Pró-Reitoria de Graduação
Curso de Direito
Trabalho de Conclusão de Curso
CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA NO PROCESSO
ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR MILITAR NO ÂMBITO DA
MARINHA DO BRASIL
Autor: Luciano Farias do Sacramento
Orientador: Prof. Esp. Paulo Henrique Perna Cordeiro
Brasília - DF
2012
LUCIANO FARIAS DO SACRAMENTO
CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO
DISCIPLINAR MILITAR NO ÂMBITO DA MARINHA DO BRASIL
Monografia apresentada ao curso de graduação
em Direito da Universidade Católica de
Brasília, como requisito parcial para obtenção
do título de Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Esp. Paulo Henrique Perna
Cordeiro.
Brasília – DF
2012
Monografia de autoria de LUCIANO FARIAS DO SACRAMENTO, intitulada
“CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO
DISCIPLINAR MILITAR NO ÂMBITO DA MARINHA DO BRASIL”, apresentada como
requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito da Universidade
Católica de Brasília, em ____/____/____, defendida e aprovada pela banca
examinadora abaixo assinada:
__________________________________________________
Prof. Esp. Paulo Henrique Perna Cordeiro (Orientador)
Direito/UCB
__________________________________________________
Professor (titulação) Nome do membro da banca
Direito/UCB
__________________________________________________
Professor (titulação) Nome do membro da banca
Direito/UCB
Brasília
2012
À minha família, sobretudo, ao meu filho Davi
Guilherme, objetivo maior dessa conquista,
que ao longo desses anos de faculdade, que
somados são mais do que ele tem de vida, hoje
com oito aninhos, e mesmo com minhas
ausências em momentos tão importantes de
sua vida, nunca deixou de me dar um abraço
forte, sempre um sorriso no rosto e um “eu te
amo papui” pra dizer ao pé do ouvido,
incentivando-me a continuar.
AGRADECIMENTO
Muitas das vezes surgem situações em nossas vidas que nos obrigam a tomar decisões
que naquele momento pareciam ser o mais indicado. Mas frise-se que no momento aquilo era
o ideal. Um cunhado meu, costumava brincar quando questionado dizendo: “não é o
momento” ou então “ainda não é o momento” e isso me fez refletir sobre como esperar o
momento certo pra decidir?
As cobranças que temos ao longo da vida nos levam sempre para um ponto em que
devemos decidir, não importando se a decisão tomada foi acertada ou não, querem que
decidamos. O curioso é que quando erramos somos taxados de precipitados e em caso de
êxito, quase que imediatamente inicia uma nova cobrança. Lembro-me de quando ingressei na
Marinha, através de concurso público para Escola de Aprendiz-de-Marinheiro em
Florianópolis - SC. Ao terminar o curso de 11 meses e jurar a bandeira, ao encontrar um
familiar ou amigo próximo me questionavam: e aí já é cabo? Ao ser promovido a cabo, a
pergunta era quando seria sargento? Ao conseguir aprovação no concurso para sargento, aí o
questionamento era o acesso ao oficialato. É uma cobrança sistemática, nos obrigando a
sempre querer, buscar mais, ou alternativamente afastar-se desses parentes.
Iniciei a faculdade no início de 2006 e após duas trocas de IES e de 13 semestres
letivos, consigo concluí-la e mais, já aprovado no VI Exame de Ordem (2011.3) dentre mais
de 99 mil inscritos, com nota 8,4 na segunda fase. Considerando que não dispunha de recursos
financeiros e nem tempo hábil para cursinho preparatório, apenas acreditando no potencial
que possuía e na seriedade ao longo desses anos de estudos, traduzindo-se pelo coeficiente de
rendimento mantido durante todo o curso acima da média e êxito no primeiro exame de ordem
realizado, sendo fruto de todo esforço e escolhas.
A história bíblica famosa de José, que após revelar um sonho para seus pais e irmãos,
acabou sendo vendido como escravo por pura inveja. Entretanto sabemos que no fim da
história, aquele sonho se cumpriu, pois ao passar um período de fome em sua terra natal, os
mesmos foram obrigados a pedir comida ao governador do Egito, que naquele momento era
José. Creio que Deus é quem realiza nossos sonhos, não importando qual seja, devemos crer.
Acredito que o diferencial está no esforço de cada um. Quando vemos alguém conquistando
algo é porque ele se esforçou pra consegui-lo.
Quando temos filhos, nossas prioridades mudam, pois tudo que fazemos só tem uma
direção, qual seja o bem estar deles, nada importando mais a não ser os pequeninos.
Desta forma, não consigo dizer com precisão se acertei em minhas escolhas, apenas as
fiz, se errei foi com o objetivo sempre de acerto.
Agradeço a Deus pela minha vida e de meus familiares. Por ter guiado meus passos ao
longo desta jornada me dando forças para caminhar e que, apesar de não ser merecedor,
continua me amando incondicionalmente. Obrigado Senhor!
A minha mãe Janacira que mesmo depois de dezoito anos de meu ingresso na Marinha
ainda não se acostumou com a idéia de ficar longe do filho. Aos meus irmãos, Luciana,
Ivanice, Fabiano e meu cunhado-irmão Cristiano, pela torcida e fé, sobretudo a Lu e o Kika
por sempre me apoiarem com um cantinho em sua casa para meu descanso e hospedagem.
Agradeço ainda, a todos aqueles que contribuíram direta ou indiretamente para que eu
pudesse lograr êxito nessa empreitada, especialmente, meus amigos Ana Paula, Amanda,
Alessandra e Dona Brasilina, que sem o apoio e torcida, certamente seria mais árdua a
caminhada.
A todos os Mestres que tive ao longo desse curso iniciado na Universidade Estácio de
Sá no campus Nova América e no Centro Universitário da Cidade campus Arquias Cordeiro,
ambos no Estado do Rio de Janeiro e finalizado na Católica, sobretudo ao professor Paulo
Henrique Perna Cordeiro, meu orientador, assim como aos colegas de turma, em especial,
Nádia, Maria de Fátima e Oberdan que fizeram minha adaptação na Católica menos solitária.
A todos vocês meu humilde, mas sincero Muito Obrigado!
“Que o destino deste seja ajudar, aqueles que o
lerem, a conhecer e amar cada vez mais o
Direito.” (Antonio Bento Betioli).
“E também nos alegramos nos sofrimentos,
pois sabemos que os sofrimentos produzem a
paciência, a paciência traz a aprovação de
Deus, e essa aprovação cria a esperança. Essa
esperança não nos deixa decepcionados, pois
Deus derramou o seu amor no nosso coração,
por meio do Espirito Santo, que ele nos deu.”.
(Romanos capítulo 5 versículo 3, 4 e 5).
RESUMO
Referência: SACRAMENTO, Luciano Farias. Contraditório e Ampla Defesa no Processo
Administrativo Militar no Âmbito da Marinha do Brasil. 2012. 60 f. Trabalho de
conclusão de Curso – Universidade Católica de Brasília, Brasília-DF, 2012.
Nossa Constituição atual completou recentemente 23 anos de sua promulgação, obtendo, ao
longo dessas duas décadas, muitas conquistas nas mais diversas áreas. Tal afirmação pode ser
comprovada pelo aumento de políticas públicas que objetivam dar efetividade a direitos e
garantias fundamentais antes mitigados por nossos governantes. Em vista disso, para que
tenha aplicação prática, o “guarda-chuva” da dignidade da pessoa humana deve abrigar
absolutamente todos, de acordo com o mandamento constitucional, inserindo, por óbvio, a
categoria dos militares. A Marinha do Brasil, instituição da Administração Direta Federal, é
dotada de procedimento para apurar situações de seu interesse. Um dos principais meios de
averiguação das situações administrativas é através de sindicância que desde 2006 vem sendo
regulada pela DGPM-315 (Normas sobre Justiça e Disciplina na MB- Controle das
Transgressões Disciplinares). Nesse sentido estabeleceu-se para os acusados a possibilidade
do direito ao contraditório e ampla defesa, mesmo num processo administrativo disciplinar
militar. Entretanto a problemática aqui estabelecida situa-se no cerne desta última, pois na
caserna, ao longo dos anos, em face do rigor dos regulamentos impostos desde seu ingresso
nos centros de formação, forma-se uma espécie de “trincheira” que separa, aparentemente, o
cidadão militar do cidadão civil, não bastando assim a simples possibilidade em abstrato do
direito e sim oferecer mecanismos para o seu efetivo exercício.
Palavras-Chave: Sindicância. Transgressão disciplinar. Contraditório. Ampla defesa.
RESUMEN
Referéncia: SACRAMENTO, Luciano Farías. Contradictorio y defensa amplia em el
procedimiento Administrativo Militar de la Marina de Brasil. 2012. 60 hojas. Realización de
Trabajos de Curso – Universidad Católica de Brasilia, Brasilia-DF, 2012.
Nuestra Constitución actual, recientemente completa 23 años de su promulgación,
conseguiendo em estas dos décadas, los numerosos logros em diviersas áreas. Esta afirmación
puede ser probada por el aumento de las políticas públicas que apuntan a hacer efectivos los
derechos y garantias fundamentales antes de disiparse com nuestros governantes. En vista de
esto, que tiene una aplicacíon práctica, el “paraguas” de la dignidad humana debe adaptarse a
absolutamente todo el mundo, de acuerdo con la ley constitucional, introduciendo, por
supuesto, la categoría de los militares. La Marina de Brasil, institución federal de la
administración directa, tiene un procedimiento para determinar las situaciones de su interés.
Uno de los principales medios de la investigación de las situaciones administrativas es a
través de la sindicación desde 2006 há sido governado por la DGPM-315 (Normas para la
Justicia y la Disciplina de las Transgresiones MB- Control Disciplinario). En este sentido, se
estableció la posibilidad de que el acusado, tenga el derecho de defensa amplia y
contradictorio, em processo administrativo diciplinario en las fuerzas armadas. Sin embargo,
los problemas planteados inclusive em este documento se encuentra em el corazón de este
último, porque em los cuarteles em los últimos años, dado el rigor de las regulaciones
impuestas desde que llegó a los centros de formación, que forman uma espécie de “zanja” que
separa al parecer, del ciudadano funcionario militar, y nos implemente la mera posibilidad em
abstracto, pero los mecanismos de oferta adecuada para su ejercicio efectivo.
Palabras clave: Encuesta. Falta disciplinaria. Contradictorio. Defensa.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO...........................................................................................11
2. PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO ...................13
2.1 REGRAS E PRINCÍPIOS.....................................................................13
2.2 PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA..............................................................................................15
2.3 PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO...............18
3. A AMPLA DEFESA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO .......................22
3.1 A AMPLA DEFESA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO FEDERAL.22
3.2 A AMPLA DEFESA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO NO AMBITO
DA MARINHA DO BRASIL...................................................................32
4. A AMPLA DEFESA NA SINDICÂNCIA NO ÂMBITO DA MARINHA.......37
4.1 SINDICÂNCIA......................................................................................37
4.2 DEFESA E CONTRADITÓRIO NA SINDICÂNCIA DA MB..................50
5. A AMPLA DEFESA NO REGULAMENTO DISCIPLINAR PARA A
MARINHA .................................................................................................61
5.1 REGULAMENTO DISCIPLINAR PARA A MARINHA..........................61
5.2 A AMPLA DEFESA NO RDM...............................................................69
CONCLUSÃO................................................................................................73
REFERÊCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................75
11
1
INTRODUÇÃO
Nossa Constituição Federal, promulgada em 05 de outubro de 1988, em
atenção ao encartado no artigo 5º, no que tange as regras disciplinares, passou a
conferir ao direito administrativo militar, assim como a outros ramos do direito, a sua
constitucionalização.
Ainda segundo a Constituição, mais precisamente após a Emenda
Constitucional n 18/1998, existem dois grandes grupos de militares, os dos
Estados, Distrito Federal e Territórios (art. 42 e parágrafos) e o dos militares das
Forças Armadas que integram a União Federal (art. 142, § 3, CF).
O processo administrativo disciplinar militar, também conhecido como
processo disciplinar, é o meio pelo qual a administração militar apura e pune faltas
cometidas por seus integrantes. Trata-se de espécie de processo administrativo
punitivo, dotado, entretanto de inúmeras peculiaridades previstas nas legislações
pertinentes próprias das FFAA. No âmbito da Marinha, o processo disciplinar
encontra-se regrado no Regulamento Disciplinar para a Marinha1 e na DGPM-3152.
Uma possível resistência das autoridades administrativas militares na
constitucionalização do processo administrativo, hodiernamente, não é mais
aceitável. As normas infraconstitucionais não podem ser analisadas fora do contexto
constitucional. É imperioso que as instituições militares interpretem suas normas no
paradigma do estado democrático de direito, com o escopo de torná-las aplicáveis e
legítimas.
A problemática aqui estabelecida situa-se no cerne dessa última e parte do
pensamento linear do pesquisador, quando, ao estabelecer a igualdade entre
militares e civis quanto às garantias constitucionais do contraditório e ampla defesa,
proporciona ao cidadão um processo justo, em que lhe atribua a punição de igual
forma.
1
RDM – Regulamento Disciplinar para a Marinha – Decreto n 88.545 de 26 de julho de 1983.
DGPM-315 NORMAS SOBRE JUSTIÇA E DISCIPLINA NA MB, 2a. Revisão, aprovada em 13 de janeiro de
2011.
2
12
Em decorrência da realidade anteriormente apresentada, a possibilidade que
se pretende indicar para responder ao problema aqui proposto, situa-se no correto
entendimento e efetiva aplicação por parte da Marinha de Guerra do Brasil, do
direito à ampla defesa e o contraditório na aplicação de penas disciplinares, evitando
assim uma possível “colidência” com os pilares que sustentam a força.
O objetivo geral do trabalho será um exame crítico do procedimento
administrativo disciplinar aplicado aos militares, sob a luz dos princípios
constitucionais da ampla defesa e do contraditório, procurando-se analisar o
problema com o estudo do processo administrativo do regulamento disciplinar e da
sindicância, aplicados aos militares da Marinha do Brasil.
Os objetivos específicos aspiram estabelecer a isonomia entre civis e militares
quanto à garantia constitucional do devido processo legal, enfatizando que o
processo administrativo disciplinar militar é o meio próprio para a Administração
Pública Militar, apurar casos de cometimento de transgressão disciplinar,
determinando a autoria e aplicando as punições cabíveis. Entretanto, imperioso
lembrar, que após a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988, as garantias inerentes aos litigantes em processos judiciais estenderam-se
aos acusados em processo administrativo disciplinar militar, destacando a
importância da garantia do devido processo legal, onde são garantidos o
contraditório e a ampla defesa, para gerar decisões pautadas no Direito.
Do exposto acima, o grande desafio aos pesquisadores é: De que forma a
ampla defesa e o contraditório podem ser garantidos aos militares sem colidir com a
manutenção da hierarquia e disciplina?
Desta feita, o que pretende demonstrar este singelo trabalho, é que os
princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório no processo
administrativo disciplinar da Marinha do Brasil devem necessariamente ser dotados
de importância à luz do princípio da dignidade humana, pois, é este o princípio
conformador de todos os outros.
13
2
PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO
Para que cheguemos a compreender, a consagração do princípio do
contraditório e ampla defesa em nossa constituição e sua amplitude a todos os
ramos do direito, inclusive, como se aspira defender, o direito militar, é necessário, a
priori, abordar a distinção entre regras e princípios e qual importância destes em
nosso ordenamento jurídico.
2.1 REGRAS E PRINCÍPIOS
Adentrando a teoria dos direitos fundamentais é mister que se faça a distinção
entre regras e princípios. O clássico ensinamento sobre o tema feito pelo ilustríssimo
mestre Canotilho, estabelece que “O ponto decisivo para a distinção entre regras e
princípios é que os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na
maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes”. Em
contrapartida, “as regras são normas que podem ser ou não válidas”. Se uma regra
é válida, então há de se fazer o que ela exige, nem mais nem menos. Princípios são
as diretrizes gerais de um ordenamento jurídico ou parte dele. (CANOTILHO, 2003,
p. 1161).
Os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização,
compatíveis com vários graus de concretização, consoantes os
condicionalismos fácticos e jurídicos; as regras são normas que prescrevem
imperativamente uma exigência (impõe, permitem ou proíbem) que é ou não
é cumprida. (CANOTILHO, 2003, p. 1161).
Hodiernamente conforme ensinamento de José Afonso da Silva “os princípios
passaram a ser tratados como normas jurídicas, concepção segundo a qual os
colocamos, como espécies do gênero norma, convivendo com as regras, também
espécies dessas mesmas normas”. (SILVA, 2009, p. 91).
14
Nesse contexto, ainda segundo o mestre Canotilho (2003, p. 1161), um dos
interessantes elementos de distinção entre princípios e a regras, é que “a
convivência dos princípios é conflitual”. Isto significa dizer, que existe a possibilidade
de entrarem aqueles em choque ou em rota de colisão, já a “convivência de regras é
antinómica”, os “princípios coexistem” tendo em conta que convivem em verdadeiro
estado de tensão conflitiva, “problema a ser resolvido sopesando valores, em cada
caso concreto, ou seja, numa dimensão axiológica, ou seja, de valor, diferentemente
das regras, que se chocam numa dimensão de validade as regras antinómicas
excluem-se”.
