Plano Diretor Participativo: O avanço no Direito urbanístico Fernando Antônio de Andrade Morais 1 RESUMO: O presente artigo trata da importância da estruturação do Plano Diretor com a participação popular, conforme previsto na Constituição Federal de 1988 e regulamentado no Estatuto da Cidade. Tem como objetivo discutir e refletir o papel do Plano Diretor no desenho urbanístico. Palavras-Chave: Plano Diretor. Legalidade. Alteração. INTRODUÇÃO Tendo em vista o crescimento populacional áreas urbanas e consequentes transformações na realidade socioeconômica, tornou-se essencial à edição de medidas consistentes com vistas a assegurar à estruturação do espaço urbano. De fato, “cada cidade sofre, ao longo dos tempos, influências histórico-políticas que atreladas às questões econômicas, culturais, demográficas e ambientais acabam por resultar na atual realidade local, e consequentemente nas possibilidades de serviços oferecidos e distribuição espacial da população” (MORAIS, 2012). Diante desse contexto, temos a edição do Estatuto da Cidade, visando definir as diretrizes da política urbana. Dentre os instrumentos trazidos, temos o Plano Diretor que atua na organização das cidades, buscando adequar o espaço urbano as necessidades presentes e futuras da população. Antes, do Estatuto da Cidade, já tínhamos a exigência do Plano Diretor, contudo não era obrigatória a participação popular. Atualmente, além do corpo técnico, necessita também da participação popular, já que vivenciamos o prisma da gestão participativa. 1 Bacharel em Direito. UNEB.E-mail:[email protected]. O PLANO DIRETOR E O ESTATUTO DA CIDADE Conforme prevê o Estatuto da Cidade (lei n°10.257/01), ao regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição Federal estabeleceu a gestão democrática da cidade em que se contemplou a participação popular no planejamento municipal, incidindo inclusive em quaisquer alterações no plano diretor, tendo em vista garantir o bem-estar da população, Esta inovação legislativa produziu uma grande modificação na concepção sobre a forma como devem ser pensadas as cidades, permitindo que o cidadão deixe de ser mero objeto da ação normativa da administração, para ser um ator importante no planejamento e desenvolvimento da cidade, posto que historicamente os planos diretores sempre fossem tratados como um produto de técnicos e especialistas, principalmente de empresas de consultoria. Como a nova dinâmica legal, os próprios tribunais passaram a invalidar tanto as propostas de planos diretores do executivo, como as emendas dos vereadores que não contaram com a participação popular (...) MIRANDA, Sandro; MIRANDA, Luciana; 2011, p. 1). Este diploma legal prevê no capítulo III, § 4º, no art. 40, Art. 40. O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana. [...] § 4o No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão: I – a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade; II – a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos; III – o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos. (BRASIL, 2001, grifo nosso). Nos últimos anos, tem se observado no Brasil a edição de medidas voltadas a estruturação das cidades no que se refere a questão urbanística, buscando proporcionar o exercício pleno da cidadania no tocante a aspectos que envolvem a vida na cidade como a acessibilidade no espaço urbano. Dentre os assuntos pertinentes a malha urbana, situa-se a acessibilidade urbana que envolve o desafio de propiciar o acesso amplo e democrático à cidade, o que denota a necessidade de envolver a população nesse debate, tendo em vista as demandas de cada cidadão. Nesse sentido, Considerada uma das funções–chave da cidade, desde Le Corbouser (1989), a circulação e, atualmente, acessibilidade urbana constituem funções sociais da cidade, objeto da política de desenvolvimento urbano a que se referem à Constituição Federal de 1988 (artigo 182) e o Estatuto da Cidade de 2002 (artigo 2). Assim, planejar desenvolvimento urbano é, sem dúvida, pensar formas economicamente viáveis, de acesso a equipamento urbanos e serviços públicos por todos os habitantes da cidade, inclusive por minorias como pessoas de mobilidade reduzida. (AZEVEDO; CALEGAR; ARAÚJO, 2006, p.1, grifo nosso). Nesse