UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC CURSO DE DIREITO JOSÉ CARLOS HAWERROTH OS ANTECEDENTES CRIMINAIS E A ESTIGMATIZAÇÃO SOCIAL CRICIÚMA, NOVEMBRO DE 2009. JOSÉ CARLOS HAWERROTH OS ANTECEDENTES CRIMINAIS E A ESTIGMATIZAÇÃO SOCIAL Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado para obtenção do grau de Bacharel, do Curso de Direito, da Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC. Orientador:: Prof. Dr. Sergio Francisco Carlos Graziano Sobrinho CRICIÚMA, NOVEMBRO DE 2009. JOSÉ CARLOS HAWERROTH OS ANTECEDENTES CRIMINAIS E A ESTIGMATIZAÇÃO SOCIAL Trabalho de Conclusão de Curso aprovado pela Banca Examinadora para obtenção do Grau de Bacharel, do Curso de Direito, da Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC, com linha de Pesquisa em Criciúma, 07 de dezembro de 2009. BANCA EXAMINADORA _____________________________________________________________ Prof. Dr. Sergio Francisco Carlos Graziano Sobrinho – Orientador - UNESC _____________________________________________________________ Prof. MSc. Carlos Magno Spricigo Venerio - _____________________________________________________________ Prof. MSc. Iara Almansa Carvalho Dedico este trabalho às mulheres da minha vida. Minha mãe, in memória, mulher de muita luta e sacrifícios, a minha esposa Rose, incansável no eterno apoio e amor e, as minhas filhas Mariana, Helena e Heloisa, flores do meu jardim. Também ao meu neto Gabriel, eterno “amiguinho”. Sem estes minha trajetória não teria sentido. AGRADECIMENTOS Inicialmente quero agradecer ao Professor e Mestre Carlos Magno Spricigo Venério, a quem tive a honra de conhecer já no início do Curso de Direito da UNESC. Agradeço por sua paciência, sabedoria e serenidade na prestação da arte de ensinar, e principalmente, pela valiosa indicação do livro que deu norte ao presente trabalho. Agradeço ao corpo docente e funcionários do curso de Direito, pessoas que guardo no mais profundo respeito e carinho. Em especial agradecer a um dos baluartes do Curso de Direito da UNESC, Doutor Sergio Francisco Carlos Graziano Sobrinho, que mesmo tendo seu tempo dividido entre ministrar aulas e exercer a função exaustiva de coordenador do curso de direito, encontrou tempo e disposição para guiar e acompanhar as pesquisas até sua fase final, sendo incansável orientador. Estão em minha memória as boas discussões travadas nas aulas de Direito Penal, fatos que marcaram e me fizeram crescer. Por fim, agradeço aos amigos, aos colegas de turma e a todos àqueles que, de uma forma ou de outro, me incentivaram para a conclusão do curso. RESUMO HAWERROTH, José Carlos. Os Antecedentes Criminais e a Estigmatização Social. 2009. 88 f. Trabalho de Conclusão de Curso, do Curso de Direito da Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC, Criciúma. O presente trabalho tem a finalidade de trazer à luz do labelling approach, ou Teoria da Rotulação, o poder estigmatizante do instituto antecedentes criminais, instituto este, produto da dogmática penal positiva. Através da metodologia hipotética– dedutiva busca-se argumentos para demonstrar a carga negativa que o citado instituto emprega ao indivíduo criminalizado, tanto penal quanto socialmente, fazendo com que o mesmo seja tratado diferenciadamente para pior. O trabalho é dividido em três capítulos. No primeiro é percorrido o trajeto da era primitiva até a contemporaneidade, resgatando o tratamento dispensado ao homem face ao cometimento de ilícitos criminais. Ao final desse capítulo são feitas referências às Escolas Clássica, Positiva e Técnico-jurídica, assim como à Teoria da Rotulação. No segundo capítulo, descreve-se a história do Direito Penal Brasileiro e a inserção do instituto antecedente criminais em nosso sistema jurídico, fazendo-se a diferenciação deste para como a reincidência criminal. Também são citadas as influências explicitas dos antecedentes criminais na legislação penal, assim como as influências implícitas que acarretam sua negatividade. No terceiro capítulo é descrita a Teoria dos Estigmas, suporte para a explicação dos processos primários e secundários da criminalização. A rotulação criminal e os efeitos desta estigmatização. Por fim, a desconstrução teórica de sua fundamentação face ao “labelling approach” e as afrontas que o mesmo provoca aos princípios constitucionais da igualdade, da legalidade, da presunção da inocência, do devido processo legal e da ampla defesa. O objetivo é alcançado, ficando demonstrado que o indivíduo etiquetado como criminoso sofre séria estigmatização penal e, principalmente, social. Etiquetação que se dá através do instituto antecedentes criminais. Palavras-chave: Antecedentes criminais. Estigmatização. Penal. Social. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 8 CAPÍTULO I - SINTESE DA HISTÓRIA DO FENÔMENO CRIMINAL: DA ESPIRITUALIDADE À RAZÃO .................................................................................. 