Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 937.629 - SP (2007/0068418-2)
RELATOR
RECORRENTE
ADVOGADO
RECORRIDO
:
:
:
:
MINISTRO JOSÉ DELGADO
DANIEL DANIELIAN
DOMINGOS NOVELLI VAZ E OUTRO(S)
UNIÃO
EMENTA
TRIBUTÁRIO.
IPI.
DESEMBARAÇO
ADUANEIRO.
VEÍCULO
AUTOMOTOR. PESSOA FÍSICA. NÃO-INCIDÊNCIA. ENCERRAMENTO
DA MATÉRIA PELO COLENDO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
1. Recurso especial interposto contra acórdão que determinou o recolhimento do IPI
incidente sobre a importação de automóvel destinado ao uso pessoal do recorrente.
2. Entendimento deste relator, com base na Súmula nº 198/STJ, de que “na importação
de veículo por pessoa física, destinado a uso próprio, incide o ICMS” .
3. No entanto, o colendo Supremo Tribunal Federal, em decisão proferida no REnº
203075/DF, Rel. p/ acórdão Min. Maurício Corrêa, dando nova interpretação ao art.
155, § 2º, IX, 'a', da CF/88, decidiu, por maioria de votos, que a incidência do ICMS
sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando se tratar de bem
destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento, não se aplica às operações de
importação de bens realizadas por pessoa física para uso próprio. Com base nesse
entendimento, o STF manteve decisão do Tribunal de origem que isentara o impetrante
do pagamento de ICMS de veículo importado para uso próprio. Os Srs. Ministros Ilmar
Galvão, Relator, e Nelson Jobim, ficaram vencidos ao entenderem que o ICMS deve
incidir inclusive nas operações realizadas por particular.
4. No que se refere especificamente ao IPI, da mesma forma o Pretório Excelso
também já se pronunciou a respeito: “Veículo importado por pessoa física que não é
comerciante nem empresário, destinado ao uso próprio: não-incidência do IPI:
aplicabilidade do princípio da não-cumulatividade: CF, art. 153, § 3º, II.
Precedentes do STF relativamente ao ICMS, anteriormente à EC 33/2001: RE
203.075/DF, Min. Maurício Corrêa, Plenário, 'DJ' de 29.10.1999; RE
191.346/RS, Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, 'DJ' de 20.11.1998; RE 298.630/SP,
Min. Moreira Alves, 1ª Turma, 'DJ' de 09.11.2001” (AgReg no RE nº 255682/RS, 2ª
Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 10/02/2006).
5. Diante dessa interpretação do ICMS e do IPI à luz constitucional, proferida em sede
derradeira pela mais alta Corte de Justiça do país, posta com o propósito de definir a
incidência do tributo na importação de bem por pessoa física para uso próprio, torna-se
incongruente e incompatível com o sistema jurídico pátrio qualquer pronunciamento em
sentido contrário.
6. Recurso provido para afastar a exigência do IPI.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os
Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao
recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Francisco Falcão,
Luiz Fux, Teori Albino Zavascki (Presidente) e Denise Arruda votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 18 de setembro de 2007 (Data do Julgamento)
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MINISTRO JOSÉ DELGADO
Relator
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RELATOR
RECORRENTE
ADVOGADO
RECORRIDO
:
:
:
:
MINISTRO JOSÉ DELGADO
DANIEL DANIELIAN
DOMINGOS NOVELLI VAZ E OUTRO(S)
UNIÃO
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO (RELATOR): Cuida-se de recurso especial interposto
por DANIEL DANIELIAN (art. 105, III, “a”, da CF/88) contra acórdão que determinou o
recolhimento do IPI incidente sobre a importação de automóvel destinado ao uso pessoal do
recorrente. A ementa consignou (fl. 94):
MANDADO DE SEGURANÇA - TRIBUTÁRIO - IPI - FATO GERADOR IMPORTAÇÃO DE MERCADORIA PARA USO PRÓPRIO - PESSOA
FÍSICA.