sentido, na elaboração do Plano Diretor da cidade devem estar contempladas situações como a acessibilidade, já que é um direito previsto constitucionalmente e impacta no acesso do cidadão aos serviços da cidade. No espaço de debates para criação e revisão do Plano Diretor, possibilitar a intervenção do cidadão no planejamento urbano é dar voz para que as minorias possam estar evidenciadas na formulação das políticas públicas, possibilitando uma democracia participativa, evitando a construção de espaços públicos que impeçam o direito de ir e vir a segmentos da população. Dessa forma, nossa constituição abraçou essa nova visão em que o processo decisório nos rumos da cidade também envolve a população em atos como audiências públicas, consultas, dentre outros instrumentos democráticos. Com o Estatuto da Cidade houve um grande avanço no que diz respeito a colocar os cidadãos em um papel de destaque no planejamento municipal, levandose assim em consideração a vontade do povo no que se refere ao presente e futuro do município, evitando-se que interesses políticos, de minorias determinem os rumos da gestão urbana municipal. Convém destacar que a participação da população não deve ficar restrita ao âmbito do procedimento de elaboração da Lei do Plano Diretor, como fosse estático e naquele momento, mas sim atinge as atualizações dele, já que a cidade é dinâmica e tem sua realidade socioeconômica, sendo isso também observado em outros instrumentos da política urbana. Antes da Constituição Cidadã ter os artigos regulamentados pelo Estatuto da Cidade, o que ocorria era a edição de planos diretores sem serem impactantes na realidade municipal, promovendo reais mudanças uma vez que não existiam sanções legais no caso da não realização do Plano Diretor. A contemplação no planejamento municipal da participação popular foi justamente preocupada em oferecer condições de vida, bem-estar aos cidadãos presentes, bem como às gerações futuras, garantindo o direito a uma cidade sustentável, tentando-se dessa forma evitar os abusos e erros cometidos por gestões não comprometidas com os anseios da população. Assim, constata-se a preocupação em garantir a sustentabilidade, concebendo-a como um direito do cidadão, proporcionando cidades sustentáveis, envolvendo pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e propriedade urbana. Quando não há participação popular na discussão do projeto de lei, vai se de encontro a todo avanço conseguido no que se refere à gestão democrática no planejamento urbano consolidado nas normas constitucionais, e diplomas legais posteriores, não sabendo quais as necessidades reais, deixando a cargo do Poder Público imaginar o que acreditar ser melhor para a população, em uma postura antidemocrática. No § 4º do art. 40 do Estatuto da Cidade está previsto que: §4º No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão: I- a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade; II- a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos; III- o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos. Jurisprudencialmente, tem-se sido o entendimento de que esta ausência de participação da população na alteração do Plano Diretor acaba por tornar viciado tal procedimento, sendo declarado inconstitucional, ao ferir o princípio da democracia participativa, conforme pode ser visto a seguir: Ementa AÇÃO DIRETA DE I NCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 1.468, DE 31 DE OUTUBRO DE 2001, DO MUNICÍPIO DE HORIZONTINA. ALTERAÇÃO DO PLANO DIRETOR. VÍCIO NO PROCESSO LEGISLATIVO. AUSÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE. OFENSA AO ART. 177, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL E AO ART. 29, XII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. É inconstitucional a Lei nº 1.468/2001, do Município de Horizontina, pois editada sem que promovida a participação comunitária, para deliberação de alteração do Plano Diretor do Município, conforme exige o art. 177, § 5º, da Constituição Estadual e o art. 29, XII, da Constituição Federal. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE, POR MAIORIA. