza Santosx