11 1. Crime e razão de punir na era primitiva ............................................................. 11 2. A busca de soluções na Antiguidade ................................................................. 13 2.1 A contribuição grega ........................................................................................ 14 2.2 Direito Romano ................................................................................................ 15 2.3. Direito Germânico ........................................................................................... 16 2.4 Direito Canônico .............................................................................................. 17 2.5 Direito penal comum ........................................................................................ 18 3. Escolas penais ................................................................................................... 19 3.1 Escola Classica...............................................................................................18 3.2 Escola Positiva ................................................................................................ 22 3.3 Escola Técnico-jurídica ou Neoclássica........................................................... 24 4. Teoria da Rotulação ou labelling approach........................................................ 26 CAPÍTULO II - O DIREITO PENAL BRASILEIRO, A REINCIDÊNCIA E OS ANTECEDENTES CRIMINAIS E SUAS IMPLICAÇÕES .......................................... 30 1. Direito Penal no Brasil ....................................................................................... 30 2. Reincidência criminal ......................................................................................... 35 2.1 Conceito e Classificação.................................................................................. 36 2.2 A influência da reincidência criminal no Sistema Penal brasileiro ................... 38 2.2.1 Na lei penal ................................................................................................... 38 2.2.2 Na lei processual penal................................................................................. 40 2.2.3 Na execução penal ....................................................................................... 40 3. Antecedentes Criminais ..................................................................................... 41 3.1 Conceito........................................................................................................... 41 3.2 Natureza jurídica .............................................................................................. 42 3.3 Características dos antecedentes criminais..................................................... 44 3.4 Influência dos antecedentes criminais na lei processual penal e execução penal ...................................................................................................................... 46 3.4.1 No Código de Processo Penal ...................................................................... 46 3.4.2 Na Lei de Execução Penal ............................................................................ 47 3.5 Influências implícitas dos antecedentes criminais ........................................... 47 CAPÍTULO III - ESTIGMATIZAÇÃO: CONSEQUÊNCIAS PENAIS E SOCIAIS 1. Teoria dos Estigmas .......................................................................................... 53 2. Processos de criminalização ............................................................................. 58 2.1 Criminalização primária ................................................................................... 59 2.2 Criminalização secundária ............................................................................... 60 3. Rotulação criminal ............................................................................................. 61 4. Efeitos da estigmatização .................................................................................. 63 5. Os antecedentes criminais: regulamentações e leis esparsas .......................... 66 5.1 Regulamentações quanto à expedição de certidões de antecedentes ............ 67 5.2 A exigência de bons antecedentes criminais/sua atuação no contexto social . 70 6. Desconstruções da legitimidade dos antecedentes criminais ............................ 73 6.1 Desconstruções teóricas face ao labelling approach ....................................... 73 6.2 O instituto antecedentes criminais frente a Princípios Constitucionais ............ 