O centauro no jardim,
MOACYR SCLIAR
Professora: Ana Cristina R. Pereira
Ensino Médio
Colégio Marista Rosário
Influências na obra de Scliar
• Duas influências são importantes na obra de
Scliar. Uma é a sua condição de filho de
imigrantes judeus, que aparece em obras como A
Guerra no Bom Fim, O Exército de um Homem Só,
O Centauro no Jardim, A Estranha Nação de Rafael
Mendes, A Majestade do Xingu. A outra influência é
a sua formação de médico de saúde pública, que
lhe oportunizou uma vivência com a doença, o
sofrimento e a morte, bem como um conhecimento
da realidade brasileira. O que é perceptível em
obras ficcionais, como A Majestade do Xingu e
não-ficcionais, como A Paixão Transformada:
História da Medicina na Literatura.
• Moacyr Scliar é um dos mais expressivos
nomes
da
literatura
brasileira
contemporânea, com obras premiadas
nacional e internacionalmente. Mesclando
sua condição de gaúcho, judeu e médico
à do cidadão inserido intelectualmente nos
principais momentos da história do Brasil,
localizamos sua obra nesses quatro temas:
1) a formação do RS, 2) a condição
judaica e a mitologia bíblica, 3) a saúde
pública e a identidade médica, 4) o
interesse por períodos históricos de
opressão no Brasil.
• Como leitor de Kafka,
soube como poucos – e,
sobretudo, na sua extensa
obra de contista – explorar
a vertente fantástica da
literatura. Nessa medida,
O centauro no jardim,
publicada em 1980, é
considerada uma dentre as
cem melhores obras do
mundo
com
temática
judaica
pelo
National
Yiddissh Book Center, dos
Estados Unidos.
PARA OBSERVAR!
• a) O judeu errante: o
romance enfoca, na
figura do centauro, as
dificuldades
de
ambientação e perda
gradativa das raízes e
tradições do judaísmo
à medida que as
gerações
vão
se
sucedendo.
• b) O universo fantástico: Scliar apresenta
características de textos fantásticos, de
um certo realismo mágico. O crítico Flávio
Loureiro Chaves destaca o caráter de
ilusão dessa narrativa, já que às
personagens não cabe a potencialidade de
agir ou modificar o espaço oferecido (real),
caracterizando um fatalismo originário que
preside o funcionamento da engrenagem
social:
• “Fazendo a arqueologia do microcosmo
judeu ancorado no Bom Fim, empreendendo
a sátira da família burguesa ou ampliando a
perspectiva para traçar a crítica da
sociedade brasileira atual, a visão do mundo
de Scliar possui suas marcas de identidade.
Em qualquer dos casos, por qualquer lado
que se leiam estas narrativas de múltiplos
significados, a existência se oferece como
farsa na sequência dos paradoxos entre o
passado e o presente, o indivíduo e o espaço
reificado, o ideal e as ilusões”.
• c) O centauro e a
representação social da
diferença: na visão crítica
de Cora Rónai, a obra nos
leva a discutir uma
espécie
de
condição
social “centaura” – “ser
centauro e ter de sacrificar
peculiaridades
é
uma
característica de todos,
judeus ou não judeus, pois
a sociedade condena a
originalidade”.
• d) O centauro e as possíveis alegorias: o
centauro poderia representar a ânsia de liberdade
(lembrar o desejo contínuo de Guedali por galopar,
ou a figura do cavalo alado que parece persegui-lo);
há quem identifique a figura do gaúcho, “centauro
dos pampas”, em conformidade com a de Guedali
e, nesse caso, a perda de sua parte equina
equivaleria a perda da raiz; como o “judeu em
terra estranha”, o centauro caracteriza o desejo
judaico de liberdade das opressões sociais, e,
no dizer de Priscila do Prado, “por representar um
ser híbrido, aponta para a duplicidade do elemento
judeu na sociedade, que é de tradição e de
modernidade, de divino e de humano, de escolha e
de perseguição”.
O JUDEU:
•
A dificuldade das
novas gerações de
se adaptarem aos
antigos valores.
•
Sem lugar na
nova realidade.
•
Presos a valores
culturais e religiosos.
•
Ânsia
de
liberdade.
• O CENTAURO DOS
PAMPAS
=
O
GAÚCHO:
• Figura dos pampas.
• Tradições.
• Homem a cavalo nas
lides do campo
• Adaptação do Judeu ao
contexto sulino.
• O
judeu
fora
do
contexto.