1- O fato gerador do IPI vem definido no artigo 46 do Código Tributário Nacional e,
em se tratando de mercadorias importadas, coincide com o momento do
desembaraço aduaneiro. Ressalte-se que a lei não faz qualquer distinção quanto ao
local da industrialização do produto, ou da pessoa que pratica o fato gerador.
2- O importador de que trata o inciso I do art. 51 do CTN deve arcar com o
recolhimento do IPI, seja comerciante, industrial ou mesmo pessoa física, uma vez
que resta caracterizada a hipótese de incidência tributária quando da importação de
objeto industrializado, bem assim a ocorrência do fato gerador no momento do
desembaraço aduaneiro do produto de procedência estrangeira, conforme dispõe o
inciso I, do art. 46 do CTN.
3 - Não fica excluída a sujeição passiva do IPI quando o importador seja consumidor
final do produto, visto ser irrelevante a sua destinação. Precedente do STJ (RESP
191.658/SP).
4- Apelação a que se nega provimento.
Ofertados embargos de declaração, foram eles rejeitados.
No recurso apresentado o recorrente reafirma a tese de não se configurar fato gerador do IPI a
importação de bens para uso pessoal realizada por pessoa física. Para tanto, aduz ofensa aos arts.
535 do CPC, 47, 51 e 114 do CTN, 3º e 4º da Lei nº 4.502/64, 9º e 392, III, do Decreto nº 87.981/82.
É o relatório.
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EMENTA
TRIBUTÁRIO.
IPI.
DESEMBARAÇO
ADUANEIRO.
VEÍCULO
AUTOMOTOR. PESSOA FÍSICA. NÃO-INCIDÊNCIA. ENCERRAMENTO
DA MATÉRIA PELO COLENDO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
1. Recurso especial interposto contra acórdão que determinou o recolhimento do IPI
incidente sobre a importação de automóvel destinado ao uso pessoal do recorrente.
2. Entendimento deste relator, com base na Súmula nº 198/STJ, de que “na importação
de veículo por pessoa física, destinado a uso próprio, incide o ICMS” .
3. No entanto, o colendo Supremo Tribunal Federal, em decisão proferida no REnº
203075/DF, Rel. p/ acórdão Min. Maurício Corrêa, dando nova interpretação ao art.
155, § 2º, IX, 'a', da CF/88, decidiu, por maioria de votos, que a incidência do ICMS
sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando se tratar de bem
destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento, não se aplica às operações de
importação de bens realizadas por pessoa física para uso próprio. Com base nesse
entendimento, o STF manteve decisão do Tribunal de origem que isentara o impetrante
do pagamento de ICMS de veículo importado para uso próprio. Os Srs. Ministros Ilmar
Galvão, Relator, e Nelson Jobim, ficaram vencidos ao entenderem que o ICMS deve
incidir inclusive nas operações realizadas por particular.
4. No que se refere especificamente ao IPI, da mesma forma o Pretório Excelso
também já se pronunciou a respeito: “Veículo importado por pessoa física que não é
comerciante nem empresário, destinado ao uso próprio: não-incidência do IPI:
aplicabilidade do princípio da não-cumulatividade: CF, art. 153, § 3º, II.
Precedentes do STF relativamente ao ICMS, anteriormente à EC 33/2001: RE
203.075/DF, Min. Maurício Corrêa, Plenário, 'DJ' de 29.10.1999; RE
191.346/RS, Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, 'DJ' de 20.11.1998; RE 298.630/SP,
Min. Moreira Alves, 1ª Turma, 'DJ' de 09.11.2001” (AgReg no RE nº 255682/RS, 2ª
Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 10/02/2006).
5. Diante dessa interpretação do ICMS e do IPI à luz constitucional, proferida em sede
derradeira pela mais alta Corte de Justiça do país, posta com o propósito de definir a
incidência do tributo na importação de bem por pessoa física para uso próprio, torna-se
incongruente e incompatível com o sistema jurídico pátrio qualquer pronunciamento em
sentido contrário.