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70028427466, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francisco José Moesch, Julgado em 20/07/2009, grifo nosso). AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL. ALTERAÇÃO NO PLANO DIRETOR DO MUNICÍPIO DE SAPIRANGA. AUSÊNCIA DE AUDIÊNCIA PÚBLICA. OFENSA AO ESTATUTO DA CIDADE - LEI Nº. 10.257/2001 - BEM COMO ÀS CONSTITUIÇÕES ESTADUAL E FEDERAL. São inconstitucionais as leis municipais nºs 3.302, 3.303, 3.368, 3.369, 3.404, 3.412, 3.441 e 3.442, todas de 2004, do Município de Sapiranga, editadas sem que promovida a participação comunitária para a deliberação de alteração do plano diretor do município sem a realização de audiência pública prevista em lei. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70015837131, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Arno Werlang, Julgado em 26/02/2007, grifos nossos). Quando o município dá espaço para a diversidade dos cidadãos que o compõem manifestarem suas opiniões, colaborando no enfretamento dos problemas da cidade, são vislumbrados exemplos como a cidade de Curitiba. Contudo, na maioria dos municípios brasileiros a realidade é totalmente outra, ignorando-se a participação popular como instrumento necessário nas políticas voltadas à cidade. A Gestão Democrática da cidade A partir da edição da lei n°10.705, de 10 de julho de 2001, que traz o Estatuto da Cidade, o Direito Urbanístico brasileiro recebe uma série de inovações, destacando-se normas jurídicas que possibilitam assegurar mecanismos democráticos no processo gestionário das cidades. Com esta lei, consolidaram-se os estudos e discussões que permeavam o cenário do direito urbanístico em relação à necessidade de se rever com um olhar moderno as questões como planejamento urbano e gestão participativa, servindo-se de instrumentos jurídicos de intervenção no ambiente urbano próprios, além daqueles habitualmente executados no exercício do poder de polícia. Na formulação da política urbana, a participação popular, desde que seja assegurada em um processo dialógico, permite que ocorra a gestão democrática, levando assim, em consideração, os anseios das camadas populacionais e das realidades locais em que vivem. Nesse contexto, Maria Paula Dallari Bucci (2002 apud PETRUCCI, 2004, p.1) evidencia o caráter fundamental da gestão democrática no Estatuto da Cidade: A própria situação topológica do capítulo, que é o penúltimo do Estatuto, antecedendo apenas as "Disposições Gerais", além do seu conteúdo indicam seu caráter de norma de processo político-administrativo, que informa o modo concreto de formulação da política urbana e da incidência dos dispositivos tratados nos capítulos anteriores, para o quê se exige sempre a necessária participação popular. (...) A realização do processo democrático na gestão das cidades é a razão da própria existência do Estatuto da Cidade, que resulta, ele próprio, de uma longe história de participação popular, iniciada na década de 80, e que teve grande influência na redação do capítulo da política urbana da Constituição Federal (arts. 182-183). (...) A plena realização da gestão democrática é, na verdade, a única garantia de que os instrumentos de política urbana introduzidos, regulamentados ou sistematizados pelo Estatuto da Cidade (tais como o direito de preempção, o direito de construir, as operações consorciadas etc.) não serão meras ferramentas a serviço de concepções tecnocráticas, mas ao contrário, verdadeiros instrumentos de promoção do direito à cidade para todos, sem exclusões. Nesse sentido, é no poder local, que se exerce com maior amplitude e extensão a participação popular prevista na Carta Magna, com relação à gestão democrática das cidades. Dessa forma, consolida-se a política urbana com víeis democrático em que as ferramentas do planejamento urbano não são tão somente tecnocráticas, mas sim instrumentos que possibilitam a transformação do espaço urbano. Da conceituação e do papel do Plano Diretor O Plano Diretor consiste em um conjunto de metas da política urbana expressa em objetivos e estratégias que visam possibilitar por meio de ações e medidas a execução das funções sociais da cidade, em que a população tem direito a ter participação atuante nas decisões a serem tomadas com relação ao ambiente artificial. Com isso, promove-se o desenvolvimento da cidade, com gestão compartilhada. Neste