75 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 77 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 79 INTRODUÇÃO Diante da necessidade da escolha de um tema para o trabalho de conclusão do curso de Direito, várias sugestões foram apresentadas, por professores e colegas de turma, indo do Direito filosófico ao Direito dogmático em várias áreas. Por fim, buscou-se na área de atuação do autor da pesquisa, polícia judiciária, um tema que fosse familiar, contudo, de complexidade suficiente para o desenvolvimento de um trabalho monográfico e que não fosse por demais explorado. Atento ao problema, o professor Carlos Magno apresentou a obra “Estigmas da criminalização: dos antecedentes à reincidência criminal”, de autoria de Francisco Bissoli Filho, como sugestão de leitura. Essa foi à porta de entrada para o presente trabalho, obra que serviu de balizadora maior das pesquisas realizadas. A escolha do tema “antecedentes criminais” se deve ao uso no cotidiano profissional do pesquisador deste trabalho, sendo que, de forma inconsciente e automatizada, era utilizado como definidor, na maioria das vezes, na seleção do indivíduo como provável suspeito do cometimento de um crime investigado cuja autoria era desconhecida. O enfoque dado ao instituto “antecedentes criminais” é exatamente o de estigmatizador, de instrumento utilizado para a criação de um grupo de pessoas merecedoras de um tratamento diferenciado pelo sistema penal. O homem sempre viveu as turras com o comportamento tido, em tese, como desviado, ao qual, em direito penal, se dá o nome de crime. No primeiro capítulo do presente trabalho será trazido, de forma simples e superficial, as formas que o ser humano procurou manter a paz social diante da turbação criada por tal comportamento. Para tanto, faz-se um traçado histórico iniciando pela denominada “era primitiva”, percorrendo a antiguidade e a idade média, até chegar à contemporaneidade. Esse traçado procura mostrar, o que para muitos trata-se de “evolução”, as diversas formas encontradas para a mantença da paz do grupo 10 social. Do emprego inicial da espiritualidade à razão. Ao final deste capítulo, são citadas as principais escolas penais, as quais, com emprego de paradigmas diversos, buscam equacionar o problema crime e a quebra da paz no convívio social. Dentre as escolas penais, é a Escola Positiva a de maior influência no direito penal ocidental, de igual forma no Direito Penal brasileiro. O instituto “antecedentes criminais” é uma criação da Escola Positiva, sendo este inserido em nosso ordenamento jurídico, tema inicial do segundo capítulo. Também oriundo da Escola Positiva, o instituto “reincidência criminal” foi conjuntamente introduzido no direito penal brasileiro e, apesar de guardar algumas semelhanças com os “antecedentes criminais”, possui peculiaridades próprias, porém, igualmente estigmatizadoras. Razão suficiente para, também no segundo capítulo, trazer a diferenciação entre os dois institutos, dando-se ao final maior ênfase aos “antecedentes criminais”. No terceiro e último capítulo, busca-se, através da Teoria dos Estigmas, fundamentar os processos de criminalização e de estigmatização através dos “antecedentes criminais”. A criminalização primária e secundária, a rotulação do homem criminoso e as consequências de se possuir tal rotulação. Por fim, com base na Teoria da Rotulação, ou labelling approach, citada no primeiro capítulo, e nos princípios constitucionais que norteiam o Direito Penal brasileiro, procura-se demonstrar a ilegitimidade da sustentação teórica e constitucional do instituto “antecedentes criminais”. A metodologia utilizada é a hipotética-dedutiva, tendo a finalidade de confirmar as hipóteses levantadas no projeto de pesquisa, quais sejam: o fator estigmatizador dos “antecedentes criminais”, sua influência negativa tanto explícita quanto implícita na avaliação do grau de periculosidade do indivíduo e de sua personalidade. CAPÍTULO I SINTESE DA HISTÓRIA DO FENÔMENO CRIMINAL: DA ESPIRITUALIDADE À RAZÃO Neste primeiro momento se busca resgatar a evolução do comportamento humano face ao cometimento de ilícitos criminais, as propostas de soluções para o apaziguamento social, segundo o entendimento motivacional de cada época. Percorre-se a trajetória das soluções encontradas desde os primórdios da civilização à contemporaneidade. 