6. Recurso provido para afastar a exigência do IPI.
VOTO
O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO (RELATOR): No particular, entendo que a autoridade
impetrada não cometeu qualquer ilicitude ao exigir o IPI quando do desembaraço aduaneiro da
mercadoria.
Explico a razão do meu entendimento.
A situação aqui examinada é de pessoa física, portanto, não comerciante, nem industrial, que
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importa do estrangeiro mercadoria para uso próprio. Inexiste, no caso, aquisição de bem para fins de
comercialização e, conseqüentemente, inocorrência da possibilidade do bem entrar em
estabelecimento comercial.
A incidência do IPI sobre bem importado para uso próprio, por pessoa física, decorre de preceito
posto no Código Tributário Nacional, tido como Lei Complementar à Constituição.
De acordo com o art. 46, do CTN, três acontecimentos podem determinar o fato gerador do IPI:
a) o desembaraço aduaneiro do produto, quando de procedência estrangeira;
b) a saída do produto industrializado do estabelecimento do importador, do industrial, do
comerciante ou arrematante;
c) a arrematação do produto, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão.
A hipótese dos autos se enquadra na primeira das ocorrências acima apontadas, sendo, de todo
irrelevante a destinação da mercadoria.
O art. 51 do CTN considera, outrossim, como contribuinte do IPI, entre outros, o importador ou
quem a ele a lei equiparar.
O Código Tributário Nacional, em seu art. 46, dispõe sobre o fato gerador do IPI vinculado à
importação:
"O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem
como fato gerador:
I - o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira."
Observe-se que não há que se falar em bitributação pela incidência do IPI e do II sobre a mesma
mercadoria estrangeira, uma vez que o fato gerador do II é a sua entrada no território nacional, nos
termos do CTN; e para efeito do seu cálculo (do II), consoante art. 87, inciso I, do Decreto nº
91.030/85 (Regulamento Aduaneiro), o registro da Declaração de Importação. Fatos geradores
distintos, portanto.
O art. 47 do CTN assim define a base de cálculo do IPI vinculado à importação:
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"I - no caso do inciso I do artigo anterior, o preço normal, como definido no
inciso II do art.. 20 acrescido do montante:
a) do imposto sobre a importação;
b) das taxas exigidas para entrada do produto no País;
c) dos encargos cambiais efetivamente pagos pelo importador ou dele
exigíveis."
Definição também constante da norma legal regulamentadora desse imposto, o Decreto nº 87.981,
de 23.12.82, que aprovou o Regulamento do Imposto sobre Produtos Industrializados (RIPI), em seu
art. 63:
"Constitui valor tributável:
I - dos produtos de procedência estrangeira:
a) o valor que servir ou que serviria de base para o cálculo dos tributos
aduaneiros por ocasião do despacho de importação, acrescido do montante
pago pelo importado ou dele exigível."
A base de cálculo do IPI vinculado à importação demonstra, indubitavelmente, que se trata de
tributo incidente sobre produto estrangeiro já nacionalizado, daí o acréscimo na base de cálculo, além
do valor do bem, do II, das taxas pela entrada de produto no Brasil e dos encargos cambiais pagos
pelo importador.
O capítulo VI, Seção I, art. 62 do RIPI/82 dispõe que:
"O imposto será calculado mediante aplicação da alíquota do produto
constante da TABELA, sobre o respectivo valor tributável."
Com essa delimitação do campo de incidência do IPI objetivou o legislador determinar quais os
produtos alcançáveis pela incidência desse imposto. Das disposições constantes do artigo primeiro
do RIPI/82 constata-se que duas condições cumulativas são necessárias na seleção dos produtos
alcançados por ele:
a) que o produto seja industrializado;
b) que esteja codificado na Tabela de incidência do IPI com a correspondência de uma alíquota,
ainda que zero, ou com a expressão "isento".