Na mesma corrente doutrinária o ilustre doutrinador Luís Roberto Barroso ao
distinguir regras e princípios, assim dispõe:
a) quanto ao conteúdo: regras são relatos objetivos descritivos de condutas
a serrem seguidas; princípios expressam valores ou fins a serem
alcançados;
b) quanto à estrutura normativa: regras se estruturam, normalmente, no
modelo tradicional das normas de conduta: previsão de um fato – atribuição
de um efeito jurídico; princípios indicam estados ideais e comportam
realização por meio de variadas condutas;
c) quanto ao modo aplicação: regras operam por via do enquadramento do
fato no relato normativo, com enunciação da consequência jurídica daí
resultante, isto é, aplicam-se medicante subsunção; princípios podem
entrara em rota de colisão com outros princípios ou encontrar resistência
por parte da realidade fática, hipóteses em que serão aplicados mediante
ponderação. (BARROSO, 2011, p. 341).
No mesmo sentido Bandeira de Mello (2004 apud GASPARINI, 2007 p. 7)
conceitua:
Princípio – já averbamos alhures – é, por definição, mandamento nuclear de
um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia
sobre diferentes normas, compondo-lhes o espirito e servindo de critério
para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica
e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá
sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a
intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por
nome sistema jurídico positivo. Violar um princípio é muito mais grave que
transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao principio implica ofensa
não apenas a um especifico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema
de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade,
conforme o escalão do principio atingido, porque representa insurgência
15
contra o sistema, subversão de seus valore fundamentais, contumélia
irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.
Para o professor Tadeu (2003, p. 4), princípios são entendidos como “normas
jurídicas vinculantes, dotados de efetiva juridicidade, como quaisquer outros
preceitos encontráveis na ordem jurídica; consideram as normas de direito como
gênero, do qual os princípios e as regras são espécies jurídicas”.
Desta forma, princípio significa “teoria, idéia básica, entendimento que deve
nortear vários outros, ou mesmo um sistema.” (TADEU, 2003). Os princípios servem
para informar e orientar a interpretação dos seus institutos a fim de garantir o acesso
à justiça.
Tem-se então que os princípios, para Canotilho (2003), “são a autêntica
garantia da melhor aplicação do direito, isto porque estão acima da própria pirâmide
jurídica, funcionando como um limitador”. E continua (2003, p. 1255) conceituando
que “princípios são normas que exigem a realização de algo, da melhor forma
possível, de acordo com as possibilidades fácticas e jurídicas”.
Acrescenta ainda que:
Os princípios não proíbem, permitem ou exigem algo em termos de tudo ou
nada; impõem a optimização de um direito ou de um bem jurídico, tendo em
conta a reserva do possível, fáctica ou jurídica. (CANOTILHO, 2003,
p.1255).
2.2 PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Com enfoque nos princípios jurídicos, salienta-se a importância neste trabalho
a análise da ampla defesa que indubitavelmente está intimamente relacionada ao
princípio da igualdade e do contraditório.
Partindo dessa premissa tem-se que os princípios do contraditório e da ampla
defesa são consequências naturais do princípio da igualdade, sendo assegurados a
16
todas as partes. Desta forma a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, inciso
LV, coloca no mais alto nível a garantia destes princípios.
O Código de Processo Civil também busca garantir a isonomia processual
quando estabelece:
Art. 125. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código,
competindo-lhe:
I - assegurar às partes igualdade de tratamento;
Desta forma, significa dizer então, que para atender esse princípio temos que
oferecer o mesmo tratamento para as partes que estão envolvidas processualmente,
seja qual for.
Segundo Alexandre de Moraes (2009, p. 36):
O que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações
absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em
que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça,
pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por
lesado o principio constitucional quando o elemento discriminador não se
encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito.
O processualista Alexandre Câmara (2008, p. 144), a seu turno, leciona que
“a igualdade de tratamento, todavia, corresponde à igualdade nas oportunidades que
serão oferecidas às partes referente à prática dos atos processuais, encontrando
certas restrições em alguns casos legais”.
Os princípios constitucionais são extremamente importantes no arcabouço
jurídico de modo que “são a porta pelo qual os valores passam do plano ético para o
mundo jurídico”. (BARROSO, 2011, p. 226)
Além do mais, o princípio da dignidade da pessoa humana tamanha
importância, insculpido está no atual texto constitucional como fundamento da
República brasileira, art. 1º, in verbis:
17
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania
II – a cidadania
III – a dignidade da pessoa humana (grifo nosso)
Com efeito, a dignidade da pessoa humana, no dizer de Silva (2009, p. 105),
“é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do
homem, desde o direito à vida”.
Temos então que, de fato, a dignidade da pessoa humana é o princípio
fundamental, dele se “extraindo o sentido mais nuclear dos direitos fundamentais”
(BARROSO, 2011, p.275), dessa forma, infere-se que qualquer violação a um
princípio fundamental constitucional estar-se-ia agredindo concomitantemente a
dignidade da pessoa humana. Nesse raciocínio:
No seu âmbito se inclui a proteção do mínimo existencial, locução que
identifica o conjunto de bens e utilidades básicas para a subsistência física
e indispensável ao desfrute dos direitos em geral. (BARROSO, 2011,
p.275).
Nesse aspecto, ressalta-se o imperativo categórico Kantiano citado por
Barroso (2011, p. 272):
a) uma pessoa deve agir como se a máxima de sua conduta pudesse
transformar-se em uma lei universal; b) cada indivíduo deve ser tratado
como um fim em si mesmo, e não como um meio para realização de metas
coletiva ou de outras metas individuais. As coisas tem preço; as pessoas
tem dignidade.
Do exposto, conclui-se que a dignidade da pessoa humana, [concebido como
referência
constitucional
unificadora
de
todos
os
direitos
fundamentais]
(CANOTILHO apud SILVA, 2011, p. 105), reserva um espaço, garantindo a
integridade a todas as pessoas pelo simples fato de existirem no mundo
(BARROSO, 2011, p.274).
18
Superado isto, buscaremos analisar a seguir, os princípios da ampla defesa e
do contraditório.
2.3 PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO
Conforme autorizada doutrina do mestre Alexandre de Moraes, a ampla
defesa como garantia constitucional está ligada ao surgimento do devido processo
legal, na Magna Charta do Rei João Sem Terra de 1215. (MORAES, 2009, p. 106).
Entretanto, com a devida vênia vale lembrar a passagem bíblica, quando do relato
do pecado original, em que Deus oferece a Adão a oportunidade de defesa de sua
conduta antes de expulsá-lo do paraíso.
O artigo XI, nº 1, da Declaração Universal dos direitos do Homem, assim
dispõe:
[todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido
inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a
lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as
garantias necessárias à sua defesa].
Observa-se que a garantia constitucional da ampla defesa é tema obrigatório
das constituições brasileiras desde a carta magna imperial de 1824. Na Constituição
Federal de 1988 encontra-se no artigo 5º, inciso LV, que diz:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados
em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os
meios e recursos a ela inerentes. (grifo nosso).
É comum a confusão entre os princípios da ampla defesa e do contraditório, a
qual Moraes tenta afastar:
19
Entende-se por ampla defesa o asseguramento que é dado ao réu das
condições que possibilitem trazer para o processo todos os elementos
tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se
entender necessário, enquanto o contraditório é a própria exteriorização da
ampla defesa, impondo a condição dialética do processo (par conditio), pois
a todo ato produzido pela acusação, caberá igual direito de defesa de oporse-lhe ou dar-lhe versão que melhor lhe apresente, ou ainda de fornecer
uma interpretação jurídica diversa. (MORAES 2009, p. 106).
Para Carvalhinho (2007) “É necessário, todavia, que haja litígio, ou seja,
interesses conflituosos suscetíveis de apreciação e decisão.” A contrário sensu
conforme ensinamento de Meirelles (GRINOVER, apud 2009, p. 104):
[a Constituição não mais limita o contraditório e a ampla defesa aos
processos administrativos (punitivos) em que haja acusados, mas estende
as garantias a todos os processos administrativos, não-punitivos e punitivos,
ainda que neles não haja acusas, mas simplesmente litigantes.]
Assim, conforme ensinamento de Meirelles (2009, p. 104), “enquanto a ampla
defesa é a garantia de que será dada aos litigantes toda oportunidade de defesa
possível, o contraditório é a verificação, a concretização dessa garantia. Ou seja,
enquanto a primeira é abstrata, o segundo é concreto.”.
Neste sentido, a Constituição Federal vigente garante, aos litigantes em geral,
tanto na esfera administrativa quanto judicial, o direito à defesa, com os meios a ela
inerentes. No dizer de Moraes (2009, p. 107), “devem garantir todos os direitos às
partes, sem, contudo, esquecer a necessidade de desburocratização de seus
procedimentos e na busca de qualidade e máxima eficácia de suas decisões”.
A ampla defesa ora em comento deve ser a mais abrangente possível, onde
não possa haver mitigação infundada, culminando em nulidade o processo em que
ocorrer. Segundo lição de Moraes (NERY JR apud MORAES, 2009, p. 107):
[se houver defesa desidiosa, incorreta, insuficiente tecnicamente, por parte
do advogado do réu no processo penal, o feito deve ser anulado e nomeado
outro defensor, tudo em nome do principio do contraditório conjugado ao da
ampla defesa, ambos garantidos pela constituição].
20
Nessa linha de raciocínio é o entendimento do Supremo Tribunal Federal,
através da Súmula nº 523, in verbis:
No processo penal, falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua
deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu.
Em decorrência deste princípio, garante-se ao acusado o direito de não
praticar ato que lhe prejudique, podendo inclusivo silenciar-se como assegura o
artigo 5º da carta política, onde estabelece:
LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de
permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de
advogado;
Conforme assevera Moraes (2009, p. 106) “o devido processo legal tem como
corolários a ampla defesa e o contraditório, que deverão ser assegurados aos
litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral”.
Não se pode ignorá-lo ante a sua influência na esfera jurídica das pessoas,
considerando como inerente à própria noção de processo. E continua ensinando “O
contraditório consiste na necessidade de proporcionar a defesa da pessoa perante a
qual será proferida a decisão, garantindo-lhe o pleno direito de resposta e de
pronunciamento durante todo o curso do processo”.
Nesse sentido Nelson Nery Júnior citado por Moraes (2009, p. 107) ensina:
[O princípio do contraditório, além de fundamentalmente constituir-se em
manifestação do principio do Estado de Direito, tem íntima ligação com o da
igualdade das partes e o do direto de ação, pois o texto constitucional, ao
garantir aos litigantes o contraditório e a ampla defesa, quer significar que
tanto o direito de ação, quanto o direito de defesa são manifestação do
princípio do contraditório].
A doutrina mais moderna sobre o processo, incluindo o administrativo,
conforme lição do professor Alexandre Câmara, assegura a “não existência deste
21
sem contraditório, princípio consagrado no art. 5º, LV, da Constituição Federal”.
Disciplina que “apenas somando as parcialidades das partes, uma com a tese e a
outra com a antítese é que o Estado-juiz poderá materializar a síntese em um
processo dialético”. Cada um dos litigantes no processo no processo “age tendo em
vista o próprio interesse, mas a ação combinada dos dois serve à justiça na
eliminação do conflito ou controvérsia que os envolve”. (CÂMARA, 2008, p. 251).
Para Diógenes Gasparini, com o mesmo entendimento, assevera que “muito
embora os princípios processuais possam admitir exceções, o da ampla defesa é
absoluto e deve sempre ser observado, sob pena de nulidade do processo”.
Atribuindo uma submissão tanto das partes como do próprio juiz, que haverá de
respeitá-lo mesmo naquelas hipóteses em que procede ao exame e deliberação de
ofício acerca de certas questões que envolvem matéria de ordem pública
(GASPARINI, 2007, p. 958).
Ante o estudo dos princípios constitucionais da isonomia, dignidade da
pessoa humana, da ampla defesa e do contraditório, ora apresentado, não tivemos a
pretensão de esgotar o tema, entretanto, com a devida vênia, apenas fornecer
elementos para a correta compreensão destes no âmbito do processo administrativo
militar, mais especificamente no processo administrativo disciplinar militar no âmbito
da Marinha do Brasil que serão abordados nos capítulos que sucedem.
22
3
A AMPLA DEFESA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO
Pelo princípio da ampla defesa pode-se inferir que é aquele segundo o qual,
confere a parte interessada o direito de utilizar todos os meios processuais
legalmente admitidos e disponíveis, para fazer valer sua pretensão em um processo,
seja ele judicial ou administrativo.
3.1
A Ampla Defesa no Processo Administrativo Federal
Como nos ensina Carvalhinho (2007, p. 16), os princípios para a
administração pública são “as diretivas pré-normativas, dando rumo ao modo de agir
do Estado quando do exercício das funções administrativas”.
Por este motivo abordaremos neste capítulo como funciona o processo
administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, focando cirurgicamente
em seus aspectos de defesa e contraditório oferecidos aos administrados em geral.
No plano da administração pública federal a Lei 9.784 de 29 de janeiro de
1999, estabelece o regramento básico para o processo administrativo no âmbito da
Administração direta e indireta, que conforme leciona o mestre Carvalhinho (2007, p.
864) o faz “[...] instituindo um sistema normativo que tem por fim obter uniformidade
nos diversos expedientes que tramitam nos órgãos administrativos”. In verbis:
Art. 1º Esta Lei estabelece normas básicas sobre o processo administrativo
no âmbito da Administração Federal direta e indireta, visando, em especial,
à proteção dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da
Administração.
§ 2º Para os fins desta Lei, consideram-se:
I- órgão- a unidade de atuação integrante da estrutura da Administração
direta e da estrutura da Administração indireta;
23
Com enfoque na lei 9784/99, prosseguiremos conceituando o processo
administrativo, assim como verificar as possibilidades de ampla defesa e
contraditório oferecidos aos membros da Administração Federal.
De acordo com a etimologia do vocábulo encontrado no dicionário Michaelis
online, processo, em sentido lato, é impulsionar a diante, marchar para frente,
avançar, progredir e desenvolver. No contexto jurídico, seria aquele que a
administração utiliza para apurar faltas ou irregularidades que o funcionário público
pratica no exercício de suas funções.
Processo na ciência jurídica, conforme ensinamento de Câmara (2008, p.
133), é “todo procedimento realizado em contraditório”, já por processo jurisdicional
define como “o procedimento, realizado em contraditório, animado pela relação
jurídica processual”.
Nesse rumo, genericamente, continua inferindo que dois são os tipos de
processo existentes no âmbito dos poderes: o processo judicial e o processo
administrativo. Neste, o processo, “visa à proteção dos direitos dos administrados e
ao melhor cumprimento dos fins da Administração, possuindo características
especiais como não apresentar a triangulação processual”, estabelecendo que o
processo administrativo não seja único e definitivo como o judicial.
Assevera ainda que no processo judicial a “controvérsia, que pode ser civil,
penal, tributária, comercial dentre outras, é submetida a exame pelo Poder judiciário,
mediante a provocação da parte interessada ou do órgão público incumbido de fazêlo”. (CÂMARA, 2008, p.134).
Continua ensinando:
O processo jurisdicional, todavia, guarda peculiaridades em relação aos
demais tipos de processo. A principal delas reside exatamente no fato de
existir neste processo, como seu aspecto intrínseco, uma relação jurídica de
direito público, estabelecida entre as partes e o Estado-juiz, em que este
exerce poder, em posição de equidistância em relação às partes. Não se
pode confundir o processo jurisdicional com os processo não-estatais, pela
simples razão de que nestes não se encontra o Estado no exercício de seu
poder soberano. Nem se pode confundir o processo jurisdicional com os
demais processos estatais, por faltar nestes o requisito da imparcialidade e
equidistância que está presente naquele. Assim, por exemplo, no processo
administrativo o Estado é um dos sujeitos interessados e, ao mesmo tempo,
24
o prolator do provimento que se apresenta como [ato final] do processo.”
(CÂMARA, 2008, p. 134).
Na mesma corrente doutrinária assevera o mestre Carvalhinho (2007, p. 864)
na conceituação de processo administrativo como:
[...] o instrumento que formaliza a sequência ordenada de atoas e de
atividades do Estado e dos particulares a fim de ser produzida uma vontade
final da Administração.
Para o professor Diógenes Gasparini, processo administrativo pode ser
conceituado como “o instrumento formal, instaurado pela Administração Pública,
para a apuração das infrações e aplicação das penas correspondentes aos
servidores, seus autores”. (GASPARINI, 2007, p. 954).
Ainda para argumentar, conforme abordado anteriormente, no âmbito
administrativo a decisão não é soberana, pois permite ao administrado ou autor,
ajuizar ação para ter sua pretensão resguardada.
Isto posto, abordaremos as oportunidades de defesa previstas na Lei nº
9.784/99 caracterizando-se como ampla defesa e o contraditório.
Na própria letra da Lei, em seu artigo 2º, vemos assegurados princípios e
critérios relativos à defesa do administrado. Vejamos:
Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da
legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade,
moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse
público e eficiência.
