A54
ID: 60968446
15-09-2015
Tiragem: 35268
Pág: 17
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 10,99 x 30,15 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 1
Decisão do Tribunal
Europeu clarifica
deslocações como
tempo de trabalho
Trabalho
Raquel Martins
Especialistas antecipam
que tribunais portugueses
tomem decisões que
favoreçam trabalhadores
sem local de trabalho fixo
O Tribunal de Justiça da União Europeia entende que, quando os trabalhadores não têm local fixo ou habitual, as deslocações entre a sua casa
e o primeiro cliente e entre o último
cliente e a sua residência devem ser
considerados tempo de trabalho. A
decisão diz respeito a um caso que
envolve a empresa de sistemas de
segurança Tyco e um sindicato espanhol, mas terá influência na forma como os tribunais interpretam a
directiva sobre o tempo de trabalho
num sentido mais favorável aos trabalhadores.
Advogados questionados pelo
PÚBLICO afastam a necessidade de
alterar a legislação nacional, que
praticamente transcreve a noção de
tempo de trabalho prevista na directiva europeia. Mas reconhecem que
a decisão poderá ajudar os tribunais
portugueses a interpretar o Código
do Trabalho, sobretudo quando estão em causa trabalhadores que não
têm um local de trabalho fixo, como
é o caso de vendedores e delegados
de propaganda médica, entre outros,
ou que não estão abrangidos por contratos colectivos.
O caso analisado tem contornos
particulares que são detalhados no
comunicado divulgado no final da semana passada pelo tribunal com sede
no Luxemburgo. Os técnicos da Tyco instalam aparelhos de segurança
numa área que pode abranger várias
províncias, usam carro e telemóvel
da empresa e a distância entre a sua
residência e os clientes pode ser superior a 100 quilómetros. A empresa
considera essas deslocações no início
e final do dia como tempo de descanso. Mas, antes de ter encerrado os
seus escritórios regionais, tinha um
entendimento diferente e calculava o
tempo de trabalho diário a partir da
hora de chegada ao escritório, onde
os trabalhadores recolhiam o carro
e a lista de clientes, até à hora de regresso, à noite, ao escritório.
Questionado pela Audiência Nacional, o Tribunal de Justiça concluiu
que “quando os trabalhadores, como
os da situação em causa, não têm local de trabalho fixo ou habitual, constitui tempo de trabalho, na acepção
da directiva, o tempo de deslocação
que esses trabalhadores despendem
diariamente entre a sua residência e
os domicílios do primeiro e do último
clientes designados pela entidade patronal”. E vai mais longe ao entender
que esses trabalhadores “estão no
exercício da sua actividade ou das
suas funções durante o tempo dessas
deslocações”.
Fausto Leite, advogado especialista
em Direito Laboral, não tem dúvidas
de que a decisão “irá contribuir para
clarificar situações semelhantes num
sentido mais favorável aos trabalhadores”, quando os tribunais portugueses forem chamados a decidir sobre casos semelhantes. “A principal
preocupação do Tribunal Europeu
é a saúde e a segurança no trabalho.
No caso da Tyco, o regime obrigaria
a um excesso de horas e de tempo
de trabalho que punha em causa a
saúde e a segurança do próprio trabalhador”, justifica.
Também Paula Caldeira Dutschmann, do escritório de advogados
Miranda, considera que o acórdão
“vem reforçar uma interpretação
que já era possível extrair do actual
Código do Trabalho”. “Esta decisão
poderá ajudar os tribunais portugueses a interpretar o código, sobretudo em relação aos trabalhadores que
não têm um registo de entrada e de
saída”, adianta.
Decisão
poderá ajudar
os tribunais
portugueses
a interpretar
o Código do
Trabalho
Já do ponto de vista do empregador, acrescenta, vem alertar para a
necessidade de se criarem “mecanismos de controlo dos tempos de
saída e dos percursos escolhidos
para as deslocações, porque pode
dar origem a pagamento de trabalho
suplementar”.
Pedro Furtado Martins, advogado
da CS Associados, lembra que o caso
tem contornos particulares aos quais
a decisão do tribunal “não é indiferente”. Ainda assim, “é natural que
a decisão tenha alguma influência na
forma como os tribunais encarariam
um caso semelhante”, antecipa.
Embora em Portugal muitas destas questões estejam previstas nos
contratos colectivos, quando se aplica apenas a lei e não há um local de
trabalho fixo ou habitual “a questão
do tempo de trabalho complica-se e
não há regras claras”.
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