sentido, deve o ente municipal assegurar o cumprimento do estabelecido a nível constitucional com relação à obrigatoriedade de audiências públicas, debates, por exemplo, para garantir a consecução do interesse público, com mecanismos democráticos. Assim, o Plano Diretor desponta como um instrumento importantíssimo no planejamento urbano, permitindo “construir cidades com qualidade de vida urbana para todos, evitando a formação de assentamentos irregulares e informais (MOREIRA, p.7)”. Neste contexto, englobam-se ações a serem realizadas nos diversos componentes do meio urbano como saneamento urbano, a questão da ocupação e uso do solo, a habitação, além do tratamento a ser dado no tocante à circulação e bem-estar da população e do equilíbrio do meio ambiente, possibilitando realizar um dimensionamento de questões estruturais como a expansão da cidade. Convém ressaltar que no corpo do texto do plano diretor, deve-se procurar contemplar o máximo possível da realidade local nas suas diversas vertentes: social, econômica, cultural, espacial, dentre outras. Assim ter o Plano Diretor atualizado é primordial para o crescimento adequado do município, já que se devem prever novas áreas residenciais com cuidado, possibilitando um planejamento que se integre com os serviços municipais já existentes. Como este documento apresenta a cidade como é, atualmente, e como deverá ser no futuro, dispõe de assuntos importantes como a utilização dos terrenos e toda necessidade de infraestrutura a ser criada para atender as demandas populacionais naquela área em situações como a construção de escolas, bibliotecas, vias públicas acessíveis, saneamento básico, vias para transporte público. Por isso, para que ocorra o desenvolvimento do plano diretor, necessita-se de vários profissionais especializados para a construção desse instrumento. Além disso, conta-se com a participação popular. Constitucionalmente, o plano diretor tem previsão obrigatória para municípios com mais de 20.000 mil habitantes. No entanto, não é apenas neste caso que existe esta exigência. De acordo com Bernardi (2006), no art.41, do Estatuto da Cidade, diferentemente da Carta Magna que condiciona a aplicação do Plano Diretor a uma questão meramente numérica, na lei n° 10.520/2001, temos outras hipóteses obrigatórias como no caso da cidade integrar regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, do município querer valer-se dos instrumentos a serviço da política urbana, contemplados no parágrafo 4° do art. 182 da CF, também, serem áreas de interesse turístico ou de empreendimentos, além dos que tem atividade de significativo impacto a nível nacional e regional. Moreira (2008), afirma que é através do plano diretor que se norteia a definição da função social da propriedade e da cidade, sendo base em que se permite mapear o alcance das intervenções públicas que se fizerem necessárias na busca pela diminuição das disparidades sociais, refletindo-se na difusão da cidadania. Assim, o autor aponta que na organização do espaço urbano, o mapeamento dos locais em que segregações e exclusões sociais são latentes, possibilita direcionar políticas públicas intervencionistas. O que se pretende com o Plano Diretor é espelhar não um plano de governo, uma vez que seu horizonte de tempo vai além da duração de um mandato governamental, mas um plano da cidade, abordando os seus problemas de forma abrangente, considerando a cidade informal, os processos expansivos espontâneos, as irregularidades urbanísticas, edílicas e seus reflexos econômicos e sociais. (MOREIRA, 2008, p.8, grifo nosso). Dessa forma, não tem como conceber o plano diretor como verdadeiramente democrático, senão buscar contemplar a resolução dos problemas com participação de todos os cidadãos, o que envolve como evidencia o autor, a cidade informal, resultante do descontrole sobre a organização do território espacial, fruto do acúmulo de tensões socioeconômica que se concentraram em determinadas áreas do ambiente urbano. Excluir esta parcela da população das discussões é negar a heterogeneidade e dinamicidade do espaço urbano e dos elementos que o compõem. Cada cidade sofre, ao longo dos tempos, influências histórico-políticas que atreladas às questões econômicas, culturais, demográficas