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre
outros, os critérios de:
VIII – observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos
administrados;
X - garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações
finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de
que possam resultar sanções e nas situações de litígio;
25
O Capítulo II da Lei em comento dispõe sobre os direitos dos administrados,
mais especificamente no artigo 3º.
Art. 3º- O administrado tem os seguintes direitos perante a Administração,
sem prejuízo de outros que lhe sejam assegurados:
II - ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a
condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos
neles contidos e conhecer as decisões proferidas;
III - formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais
serão objeto de consideração pelo órgão competente;
IV - fazer-se assistir, facultativamente, por advogado, salvo quando
obrigatória a representação, por força de lei.
Vale destacar a faculdade que o inciso IV estabelece no tocante a assistência
de advogado para acompanhar o pleito, bem como para propor condições para a
defesa técnica, sendo esta fundamental para a caracterização da ampla defesa.
Para o professor Gasparini (2007, p. 957) o direito de ampla defesa:
Consiste em se reconhecer ao acusado o direito de saber que está e por
que está sendo processado; de ter vista do processo administrativo
disciplinar para apresentação de sua defesa preliminar; de indicar e produzir
as provas que entender necessários à sua defesa; de ter advogado quando
for economicamente insuficiente; de conhecer com antecedência a
realização de diligencias e atos instrutórios para acompanha-los; de
perguntar e reperguntar; de oferecer defesa final; de recorrer, para que
prove sua inocência ou diminua o impacto e os efeitos da acusação.
Conforme abordado pelo ilustre mestre para o exercício da ampla defesa um
dos aspectos primordiais é ter completa ciência dos autos do processo,
corroborando para isto a intimação dos atos, a fim que sejam garantidas as medidas
próprias à defesa ou sua preparação, é o que prevê o artigo 26 da norma em
comento.
Art. 26. O órgão competente perante o qual tramita o processo
administrativo determinará a intimação do interessado para ciência de
decisão ou a efetivação de diligências.
§ 1o A intimação deverá conter:
I - identificação do intimado e nome do órgão ou entidade administrativa;
26
II - finalidade da intimação;
III - data, hora e local em que deve comparecer;
IV - se o intimado deve comparecer pessoalmente, ou fazer-se representar;
V - informação da continuidade do processo independentemente do seu
comparecimento;
VI - indicação dos fatos e fundamentos legais pertinentes.
§ 2º A intimação observará a antecedência mínima de três dias úteis quanto
à data de comparecimento.
§ 3º A intimação pode ser efetuada por ciência no processo, por via postal
com aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a
certeza da ciência do interessado.
Percebe-se claramente uma preocupação na Lei em pauta com o direito a
ampla defesa do administrado mais precisamente em seu artigo 27 que dispõe:
Art. 27. O desatendimento da intimação não importa o reconhecimento da
verdade dos fatos, nem a renúncia a direito pelo administrado.
E continua, estabelecendo em seu artigo 28 o que deve ser objeto de
intimação do administrado, como os atos do processo que resultem para o
interessado em imposição de deveres, ônus, sanções ou restrição ao exercício de
direitos e atividades, e os de outra natureza, de seu interesse. Por óbvio o objetivo
dessa intimação é para que, integrando o polo passivo do processo administrativo, o
administrado possa tomar ciência do conteúdo do ato e assim exercer seu direito de
defesa e contraditório, dentro das oportunidades oferecidas por lei.
O interessado pode exercer seu direito de defesa e contraditório, a Lei prevê
que os atos de instrução que exijam a atuação dos interessados devem se realizar
do modo menos oneroso para ele e que prove por meio lícitos, em face de serem
inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos, é o que preconiza
respectivamente os artigos 29, §2º e 30 da Lei em comento. In verbis:
Art. 29. As atividades de instrução destinadas a averiguar e comprovar os
dados necessários à tomada de decisão realizam-se de ofício ou mediante
impulsão do órgão responsável pelo processo, sem prejuízo do direito dos
interessados de propor atuações probatórias.
27
o
§ 1 O órgão competente para a instrução fará constar dos autos os dados
necessários à decisão do processo.
o
§ 2 Os atos de instrução que exijam a atuação dos interessados devem
realizar-se do modo menos oneroso para estes.
Art. 30. São inadmissíveis no processo administrativo as provas obtidas por
meios ilícitos.
Continuando no Capítulo X da Lei 9784/99, outros aspectos inerentes à
defesa do interessado estão presentes. In verbis:
Art. 38. O interessado poderá, na fase instrutória e antes da tomada da
decisão, juntar documentos e pareceres, requerer diligências e perícias,
bem como aduzir alegações referentes à matéria objeto do processo.
§ 1º Os elementos probatórios deverão ser considerados na motivação do
relatório e da decisão.
§2º Somente poderão ser recusadas, mediante decisão fundamentada, as
provas propostas pelos interessados quando sejam ilícitas, impertinentes,
desnecessárias ou protelatórias.
Art. 39. Quando for necessária a prestação de informações ou a
apresentação de provas pelos interessados ou terceiros, serão expedidas
intimações para esse fim, mencionando-se data, prazo, forma e condições
de atendimento.
Parágrafo único. Não sendo atendida a intimação, poderá o órgão
competente, se entender relevante a matéria, suprir de ofício a omissão,
não se eximindo de proferir a decisão.
Art. 41. Os interessados serão intimados de prova ou diligência ordenada,
com antecedência mínima de três dias úteis, mencionando-se data, hora e
local de realização.
Art. 44. Encerrada a instrução, o interessado terá o direito de manifestar-se
no prazo máximo de dez dias, salvo se outro prazo for legalmente fixado.
Ainda, visando a garantida da ampla defesa, o artigo 46 preserva aos
interessados o direito à vista do processo podendo ser realizado pelo mesmo ou
através de um advogado constituído e, além disso, o direito de obter certidões ou
cópias reprográficas dos dados e documentos que o integram, ressalvados os dados
e informações de terceiros protegidos por sigilo ou pelo direito à privacidade, à honra
e a imagem. Vejamos:
28
Art. 46. Os interessados têm direito à vista do processo e a obter certidões
ou cópias reprográficas dos dados e documentos que o integram,
ressalvados os dados e documentos de terceiros protegidos por sigilo ou
pelo direito à privacidade, à honra e à imagem.
Encerrada a fase instrutória, a Administração tem o prazo de até trinta dias
para emitir decisão, prazo este prorrogável uma única vez com justificativa motivada.
A Administração não pode se esquivar de emitir decisões em processos
administrativos em matéria de sua competência, é o que determina os artigos 48 e
49.
Art. 48. A Administração tem o dever de explicitamente emitir decisão nos
processos administrativos e sobre solicitações ou reclamações, em matéria
de sua competência.
Art. 49. Concluída a instrução de processo administrativo, a Administração
tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual
período expressamente motivada.
O capítulo XII da lei em pauta dispõe, expressamente, sobre o princípio da
motivação, ressaltando-se desta forma, a importância do cumprimento deste
princípio, especialmente, no que tange as decisões administrativas.
Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos
fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:
I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;
II - imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
III - decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública;
IV - dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório;
V - decidam recursos administrativos;
VI - decorram de reexame de ofício;
VII - deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem
de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais;
VIII - importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato
administrativo.
29
o
§ 1 A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir
em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres,
informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante
do ato.
o
§ 2 Na solução de vários assuntos da mesma natureza, pode ser utilizado
meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que
não prejudique direito ou garantia dos interessados.
o
§ 3 A motivação das decisões de órgãos colegiados e comissões ou de
decisões orais constará da respectiva ata ou de termo escrito.
O princípio da motivação na lição de Gasparini (2007, p. 24), significa dizer
que “devem ser mencionadas para a prática de qualquer ato administrativo as
razões de fato e de direito que levaram a Administração a proceder daquele modo”.
Continua ainda, que:
“[...] a Lei, 9.784/99, em seu art. 50, prevê a necessidade de motivação dos
atos administrativos sem fazer qualquer distinção entre os vinculados e os
discricionários, embora mencione nos vários incisos desse dispositivo
quando a motivação é exigida. Referidos incisos, no entanto, mencionam
situações que podem estar relacionadas tanto a atos administrativos
vinculados como a discricionários, o que reforça o entendimento que ambos
devem ser motivados”.
No Capítulo XII da lei 9784/99 trata-se do assunto, vejamos:
Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos
fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:
I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;
II - imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
III - decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública;
IV - dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório;
V - decidam recursos administrativos;
VI - decorram de reexame de ofício;
VII - deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem
de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais;
VIII - importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato
administrativo.
30
§1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir
em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres,
informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante
do ato.
É óbvio, os atos que não foram motivados, devem ser atacados, valendo-se
do direito de defesa, pelo interessado, requerendo sua nulidade seja administrativa
ou judicialmente, tendo em vista a garantia constitucional de acesso ao judiciário
encartada no inciso XXXV, do artigo 5° da Constituição Federal “a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;”.
Nesse sentido Gasparini:
Em tese, pode-se afirmar que a falta de motivação ou a indicação de
motivos falsos ou incoerentes torna o ato nulo, conforme tem entendido
nossos Tribunais. (GASPARINI, 2007, p.24)
Hely Lopes Meirelles leciona:
Assim, na esfera federal, a referida lei 9.784, de 29.1.99, diz que a
Administração pública obedecerá, dentre outros, ao princípio da motivação
(art. 2º). No processo e nos atos administrativos a motivação é atendida
com a [indicação dos pressupostos de fato e de direito] que determinarem a
decisão ou o ato (parágrafo único do art. 2º e art. 50). A motivação [deve ser
explicita, clara e congruente] (§1º do art. 50). Assim, se não permitir o seu
devido entendimento, a motivação não atenderá aos seus fins, podendo
acarretar a nulidade do ato. (MEIRELLES, 2009, p. 104).
Cuida o capítulo XV da lei em comento, da previsão de recorrer da decisão
administrativa. Por recurso administrativo, conforme lição de Meirelles (2009, p. 683)
entende-se como “todo meio hábil a propiciar o reexame da atividade da
administração por seus próprios órgãos”.
Art. 56. Das decisões administrativas cabe recurso, em face de razões de
legalidade e de mérito.
§1º O recurso será dirigido à autoridade que proferiu a decisão, a qual, se
não a reconsiderar no prazo de cinco dias, o encaminhará à autoridade
superior.
31
No âmbito da Administração Pública Federal, a regra é que o recurso
administrativo tramitará por no máximo três instâncias administrativas, conforme
prevê a lei em estudo. Vale lembrar que todos aqueles cujos direitos ou interesses
forem indiretamente afetados pela decisão recorrida, estão aptos a recorrer.
Ressalta-se que o efeito de regra é o devolutivo. Desta forma, não ocorre a
suspensão da decisão administrativa até que se prolate a decisão final
administrativa. Entretanto, excepcionalmente, pode a autoridade recorrida ou a
imediatamente superior conferir efeito suspensivo ao recurso, em havendo prejuízo
de difícil ou incerta reparação. Neste sentido “Os efeitos da decisão inicial se
prorrogam até sua retificação ou ratificação pela última instância administrativa.”
(CARVALHINHO, 2007, p. 875).
Para Hely Lopes Meirelles, “quando o legislador que dar efeito suspensivo ao
recurso, deve declarar na norma ou no despacho de recebimento, pois não se
presume a exceção, mas sim a regra”. Desta forma, sendo a lei ou o regulamento
silente, deve-se presumir o efeito devolutivo e continua “mas nada impede que,
nessa omissão, diante do caso concreto, a autoridade receba expressamente o
recurso com efeito suspensivo para evitar possíveis lesões ao direto do recorrente
ou salvaguardar interesses superiores da Administração”. (MEIRELLES, 2009. p.
681). Vejamos o artigo 61:
Art. 61. Salvo disposição legal em contrário, o recurso não tem efeito
suspensivo.
Parágrafo único. Havendo justo receio de prejuízo de difícil ou incerta
reparação decorrente da execução, a autoridade recorrida ou a
imediatamente superior poderá, de ofício ou a pedido, dar efeito suspensivo
ao recurso.
O artigo 69 da lei destaca-se de grande importância, uma vez que a Marinha
do Brasil expediu normatização própria, regulando seus processos administrativos,
dentre os quais aqueles abarcados pelo procedimento da sindicância que está
amparada pela DGPM-315, 2ª revisão, de 13 de janeiro de 2011. É de suma
importância compreender, em que pese o artigo 69 da lei 9784/99 expresse o
32
vocábulo Lei, irrefutavelmente em conformidade com a hierarquia das normas
prevista no artigo 59 e 60 da Carta magna, o mesmo deve ser entendido lato sensu,
o que permite no caso específico que o processo administrativo seja regulado pelas
disposições internas da Marinha.
3.2
A Ampla Defesa no Processo Administrativo no âmbito da Marinha do Brasil
A Marinha do Brasil, instituição permanente e órgão da Administração Direta
Federal, tem sua função definida nos termos do Artigo 142 da Constituição da
República Federativa do Brasil, que dispõe:
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e
pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares,
organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade
suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à
garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da
lei e da ordem.
Como
integrante
da
Administração
Direta
Federal,
apressadamente
poderíamos concluir que os processos administrativos no âmbito da Marinha do
Brasil deveriam ser regidos pela Lei 9784/99, entretanto a própria Lei nº 9784/99 em
seu artigo 69, estabelece que os processos administrativos específicos, continuarão
a reger-se por lei própria, aplicando-a apenas, subsidiariamente. Vejamos:
Art. 69. Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por
lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta
Lei.
Com a elaboração e aprovação no ano de 2011, da DGPM-315, Normas
sobre justiça e disciplina na MB, regulamentando e padronizando os processos
administrativos e processos criminais na seara da Força Naval, atribuiu-se a
subsidiariedade da Lei 9784/99 no âmbito da administração naval.
33
Vale dizer que a DGPM-315 fora aprovada por norma infra-legal, e o que
preconiza o artigo 69 da Lei 9784/99 refere-se aos processos administrativos
aprovados por lei própria. Entretanto, percebe-se, dessa forma, que o sentido Lei
empregado, é genérico, abrangendo assim, qualquer normatização que regule o
processo administrativo, mesmo que hierarquicamente inferior, nos termos do artigo
59 da Magna Carta.
Com efeito, embora o processo administrativo dentro da Marinha do Brasil
seja disciplinado pelas sindicâncias e outros procedimentos inseridos nas diversas
normatizações inerentes à Força Naval, a Lei 9784/99 conserva sua importância, vez
que subsidiariamente deve ser utilizada, em razão do que se busca a explicação dos
conceitos e oportunidades de ampla defesa, previstos nesta Lei.
Corroborando com esse entendimento, no julgamento do Resp. n.º 1023392,
o relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, assim se posicionou:
Não existe nenhuma determinação legal que impossibilite o emprego do
preceito do artigo 18, inciso III, da Lei 9.784/99, juntamente com as regras
do Estatuto do Militar (Lei 6.880/80). O próprio art. 3º do Decreto 98.820/90,
que aprova o Regulamento de Administração do Exercito, diz que a
Administração do Exército é parte integrante da Administração Federal e a
ela se subordina segundo normas legais. Deste modo, sendo parte da
Administração Federal, aplicam-se, ainda que subsidiariamente, as regras
do Processo Administrativo no âmbito da Administração Federal. A própria
Lei 9.784/99, em seu art. 69, estabelece que Os processos administrativos
específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas
subsidiariamente os preceitos desta Lei.
Vejamos abaixo, jurisprudência impugnando o cerceamento de defesa por
parte da administração militar:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MILITAR. ATO DISCIPLINAR.
AMPLA DEFESA. INOBSERVÂNCIA.
1. "Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados
em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e
recursos a ela inerentes" (art. 5º, LV, CF).
2. A faculdade prevista no art. 53 da Lei nº 6.880/80 (leia-se "o militar que se
julgar prejudicado ou ofendido por qualquer ato administrativo ou disciplinar
de superior hierárquico poderá recorrer ou interpor pedido de
reconsideração, queixa ou representação, segundo regulamentação
específica de cada Força Armada") não é suficiente para garantir a
imperativa observância das garantias da ampla defesa e do contraditório,
porquanto conferida em momento posterior ao da fixação da punição e, por
34
vezes até, após o respectivo cumprimento, conforme aconteceu no caso em
tela.
3. Apelação e remessa oficial improvidas. (TRF-5ª R., 2ªT., AC349113/RN,
rel. Des. Federal Luiz Alberto Gurgel de Faria, DJ 06/04/2009, p. 182).
PENAL.
PROCESSUAL
PENAL.
RECURSO
EM
SENTIDO
ESTRITO. TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR MILITAR. CONCESSÃO DE
HABEAS CORPUS. ILEGITIMIDADE AD CAUSAM DA UNIÃO FEDERAL
PARA INTERPOSIÇÃO DO RECURSO. CONHECIMENTO COMO
REMESSA OBRIGATÓRIA. SINDICÂNCIA MILITAR. SUBMISSÃO À
DISCIPLINA GERAL DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. OBSERVÂNCIA
DO DEVIDO PROCESSO LEGAL (CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA).
REMESSA IMPROVIDA.