A incidência do IPI alcança, portanto, tanto os produtos nacionais como os estrangeiros, tendo em
vista que se conceitua produto industrializado como aquele resultante de qualquer operação que
modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou finalidade do produto, ou o
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aperfeiçoamento para consumo, ainda que incompleta essa operação, parcial ou intermediária,
independentemente do processo empregado e da localização e características das instalações ou
equipamentos utilizados. Essas operações podem ser de transformação, beneficiamento, montagem,
acondicionamento ou reacondicionamento e renovação ou recondicionamento. O conceito de IPI
gira, pois, em torno do processo produtivo (industrialização).
O contribuinte do IPI vinculado à importação, de acordo com o art. 52, inciso I, do CTN, é:
"O importador ou quem a ele se equiparar, em consonância com o art. 22,
inciso I, do Regulamento do Imposto sobre Produtos Industrializados."
O RIPI/82 assim define, em seu art. 22, os contribuintes do IPI vinculado à importação:
"São contribuintes: o importador em relação ao fato gerador decorrente do
desembaraço aduaneiro de produtos de procedência estrangeira."
O importador tem, portanto, relação pessoal e direta com a situação que constitui o respectivo
fato gerador (arts. 19 e 22 do RIPI/82, combinados com art. 51, inciso I do CTN), já que o
importador é qualquer pessoa física ou jurídica que importe produtos do exterior. O fato do
contribuinte do imposto caracterizar-se como consumidor final do produto, não o exclui do papel de
sujeito passivo da obrigação tributária decorrente da importação."
No compêndio dos autos, tem-se que o impetrante, pessoa física, adquiriu mercadoria, via
importação, para uso próprio. Por haver efetuado essa transação, entende que não se encontra
sujeito aos ditames traçados pelo Fisco ao exigir o recolhimento do IPI no ato do desembaraço
aduaneiro, tudo sob o argumento de que o bem adquirido não pode ser conceituado como sendo
mercadoria, por se destinar ao uso exclusivo e pessoal do impetrante, que não é comerciante.
Registro, porém, que, com fundamento no art. 100 da Lei nº 5.172/66, CTN, o qual prevê que são
normas complementares das leis tributárias os atos normativos expedidos pelas autoridades
administrativas e os convênios celebrados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, não
vislumbro prática de ilegalidade por parte da autoridade impetrada ao exigir, por ocasião do
desembaraço aduaneiro do bem já assinalado, o pagamento do IPI.
"Art. 155 - Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir:
I - impostos sobre:
(...)
b - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de
serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda
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que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
(...)
§ 2º - O imposto previsto no inciso I, "b", atenderá ao seguinte:
(...)
IX - incidirá também:
a - sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando se tratar de
bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento, assim como sobre serviço
prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o
estabelecimento destinatário da mercadoria ou do serviço."
Surge, então, o questionamento feito pelo impetrante de que, em se tratando de importação de
bem feito por pessoa física, o referido não pode ser conceituado como sendo mercadoria, posto que
sua destinação não é para comércio, mas, sim, para uso exclusivo e pessoal do adquirente.
À primeira vista, sem uma interpretação sistêmica da Constituição Federal, pode-se entender que
o legislador constituinte excluiu de incidência do IPI o bem adquirido por pessoa física do exterior,
quando o mesmo é para uso próprio, uma vez que as expressões estabelecimento e mercadoria de
que trata o dispositivo em questão, elas só podem ser atinentes à pessoa jurídica comerciante e
nunca à pessoa física enquanto consumidor final.
O dispositivo constitucional comentado, contudo, ao ser examinado de forma conjuntural e
comparado com os princípios tributários adotados pela Carta Magna, conduz o intérprete a
entendimento contrário, isto é, que prestigia a cobrança da exação assinalada, o IPI, de pessoa física
que adquire bens no exterior com o fito de não comercializá-los, por destiná-los a uso próprio.