e ambientais acabam por resultar na atual realidade local, e consequentemente nas possibilidades de serviços oferecidos e distribuição espacial da população. Por isso, deve-se evitar a propagação de planos diretores “padronizados”, decorrentes da visão estereotipada de gestores municipais de que os desafios enfrentados são os mesmos, contrapondo-se, assim, a historicidade do lugar, as transformações que ocorreram e ainda continuam, resumindo-se a um documento técnico, e nada mais. Essa diversidade existente na cidade implica em o gestor municipal compreender que: O plano Diretor foi concebido como um instrumento de um novo modelo de gestão urbana, que abandonando a concepção puramente tecnocrática tem por sustentação a identificação de forças sociais existentes no cenário da cidade e seus respectivos interesses em torno de garantias e direitos que assegurem a redução das desigualdades sociais. [...] o realismo do plano diretor deve substituir a aplicação de métodos sofiscados, contemplando extensos dados estatísticos, por procedimentos simplificados, embasados em avaliações qualitativas dos problemas e das alternativas possíveis de serem aplicadas, para utilidade imediata. (MOREIRA, 2008, p.9, grifo nosso) Dessa forma, compete ao município: [...] condições nas cidades para o encontro e as relações entre pessoas de diversas origens, costumes, tradições, e valores, assegurando a seus habitantes o espaço da cidadania quanto à garantia de acesso as funções sociais e básicas da cidade, como trabalho, moradia, o transporte, a saúde, e a educação, entre outras. (MORAES, 2004, p.1) Apesar de ser eminentemente um documento técnico, o plano diretor não pode deixar de atender as demandas populacionais apresentadas, em virtude das peculiaridades existentes, por conta da diversidade e características do município. Para tanto, deve se pautar em um planejamento urbano, dotado de clareza e objetividade, visando à solução de problemas reais enfrentados. Infelizmente, a nova concepção de gestão da política urbana ainda não foi efetivamente abraçada por grande parte dos gestores municipais, que ainda concebem com viés fortemente tecnocrático, valorizando os realizados por equipes profissionais especializadas, sem discussões com a população, numa tentativa de burlar os mecanismos democráticos e atender formalmente o disposto constitucionalmente. Nesse sentido, Moreira alerta que “são planos desconectados com as lógicas e práticas reais, ignorando os conflitos a realidade das desigualdades, apresentando estratégias de regulação urbanística como objetos puramente técnicos” (MOREIRA, 2008, p.13). Isso com certeza traz prejuízos a gestão compartilhada, e inviabiliza o atendimento dos anseios populacionais, num conflito claro com o interesse público. Essa situação acaba por agravar ainda mais a crise urbana existente, decorrente de catastróficas políticas de gestores ao longo de seus mandatos, ao atentarem-se apenas a interesses meramente privados. Esse quadro reflete-se na complexidade urbana que temos, principalmente, nas grandes metrópoles. Neste contexto, a crise urbana, segundo Moreira (2008) apresenta desafios a serem enfrentados pelo estatuto da Cidade: [...] forte concentração da população urbana nas regiões metropolitanas; déficit populacional; saneamento insuficiente; a definição dos assentamentos de população de baixa renda para regularização e urbanização; segregação socioespecial crescente; agudização da violência urbana; deterioração da qualidade ambiental urbana; descontrole na expansão de periferias e baixa capacidade de comprometimento do poder local no atendimento às demandas urbanas” (MOREIRA, p.18). Isso tudo reflete em parte as consequências advindas das mudanças ocorridas no cenário urbano brasileiro em decorrência do forte processo de urbanização sofrido durante a ditadura militar, que implicaram em avanço acelerado do crescimento demográfico, com impacto direto e indireto no equilíbrio ambiental e na gestão de recursos públicos, afetando a logística de infraestrutura e planejamento urbano para atender esta nova realidade, o que não ocorreu adequadamente. Toda esta transformação ocorrida nas cidades trouxe consequências sérias, principalmente, à área