1. A União Federal não tem legitimidade para interpor recurso em sentindo
estrito em face de decisão que soluciona relação jurídica na qual não
poderia figurar como parte; ademais, o Ministério Público é o único
legitimado para interposição de recurso em sentido estrito na hipótese de
decisão concessiva da ordem de Habeas Corpus (art. 581, X do CPP).
2. Matéria conhecida a título de remessa obrigatória (art. 574, I do CPP).
3. É certo que compete à Autoridade Militar decidir a respeito das faltas
disciplinares perpetradas pelo servidor militar, podendo, no caso de
transgressão ou
crime
propriamente
militar,
aplicar
o
ato
punitivo disciplinar cabível; entretanto, o processo administrativo disciplinar,
do qual resultará a sanção, deverá respeitar o devido processo legal,
assegurando ao militar o contraditório e o direito de defesa (art. 5º, LV da
Constituição Federal de 1988).
4. O processo administrativo disciplinar que resultou na aplicação da
penalidade de 10 dias de prisão rigorosa ao paciente, não lhe assegurou
condições suficientes para esclarecer a verdade dos fatos, afrontando,
sobremaneira, o exercício do seu direito de defesa.
5. Recurso em sentido estrito não conhecido.
6. Remessa necessária improvida. (TRF-5ª R., 2ªT., SER nº 906/RN, rel.
Des. Federal Napoleão Maia filho, DJ 04/07/2006, p. 126).
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIOANAL- DEVIDO PROCESSO LEGAL –
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO – ART. 5º, LI, CF/88 – NÃO
OBSERVÂNCIA – NULIDADE DO ATO QUE APLICOU A PENALIDADE –
APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL IMPROVIDAS.
1.
Indispensável a observância do devido processo legal com o
estabelecimento do contraditório, com vistas a viabilizar o exercício do
direito de defesa.
2.
Precedentes: STF: AgRg no RE nº 206775-0, Rel. Min. Maurício
Corrêa, in DJ de 29/08/97; ROMS 14626, 6ª T., Rel. Min. Paulo Medina, in
DJ de 02/08/2004.
3.
Na hipótese dos autos, constata-se que não foram asseguradas ao
autor as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa (art.
5º, LV, CF/88), na medida em que – conforme esclareceu o MM. Juiz “a
quo” – “... a prisão do Autor se deu no período de 15 a 25 de dezembro de
1999, no entanto, verifico pelos documentos acostados às fls. 50/51 e 52
dos autos, que os mencionados depoimentos somente forma colhidos nos
dias 27 e 29 de dezembro, quando o Autor já tinha cumprido integralmente
a penalidade de prisão”.
35
4.
Diante da efetiva violação ao direito de defesa, nulo é o ato
administrativo que determinou as punições ao servidor público militar, sendo
certo que “O preceito constitucional incerto no art. 5º, LV, não fez qualquer
distinção entre civis e militares. Ao contrario, aos litigantes em geral
assegurou o contraditório e a ampla defesa, em processo judicial ou
administrativo” (in AgRg no RE nº 206775-0, Rel. Min. Maurício Corrêa, in
DJ de 29/08/97).
5.
Apelação e Remessa Oficial improvidas. (TRF-1ªR., 1ªT., AC nº
200032000025717/AM, rel. Des. Federal Luiz Gonzaga Barbosa Moreira, DJ
21/11/2005, p. 17).
ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURAÇA – PRELIMINAR DE
ILEGITIMIDADE DA UNIAO FEDERAL PARA RECORRRER – NÃO
CABIMENTO – MILITAR DA AERONÁUTICA – APLICAÇÃO DE
PENALIDADE SEM O DEVIDO PROCESSO LEGAL – CONTRADITÓRIO E
AMPLA DEFESA – ART. 5º, INC. LV, DA CF/88 – HIERARQUIA E
DISCIPLINA – OBSERVÂNCIA E ACATAMENTO AO REGULAMENTO
INTERNO DA CORPORAÇÃO.
1.
Afastada a preliminar arguida em contra-razões, uma vez que, depois
de proferida a sentença em andado de segurança, a competência para
recorrer é do representante judicial da pessoa jurídica de direito público a
que está vinculada a autoridade coatora. Preliminar rejeitada.
2.
Militar da Aeronáutica que teria retido documente semelhante a
Certifica de Habilitação Técnica, licença de piloto, emitido em papel moeda
do Ministério da Aeronáutica, tratando-se de documento falso, em posse de
menor de idade.
3.
Aplicada pena de prisão de 10 dias ao apelado, por contrariar ordens
de seu superior hierárquico, que determinava fosse devolvido o referido
documento.
4.
Aplicação de pena sem a observância do devido processo legal.
5.
Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados
em geral, são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meio e
recursos a ela inerentes. Inteligência do art. 5º, inc. LV, da CF/88.
6.
O militar, ora apelado, agiu em rigorosa observância e acatamento ao
regulamento interno da corporação, que prevê que documentos irregulares
ou vencidos devem ser retidos.
7.
Com o intuito de se resguardar o Estado Democrático de Direito e de
se observar a supremacia da Constituição Federal, deve ser anulada a
penalidade administrativa que foi imposta ao impetrante em 03/07/2000, de
prisão pelo período de 10 dias, bem como deve ser anulada as demais
penas decorrentes do mesmo fato, com a proibição de transferência ou
remoção do militar com caráter punitivo pelos fatos nestes autos
mencionados. Em consequência, deve ser revertida a situação funcional do
apelado, no que se refere ao seu comportamento, ao status quo ante.
Recurso de Apelação e Remessa oficial a que se nega provimento. (TRF-3ª
R., 5ª T., MAS nº 232086/SP, rel. Des. Federal Erik Gramstrup, DJ
26/06/2007, p. 330).
36
Desta feita, no que concerne ao procedimento administrativo militar, a
Marinha do Brasil vem regulando seus próprios procedimentos administrativos,
conforme a especificidade e atribuição prevista constitucionalmente no artigo 142, e
permissão estipulada no artigo 69 da lei 9784/99, entretanto deve ser aprimorada,
observando sempre a legislação vigente constitucional ou infra-constitucionalmente.
37
4
A AMPLA DEFESA NA SINDICÂNCIA NO ÂMBITO DA MARINHA
No âmbito da Marinha do Brasil a sindicância tem seus procedimentos
previstos na publicação DGPM-315 de 13 de janeiro de 2011, em seu Tomo I,
Capítulo 3, Normas sobre Justiça e Disciplina na MB-Sindicância. Infelizmente o que
se verifica nessas Normas é a inobservância em alguns pontos distintos do que
determina nossa Constituição Federal de 1988, particularmente no que se refere à
possibilidade do contraditório e da ampla defesa expressos no Art. 5º, LV. Para
melhor compreensão do tema, inicialmente, vamos analisar o conceito de
sindicância.
4.1 SINDICÂNCIA
O dicionário Michaelis online define sindicância como “inquérito feito por
corporações, empresas, etc., para apurar algum fato importante”. Dentre diversos
conceitos temos a do mestre Carvalhinho (2007, p. 877) que sintetiza:
trata-se da denominação usualmente dispensada ao procedimento
administrativo que visa a permitir uma apuração preliminar sobre a
existência de ilícito funcional. É através da sindicância que se colhem os
indícios sobre:
a) existência da infração funcional;
b) de sua autoria; e
c) do elemento subjetivo com que se conduziu o responsável.
Na mesma corrente doutrinária Gasparini (2007, p. 967):
Pode-se definir sindicância como o processo sumário de elucidação de
irregularidades o serviço público, para bem caracterizá-las ou para
determinar seus autores, para a posterior instauração do competente
processo administrativo.
38
Em outras palavras, sindicância é um conjunto de procedimentos no qual um
agente público designado, normalmente denominado de sindicante realiza uma
investigação administrativa cujo propósito segundo Meirelles (2009, p. 705)
“apuração ou elucidação de irregularidades no serviço para subsequente
instauração de processo e punição ao infrator.”.
No subitem 3.1.1 do Capítulo 3º da DGPM-315 temos a conceituação de
sindicância no âmbito da Marinha:
3.1.1 A Sindicância é um procedimento administrativo sumário de que se
utiliza a Administração Naval, com sindicados ou não, a fim de proceder à
apuração de ocorrências anômalas no serviço, as quais, confirmadas,
fornecerão elementos concretos para a imediata abertura do respectivo
processo administrativo (Procedimento do RDM, Conselho de Disciplina,
Conselho de Justificação) ou Inquérito Policial Militar (IPM), revestindo-se,
portanto, de caráter preparatório, com objetivo de mera apuração preliminar.
Deverá ser instaurada pelo titular da OM em que ocorreu o fato a ser
apurado ou por autoridade equivalente, ainda, nos casos de morte violenta
de militar da ativa ocorrida em área não sujeita à jurisdição militar,
objetivando verificar se o falecimento se deu em situação de serviço ou em
situação considerada como acidente em serviço, para o fim de promoção
“post-mortem”.
Para Justem Filho (2010, p. 984) o reconhecimento da sindicância como
processo administrativo é irrefutável, devendo todas as garantias do devido processo
legal serem deferidas a mesma. “Trata-se, tão somente, de um processo
administrativo com procedimento simplificado, em vista da reduzida gravidade da
infração
a
ser
apurada.
A
sindicância
se
caracteriza
pela
simplicidade
procedimental.”.
Infere-se, portanto que a sindicância dentro da Marinha brasileira traça sua
própria “derrota”3, pois, além de servir como ato preparatório para permitir a tomada
de decisão da autoridade militar, acaba por se transformar em típico instrumento de
processamento das transgressões disciplinares, e cuja instauração tem por objetivo
apurar a possível existência de atos contrários à disciplina militar, podendo
fundamentar, inclusive, a aplicação de uma possível sanção disciplinar, previamente
definida no Regulamento Disciplinar para a Marinha, ao transgressor da norma.
3
Rumo ou direção que leva o navio – definição encontrada no dicionário Michaelis online.
39
Verificado o conceito e sua especificidade para a Marinha do Brasil,
analisaremos a ordem de procedimentos previstos na Norma em comento, de forma
que permita um entendimento didático do procedimento como um todo, e por fim a
possibilitar um estudo mais detalhado das principais características da ampla e
defesa e contraditório na DGPM-315.
Da mesma forma que nas outras FFAA, a sindicância inicia-se através da
instauração de uma portaria pela autoridade competente, visando o esclarecimento
de um fato de interesse da administração militar ou apurar uma situação de
transgressão disciplinar que até mesmo possa ser indício de crime militar. Assevera
o item 3.6 que a sindicância tem caráter sigiloso, devendo ser classificada, no
mínimo como confidencial caso envolva oficial.
3.6 -ATRIBUIÇÃO DO SIGILO
A sindicância em regra tem caráter sigiloso, sendo classificada, no grau de
sigilo “CONFIDENCIAL”, caso envolva Oficial como sindicado.
A autoridade nomeante atribuirá o grau de sigilo dos Autos na “Portaria de
Instauração”, podendo, caso julgue necessário, alterá-lo, observando para
tal as normas para salvaguarda de assuntos sigilosos.
Como leciona MEIRELLES (2009, p. 705):
Dispensa defesa do sindicado e publicidade no seu procedimento, por se
tratar de simples expediente de apuração ou verificação de irregularidade, e
não de base para punição equiparável ao inquérito policial em relação á
ação penal. É o verdadeiro inquérito administrativo que precede o processo
administrativo disciplinar. Entretanto, a sindicância tem sido desvirtuada e
promovida como instrumento de punição de pequenas faltas de servidores,
caso em que deverá haver oportunidade de defesa para validade da sanção
aplicada.
O subitem 3.2.1, estabelece quais as autoridades competentes para instaurar
a sindicância, a saber:
3.2.1 - A instauração de Sindicância compete aos titulares de OM, nestas
normas denominadas autoridades nomeantes. Obedecidas as normas
regulamentares de jurisdição, comando e hierarquia, essas atribuições
40
poderão ser delegadas a oficiais da ativa, para fins especificados e por
tempo limitado.
Vale ressaltar que quando o fato a ser apurado envolver militares de
organizações diferentes, a competência para determinar a instauração da
sindicância será da autoridade militar em cuja jurisdição se verificar a ocorrência.
A portaria de instauração delegará, pela autoridade competente denominada
nomeante, poderes para o Encarregado da sindicância, realizar a apuração, assim
como fixará o prazo inicial de 40 (quarenta) dias corridos para a conclusão da
averiguação, podendo ser prorrogado pela autoridade nomeante por razões
justificadas não devendo, preferencialmente ultrapassar o total de 60 (sessenta)
dias, sendo possível a suspensão do prazo pela autoridade nomeando em casos
que o justifique, é o que dispõe os dispositivos abaixo:
3.37.1 - O prazo para realização da Sindicância será de até 40 (quarenta)
dias, podendo ser prorrogado pela Autoridade Nomeante por razões
justificadas não devendo, preferencialmente, ultrapassar o total de 60
(sessenta) dias.
3.37.2 - A autoridade nomeante poderá suspender o prazo da Sindicância,
havendo situações de fato que justifiquem tal providência.
3.37.3 - Não há prazo mínimo para conclusão de Sindicância. Uma vez
cumpridos todos os procedimentos previstos nesta norma, poderá a mesma
ser encerrada.
CPPM - Art. 10. O inquérito é iniciado mediante portaria:
§ 5º Se, no curso do inquérito, o seu encarregado verificar a existência de
indícios contra oficial de posto superior ao seu, ou mais antigo, tomará as
providências necessárias para que as suas funções sejam delegadas a
outro oficial, nos termos do § 2º do Art. 7º.
Cabe ao encarregado da sindicância à designação do escrivão, caso a
autoridade nomeante não a tenha realizado por ocasião da portaria de instauração,
devendo ser um oficial subalterno, quando o sindicado for oficial ou um suboficial ou
sargento nos demais casos, ou ainda uma pessoa idônea na ausência destes,
denominada como escrivão ad hoc. Determinando que tanto o escrivão designado
ou o ad hoc, prestem o compromisso do parágrafo 5º do artigo 245 do código de
processo penal militar (CPPM).
41
3.4 - DESIGNAÇÃO DO ESCRIVÃO
A designação do escrivão, por meio de Portaria (modelo do Anexo D),
caberá ao respectivo encarregado da Sindicância, caso não tenha sido
efetuada pela autoridade nomeante na “Portaria de Instauração”, sendo a
função exercida por um Oficial Subalterno, quando se destinar a apuração
de contravenção disciplinar por parte de oficial, por suboficial ou sargento
nos demais casos. Na falta destes, qualquer pessoa idônea poderá
desempenhá-la, sendo denominada escrivão “ad hoc” (art. 245, §§ 4° e 5°
do CPPM).
3.5 - TERMO DE COMPROMISSO
O escrivão designado ou o “ad hoc” prestará o compromisso legal de manter
os autos em sigilo e de cumprir fielmente o contido nestas normas e nos
demais aplicáveis, e lavrará o competente “Termo de Compromisso”
(modelo do Anexo E).
CPPM - Art. 245. Apresentado o preso ao comandante ou ao oficial de dia,
de serviço ou de quarto, ou autoridade correspondente, ou à autoridade
judiciária, será, por qualquer deles, ouvido o condutor e as testemunhas que
o acompanharem, bem como inquirido o indiciado sobre a imputação que
lhe é feita, e especialmente sobre o lugar e hora em que o fato aconteceu,
lavrando-se de tudo auto, que será por todos assinado.
§ 4º Sendo o auto presidido por autoridade militar, designará esta, para
exercer as funções de escrivão, um capitão, capitão-tenente, primeiro ou
segundo-tenente, se o indiciado for oficial. Nos demais casos, poderá
designar um subtenente, suboficial ou sargento.
§ 5º Na falta ou impedimento de escrivão ou das pessoas referidas no
parágrafo anterior, a autoridade designará, para lavrar o auto, qualquer
pessoa idônea, que, para esse fim, prestará o compromisso legal.
O ofendido, sindicado ou testemunha será completamente qualificado, no
início do texto do Termo. Esta qualificação deverá conter, conforme o caso: nome,
número de identificação pessoal, posto ou graduação ou profissão, filiação, número
de cartão de identidade e órgão expedidor, residência e local de trabalho. Quando
conhecido ou declarado, deverá constar, também, o cognome.
A DGPM-315, determina que toda intimação, notificação ou convocação seja
comunicada ao interessado com antecedência de 3 (três) dias úteis em
conformidade com o previsto no artigo 421, que determina o mesmo prazo para a
notificação do acusado para inquirição de testemunhas.
Art. 421. Nenhuma testemunha será inquirida sem que, com três dias de
antecedência pelo menos, sejam notificados o representante do Ministério
Público, o advogado e o acusado, se estiver preso.
42
DGPM-315 3.9.1. Sempre que for requisitado militar ou servidor público da
MB, lotado em outra OM ou na inatividade, seu comparecimento será
solicitado por meio de ofício (modelo do Anexo G-1). As solicitações
internas (dentro da OM) serão feitas por meio de documentos internos “CI”
(modelo do Anexo G-2) do encarregado à autoridade a que estiver
subordinado o requisitado, devendo ser juntada cópia desse documento aos
autos.