A doutrina revela o ensinamento de que a interpretação jurídico-constitucional é, antes de tudo,
uma atividade cognoscitiva que visa a apreciar o significado e o alcance das normas jurídicas, sendo
incorreta a análise isolada dos seus dispositivos, sob pena de malferimento da verdadeira intenção do
legislador constituinte.
Michel Temer entende que "a interpretação de uma norma constitucional levará em conta
todo o sistema, tal como positivado, dando-se ênfase, porém, para os princípios que foram
valorizados pelo constituinte. Também não se pode deixar de verificar qual o sentido que
o constituinte atribuiu às palavras do Texto Constitucional, perquirição que só é possível
pelo exame do todo normativo, após a correta apreensão da principiologia que ampara
aquela palavra". (Temas de Direito Constitucional, 1ª ed., S. Paulo, Ed. RT).
Na mesma linha do pensamento, Carlos Ayres Britto elucida que os preceitos constitucionais "...
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se articulam em feixes orgânicos, em blocos unitários de sentido, como peças de uma
mesma engrenagem e instrumentos de uma só política legislativa." (Inidoneidade do
Decreto-Lei para instituir ou majorar tributo, PUC/SP, 1982).
Seguindo tais conceitos doutrinários, investigo, de forma sistêmica, o nosso Sistema Tributário
Nacional, para dele destacar o afirmado pelo art. 150, II, da CF:
"Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à
União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em
situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão da ocupação
profissional ou função por eles exercida , independentemente da denominação
jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos."
O mesmo faço com o art. 152, também da Carta Magna:
"É vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer
diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de
sua procedência ou destino."
Temos, de forma categórica, a Constituição Federal estabelecendo dois princípios:
a) o da impossibilidade de tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação
equivalente em razão da ocupação profissional ou função por eles exercida;
b) o de ser impossível, também, o estabelecimento de diferença tributária entre bens e serviços de
qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino.
Observo, em conseqüência, que o impetrante pretende o não cumprimento dos dois princípios
acima enumerados. Primeiro, pretende ser tratado de modo desigual, não pagando o IPI por ocasião
do desembaraço aduaneiro de bem que importou do estrangeiro, quando se encontra em situação
equivalente a do comerciante ou industrial que faz a importação do mesmo bem. Segundo, em razão
da procedência do bem, não pretende pagar o IPI.
A prevalecer a tese do impetrante, cria-se uma situação de privilégio para determinada classe de
contribuintes, aqueles que importam bens do estrangeiro para uso próprio. Estes não pagam o IPI.
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Ocorre que se o mesmo bem for importado por comerciante, o contribuinte que o adquirir vai pagar
o IPI. Há o estabelecimento de um tratamento diferenciado para a aquisição de bem em razão de
sua procedência, o que é vedado pelo art. 152 da CF/88, conforme já visto.
Penso, com a devida vênia dos que entendem de modo diferente, que a dicção do art. 155 da
Carta Política não comporta a tese do impetrante. O referido artigo determina que:
"Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir:
I - impostos sobre:
(...)
b) - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de
serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda
que as operações e as prestações se iniciem no exterior."
É conhecida a afirmação de que a Constituição Federal não contém palavras inúteis. Outrossim,
as suas afirmações representam sentimentos constitucionais e devem ser interpretadas de acordo
com as finalidades a serem atingidas.
Fiel a esse entendimento, não posso deixar de comungar com a corrente que entende se dever
aplicar o comando constitucional aludido, de que o IPI incidirá, também, sobre a entrada de
mercadoria importada do exterior, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo. É evidente
que tal dispositivo permite que, ao ser instituído o IPI, se exija o seu pagamento, em tal situação,
tanto de pessoa física, como de pessoa jurídica, no caso do bem ser destinado para consumo.
Tal conclusão, não é demais repetir, obedece à lógica, pois, pela simples leitura dos artigos acima
epigrafados, penso ser de fácil conclusão que a Constituição Federal determina que não pode existir
tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente,
independentemente da função exercida.