ambiental. Moreira (2008) traz que vivenciamos a crise do saneamento em que o tratamento dado ao lixo é inadequado, desdobrando-se nos lixões, em rios e lagos, cada vez mais degradados por fluidos de esgotos, além da insuficiência em atender parte da população na coleta do esgoto, água encanada. Além disso, a forte pressão sobre os recursos naturais, devido ao crescimento demográfico, em virtude demandas de populações de baixa renda, tem ocasionado um processo de remoção da vegetação costeira no entorno das cidades, trazendo riscos à segurança da população, tornando corriqueira a ocorrência de deslizamentos, enchentes, assoreamento de fluxos d’água, enfim, implicando em problemas sérios, tanto economicamente, quanto socialmente à cidade. Toda essa situação resulta da falta de planejamento urbano participativo que... [...] que deveria se dar mediante o plano diretor, denota problemas como o crescimento desordenado e a dificuldade de mobilidade de minorias como idosos e deficientes físicos. De um lado, o crescimento desordenado de logradouros esparsos em regiões geográfica e geologicamente inviáveis dificulta investimentos à melhoria de vida dos munícipes. De outro, o aparecimento de bairros em locais impróprios, edificados à revelia em regiões de maior elevação nas cidades ou de difícil acesso, ou ainda espaços sem regularização fundiária (lotes irregulares com construções precárias) corroboram também para o comprometimento da integridade paisagística arquitetônica ou do ordenamento urbano de tantos municípios. A existência desses fatores desfalece a sustentabilidade urbana. É neste sentido que os planos diretores participativos devem se esforçar em romper com o investimento público submetido aos interesses do mercado imobiliário, o que acaba por alimentar a segregação territorial e as desigualdades. (AZEVEDO; CALEGAR; ARAÚJO, p.2, 2006, grifo nosso). O Plano Diretor torna-se então, o norte do planejamento urbano, sendo assim, dotado de diretrizes gerais a serem aprofundadas. Segundo Bernardi (2006), o plano diretor poderá prever leis específicas que visem tratar de matérias de forma mais detalhada como “lei de ocupação e uso do solo urbano, lei do zoneamento e perímetro urbano, leis de construção de obras e edificações, licenciamento e fiscalização de obras e codificações, código sanitário, licenciamento e fiscalização de atividades econômicas e posturas municipais entre outras.” (BERNARDI, 2006, p. 95). Assim, essas matérias têm fundamental importância, devendo ser articuladas com o Plano Diretor. Por exemplo, a elaborar a Lei do Parcelamento do Solo, o município deve estabelecer normas complementares à lei federal, adaptando-se as disposições presentes nesta lei, as peculiaridades locais e regionais com vistas a ordenar e controlar a qualidade da expansão urbana através de parâmetros técnicos para as variadas formas de divisão e ocupação territorial das zonas urbanas. Quando não se observa isso, ocorrem sérios problemas voltados ao planejamento urbano, conforme Pinto (2003) aponta, temos os loteamentos clandestinos e os assentamentos informais, comumente denominados de “favelas”. Por não estarem contemplados na visão urbanística da política municipal, são desprovidos de infraestrutura, não havendo monitoramento do que ocorre por parte do poder público, numa tentativa de se “burlar” à legislação existente, não se prevendo áreas públicas de recreação e preservação ambiental por exemplo. Nesse sentido, afeta-se o direito de ir e vir da população, incluindo-se o de acessibilidade. Diante disso, conseqüentemente a desordem é instalada, desdobrando-se em uma cadeia de situações que dificultam o acesso da comunidade a direitos básicos. Dentre outros transtornos causados pela ocupação irregular do solo urbano, destacam-se os seguintes: desarticulação do sistema viário, dificultando o acesso de ônibus, ambulâncias, viaturas policiais e caminhões de coleta de lixo; formação de bairros sujeitos a erosão e alagamentos, assoreamento dos rios, lagos e mares; ausência de espaços públicos para implantação de equipamentos de saúde, educação, lazer e segurança; comprometimento dos mananciais de abastecimento de água e do lençol freático; ligações clandestinas de energia elétrica, resultando em riscos