3.9.2 - A convocação de depoentes não enquadrados no inciso anterior
será realizada por meio de ofício, assinado pelo encarregado (modelo do
Anexo H).
3.9.3 - O notificado ou o recebedor da notificação firmará recibo na cópia,
retendo o original. Orecibo deverá conter, além da assinatura do recebedor,
o local, a data e a hora do recebimento. No caso do notificado ser
analfabeto, esta condição deverá ser expressa no recibo, que será então
firmado por duas testemunhas, perfeitamente identificadas. O
comparecimento do(s) notificado(s) nas Sindicâncias é obrigatório no caso
de militar ou civil sujeito à autoridade militar.
3.9.4 - Toda a intimação, notificação e convocação deverá ser comunicada
aos interessados, com antecedência de 3 (três) dias úteis.
Deverá o encarregado da sindicância, nos termos do subitem 2.13, seguir
uma ordem na oitiva, preferencialmente, ouvindo o ofendido, em seguida, o
sindicado, e, por último, a testemunha. Na Sindicância o ofendido será ouvido em
Termo de Declarações, o sindicado em Termo de Inquirição e as testemunhas em
Termo de Depoimento.
No caso de a testemunha, o sindicado, ou o ofendido se encontrar em cidade
diferente da qual for instaurada o processo administrativo, poderá ser ouvido, se for
de todo necessário, por meio de carta precatória, encaminhada à autoridade militar,
de preferência da Marinha do Brasil, sediada no local onde se encontre servindo ou
residindo, no caso de civil ou militar da reserva. A autoridade recebedora da
precatória despachará, em continuação à mesma, determinando o seu cumprimento,
designando os elementos necessários, e providenciará a sua restituição, com a
maior brevidade possível, atentando sempre para os prazos de conclusão da
Sindicância.
Atribui-se também a determinação do período em que devem ser realizada as
oitivas, só podendo ser diferente em caso de urgência inadiável, que deverá estar
motivada no respectivo termo, de acordo com o art. 19 do CPPM. Outrossim a
testemunha não deverá ser, normalmente, inquirida por mais de quatro horas
43
consecutivas, sendo-lhe facultada um descanso de 30 minutos, sempre que tiver que
prestar declarações além daquele termo, de acordo com o art. 19, § 2° do CPPM.
CPPM - Art. 19. As testemunhas e o indiciado, exceto caso de urgência
inadiável, que constará da respectiva assentada, devem ser ouvidos
durante o dia, em período que medeie entre as sete e as dezoito horas.
§2º A testemunha não será inquirida por mais de quatro horas consecutivas,
sendo-lhe facultado o descanso de meia hora, sempre que tiver de prestar
declarações além daquele têrmo. O depoimento que não ficar concluído às
dezoito horas será encerrado, para prosseguir no dia seguinte, em hora
determinada pelo encarregado do inquérito.
Continua ainda, que os termos de declaração, de inquirição e de depoimento
deverão constar em folhas separadas, sendo prudente que a inquirição do sindicado
seja acompanhada por duas testemunhas, nomeadas pelo encarregado, as quais
assinarão o Termo de Inquirição. Se, durante o curso das investigações, o
encarregado verificar a existência de indícios contra qualquer testemunha ou
ofendido, que levem ao enquadramento de algum destes como sindicado, deverá
notificá-los e inquiri-los nesta condição.
A DGPM-315 orienta o encarregado para que proceda a entrevista do
depoente, ofendido e ou sindicado, transcrevendo as perguntas formuladas antes
das respectivas respostas. Devendo por óbvio ter a assistência do defensor nesse
momento.
Após o depoimento, o termo deverá ser lido e assinado pelo depoente e
pelas testemunhas, caso haja, que rubricarão, também, as folhas que não
contiverem assinatura.
No que tange aos menores de 18 anos, os doentes ou deficientes mentais, os
ascendentes, descendentes, sogro, sogra, genro, nora, cônjuge, irmão ou pessoa
que tenha vínculo de adoção com o sindicado, observado o disposto no art. 352, § 2º
art. 534 do CPPM, que os isenta do compromisso de dizer a verdade, a norma em
estudo os denomina como meros informantes.
Art. 352. A testemunha deve declarar seu nome, idade, estado civil,
residência, profissão e lugar onde exerce atividade, se é parente, e em que
44
grau, do acusado e do ofendido, quais as suas relações com qualquer
dêles, e relatar o que sabe ou tem razão de saber, a respeito do fato
delituoso narrado na denúncia e circunstâncias que com o mesmo tenham
pertinência, não podendo limitar o seu depoimento à simples declaração de
que confirma o que prestou no inquérito. Sendo numerária ou referida,
prestará o compromisso de dizer a verdade sôbre o que souber e lhe fôr
perguntado.
§2º Não se deferirá o compromisso aos doentes e deficientes mentais, aos
menores de quatorze anos, nem às pessoas a que se refere o art. 354.
Art. 354. A testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor.
Excetuam-se o ascendente, o descendente, o afim em linha reta, o cônjuge,
ainda que desquitado, e o irmão de acusado, bem como pessoa que, com
êle, tenha vínculo de adoção, salvo quando não fôr possível, por outro
modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias.
Em se tratando de depoente analfabeto ou cego, deverão ser convocadas
duas testemunhas que acompanharão e assinarão, por eles, o depoimento firmado,
a fim de comprovarem se o texto é idêntico ao declarado pelo depoente. O
depoente, nesse caso, firmará o documento pela impressão digital do polegar direito
ou, na ausência deste, pelo esquerdo.
No caso de o depoente ser estrangeiro ou surdo ou mudo o termo deverá ser
lavrado de acordo com os art. 298 e 299 do CPPM.
Art. 298. Os atos do processo serão expressos na língua nacional.
§1º Será ouvido por meio de intérprete o acusado, a testemunha ou quem
quer que tenha de prestar esclarecimento oral no processo, desde que não
saiba falar a língua nacional ou nela não consiga, com exatidão, enunciar o
que pretende ou compreender o que lhe é perguntado.
§2º Os documentos em língua estrangeira serão traduzidos para a nacional,
por tradutor público ou por tradutor nomeado pelo juiz, sob compromisso.
Art. 299. O interrogatório ou inquirição do mudo, do surdo, ou do surdomudo será feito pela forma seguinte:
a) ao surdo, serão apresentadas por escrito as perguntas, que êle
responderá oralmente;
b) ao mudo, as perguntas serão feitas oralmente, respondendo-as êle por
escrito;
c) ao surdo-mudo, as perguntas serão formuladas por escrito, e por escrito
dará êle as respostas.
45
§1º Caso o interrogado ou inquirido não saiba ler ou escrever, intervirá no
ato, como intérprete, pessoa habilitada a entendê-lo.
§2º Aplica-se ao ofendido o disposto neste artigo e §1º.
Cada testemunha é obrigada a prestar o compromisso de dizer a verdade,
nos termos contidos no art. 352 do CPPM, que constará do texto inicial de seu
depoimento.
Na circunstância em que o depoente, sindicado ou ofendido se recusar a
assinar o termo de depoimento, de inquirição ou de declaração, respectivamente,
este deverá ser firmado por duas testemunhas, para este fim convocadas pelo
encarregado, sendo este fato mencionado no fim do depoimento e antes das
assinaturas. As folhas que não contiverem assinatura serão rubricadas pelas
testemunhas.
A confissão disciplinar é o reconhecimento formal do cometimento de
transgressão funcional pelo militar confitente. Caso o sindicado confesse a culpa, a
confissão deverá ser firmada de acordo com os art. 307 a 310 do CPPM. A confissão
não supre a necessidade da realização do exame de corpo de delito nas infrações
que deixem vestígios, nem importa na dispensa de outras diligências, as quais
sirvam para elucidar o fato. Segundo o art. 5º, LVI, da CF, são inadmissíveis as
provas obtidas por meios ilícitos.
Todas as vezes que houver divergência em declarações sobre fatos ou
circunstâncias relevantes entre sindicados, testemunhas, sindicados e testemunhas,
e o ofendido ou entre ofendidos, será cabível a acareação, de acordo com o art. 365
do CPPM, sendo lavrado o Termo de Acareação.
Quando houver acareação, os acareados não prestarão compromisso de
dizer a verdade, por já o terem realizado, quando da oitiva inicial, ou por não lhes ser
exigido, como é o caso do ofendido e do sindicado.
Os exames periciais deverão ser procedidos de acordo com o preconizado
nos artigos 314 a 346 do CPPM, sendo sempre realizados por dois peritos.
Os peritos serão nomeados, preferencialmente, dentre os oficiais da ativa,
lotados na área e que possuam formação técnica compatível com os exames que
46
irão proceder atendidas as especialidades, de acordo com os artigos 48, 49 e 318 do
Código Processo Penal Militar, por portaria do encarregado.
Art. 48. Os peritos ou intérpretes serão nomeados de preferência dentre
oficiais da ativa, atendida a especialidade.
Parágrafo único. O perito ou intérprete prestará compromisso de
desempenhar a função com obediência à disciplina judiciária e de responder
fielmente aos quesitos propostos pelo juiz e pelas partes.
Art. 49. O encargo de perito ou intérprete não pode ser recusado, salvo
motivo relevante que o nomeado justificará, para apreciação do juiz.
Art. 318. As perícias serão, sempre que possível, feitas por dois peritos,
especializados no assunto ou com habilitação técnica, observado o disposto
no art. 48.
A norma dispõe sobre a necessidade de nomeação de peritos, que poderão
ser designados militares pertencentes às outras FFAA, conforme entendimentos
prévios entre os respectivos Comandos.
Na designação dos peritos deverão ser considerados os casos de suspeição
e impedimento previstos nos artigos 52 e 53 do CPPM, se verificáveis.
Art. 52. Não poderão ser peritos ou intérpretes:
a) os que estiverem sujeitos a interdição que os inabilite para o exercício de
função pública;
b) os que tiverem prestado depoimento no processo ou opinado
anteriormente sôbre o objeto da perícia;
c) os que não tiverem habilitação ou idoneidade para o seu desempenho;
d) os menores de vinte e um anos.
Art. 53. É extensivo aos peritos e intérpretes, no que lhes fôr aplicável, o
disposto sôbre suspeição de juízes.
A autoridade nomeante poderá se preciso for solicitar das autoridades
policiais, todas as diligências e exames que se fizerem necessários para o
47
esclarecimento do fato. Quando existir no local um instituto técnico de criminalística
poderá, também, ser este órgão solicitado para a realização dos exames periciais.
Caso necessário, poderão, também, serem solicitados os serviços de pessoas
estranhas às Forças Armadas, mas de comprovada experiência técnica no assunto e
de conhecida idoneidade moral.
Os quesitos a serem formulados aos peritos devem ser feitos de acordo com
as circunstâncias e o que se deseja esclarecer, devendo o encarregado ter o
máximo de atenção em sua formulação. Desta forma “Se houver necessidade ou
cabimento, deverá produzir-se a prova sobre os fatos pertinentes controversos. A
garantia da ampla defesa e do contraditório é essencial.” (JUSTEN FILHO, 2010, p.
986).
O reconhecimento de pessoas e objetos, ao ser efetuado pelo depoente, será
firmado, respectivamente, no Termo de Reconhecimento de Pessoa ou no Termo de
Reconhecimento de Objetos, observado o disposto nos artigos 368 a 370 do CPPM.
Art. 368. Quando houver necessidade de se fazer o reconhecimento de
pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma:
a) a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever
a pessoa que deva ser reconhecida;
b) a pessoa cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível,
ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se
a apontá-la quem houver de fazer o reconhecimento;
c) se houver razão para recear que a pessoa chamada para o
reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a
verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade
providenciará para que esta não seja vista por aquela.
1º O disposto na alínea c só terá aplicação no curso do inquérito.
2º Do ato de reconhecimento lavrar-se-á têrmo pormenorizado, subscrito
pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e
por duas testemunhas presenciais.
Art. 369. No reconhecimento de coisa, proceder-se-á com as cautelas
estabelecidas no artigo anterior, no que fôr aplicável.
Art. 370. Se várias forem as pessoas chamadas a efetuar o reconhecimento
de pessoa ou coisa, cada uma o fará em separado, evitando-se qualquer
48
comunicação entre elas. Se forem varias as pessoas ou coisas que tiverem
de ser reconhecidas, cada uma o será por sua vez.
No término da Sindicância, o encarregado emitirá um Relatório constituído de
duas partes. A primeira conterá uma minuciosa exposição dos atos realizados e a
segunda, a conclusão a que se chegou se houve ou não contravenção disciplinar, ou
se há indícios de ilícito penal, sendo que nesse caso deverá ser proposta a abertura
do respectivo IPM.
Durante a Sindicância, ao ser verificada a existência de ato definido como
ilícito penal, o encarregado emitirá um relatório parcial e remeterá os autos à
autoridade nomeante, que determinará a instauração do competente Inquérito
Policial Militar.
Os autos da Sindicância serão remetidos à autoridade nomeante por meio de
ofício de remessa. Nesse caso, o escrivão deverá lavrar Termo de Remessa a fim de
que conste nos autos a expedição da Sindicância para a autoridade nomeante.
A autoridade nomeante examinará as conclusões expostas no Relatório, pelo
encarregado, e decidirá, por meio de Solução que devera ser exarada em até 10
(dez) dias após a conclusão do procedimento.
Nesse sentido, quando ficar constatado que o fato, conforme apurado,
caracteriza crime, os autos serão utilizados para a instrução do competente IPM, não
caracterizando, porém, contravenção disciplinar nem crime, a autoridade nomeante
determinará o arquivamento dos autos. No caso de contravenção disciplinar
determinará o julgamento do militar na forma prevista do RDM.
Quando o contraventor não estiver servindo sob as ordens da autoridade
nomeante, serão extraídas cópias do Relatório e da Solução, as quais serão
encaminhadas à autoridade sob cujas ordens estiver o contraventor, para que sejam
tomadas as medidas julgadas cabíveis, que devem ser posteriormente comunicadas
à autoridade nomeante.
Caso a autoridade nomeante julgue os dados apurados insuficientes para
fundamentar sua decisão final ou considere a existência de fatos novos e
conhecidos após o Relatório, deverá restituir os autos ao encarregado. Entretanto,
49
os prazos para
conclusão não
serão alterados,
sendo as prorrogações
subsequentes concedidas de acordo com previsto no art. 3.37.
A autoridade que mandou instaurar a Sindicância, concluindo tratar-se de ato
demeritório praticado por militar com estabilidade, procederá ao encaminhamento de
cópia dos autos para a autoridade competente, solicitando instauração de
correspondente Conselho de Disciplina ou de Justificação.
Quando, eventualmente, na Sindicância, o fato ocorrer fora da jurisdição
militar, será solicitado à Delegacia Policial, pelo encarregado, cópia da ocorrência,
com os respectivos termos de depoimento das testemunhas e de declaração dos
envolvidos. Idêntico procedimento se observará quanto à solicitação de boletim de
socorro ao hospital, do exame pericial ao instituto de criminalística e do exame de
corpo de delito ou do laudo de exame cadavérico ao instituto médico legal.
Em sua parte expositiva, devem ser relatadas as diligências realizadas assim
como os demais procedimentos cabíveis para a se chegar à conclusão do feito. Na
parte conclusiva o sindicante emitirá seu parecer mencionando a existência ou não
de crime, que em ocorrendo acarretará em abertura de Inquérito Policial Militar, a
ocorrência ou não de transgressão disciplinar, a forma de ressarcimento ao erário no
caso de um prejuízo provocado ao mesmo, e outras medidas inerentes a
averiguação feitas.
Como já dito anteriormente, o artigo 5º, inciso LV da CF/88 estabelece a
garantia da ampla defesa.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados
em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e
recursos a ela inerentes;
Vale lembrar que a esse direito é dado proteção especial pela limitação
imposta ao poder reformador expressa no Artigo 60, §4º, inciso IV, pois inserido no
50
título II “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, capítulo I “Dos Direitos e Deveres
Individuais e Coletivos” da Constituição Federal, isto é, o direito à ampla defesa
refere-se a uma cláusula pétrea. Neste sentido Alexandre de Moraes (2009, p. 662).
4.2 DEFESA E CONTRADITÓRIO NA SINDICÂNCIA DA MB
Buscando uma melhor compreensão do tema analisaremos a defesa e o
contraditório em cada ato sequencial do procedimento administrativo disciplinar.
As testemunhas, bem como o acusado e seu defensor deverão ser notificados
para comparecer à audiência de oitiva com antecedência mínima de 3 (três) dias
úteis, de acordo com o artigo 3.9.4 da DGPM-315.Inovou a legislação pois a anterior
não estabelecia prazo algum.
A norma prevê, ainda, possibilidade da assistência de defensor já na oitiva do
sindicado. Neste sentido o sindicado tem a faculdade de constituir procurador para
realizar sua defesa, atuando o procurador como defensor técnico. Surge neste
momento a indagação se o procurador se refere somente a advogado regularmente
inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)? A resposta a tal indagação é
positiva, pois o item 3.12 da DGPM-315 estabelece a necessidade da apresentação
da carteira de habilitação da OAB para o mesmo. Considerando, a nosso sentir,
acertada tal exigência, tendo em vista que o advogado é o profissional mais
adequado para o exercício da defesa técnica, vejamos o que diz a CF/88:
Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo
inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos
limites da lei.
