Prova 1 - FCM0117 (Eletromagnetismo II) 16 de setembro de 2015 1. Considere uma onda plana monocromática que incide normalmente na interface entre o vácuo (região do espaço com z < 0) e um meio material (região z > 0) com permeabilidade µ, permissividade e condutividade σ. O campo elétrico complexo no vácuo é dado por Ẽ1 (r, t) = Ẽi x̂ei(kz−ωt) + Ẽr x̂ei(−kz−ωt) , onde ω = ck; dentro do material condutor, temos Ẽ2 (r, t) = Ẽt x̂ei(k̃z−ωt) . (a) (1,0 ponto) Qual é a expressão para k̃ em função de k e dos parâmetros do material (e possivelmente constantes universais)? (b) (1,0 ponto) Imponha condições de contorno sobre o campo elétrico e obtenha uma equação que relaciona as amplitudes Ẽi , Ẽr e Ẽt . (Não se preocupe com as condições de contorno sobre B; não vou pedir para você resolver o problema todo.) (c) (1,0 ponto) O que acontece com o comprimento de penetração da onda no condutor no limite σ → ∞? O que acontece com a potência dissipada no condutor? Explique fisicamente. 2. Uma esfera sólida de raio R centrada na origem é feita de um material ôhmico com condutividade σ. A superfície da esfera está sujeita a um potencial que varia com o ângulo em relação ao eixo z na forma V (R, θ) = −V0 cos θ, onde V0 é uma constante. É possível calcular os campos E e B (este último produzido pela corrente estacionária no condutor) σV0 ρ φ̂, onde usando os métodos do curso de Eletromagnetismo I, mas eu lhe digo a resposta: E(r) = VR0 ẑ e B(r) = µ02R ρ é a distância ao eixo z (em coordenadas cilíndricas). (a) (1,0 ponto) Encontre o vetor de Poynting num ponto qualquer sobre a superfície da esfera. (b) (1,5 ponto) Calcule o fluxo ´ do vetor de Poynting para dentro da esfera e mostre que ele é igual à potência total dissipada no material Pdis = d3 r J · E. ← → (c) (1,0 ponto) Calcule a força infinitesimal df = T · da sobre um elemento de área da (orientado para fora da esfera) localizado no ponto r0 = Rx̂. Dica: comece escrevendo as componentes de E(r0 ) e B(r0 ) em coordenadas cartesianas. 3. Uma onda plana monocromática que se propaga no vácuo com polarização circular é descrita pelo campo elétrico complexo Ẽ(r, t) = E0 ei(kz−ωt) (x̂ + iŷ), onde ω = ck é a frequência, E0 é uma amplitude real e i é a unidade imaginária. (a) (1,5 ponto) Encontre o campo magnético real B(r, t) para esta onda eletromagnética. (b) (1,0 ponto) Calcule a densidade de momento angular da onda. (c) (1,0 ponto) Um disco de raio a centrado no eixo z absorve completamente a luz que incide sobre ele (a incidência é normal). Qual é o torque total sobre o disco? Dica: se você tem intuição sobre ondas circularmente polarizadas, a resposta vai lhe parecer paradoxal. Dados: • S= 1 µ0 E • Tij = 0 × B; g = 0 E × B; ` = r × g. Ei Ej − 12 δij E 2 + µ10 Bi Bj − 12 δij B 2 . • ∇ × E = − ∂B ∂t . • ∇ × B = µ0 J + µ0 0 ∂E ∂t . 2 ∂E • ∇2 E − µ ∂∂tE 2 − µσ ∂t = 0. • r = ρρ̂ + zẑ; ρ̂ = cos φx̂ + sin φŷ ; φ̂ = − sin φx̂ + cos φŷ. ´π ´π ´π ´π • 0 dx sin2 x = π2 ; 0 dx sin x cos2 x = 23 ; 0 dx sin3 x = 43 ; 0 dx sin2 x cos2 x = π 8. 2 GABARITO: 1. (a) O campo elétrico dentro do condutor deve satisfazer a equação de onda com o termo de dissipação. Calculamos as derivadas: ∇2 Ẽ2 = −k̃ 2 Ẽt x̂ei(k̃z−ωt) , ∂ Ẽ2 = −iω Ẽt x̂ei(k̃z−ωt) , ∂t ∂ 2 Ẽ2 = −ω 2 Ẽt x̂ei(k̃z−ωt) . ∂t2 Logo, ∇2 Ẽ2 − µ ∂ 2 Ẽ2 ∂ Ẽ2 − µσ = −k̃ 2 + µω 2 + iµσω Ẽt x̂ei(k̃z−ωt) = 0, 2 ∂t ∂t ⇒ k̃ 2 = µω 2 + iµσω. Substituindo ω = ck obtemos k̃ = p µc2 k 2 + iµσck . (b) Na interface z = 0 temos Ẽ1 (z = 0) = x̂ Ẽi + Ẽr e−iωt , Ẽ2 (z = 0) = x̂Ẽt e−iωt . k k O campo elétrico só tem componente paralela à interface. A condição de contorno E1 = E1 impõe a equação Ẽi + Ẽr = Ẽt . (c) No limite σ → ∞ a parte imaginária de k̃ diverge. Isso implica que o comprimento de penetração d = 1/Im(k̃) vai a zero. Como a onda não penetra no condutor ideal, a potência dissipada vai a zero; toda a potência é refletida na interface (o condutor ideal é um espelho). 