de acidentes e incêndios; expansão horizontal excessiva da malha urbana, ocasionando elevados ônus para o orçamento público. (PINTO, 2003). Apesar de todo “caos” que se ocasiona em virtude da ocupação irregular do solo urbano, o município, mesmo tendo como possibilidade da utilização do exercício do poder de polícia como forma de buscar preservar o interesse público, fica inerte na maior parte dos casos. Temos, também, a Lei de Uso e Ocupação do Solo, que consiste em realizar o zoneamento da cidade que se estabelecem parâmetros para ocupação do solo, dispondo sobre questões como a altura das edificações, espaço já construído da edificação, taxa de ocupação do solo, usos permitidos, além de dividir a cidade em áreas ou zonas levando em consideração as características da região, existindo zonas residências, industriais, dentre outras. E por fim, o Código de Obras e Edificações tem como objetivo tratar das normas técnicas para construção de edificações, tendo como base a NBR 9050. Em virtude disciplinar sobre como deve ser o espaço construído, a acessibilidade está presente, no que se refere à utilização de normas técnicas, sendo aplicado seja no espaço externo, seja no mobiliário urbano. Assim, a quase totalidade de seu conteúdo corresponde, em maior ou menor grau, as demandas em acessibilidade pertinentes a sua natureza. Alguns exemplos: a utilização de passeios e tapumes, passeios com rebaixamento e rampas para travessia de vias, acesso a lotes e à edificação, sinalização quando do cruzamento de veículos e pedestres sobre os passeios, altura de marquises, balanços e projeções, exigências de vagas para veículos, critérios para pisos e vedações de terrenos, características geométricas de rampas e escadas, exigência quanto aos vãos e passagens. Por isso, além de ser dever do poder público, configura-se um compromisso na construção de uma cidade sustentável, estando previsto no art.2°, I, do Estatuto da Cidade. o Art. 2 A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações; (BRASIL, 2001). A Constituição Federal de 1988 contempla no seu art. 1822, a previsão legal de que compete aos municípios a formulação de suas políticas de desenvolvimento urbano, visando ordenar as funções sociais das cidades, tendo como norte o Plano diretor e a Lei Orgânica, buscando assim garantir o bem-estar dos cidadãos. Com o advento do Estatuto da Cidade, através da edição da lei n° 10.257/2001 são elencados aspectos fundamentais no tocante a organização e direcionamento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana. Foca-se em assuntos de grande relevância como à sustentabilidade das cidades, a necessidade da efetiva gestão democrática, com a presença dos segmentos sociais que compõem o “lócus urbano”, acompanhando, fiscalizando e sugestionando com relação os projetos que venham a afetar a cidade, repercutindo no seu desenvolvimento, e na integração com o meio ambiente. Neste sentido, torna-se essencial que se faça a participação popular prevista, para a deliberação do Plano Diretor do Município, bem como a realização de estudos técnicos possibilitando assim a concretização da gestão democrática. CONCLUSÕES Considerar essencial a participação da população no planejamento urbano municipal é compreendê-lo como um interesse de todos, sendo assim primordial no desenvolvimento do município. A População pode contribuir com a criação e cumprimento das medidas e isso deve ser feito para que o Plano Diretor possa contemplar todas as necessidades advindas com o crescimento e expansão urbana, definindo, inclusive, áreas de risco ou de crescimento. Assim, constata-se a preocupação em garantir a sustentabilidade, concebendo-a como um direito que deve se adequar a realidade socioeconômica do município que muda ao longo do tempo, devendo-se seguir procedimentos previstos em lei, proporcionando cidades sustentáveis, envolvendo pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, no qual possa usufruir dos serviços oferecidos pela cidade, com liberdade, autonomia e segurança, já que espaço urbano é desenhado e sua configuração atual está conforme é prevista no Plano Diretor. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS AZEVEDO et al.. 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