Segundo Tadeu, “no sistema jurídico pátrio, somente o advogado possui o jus
postulandi, ou seja, o direito de postular em juízo, sendo que essa prerrogativa não
se encontra assegurada a nenhum outro profissional.” salvo as exceções previstas
na justiça do trabalho, na lei dos juizados especiais e na impetração de habeas
corpus. (TADEU, 2003, p. 40).
51
O Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), disposto
na Lei 8.906/94, disciplinam o exercício da advocacia, estabelecendo direitos e
deveres inerentes à profissão.
Desta forma uma vez constituído advogado, entendemos que deve a
procuração ser juntada aos autos da sindicância para que o encarregado tenha
ciência do endereço deste advogado de forma a possibilitar a notificação na pessoa
deste de todos os atos da sindicância, visto que o artigo 2º da Lei 8.904/94
estabelece que o advogado postula em juízo ou fora dele fazendo prova do
mandato.
É permitido ao defensor do sindicado presenciar os atos de inquirição do seu
cliente e das testemunhas, bem como acompanhar os demais atos da sindicância,
sendo vedado a estes qualquer tipo de interferência, ingerência ou comunicação
durante todo o ato.
Vale dizer que a DGPM-315 ao dispor sobre sindicância e transgressões
disciplinares, estabelece uma mitigação do direito a ampla defesa, alegando tratarse de um procedimento sumário, entretanto conforme ensinamento de Hely Lopes
Meirelles “a sindicância tem sido desvirtuada e promovida como instrumento de
punição de pequenas faltas de servidores, caso em que deverá haver oportunidade
de defesa para validade da sanção aplicada.” (2009, p. 705).
Verifica-se, assim, que ao responder uma sindicância no âmbito da Marinha
do Brasil, o militar tem sim um prejuízo, posto que mitigado o princípio do estado de
inocência. Nesse sentido temos como exemplos, os processos seletivos para servir
no Ministério da Defesa (MD) e no Estado Maior da Armada (EMA), que dentre os
pré-requisitos não pode o militar estar respondendo a sindicância, conforme notas
publicadas em Plano do Dia4 do Comando do 7º Distrito Naval nos dias 27 de abril e
11 de maio do corrente ano respectivamente:
2 - PROCESSOS SELETIVOS DE PRAÇAS A FIM DE SERVIR NO MD
(DN-61)
Em cumprimento à Mensagem P-251921Z/ABR/2012/PESCFN, solicita-se
aos Encarregados dos Setores deste Comando encaminhar ao DN-61
4
Documento diário de transmissão de ordens internas da Organização Militar no âmbito da MB.
52
(com7dn-611/Setdis/Mar) até 30ABR, as indicações de 2º/3º SG-FN (QQ)
que preenchem os requisitos para o Processo Seletivo a fim de servir no
MD. Os Encarregados deverão informar também os possíveis óbices caso a
seleção seja efetivada e se estes militares são voluntários.
Os Sargentos indicados deverão possuir os seguintes requisitos:
- AMC igual ou superior 4,5 e 100 pontos de comportamento;
- Possuir tempo Mínimo de (02) anos para permanecer no SAM;
- Não estar de licença (PTSP. LTIP. LTSPF. LESM) ou com previsão de
gozo de LESM;
- Estar apto no Teste de Aptidão Física (TAF);
- Ser perito no Teste de Aptidão de Tiro (TAT);
- Possuir CNH categoria “B”;
- Não estar Sub-Júdice, respondendo à IPM ou sindicância; (grifo nosso)
- Ter cumprido requisitos de carreira para acesso à graduação superior;
- Não estar aprovada em concurso público Extra-MB;
- Estar apta para o SAM sem recomendações; e
- Possuir, preferencialmente, Curso/Estágio voltado para área de Segurança
Orgânica, Segurança e Proteção de Autoridades e Defesa Pessoal.
5 - INDICAÇÃO DE PRAÇAS FIM SERVIR EMA (DN-61)
Em cumprimento à Mensagem R-081930Z DE PESMIL, solicita-se aos
Encarregados de Divisões / Chefes de Departamentos informar ao DN-61
(com7dn-611/Setdis/Mar), até 14MAI, militares em condições de serem
selecionados para servir no EMA, conforme Mensagem abaixo:
“MSG R-081930Z DE PESMIL
Processo Seletivo de Praças para o EMA.
Alfa - A fim de servir no EMA, SOL indicar para seleção, até 14MAI, praças
nos quantitativos descritos ou tantas quantas houverem, nas graduações e
especialidades abaixo especificadas:
- UNO 01 (uma) praça “BA”; e
- DOIS 02 (duas) praças “QQ” (função de motorista);
Bravo - As praças deverão possuir os seguintes requisitos:
- AC 5, AMC igual ou superior 4,5 e 100 pontos comportamento;
- Para as praças servindo no SDP Com7ºDN, possuir tempo máximo de 03
anos servindo na área de Brasília;
- Não ter sido MOV com ônus nos últimos três anos (para as praças da
sede);
- Não estar Sub-Júdice, respondendo a IPM ou sindicância; (grifo nosso)
53
- Sem previsão de afastamento do SAM nos próximos 4 anos;
- Ter cumprido requisitos de carreira para acesso à graduação superior;
- Não estar indicada / envolvida em outro processo de seleção;
- Não estar com previsão gozo parcelas LESM;
- Não estar aprovada em concurso público Extra-MB;
- Não estar vinculada a OM em razão de curso e/ou intercâmbio realizado; e
- Estar APTA para o SAM sem recomendações;
Charlie - Ressalta-se que os militares indicados para a função de motorista,
deverão possuir CNH, categoria "B" ou superior;
Delta - INF se militar indicado é voluntário;
Echo - Caso não haja militar que preencha todos os requisitos, IND e INF
quais requisitos o militar indicado não preenche;
Foxtrot - Para os militares da Sede, SOL INF se a Praça possui cônjuge
militar, informando nome completo,
Força, Corpo e Quadro a que pertence;
Golf - Para os militares da Sede:
PTC que a presente consulta não tem o propósito de criar expectativa de
MOV nos REF militares, nem ensejar ações antecipadas neste sentido
como cancelamento de matrícula escolar do próprio militar e de seus
dependentes em instituições de ensino, cancelamento/assinatura de
contratos de aluguel, mudança de moradia de dependentes
antecipadamente a uma possível emissão de ORDMOV etc. O militar a ser
efetivamente MOV, será INF oportunamente; e
Hotel - SOL INF se desejam ser movimentados mesmo sem disponibilidade
imediata de PNR, aguardando sua liberação na área de BSB, sem qualquer
ônus para a MB, sendo mantida sua posição na fila de espera, sem
possibilidade de alteração na referente fila em seu benefício BT.”
Ora, se para participar de um processo seletivo para servir em um órgão com
grande concorrência, o militar não pode estar respondendo a sindicância, é por
óbvio necessário que tenha o apoio de defensor técnico visando garantir a proteção
de seus direitos quando figurar como sindicado.
Nesta linha de raciocínio o mestre Justen Filho leciona:
O Estado está obrigado a respeitar o devido processo legal no seu
relacionamento com o servidor. Isso significa que todas as providência de
natureza administrativa que possam representar restrição ou limitação aos
direito pessoais ou funcionais do servidor deverão respeitar u procedimento,
norteado pela ampla defesa e pelo contraditório. (JUSTEN FILHO, 2010, p.
918).
54
Corroborando com esse entendimento vejamos jurisprudência do STJ:
MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO
ADMINISTRATIVO
DISCIPLINAR.
DEMISSÃO.
AUSÊNCIA
DE
DEFENSOR NA OITIVA DE TESTEMUNHAS. ACOMPANHAMENTO DA
INSTRUÇÃO PROCESSUAL PELO ACUSADO DESDE O INÍCIO. SÚMULA
VINCULANTE Nº 5. NORMA INFRALEGAL JUNTADA AOS AUTOS APÓS
RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO PROCESSANTE. AUSÊNCIA DE
PREJUÍZO. EXCESSO DE PRAZO PARA CONCLUSÃO DO PROCESSO
ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. AUSÊNCIA DE NULIDADE. PRAZO
PARA NOTIFICAÇÃO DO INDICIADO. INOBSERVÂNCIA. PRINCÍPIOS DA
AMPLA
DEFESA
E
DO
CONTRADITÓRIO
CONTRARIADOS.
SEGURANÇA CONCEDIDA.
1. A Súmula Vinculante n.º 5 assim preconiza: "A falta de defesa técnica
por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a
Constituição." Desse modo, não há falar em prejuízo à amplitude da defesa
e ao contraditório, em face da ausência de defensor nas oitivas de
testemunhas, uma vez que não é indispensável a presença de advogado
no processo administrativo disciplinar. Ademais, o impetrante fez-se
presente nos depoimentos das testemunhas.
2. A juntada extemporânea aos autos, de norma infralegal de amplo
conhecimento, após o relatório final da Comissão Processante, não acarreta
prejuízos ao servidor indiciado, não ensejando, por conseguinte, a nulidade
do processo administrativo disciplinar.
3. A Terceira Seção desta Corte já se manifestou no sentido de que: "o
excesso de prazo para conclusão do processo administrativo disciplinar não
é causa de sua nulidade quando não demonstrado prejuízo à defesa do
servidor. Precedentes." (MS 8928/DF, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE
ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 24/09/2008, DJe
07/10/2008)
4. Esta Corte Superior de Justiça considera que a notificação das
testemunhas realizada fora do prazo legal resulta em prejuízo
presumido e nulidade absoluta, eivando de vício insanável o processo
administrativo disciplinar. (grifo nosso)
5. Ordem concedida. (MS nº 12.895/DF, Terceira Seção. Rel. Min. Og
Fernandes. Julg. 11.11.2009. DJe, 18 dez. 2009).
RECURSO
ORDINÁRIO.
MANDADO
DE
SEGURANÇA.
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. ATO DE REDISTRIBUIÇÃO
DE CARGO PARA QUADRO DIVERSO DA ADMINISTRAÇÃO.
INVALIDAÇÃO.
REPERCUSSÃO NO ÂMBITO DE INTERESSE
INDIVIDUAL.
NECESSIDADE DE PRÉVIA INSTAURAÇÃO DE
PROCESSO ADMINISTRATIVO. PRECEDENTES. OBSERVÂNCIA, NO
CASO, DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA.
1. Consoante entendimento firmado pela Terceira Seção, nas hipóteses em
que a invalidação do ato administrativo (Súmulas 346 e 473/STF) repercuta
no campo de interesses individuais de servidores, é necessária prévia
55
instauração de processo administrativo que assegure o exercício da ampla
defesa e do contraditório. Ressalva do entendimento desta Relatora.
2. Pagamento à impetrante dos proventos retroativos à data da impetração,
em respeito ao disposto nas Súmulas 269 e 271/STF, que impedem a
utilização do mandamus como sucedâneo de ação de cobrança.
3. Recurso ordinário provido. (RMS nº 16.065/SC, Sexta Turma. Rel. Min.
Maria Thereza de Assis Moura. Julg. 21.5.2009. DJe, 8.6.2009).
Continuando a análise da DGPM-315, em seu item 3.9.3, ressalta que o
notificado, sendo militar ou civil sujeito à autoridade militar, é obrigado a comparecer
nas sindicâncias. Desta forma mais que legítimo é o interesse de se ver
acompanhado pelo defensor.
Ato contínuo, na audiência de inquirição, questiona-se sobre a obrigação do
sindicado a falar na referida audiência. Para isso faz-se necessário a analogia dos
artigos 186 e 198; 305 e 308 dos Códigos de Processo Penal Comum e Militar
respectivamente. In verbis:
CPP Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro
teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o
interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder
perguntas que lhe forem formuladas. (Redação determinada pela Lei nº
10.792/2003);
CPP Art. 198. O silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá
constituir elemento para a formação do convencimento do juiz.
CPPM Art. 305. Antes de iniciar o interrogatório, o juiz observará ao
acusado que, embora não esteja obrigado a responder as perguntas que lhe
forem formuladas, o seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da
própria defesa.”
CPPM Art. 308. O silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá
constituir elemento para a formação do convencimento do juiz.
Assim, como no processo penal é permitido ao réu manter silente; permissão
esta também presente na fase inquisitiva do Inquérito Policial, a nosso entender, na
sindicância administrativa, processo bem menos formal que o criminal deva ser
permitido de igual forma.
Indaga-se oportunamente, se o silêncio do sindicado implica em confissão?
Negativa é a resposta, pois o próprio item 3.22 da norma estabelece a confissão
56
disciplinar como o reconhecimento formal do cometimento de transgressão funcional
pelo militar confitente e em caso de confissão de culpa, esta deverá ser firmada de
acordo com os art. 307 a 310 do CPPM. Vejamos:
Art. 307. Para que tenha valor de prova, a confissão deve:
a) ser feita perante autoridade competente;
b) ser livre, espontânea e expressa;
c) versar sôbre o fato principal;
d) ser verossímil;
e) ter compatibilidade e concordância com as demais provas do processo.
Art. 308. O silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá
constituir elemento para a formação do convencimento do juiz.
Art. 309. A confissão é retratável e divisível, sem prejuízo do livre
convencimento do juiz, fundado no exame das provas em conjunto.
Art. 310. A confissão, quando feita fora do interrogatório, será tomada por
têrmo nos autos, observado o disposto no art. 304.
Importante salientar ainda, a dúvida sobre a possibilidade, na aferição de
garantia do contraditório e ampla defesa no processo administrativo disciplinar
militar, no caso do sindicado, sendo falaz em suas respostas durante a inquirição,
não ser enquadrado na transgressão disciplinar de faltar à verdade? Para responder
a tal indagação veremos primeiro a concepção disposta na Lei 6880/80 (Estatuto
dos Militares), onde preconiza que o militar deve buscar sempre a verdade,
conforme artigo 28, inciso I.
Art. 28. O sentimento do dever, o pundonor militar e o decoro da classe
impõem, a cada um dos integrantes das Forças Armadas, conduta moral e
profissional irrepreensíveis, com a observância dos seguintes preceitos de
ética militar:
I - amar a verdade e a responsabilidade como fundamento de dignidade
pessoal;
57
Segundo a tipificação do descumprimento do referido, no Regulamento
Disciplinar da Marinha (RDM). In verbis:
Artigo 7º- são contravenções disciplinares:
33. Faltar à verdade ou omitir informações que possam conduzir à sua
apuração;
Respondemos positivamente a tal inquirição, posto que “tanto no processo
penal quanto no processo administrativo o acusado não presta o compromisso de
dizer a verdade e no exercício de sua auto-defesa, o militar não pratica a
contravenção disciplinar de faltar a verdade”. (TADEU, 2003, p. 65).
No processo administrativo, o militar no estrito objetivo de não auto-incriminarse não poderá ser enquadrado na referida contravenção disciplinar, em atenção ao
encartado no artigo 5º, cabeça, da Carta magna, em que assegura a igualdade de
todos perante a lei.
Coadunam com esse raciocínio a lição do mestre Paulo Tadeu:
O devido processo legal deve ser efetivamente aplicado ao processo
administrativo, o que significa assegurar ao militar acusado o exercício da
ampla defesa e do contraditório, a aplicação do princípio da inocência,
previsto inclusive na Convenção Americana de Direitos humanos, a
igualdade entre as partes, o princípio da imparcialidade e ainda o direito de
apresentar a sua versão a respeito dos fatos, o que se denomina de autodefesa, sem que esteja sujeito a qualquer tipo de punição. (TADEU, 2003,
p. 64).
E também jurisprudência do STF e STJ respectivamente:
HC-75257/RJ-HABEAS CORPUS. FALSIDADE IDEOLÓGICA. - No caso, a
hipótese não diz respeito, propriamente, à falsidade quanto à identidade do
réu, mas, sim, ao fato de o então indiciado ter faltado com a verdade
quando negou, em inquérito policial em que figurava como indiciado, que
tivesse assinado termo de declarações anteriores que, assim, não seriam
suas. Ora, tendo o indiciado o direito de permanecer calado e até mesmo o
de mentir para não auto-incriminar-se com as declarações prestadas, não
tinha ele o dever de dizer a verdade, não se enquadrando, pois, sua
conduta no tipo previsto no artigo 299 do Código Penal. "Habeas corpus"
deferido, para anular a ação penal por falta de justa causa. (HC-75257/RJ
Primeira Turma. Rel. Min. Moreira Alves. Julg. 17.6.1997. DJe, 29.8.1997).
58
HABEAS CORPUS. ART. 304 DO CP. USO DE DOCUMENTO FALSO
PARA OCULTAR ANTECEDENTES CRIMINAIS E EVITAR PRISÃO.
AUTODEFESA QUE ABRANGE SOMENTE O DIREITO A MENTIR E
OMITIR SOBRE OS FATOS E NÃO QUANTO À IDENTIFICAÇÃO.
CONDUTA TÍPICA. ABSOLVIÇÃO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO
APROFUNDADO
DE
MATÉRIA
FÁTICO-PROBATÓRIA.
IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESTREITA DO WRIT. ORDEM DENEGADA.