A interpretação da lei tributária, ensina a doutrina, deve obedecer aos métodos de interpretação
não apenas gramaticais, mas à sistemática teleológica, objetivando o estudo da norma, num todo, e
não isoladamente, além de ter que atentar para o elemento finalístico da regra jurídica positivada.
Roque Antônio Carrazza (Curso de Direito Constitucional Tributário, pág. 53) disserta sobre o
assunto do modo seguinte:
"O princípio republicano e a igualdade tributária.
Do exposto, é intuitiva a inferência de que o princípio republicano leva à
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igualdade da tributação. Os dois princípios interligam-se e completam-se.
De fato, o princípio republicano exige que os contribuintes ( pessoas físicas
ou jurídicas) recebam tratamento isonômico.
A lei tributária deve ser igual para todos, deve ser aplicada com igualdade.
Melhor expondo, quem está na mesma situação jurídica deve receber o mesmo
tratamento tributário. Será inconstitucional - por burla ao princípio
republicano e ao da isonomia - a lei tributária que selecione pessoas, para
submetê-las a regras peculiares, que não alcançam outras, ocupantes de
idênticas posições jurídicas."
Fora do raciocínio acima traçado, estar-se-ia beneficiando o adquirente de maior poder aquisitivo,
visto que ele tem condições financeiras de importar bens do exterior, em detrimento do consumidor
mais humilde que contribui para o Estado em toda e qualquer aquisição de bens que efetue.
Por isso, ressai que inexiste qualquer óbice à exigência da comprovação do recolhimento do
tributo, para fins (ou ao instante) do desembaraço aduaneiro.
Em conclusão, pode-se dizer: é constitucional (e portanto legítima) a exigência de comprovação
do recolhimento do "IPI", para o desembaraço aduaneiro de bens importados do exterior; lícito e
legítimo, portanto, o ato administrativo ora impugnado.
Destaco, agora, julgado do Colendo Superior Tribunal de Justiça (REsp nº 30576/SP, 2ª T., Rel.
Min. José de Jesus, DJU de 21/03/94), em consonância com o entendimento acima exposto:
"ICMS. IMPORTAÇÃO DE MERCADORIA. AERONAVE. USO PRÓPRIO.
I - CONSOANTE JÁ DECIDIU ESTA CORTE, OCORRE O FATO GERADOR
DO ICMS NO RECEBIMENTO PELO IMPORTADOR, PESSOA FÍSICA, DA
MERCADORIA POR ELE IMPORTADA DO EXTERIOR, E O LOCAL DA
OPERAÇÃO É O DOMICÍLIO DO ADQUIRENTE, AINDA QUE SE TRATE DE
BEM DESTINADO A SEU USO PRÓPRIO. (REsp nº 37.648-3/SP, PRIMEIRA
TURMA, UNÂNIME, DJ DE 11.10.93.)
II - RECURSO NÃO CONHECIDO."
De igual teor:
"TRIBUTÁRIO. ICMS. IMPORTAÇÃO DE AERONAVE PARA USO PRÓPRIO.
DECRETO-LEI 406/68. LEI ESTADUAL 6.374/89. CONVÊNIO 66/88.
I - Incide o ICMS na importação, por pessoa física, de aeronave para uso
próprio. O local da operação é o domicílio do adquirente.
II - Precedentes jurisprudenciais.
III - Recurso improvido."(REsp nº 30.655-7/SP (92.0032933-0). Rel. Min.
Milton Luiz Pereira, 1ª T., Unânime, Julg. em 19/09/94, DJU de 10/10/94, pág.
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27109, nº 193).
Relembro, também, que o caso em julgamento difere da posição uniforme desta Corte, quando a
mercadoria é importada por comerciante ou industrial. Em tais situações, a Corte entende que a
exigência do ICMS só pode ser feita quando a mercadoria entrar no estabelecimento do
comerciante ou do industrial, sendo indevida tal cobrança por ocasião do desembaraço aduaneiro.