2. (a) Na superfície da esfera temos ρ = R sin θ e então B(r = R, θ, φ) = µ0 σV0 sin θφ̂. 2 O vetor de Poynting é S= 1 1 V0 µ0 σV0 σV 2 E×B= ẑ × sin θφ̂ ⇒ S = − 0 sin θρ̂ . µ0 µ0 R 2 2R (b) O vetor normal para fora da esfera é r̂ = cos θẑ + sin θρ̂. O elemento de área é da = dar̂ = R2 sin θdθdφr̂. O fluxo de S para dentro da esfera é então ˛ Pentra = − da · S ˆ 2π ˆ π σV 2 = − dφ dθ sin θR2 r̂ · − 0 sin θρ̂ 2R 0 ˆ π0 = πσV02 R dθ sin3 θ 0 3 Pentra = 4π σV02 R . 3 Para calcular a potência dissipada, notamos que pela lei de Ohm J = σE, logo J · E = σE 2 = σV02 , R2 que é constante. Logo, para obter a potência total dissipada basta multiplicar o resultado acima pelo volume da esfera ˆ σV 2 4πR3 4π Pdis = d3 r J · E = 20 × = σV02 R, R 3 3 que concorda com o resultado para o fluxo do vetor de Poynting. (c) No ponto r0 = Rx̂, temos φ̂ = ŷ e ρ = R. Logo, neste ponto E = Ez ẑ e B = By ŷ com Ez = V0 , R By = µ0 σV0 . 2 O elemento de área neste ponto é da = dax̂. A força é dada por ← → df = X T · da = êi Tij daj i,j = (x̂Txx + ŷTyx + ẑTzx )da. Como Ex = Ey = 0 e Bx = Bz = 0, as componentes do tensor fora da diagonal se anulam: Tyx = Tzx = 0. Precisamos calcular a componente 1 1 1 Bx2 − B 2 Txx = 0 Ex2 − E 2 + 2 µ0 2 2 2 0 V 0 1 µ0 σV0 = − − . 2 R 2µ0 2 Portanto, df = x̂Txx da ⇒ df = −x̂ 0 µ0 σ 2 + 2 2R 8 V02 da . Note que a força aponta para dentro da esfera. 3. (a) Vamos usar a lei de Faraday. Primeiro calculamos o rotacional de Ẽ usando a substituição ∇ → ik para ondas planas: ∇ × Ẽ = E0 ∇ × [ei(kz−ωt) (x̂ + iŷ)] = E0 (ikẑ) × [ei(kz−ωt) (x̂ + iŷ)] = ikE0 ei(kz−ωt) (ŷ − ix̂). Escrevendo o campo magnético na forma B̃ = B̃0 ei(kz−ωt) obtemos ∂ B̃ = −iω B̃0 ei(kz−ωt) . ∂t Conseguimos então satisfazer a lei de Faraday fixando a amplitude B̃0 : ∇ × Ẽ = − ∂ B̃ , ∂t 4 ikE0 ei(kz−ωt) (ŷ − ix̂) = iω B̃0 ei(kz−ωt) . Usando ω = ck obtemos E0 (ŷ − ix̂). c B̃0 = Logo o campo complexo é B̃(r, t) = E0 (ŷ − ix̂)ei(kz−ωt) . c O campo real é h i B(r, t) = Re B̃(r, t) h i h io E0 n ŷRe ei(kz−ωt) − x̂Re iei(kz−ωt) = c B(r, t) = E0 [ŷ cos(kz − ωt) + x̂ sin(kz − ωt)] . c (b) Precisamos do campo elétrico real: h i E(r, t) = Re Ẽ(r, t) n h i h io = E0 x̂Re ei(kz−ωt) + ŷRe iei(kz−ωt) = E0 [x̂ cos(kz − ωt) − ŷ sin(kz − ωt)] . A densidade de momento é g(r, t) = 0 E(r, t) × B(r, t) 0 E02 = [x̂ cos(kz − ωt) − ŷ sin(kz − ωt)] × [ŷ cos(kz − ωt) + x̂ sin(kz − ωt)] c 0 E02 2 ẑ cos (kz − ωt) + sin2 (kz − ωt) = c 0 E02 = ẑ. c Escrevemos o vetor posição em coordenadas cilíndricas r = ρρ̂ + zẑ e então `=r×g = 0 E02 (ρρ̂ + zẑ) × ẑ, c `(r) = − 0 E02 ρ φ̂ . c (c) Pela segunda lei de Newton da rotação, o torque é a taxa de variação do momento angular. Num intervalo de tempo ∆t o disco absorve o momento angular do campo contido no cilindro à sua frente com altura c∆t: ˆ ∆L = d3 r `(r) ∆V ˆ a ˆ 2π 0 E02 ρ = c∆t dρρ dφ − φ̂ . c 0 0 Decompomos φ̂ em coordenadas cartesianas antes de integrar: φ̂ = − sin φx̂ + cos φŷ. Mas as integrais sobre φ se anulam (como esperado por simetria) e assim ∆L = 0. O torque é τ = ∆L =0. ∆t 5 Este resultado é paradoxal porque a intuição noz diz que uma onda circularmente polarizada tem um sentido de rotação horário ou anti-horário em torno do eixo z e por isso deveria ter momento angular com componente na direção z. Além disso, sabemos da teoria quântica que fótons com polarização circular carregam momento angular ±~ e, pelo princípio de correspondência, deve haver um limite clássico bem definido para este problema. A melhor solução (dentro da teoria clássica) que eu conheço é discutida no artigo de Kumar e Kumar que coloquei no site. Podemos discutir essa solução quando falarmos sobre guias de onda.