1. No âmbito desta Corte Superior de Justiça consolidou-se o entendimento
no sentido de que não configura o crime disposto no art. 304, tampouco no
art. 307, ambos do Código Penal a conduta do acusado que apresenta falso
documento de identidade perante a autoridade policial com intuito de ocultar
antecedentes criminais e manter o seu status libertatis, tendo em vista se
tratar de hipótese de autodefesa, já que amparado pela garantia
consagrada no art. 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal.
2. Contudo, o Supremo Tribunal Federal, ao examinar o RE 640.139/DF,
cuja repercussão geral foi reconhecida, entendeu de modo diverso,
assentando que o princípio constitucional da ampla defesa não alcança
aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o objetivo
de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada
pelo agente.
3. Embora a aludida decisão, ainda que de reconhecida repercussão geral,
seja desprovida de qualquer caráter vinculante, é certo que se trata de
posicionamento adotado pela maioria dos integrantes da Suprema Corte,
órgão que detém a atribuição de guardar a Constituição Federal e, portanto,
dizer em última instância quais situações são conformes ou não com as
disposições colocadas na Carta Magna, motivo pelo qual o posicionamento
até então adotado por este Superior Tribunal de Justiça deve ser revisto,
para que passe a incorporar a interpretação constitucional dada ao caso
pela Suprema Corte.
4. A absolvição do paciente é questão que demanda aprofundada análise
de provas, o que é vedado na via estreita do remédio constitucional, que
possui rito célere e desprovido de dilação probatória.
5. No processo penal brasileiro vigora o princípio do livre convencimento,
em que o julgador, desde que de forma fundamentada, pode decidir pela
condenação, não cabendo, na angusta via do writ, o exame aprofundado de
prova no intuito de reanalisar as razões e motivos pelos quais as instâncias
anteriores formaram convicção pela prolação de decisão repressiva em
desfavor do paciente.
6. Ordem denegada. (HC-151866/RJ, Quinta Turma. Rel. Min. Jorge Mussi.
Julg. 01.12.2011. DJe, 13.12.2011).
Finda a fase de instrução do feito, com a apuração das diligências cabíveis e
necessárias e a oitivas das testemunhas, o encarregado emitirá um relatório
constituído de duas partes. A primeira conterá uma minuciosa exposição dos atos
realizados e a segunda, a conclusão a que se chegou se houve ou não
contravenção disciplinar, ou se há indícios de ilícito penal, sendo que nesse caso
deverá ser proposta a abertura do respectivo IPM. Vale lembrar que se durante toda
59
a sindicância, for verificada a existência de ato definido como ilícito penal, o
encarregado emitirá um relatório parcial e remeterá os autos à autoridade nomeante,
que determinará a instauração do competente Inquérito Policial Militar.
Apenas a título de comparação, o Exército brasileiro inovou com a publicação
da Portaria nº 202 de 26 de abril de 2000, estabelecendo as Instruções Gerais para
elaboração de sindicância no âmbito do Exército brasileiro (IG 10-11). Veremos a
seguir os artigos mais importantes que a distinguem do procedimento adotado no
âmbito da Força Naval.
IG 10-11 (EXÉRCITO BRASILEIRO)
Art. 12. O sindicado deverá ser notificado, com a antecedência mínima de 2
(dois) dias úteis, de todos os atos da sindicância, para que possa presenciálos.
Art. 16. Será assegurado ao sindicado o direito de acompanhar o processo,
apresentar defesa prévia, arrolar testemunhas, solicitar reinquirição de
testemunhas, juntar documentos, obter cópias de peças dos autos e
requerer o que entender necessário ao exercício de seu direito.
§ 1º O sindicante poderá indeferir, mediante despacho fundamentado,
pedido do sindicado, quando o seu objeto for ilícito, impertinente,
desnecessário, protelatório ou de nenhum interesse para o esclarecimento
dos fatos.
§ 2º Será assegurado ao sindicado, a qualquer tempo constituir procurador.
Art. 30. O denunciante ou ofendido e o sindicado poderão indicar cada um,
no máximo, 3 (três) testemunhas, podendo o sindicante, se julgar
necessário à instrução do procedimento, ouvir outras testemunhas.
Art. 13. Ao sindicado será facultado, no prazo de 3 (três) dias úteis,
contados de sua inquirição, oferecer defesa prévia e arrolar testemunhas.
§ 1º Encerrada a instrução do feito, com a oitiva de testemunhas e demais
diligências consideradas necessárias, será lavrado o termo de que trata o
inciso IX do art. 6º, sendo o sindicado notificado pelo sindicante para,
querendo, oferecer alegações finais no prazo de 5 (cinco) dias corridos,
contados do recebimento da notificação, a qual poderá ser publicada em BI
da OM.
Art. 6º O sindicante deverá observar os seguintes procedimentos:
IX - encerrar a instrução do feito com o respectivo termo, dele dando ciência
ao sindicado;
Art. 13 [...]
§ 2º Esgotado o prazo de que trata o parágrafo anterior, apresentadas ou
não alegações, o sindicante terá o prazo de 3 (três) dias corridos para
elaborar seu relatório circunstanciado, com parecer conclusivo, remetendo
os autos à autoridade instauradora.
60
Art. 6º[...]
Parágrafo único. O relatório do sindicante, mencionado no inciso X, deverá
ser apresentado em duas partes: uma expositiva, contendo um resumo
conciso e objetivo dos fatos e da apuração, e outra conclusiva, em que,
mediante análise dos depoimentos, documentos e da defesa apresentada,
emitirá o seu parecer, mencionando se há ou não indícios de crime militar
ou comum, transgressão disciplinar ou prejuízo ao erário, recomendando, se
for o caso, a adoção de outras providências.
Art 7º A solução da sindicância deverá ser explícita, clara e coerente, com a
indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, especialmente, quando
importar em anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato
administrativo.
Cabe ressaltar, a previsão do direito ao contraditório e ampla defesa expressa
no artigo 16 e seus parágrafos da IG-10/11, que asseguram ao militar sindicado o
direito de acompanhar todo o processo, apresentar defesa prévia, arrolar
testemunhas, solicitar reinquirição de testemunhas, juntar documentos, obter cópias
de peças dos autos e requerer o que entender necessário ao exercício de seu
direito. O respeito ao principio da motivação, previsto no parágrafo 1º, para indeferir
pedido do sindicado e no parágrafo 2º quando assegura a qualquer tempo o direito
de constituir procurador.
No artigo 13, parágrafo 1º, estabelece o prazo de 5 (cinco) dias para em
querendo, o sindicado ofereça alegações finais.
Desta forma verifica-se uma constante preocupação do Exercito brasileiro
com os ditames constitucionais ao estabelecer normas que analogicamente com a
lei 9784/99 procuram garantir a ampla defesa aos acusados em processo
administrativo.
Conforme abordado outrora, a sindicância é um procedimento administrativo,
destinado à apuração de fatos relevantes que devam ser mais bem esclarecidos no
âmbito da Administração Naval a fim de fornecer elementos de autoria e de
materialidade, inclusive de contravenção disciplinar militar. Deverá ser instaurada
pelo titular da OM em que ocorreu o fato a ser apurado ou por autoridade
equivalente, ainda, nos casos de morte violenta de militar da ativa ocorrida em área
não sujeita à jurisdição militar, objetivando verificar se o falecimento se deu em
situação de serviço ou em situação considerada como acidente em serviço, para o
fim de promoção post-mortem.
61
5
A AMPLA DEFESA NO REGULAMENTO DISCIPLINAR PARA A MARINHA
Inicialmente deveremos analisar, sob o aspecto constitucional, o referido
regulamento, posto que em seu artigo 1º dispõe que seu propósito é especificar e
classificar as contravenções disciplinares e estabelecer normas relativas à amplitude
e à aplicação das penas disciplinares, à classificação do comportamento militar e à
interposição de recursos contra as penas disciplinares.
5.1 REGULAMENTO DISCIPLINAR PARA A MARINHA (RDM)
Assim como o Regulamento Disciplinar da Marinha, a maioria dos
regulamentos disciplinares foi editada por meio de decretos expedidos pelo chefe do
Poder Executivo, antes da promulgação da constituição da república de 1988.
Nesse sentido, assim como ocorreu com outras normas infraconstitucionais
editadas antes da nova Constituição, em atendimento ao princípio da Recepção, o
Regulamento Disciplinar da Marinha, aprovado por meio de decreto, foi recebido
pela nova ordem constitucional, com status de Lei ordinária. Vale dizer, entretanto,
que a recepção feita pela Constituição não permite modificações contrárias ao
estabelecido pela CF/88.
Conforme ensinamento de HELY LOPES MEIRELLES (2009, p. 182):
Os decretos, por sua vez, [são atos administrativos da competência
exclusiva dos chefes do Executivo, destinados a prover situações gerais ou
individuais, abstratamente previstas, de modo expresso, explícito ou
implícito, pela legislação... Como ato administrativo, o decreto está sempre
em situação inferior à da lei, e, por isso mesmo, não a pode contrariar.].
E, na lição de MIGUEL REALE (1980, p. 163)
[...] não são leis os regulamentos ou decretos, porque estes não podem
ultrapassar os limites postos pela norma legal que especificam ou a cuja
execução se destinam. Tudo o que nas normas regulamentares ou
executivas esteja em conflito com o disposto na lei não tem validade, e é
62
susceptível de impugnação por quem se sinta lesado. A ilegalidade de um
regulamento importa, em última análise, num problema de
inconstitucionalidade, pois é a Constituição que distribui as esferas e a
extensão do poder de legislar conferindo a cada categoria de ato normativo
a força obrigatória que lhe é própria.
Seguindo com este entendimento adentraremos então ao disposto no artigo
5º da Constituição Federal:
LXI- ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e
fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de
transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei. (Grifo
nosso).
Observa-se, desta forma, que o regulamento disciplinar versa sobre a
caracterização das transgressões disciplinares e aplicação de penas disciplinares e,
sendo uma das espécies de pena o cerceamento da liberdade de locomoção do
militar, só poderá ser admitida quando a transgressão disciplinar ou crime militar
estiverem previstos em lei.
Na visão de José Afonso da Silva:
É absoluta a reserva constitucional de lei quando a disciplina da matéria é
reservada pela Constituição à lei, com exclusão, portanto, de qualquer outra
fonte infralegal, o que ocorre quando ela emprega fórmulas como: [a lei
regulará], [a lei disporá], [a lei complementar organizará], [a lei criará], [a lei
poderá definir] etc.(SILVA, 2009, p. 423).
Na mesma corrente doutrinária o ensinamento de Alexandre de Moraes
(2009, p. 43), tratando de reserva legal absoluta.
assim, temos a reserva legal absoluta quando a norma constitucional exige
para sua integral regulamentação a edição de lei formal, entendida como
ato normativo emanado do Congresso Nacional elaborado de acordo com o
devido processo legislativo constitucional.
63
As alterações feitas no Regulamento Disciplinar para a Marinha, através do
Decreto nº 1011 de 22 de dezembro de 1993, introduzindo contravenções e
dispondo sobre penas disciplinares, in verbis:
Art. 1º. O Regulamento Disciplinar para a Marinha, baixado pelo Decreto nº
88.545, de 26 de julho de 1983, passa a vigorar com as seguintes
alterações:
Art. 7º. São contravenções disciplinares:
................................................................................................
14. Deixar, quando estiver sentado, de oferecer seu lugar ao superior,
ressalvadas as exceções regulamentares previstas;
...............................................................................................
29. Atingir física ou moralmente qualquer pessoa, procurar desacreditá-la ou
concorrer para isso, desde que não seja tal atitude enquadrada como
crime;
.................................................................................................
43. Ter a barba, o bigode, as costeletas, o cavanhaque ou o cabelo fora das
normas regulamentares;
.................................................................................................
63. Conversar com sentinela, vigia, plantão, ou, quando não autorizado,
com preso:
64. Conversar, sentar-se ou fumar, estando de serviço, quando não for
permitido pelas normas e disposições da Organização Militar.
Capítulo I - ..........................................................................
Capítulo II - .........................................................................
Capítulo III - ........................................................................
Capítulo IV - Das Normas para Imposição.
Art. 26. ..................................................................................
§ 1º .......................................................................................
§ 2º O Oficial que lançou a contravenção disciplinar em Livro de Registro de
Contravenções deverá dar conhecimento dos seus termos à referida Praça,
antes do julgamento da mesma.
§ 3º Quando houver necessidade de maiores esclarecimentos sobre a
contravenção, a autoridade mandará proceder a sindicância ou, se houver
indício de crime a inquérito, de acordo com as normas e prazos legais.
§ 4º Durante o período de sindicância de que trata o parágrafo anterior, o
contraventor poderá ficar detido na Organização Militar ou em qualquer
outro local que seja determinado.
§ 5º Os militares detidos para averiguação de contravenções disciplinares
não devem comparecer a exercícios ou fainas, nem executar serviço
algum.
§ 6º A prisão ou detenção de qualquer militar e o local onde se encontra
deverão ser comunicados imediatamente à sua família ou à pessoa por ele
64
indicada, de acordo com a Constituição Federal.
§ 7º Nenhum contraventor será interrogado se desprovido da plena
capacidade de entender o caráter contravencional de sua ação ou omissão,
devendo, nessa situação, ser recolhido à prisão, em benefício da
manutenção da ordem ou da sua própria segurança.
....................................................................................................
Capítulo V - ..............................................................................
Capítulo VI - .............................................................................
Capítulo VII - Da Anulação, Atenuação, Agravamento, Relevamento e
Cancelamento.
Art. 38. .......................................................................................
Art. 39. .......................................................................................
a) ............................................................................................
b)
haver decorrido o prazo de cinco anos de efetivo serviço, sem
qualquer punição, a contar da data do cumprimento da última pena.
Art. 2º. Este decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas
as disposições em contrário.
Podemos inferir, nos termos do artigo 5º, inciso LXI, da Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988, que a alteração realizada no Regulamento
Disciplinar da Marinha, por meio do Decreto nº 1.011, de 22 de dezembro de 1993, é
inconstitucional haja vista ter sido introduzido no RDM posteriormente a CF/88 e
como não fora observado o preconizado pela carta política ferindo de morte os
princípios da reserva legal e da hierarquia das leis deve ser afastado por meio de
decisão do Poder Judiciário mediante provocação da pessoa interessada.
Nessa linha de raciocínio vejamos ensinamento do Professor Paulo Tadeu
(2003):
Verifica-se, assim, que os regulamentos disciplinares somente poderiam ser
modificados por meio de lei, no sentido strito. Com base no dispositivo
constitucional, percebe-se claramente que os regulamentos disciplinares
somente podem ser modificados por meio de lei, no seu aspecto técnico, ou
seja, por meio de norma elaborada pelo Poder Legislativo. Negar esta
interpretação seria o mesmo que negar a existência do Estado democrático
de Direito, ou retirar do cidadão o direito ao voto, ou o direito de ir, vir e
permanecer.
E continua asseverando:
65
Este entendimento fica evidente quando se analisa as modificações que
ocorreram na Lei Penal. O Código Penal foi posto em vigência por meio de
um Decreto-Lei, que não é uma Lei no sentido técnico da palavra, mas que
foi recepcionado pela CF de 1988. Mas, qualquer modificação a este
diploma legal somente pode ser feita por meio de Lei Federal aprovada pelo
Congresso Nacional e não por decreto, medida provisória, lei delegada ou
qualquer outro instrumento previsto no texto constitucional. O mesmo
princípio se aplica ao Código penal militar e ao código de processo penal
militar, que forma postos em vigência por meio de Decreto-lei, mas como
foram recepcionados somente podem ser modificados por meio de Lei
Federal. A esse respeito não existe nenhuma divergência doutrinária e
jurisprudencial e portanto como se explica os equívocos que vem ocorrendo
na área dos regulamentos disciplinares?
Sobre o tema já se manifestou o poder judiciário:
STF, por maioria dos votos, não conheceu por ter sido considerado o pedido
muito genérico.
ADI 3340/DF – Distrito Federal
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Relator: Min. Marco Aurélio
Julgamento: 03/11/2005 Órgão Julgador: Tribunal Pleno
Publicação: DJ 09/03/2007
EMENTA: Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o Decreto no
4.346/2002 e seu Anexo I, que estabelecem o Regulamento Disciplinar do
Exército Brasileiro e versam sobre as transgressões disciplinares. 2.
Alegada violação ao art. 5o, LXI, da Constituição Federal. 3. Voto vencido
(Rel. Min. Marco Aurélio): a expressão ("definidos em lei") contida no art. 5o,
LXI, refere-se propriamente a crimes militares. 4. A Lei no 6.880/1980 que
dispõe sobre o Estatuto dos Militares, no seu art. 47, delegou ao Chefe do
Poder Executivo a competência para regulamentar transgressões militares.