• e) O estranho e o fantástico em O
centauro no jardim, por Priscila Finger do
Prado: a narrativa de O centauro no jardim
causa estranheza. Guedali tem a certeza de
sua condição de centauro, mesmo póscirurgiado, e Tita, tem a certeza de seu
discurso sobre judeus, cavalos, Guedali com
problemas neurológicos que o levaram a uma
cirurgia no Marrocos. Certezas que se
entrecruzam e formam um leitor que é só
incerteza. Onde a verdade? Onde a ilusão? A
que categoria de estranho nos propõe o
romance?
• Lembrando-se a perspectiva freudiana, de
que, na literatura, o estranho é um artifício do
autor que “nos ilude quando promete dar-nos
a pura verdade e, no final, excede essa
verdade”, pode-se concluir que, no romance,
o estranho se faz presente, porque, na
realidade
empírica,
centauros
não
ultrapassam os limites do mito, não
convivem, ao menos contemporaneamente,
com humanos, nem podem nascer destes,
nem mesmo gerar filhos humanos.
• Na perspectiva de Todorov, se aceitarmos a
possibilidade da existência da entidade
mitológica do centauro, num ambiente
próximo ao real, num tempo equivalente ao
real, estaríamos entrando no plano do
maravilhoso e o discurso de Tita seria
apenas uma desculpa para parecer
pertencente ao mundo real. Porém esta
alternativa pode ser excluída, devido ao fato
de Tita não aceitar o acontecimento e buscar
uma outra explicação, ou seja, o fato de uma
das personagens não aceitar o maravilhoso
e ser guiada pelas leis naturais, implica a
saída do maravilhoso como gênero.
• A segunda hipótese seria a de, diante de tal
acontecimento, permanecer a dúvida entre o real
e o sobrenatural, e assim, ter-se a ocorrência do
fantástico. No entanto, essa possibilidade
também é refutável, uma vez que só Guedali
insiste em sua história de centauros, e mesmo
esse, ao fim da narrativa e ao longo dessa, lança
inúmeras alusões a elementos eqüinos, mas
destacando em muitas delas a comparação, que
por possuir apenas a função de comparar mundos
paralelos, acaba por não mesclá-los, por deixá-los
distantes. Além disso, a narrativa de Tita alude a
uma doença neurológica de Guedali, a qual,
segundo as leis naturais, explicaria todos os fatos
citados por Guedali como frutos de sua
imaginação, como frutos de alucinações.
• A opção mais acertada então, numa
perspectiva todoroviana, seria classificar a
narrativa como estranha, de forma que,
mesmo o discurso de Guedali trazendo
elementos de estranheza para o leitor e para
as personagens, essa estranheza seria
produzida por sua imaginação de doente
neurológico e, considerando as leis do
mundo real, nada de fantástico teria ocorrido.
O FOCO NARRATIVO
• f) O jardim das delícias e a dupla
narrativa: a narrativa apresenta-se quase
exclusivamente através da primeira pessoa
de Guedali; porém, o capítulo final abre a
perspectiva de Tita, que, sinteticamente,
propõe uma versão “realista” da história, de
forma que os dois relatos se tornam
excludentes. As duas narrativas têm início e
fim no mesmo restaurante, numa espécie de
ciclo.
• O romance encerra, assim, com uma dupla
visão dos fatos, sendo que a aceitação de
uma como verdadeira exclui a aceitação da
outra, de forma que, ou tem-se um fato
estranho em meio a uma realidade empírica
(baseada na experiência), e dessa forma,
uma situação não aceitável diante das leis do
real; ou tem-se uma situação dentro da
normalidade do real, provocada por uma
ilusão de sentidos – no caso de Guedali, uma
doença neurológica:
• “Por mim, [Tita] pode contar a história como
quiser. O Guedali de quem fala me é tão
irreal quanto o seria um centauro para
qualquer pessoa. A história que Tita narra,
contudo é bem verossímil: não há centauros
nas cenas equestres que descreve. Há um
menino nascendo no interior do município de
Quatro Irmãos, Rio Grande do Sul; mas
nenhum cavalo alado voa sobre a casa de
madeira no momento do parto”
AMBIGUIDADE
• ENFIM os fatos que ocorrem na narrativa se
apresentam, para o leitor, de uma forma
“estranha”. No final, a versão contada por
Tita instaura o tom da ambiguidade. Nada
pode ser de fato afirmado, pois se trata da
narrativa feita por alguém que participou da
história. Há, portanto, a possibilidade de
uma ilusão estar encobrindo uma realidade
absurda. E qual será essa realidade
absurda?
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O centauro no jardim