Por derradeiro, em face de esta Corte já ter se pronunciado em diversas oportunidades no sentido
da ocorrência do fato gerador do ICMS, como no caso em apreço, foi editada a Súmula nº 198, que
assim preconiza:
“Na importação de veículo por pessoa física, destinado a uso próprio, incide o
ICMS”.
Esse foi o meu posicionamento durante certo tempo.
Ocorre, porém, que o Colendo Supremo Tribunal Federal, em decisão datada de 05/08/1998,
proferida no Recurso Extraordinário nº 203.075/DF, Relator para acórdão o em. Ministro Maurício
Corrêa, dando nova interpretação ao art. 155, § 2º, IX, 'a', da Constituição Federal, decidiu, por
maioria de votos, que a incidência do ICMS sobre a entrada de mercadoria importada do exterior,
ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento, não se aplica
às operações de importação de bens realizadas por pessoa física para uso próprio.
Com base nesse entendimento, o Supremo Tribunal manteve decisão do Tribunal de Justiça do
Distrito Federal que isentara o impetrante do pagamento de ICMS de veículo importado para uso
próprio. Os Exmos. Srs. Ministros Ilmar Galvão, Relator, e Nelson Jobim, ficaram vencidos ao
entenderem que o ICMS deve incidir inclusive nas operações realizadas por particular.
No que se refere especificamente ao IPI, da mesma forma o Pretório Excelso também já se
pronunciou a respeito, conforme o julgado abaixo transcrito:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IPI. IMPORTAÇÃO:
PESSOA FÍSICA NÃO COMERCIANTE OU EMPRESÁRIO: PRINCÍPIO
DA NÃO-CUMULATIVIDADE: CF, art. 153, § 3º, II. NÃO-INCIDÊNCIA
DO IPI.
I. - Veículo importado por pessoa física que não é comerciante nem empresário,
destinado ao uso próprio: não-incidência do IPI: aplicabilidade do princípio da
não-cumulatividade: CF, art. 153, § 3º, II. Precedentes do STF relativamente ao
ICMS, anteriormente à EC 33/2001: RE 203.075/DF, Min. Maurício Corrêa, Plenário,
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"DJ" de 29.10.1999; RE 191.346/RS, Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, "DJ" de
20.11.1998; RE 298.630/SP, Min. Moreira Alves, 1ª Turma, "DJ" de 09.11.2001.
II. - RE conhecido e provido. Agravo não provido.
AgReg no RE nº 255682/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 10/02/2006)
Diante dessa interpretação do ICMS e do IPI à luz constitucional, proferida em sede derradeira
pela mais alta Corte de Justiça do país, posta com o propósito de definir a incidência do tributo na
importação de bem por pessoa física para uso próprio, torna-se incongruente e incompatível com o
sistema jurídico pátrio qualquer pronunciamento em sentido contrário.
Por tais razões, com base no entendimento externado pelo colendo Supremo Tribunal Federal,
provejo o presente recurso para afastar a exigência do IPI.
É como voto.
Documento: 721578 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 04/10/2007
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Superior Tribunal de Justiça
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
PRIMEIRA TURMA
Número Registro: 2007/0068418-2
REsp 937629 / SP
Números Origem: 9202037663 93031116259
PAUTA: 18/09/2007
JULGADO: 18/09/2007
Relator
Exmo. Sr. Ministro JOSÉ DELGADO
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JOSÉ EDUARDO DE SANTANA
Secretária
Bela. MARIA DO SOCORRO MELO
AUTUAÇÃO
RECORRENTE
ADVOGADO
RECORRIDO
: DANIEL DANIELIAN
: DOMINGOS NOVELLI VAZ E OUTRO(S)
: UNIÃO
ASSUNTO: Tributário - IPI - Imposto Sobre Produtos Industrializados
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do
Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Francisco Falcão, Luiz Fux, Teori Albino Zavascki (Presidente) e
Denise Arruda votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 18 de setembro de 2007
MARIA DO SOCORRO MELO
Secretária
Documento: 721578 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 04/10/2007
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