Lei recepcionada pela Constituição Federal de 1988. Improcedência da
presente ação. 5. Voto vencedor (divergência iniciada pelo Min. Gilmar
Mendes): cabe ao requerente demonstrar, no mérito, cada um dos casos de
violação. Incabível a análise tão-somente do vício formal alegado a partir da
formulação vaga contida na ADI. 6. Ausência de exatidão na formulação
da ADI quanto às disposições e normas violadoras deste regime de reserva
legal estrita. 7. Dada a ausência de indicação pelo decreto e, sobretudo,
pelo Anexo, penalidade específica para as transgressões (a serem
graduadas, no caso concreto) não é possível cotejar eventuais vícios de
constitucionalidade com relação a cada uma de suas disposições. Ainda
que as infrações estivessem enunciadas na lei, estas deveriam ser
devidamente atacadas na inicial. 8. Não conhecimento da ADI na forma do
artigo 3º da Lei no 9.868/1999. 9. Ação Direta de Inconstitucionalidade não
conhecida.
66
Manifestação incidental do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema. Em seu
voto a Ministra relatora Laurita Vaz assevera “inexiste ofensa à Constituição Federal
ou a Lei”, portanto julgando válida a “punição administrativa por transgressão
disciplinar, prevista no Estatuto dos Militares, regulamentada pelo Decreto nº
4.346/2002”.
MS9710/DF
MANDADO DE SEGURANÇA
2004/0066791-6
Relator: Min. Laurita Vaz
Julgamento: 25/08/2004
Publicação: DJ 06/09/2004 p. 164
MANDADO DE SEGURANÇA. MILITAR. RECURSO ADMINISTRATIVO.
UTILIZAÇÃO DE TERMOS DESRESPEITOSOS. QUEBRA DA DISCIPLINA
E DA HIERARQUIA. PUNIÇÃO DISCIPLINAR. CONTRADITÓRIO E
AMPLA DEFESA. REGULARIDADE FORMAL DO ATO.
1. Verificada a regularidade formal de ato que pune disciplinarmente militar,
descabe ao Poder Judiciário o reexame do mérito administrativo.
Inexistência de direito líquido e certo amparável na presente via.
2. Ordem denegada.
Desta forma, embora existam divergência nos posicionamentos anteriores,
veremos a seguir como se estrutura o Regulamento Disciplinar para a Marinha,
aprovado pelo Decreto 88.545/83 (RDM), com as alterações feitas pelo Decreto
1011/93, afiliando-nos a posição de inconstitucionalidade do mesmo.
Adentrando ao Regulamento Disciplinar da Marinha, veremos, pois, a
definição
de
disciplina
e
hierarquia,
sustentáculos
das
FFAA,
previstos,
respectivamente, nos artigos 2 e 3.
Art.2º Disciplina é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis,
regulamentos, normas e disposições que fundamentam o organismo militar
e coordenam seu funcionamento regular e harmônico, traduzindo-se pelo
perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos
componentes desse organismo.
Parágrafo único. A disciplina militar manifesta-se basicamente pela:
- obediência pronta às ordens do superior;
67
- utilização total das energias em prol do serviço;
- correção de atitudes; e
- cooperação espontânea em benefício da disciplina coletiva e da eficiência
da instituição.
Art. 3º Hierarquia Militar é a ordenação da autoridade em níveis diferentes,
dentro da estrutura militar. A ordenação se faz por postos ou graduações;
dentro de um mesmo posto ou graduação, se faz pela antigüidade no posto
ou na graduação.
Parágrafo único. O respeito à hierarquia é consubstanciado no espírito de
acatamento à seqüência de autoridade.
Em que pese seu art. 5, estabelecer à aplicação das prescrições aos
militares da ativa, da reserva remunerada e aos reformados, estes últimos, conforme
entendimento do Supremo Tribunal Federal, encartado na súmula nº 56, não estão
passíveis a pena disciplinar.
Ainda se tratando de conceitos, o art. 6 do mesmo diploma legal conceitua o
que vem a ser Contravenção disciplinar:
Art. 6º Contravenção Disciplinar é toda ação ou omissão contrária às
obrigações ou aos deveres militares estatuídos nas leis, nos regulamentos,
nas normas e nas disposições em vigor que fundamentam a Organização
Militar, desde que não incidindo no que é capitulado pelo Código Penal
Militar como crime.
Em seu art. 7 enumera os tipos de contravenções disciplinares em 84 itens e
ainda estabelece em seu parágrafo único o poder de penalizar tudo aquilo que não
estiver disposto nas leis e regulamentos, mas que seja atribuído, subjetivamente, de
forma aberta por quem vai aplicar a sanção como tal, in verbis:
Parágrafo único. São também consideradas contravenções disciplinares
todas as omissões do dever militar não especificadas no presente artigo,
desde que não qualificadas como crimes nas leis penais militares,
cometidas contra preceitos de subordinação e regras de serviço
estabelecidos nos diversos regulamentos militares e determinações das
autoridades superiores competentes.
68
Imperioso é adentrar nos ditames deste parágrafo único, em que
flagrantemente ofende o princípio da legalidade. O professor Paulo Tadeu ao tratar
do assunto assim se posiciona: “Esta norma de caráter geral e abrangente encontrase reproduzida quase que na íntegra em todos os regulamentos disciplinares das
FFAA e das forças auxiliares, em flagrante desrespeito ao princípio da legalidade e
ao artigo 5º, inciso II, da CF/88” (TADEU, 2003, p.9).
Ainda segundo Meirelles apud Tadeu (2003, p. 9), “discricionariedade não se
confunde com poder arbitrário, sendo liberdade de ação dentro dos limites
permitidos em lei”.
Na mesma linha de raciocínio (GOMES apud TADEU, 2003, p. 10):
O processo administrativo (civil ou militar) deve respeitar os princípios
constitucionais, e todas as garantias do Direito Penal devem valer para as
infrações administrativas; princípios como os da legalidade, tipicidade,
proibição da retroatividade, da analogia, do no bis in idem, da
proporcionalidade, da culpabilidade etc., valem integralmente, inclusive no
âmbito administrativo.
Vale ainda, ressaltar alguns aspectos em relação a alguns itens relativos a
contravenções disciplinares do Regulamento em comento, que a nosso sentir, não
coadunam com o Estado democrático de direito hodierno, senão vejamos:
O item 33 já foi alvo de discussão por ocasião do direito do sindicado a não
produzir provas contra si.
Já no item 36, 37 e 38 tipificam como contravenções, contrair dívidas
superiores as suas possibilidades, comprometendo o bom nome da classe, não
satisfazendo ordem para honrá-las. Ora não nos parece razoável, submeter o militar
ao processo de contravenção disciplinar pelo fato de não honrar compromissos de
natureza pecuniária em sua vida privada. Deve-se verificar o caso concreto a fim de
apurar os motivos que o levaram a inadimplência. O pacto de São José da Costa
Rica, do qual o Brasil é signatário, estabelece em seu artigo 7º, nº 7 que ninguém
pode ser detido por dívidas. Entretanto nossa Constituição Federal previu em seu
artigo 5º, as limitações:
69
LXVII – não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo
inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do
depositário infiel;
O artigo 14 do RDM especifica quais são as penas disciplinares aplicadas aos
militares da marinha, podendo passar pelo cerceamento de liberdade por até 10 dias
por infração e chegar a exclusão do serviço ativo a bem da disciplina. Em seu Artigo
17 prevê expressamente a proibição do no bis in idem:
Art. 17 Por uma única contravenção não pode ser aplicada mais de uma
punição.
5.2 A AMPLA DEFESA NO RDM
No que tange aos recursos, o militar que se julgar prejudicado poderá
encaminhar a mesma autoridade que impôs a pena disciplinar, um pedido de
reconsideração, pedido este que deverá ser decidido no prazo de oito dias úteis.
Poderá também, recorrer hierarquicamente à autoridade superior a que impôs a
pena.
Em seu parágrafo primeiro tinha-se a exigência de obrigatoriedade de
cumprimento da pena para poder recorrer, o que foi afastado pela DGPM-315 em
seu capítulo 2. Vejamos então, por derradeiro, os artigos em comento:
Art. 45 Àquele a quem for imposta pena disciplinar será facultado solicitar
reconsideração da punição à autoridade que a aplicou, devendo esta
apreciar e decidir sobre a mesma dentro de oito dias úteis, contados do
recebimento do pedido.
Art. 46 Àquele a quem for imposta pena disciplinar poderá, verbalmente ou
por escrito, por via hierárquica e em termos respeitosos, recorrer à
autoridade superior à que a impôs, pedindo sua anulação ou modificação,
com prévia licença da mesma autoridade.
§ 1º O recurso deve ser interposto após o cumprimento da pena e dentro do
prazo de oito dias úteis.
§ 2º Da solução de um recurso só cabe a interposição de novos recursos às
autoridades superiores, até o Ministro da Marinha.
70
§ 3º Contra decisão do Ministro da Marinha, o único recurso admissível é o
pedido de reconsideração a essa mesma autoridade.
§ 4º Quando a punição disciplinar tiver sido imposta pelo Ministro da
Marinha, caberá interposição de recurso ao Presidente da República, nos
termos definidos no presente artigo.
Art. 47 O recurso deve ser remetido à autoridade a quem dirigido, dentro do
prazo de oito dias úteis, devidamente informado pela autoridade que tiver
imposto a pena.
Art. 48 A autoridade a quem for dirigido o recurso deve conhecer do mesmo
sem demora, procedendo ou mandando proceder às averiguações
necessárias para resolver a questão com justiça.
Parágrafo único. No caso de delegação, para proceder a estas
averiguações será nomeado um Oficial de posto superior ao do recorrente.
Art. 49 Se o recurso for julgado inteiramente procedente, a punição será
anulada e cancelado tudo quanto a ela se referir; se apenas em parte, será
modificada a pena.
Parágrafo único. Se o recurso fizer referência somente aos termos em que
foi aplicada a punição e parecer à autoridade que os mesmos devem ser
modificados, ordenará que isso se faça, indicando a nova forma a ser
usada.
Constatado o cometimento de uma contravenção disciplinar, no transcorrer da
sindicância deve ser observado o previsto no artigo 26 do RDM, onde estabelece
que nenhuma pena será imposta, sem ser ouvido o contraventor e de serem
devidamente apurados os fatos.
Numa primeira análise constata-se a existência de dois procedimentos para
apurar o cometimento de uma transgressão militar. O primeiro é o contido no artigo
26 do Regulamento Disciplinar da Marinha e o segundo, no caso de apuração de
fatos relevantes, através de sindicância. Entretanto o item 3.39.3 da DGPM-315
estabelece que ao ficar constatado a contravenção disciplinar a autoridade
nomeante determinará o julgamento do militar na forma prevista no RDM. Deverá
ainda, caso o contraventor não estiver servindo sob suas ordens, encaminhar copias
do relatório e da solução para a autoridade cujas ordens estiver o contraventor.
Ao ser determinada, pela autoridade instauradora que soluciona a sindicância,
o julgamento do militar por cometimento de contravenção, deveremos ser
encaminhados para a defesa escrita prevista no subitem 2.6.5 e anexo “F” do
Capítulo 2º da DGPM-315, que estabelece:
71
Dada a natureza do procedimento administrativo previsto no RDM, não será
permitida a presença e consequente participação de advogado na fase
da audiência disciplinar com o Comandante do militar. O Comandante,
pessoalmente, ouvirá seu subordinado. No entanto, é facultado ao militar
fazer-se representar por advogado, na fase de apresentação de defesa
escrita e quando da interposição de eventuais recursos cabíveis. (grifo
nosso)
Anexo F, 2. Outrossim, participo que o militar foi cientificado da parte em
questão, sendolhe entregue cópia da mesma para que apresente defesa
prévia em 48 horas, assegurando os direitos previstos na legislação. (grifo
nosso).
A defesa escrita, fase subsequente à notificação por parte do superior que
lançou o militar no livro de registro de contravenções, poderá ser realizada pelo
próprio militar e facultativamente, com a assistência de advogado.
Verifica-se
que
há,
expressamente,
apenas
no
anexo,
modelo
de
comunicação interna, a menção ao prazo para esta restituição, ou seja, após ser
cientificado da parte de ocorrência, o suposto transgressor tem 48 (quarenta e oito)
horas para a efetivação da defesa escrita.
Evoluiu, em algum sentido a norma, pois outrora, o militar lançado em livro de
contravenção disciplinar, só poderia se defender verbalmente, junto ao oficial que o
lançou em livro de contravenção disciplinar ou já na audiência, realizada pelo
comandante,
acompanhado
sargenteante
geral,
apenas
responsável
pelo
Imediato
administrativamente
(subcomandante)
pelo
e
lançamento
o
das
alterações nos assentamentos dos militares.
Desta forma, em que pese o enunciado do STF “A falta de defesa técnica por
advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição.” (STF.
Súmula Vinculante nº 5), entendemos que ao permitir a participação do advogado,
que ao contrário do militar, não está sujeito à hierarquia, tem-se garantido o
exercício da ampla defesa, conforme prescreve o Estatuto da OAB (Lei 8906/94):
Art. 6º Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados
em membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com
consideração e respeito recíprocos.
Parágrafo único. As autoridades, os servidores públicos e os serventuários
da justiça devem dispensar ao advogado, no exercício da profissão,
tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições
adequadas a seu desempenho.
72
Art. 31. O advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de
respeito e que contribua para o prestigio da classe e da advocacia.
§1º O advogado, no exercício da profissão, deve manter independência em
qualquer circunstancia.
§2º. Nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer autoridade,
nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado no exercício da
profissão.
Vale dizer ainda, que o julgamento de uma contravenção disciplinar, no nosso
entender, não é simples, a ponto de considerarem alguns comandantes, como
desnecessário de formalismos, pelo especial motivo que dentre as punições
possíveis estão o cerceamento ao direito de ir e vir do militar transgressor até a
possibilidade de exclusão do serviço ativo a bem da disciplina.
73
CONCLUSÃO
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 ao expressamente
garantir o devido processo legal, passou a assegurar também aos militares,
cidadãos que são a ampla defesa e o contraditório, em obediência ao princípio da
dignidade da pessoa humana, tratando-os com isonomia frente aos outros cidadãos,
apresentando para o direito administrativo militar uma vinculação direta a
constituição, determinando que a atuação da Administração militar seja pautada na
Carta maior.
Assim, o procedimento da sindicância, constante na DGPM-315 em sua
segunda revisão, evoluiu em alguma medida, ao indicar prazos, no mínimo, para
instauração, notificação dos atos e conclusão do procedimento administrativo.
Entretanto peca ao não abordar regras de prazos dos atos e a contagem dos
mesmos. Com efeito, não dispondo sobre as garantias de defesa prévia e alegações
finais, revela assim, uma carência das garantias constitucionais em estudo.
A seu turno, acertada nos parece, a tentativa da Marinha brasileira nessa
empreitada,
elaborando
a
referida
norma,
visando
nortear
os
processos
administrativos no âmbito da força naval, devendo-se conforme entendimento
jurisprudencial aplicar no que for silente, os dispositivos previstos na Lei 9.784/99.
Nesse sentido vale dizer, que a ampla defesa e o contraditório, outrora estudados,
devem ser efetivamente garantidos, ou seja, consagrando a garantia desses direitos
básicos de defesa como um novo paradigma para a solução de controvérsias entre a
aplicação de uma sanção justa e adequada ao transgressor com o sentido
pedagógico que lhe deve ser próprio.
Desta forma, havendo decisão tida por injusta ou ilegal, o militar que se julgar
prejudicado pode se valer do poder judiciário. O Poder Judiciário não estará desta
forma, desrespeitando os princípios da hierarquia e disciplina, pilares das forças
armadas e com fundamento no art. 5º, inciso XXXV, da CF/88, apenas,
casuisticamente, em uma possível colisão desses com os princípios da ampla
defesa e do contraditório, afastando-os, em atenção e aplicação do bom direito.
74
Vale lembrar que o exército brasileiro, seguindo este entendimento já
modificou suas normas no que tange a sindicância e apuração de transgressões
disciplinares, estabelecendo mecanismos expressos que proporcionam o exercício
da ampla defesa e do contraditório aos seus integrantes.
Irrefutável, data vênia, que os pilares das forças armadas são a hierarquia e a
disciplina, princípios encartados no artigo 142 da carta política. Porém conforme
singelamente abordado anteriormente, em situações concretas, podem entrar em
rumo de colisão com a garantia constitucional da ampla defesa e do contraditório,
hipótese em que devem ser sopesado valores sob o prisma da dignidade da pessoa
humana.
Ato contínuo, com a máxima vênia dos entendimentos diversos, concluímos
que o Regulamento Disciplinar para a Marinha apesar de ter sido recepcionado pela
CF/88, em suas alterações realizadas a posteriori a CF/88, através do Decreto nº.
1.011 de 22 de dezembro de 1993 padece de vício formal, porquanto não atende ao
mandamento constitucional da reserva legal, qual seja que sua existência seja por
meio de lei em sentido formal nos termos do art. 5º, inciso LXI, da CF/88.
O atual estudo não objetivou o esgotamento do tema, apenas, singelamente,
para permitir ao leitor informações basilares no contexto administrativo disciplinar
militar, explicitando os possíveis prejuízos causados aos sindicados dentro da seara
militar, no tocante a apuração de fatos relevantes no âmbito específico da
sindicância e Transgressão disciplinar adotados pela marinha do Brasil e os
respectivos reflexos na garantia de defesa do acusado.
75
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conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 3. ed. São Paulo: Saraiva,
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Luciano Farias do Sacramento - Universidade Católica de Brasília