1. Crime e razão de punir na era primitiva O Homem, assim como os animais, possui o instinto de preservação da vida. Como ser social, desde os primórdios da civilização sempre lutou pelo seu bem estar e do grupo de que fazia parte. Os grupos, tribos, eram constituídos pelo principio do parentesco, laços de consanguinidade, tendo em comum crenças e tradições. Grupos, nos dizeres de Bruno (2003, p.31), “que se formam natural e precocemente em conjunto de normas de limitação das atividades de cada socius, dos seus interesses e apetites, no sentido da paz social”. O caráter religioso, abarcando crenças e superstições transmitidas oralmente, proporcionava poderes aos sacerdotes/legisladores para serem interpretes e executores da lei. Não havia homogeneidade nas leis entre os diversos grupos, pluralismo jurídico, por serem cada qual possuidores de seus deuses, usos, práticas e costumes. Nesse direito consuetudinário eram criadas regras, leis, com o firme propósito de manter o grupo unido contra ataques de grupos rivais, e, 12 principalmente, para manter a coesão interna, a paz entre os integrantes daquela sociedade. Como salienta Bruno (2003, p.31), por essas normas, ajusta-se a conduta dos conviventes a um padrão comum, o padrão que convém à unidade e coesão do grupo. Não havia diferenciação entre liberdade subjetiva e a lei, nem distinção entre ação e intenção. Muitas vezes a responsabilidade penal era coletiva, atingindo a família e seus bens, sendo a pena degradante e feroz, predominantemente corporal. “A punição do homem é a destruição simbólica do crime”. (BRUNO, 2003, p.32) Sendo os costumes, as crenças e as tradições consideradas vitais para a preservação da identidade do grupo, qualquer violação a estas normas estava sujeita à punição. Punição que era considerada como vingança pelo mal causado ao grupo. Nesse sentido, no interesse da mantença da coesão e da harmonia social do grupo, a punição era aplicada na exata medida do mal causado, não transcendendo a isso. O direito, baseado na autodefesa e na vindicta, fazia com que a solidariedade do parentesco em grupos mais estritos sobrevivesse à transgressão do direito. Ou seja, a punição aplicada ao transgressor não o excluía do grupo parental, a não ser em casos extremos como o de um malfeitor notório, significando que a transgressão do direito não levava, por si só, ao isolamento social. Daí tem-se a Vingança Privada, onde o direito de punir era exercido por qualquer membro da família ou do clã do ofendido, e posteriormente a Vingança Pública, sendo o direito de punir exercido exclusivamente pela autoridade tribal (em nome da solidariedade grupal) quando aparece o desdobramento em grupos secundários. A formação do grupo social transpondo a barreira da composição unicamente por grau de parentesco, e a necessidade de regramento para o convívio harmônico entre grupos, fez surgir novas formas de resolução dos conflitos. Surge a necessidade de intermediadores comuns a ambos os contendores, tanto no que diz respeito ao julgamento da lide como na aplicação da sanção. Bruno (2003, p.9) assim descreve essa mudança: 13 Mas essa fórmula primitiva, ainda brutal, sofreria, com o avanço da vida política, uma transformação essencial com o pacto de paz entre o grupo ofendido e o ofensor, mediante a composição. Achou-se no chamado preço do sangue, pago pelo ofensor, a forma de compor o dissídio, a princípio irredutível e conducente a verdadeiras hecatombes, entre os dois grupos, o agressor e o agredido. Perda da paz, vingança indeterminada, talião, composição é o caminho que a reação anticriminal teve de seguir na sua marcha para a pena pública. A evolução desse sistema baseia-se no descolamento da dominação política das relações de parentesco, e na sua constituição relativamente autônoma. A transição das formas arcaicas (era primitiva) para as civilizações posteriores deuse principalmente mediante o surgimento das cidades e da necessária relação comercial surgida entre elas, havendo, consequentemente, necessidade de se buscar fórmulas para a solução de novos conflitos emergentes. 2. A busca de soluções na Antiguidade Com o crescimento das comunidades, fazendo surgir às cidades, do incremento do comércio entre elas e o surgimento da escrita, a transição do direito primitivo para o antigo não se deu de forma homogenica e nem gradativa entre as civilizações contemporâneas. Bruno (2003, p.35) argumenta e fornece exemplos da multiplicidade de direitos para um mesmo período histórico, nos seguintes dizeres: Mas com essas considerações entramos no mundo mais sólido dos tempos históricos, onde já temos documentos que nos guiem através da evolução do Direito punitivo. Veremos aí a sucessão dos mesmos períodos evolutivos, com formas avançadas mais precisas, em um esquema que podemos tomar como a linha de evolução do Direito Penal em todos os povos que não tenham recebido de outro Direito já formado: perda da paz, ou vingança indeterminada, vingança limitada pelo talião, composição voluntária, composição legal, pena pública, variando o fundamento da repressão, diretamente social, ou mascarado pelo fundamento mágico ou religioso: alguns povos concluindo mais rapidamente essa evolução, como o romano, outros demorando-se mais em um desses períodos, como o povo germânico, ou insistindo mais sobre um fundamento primário, o religioso, por exemplo, como os povos orientais. Dentre as várias civilizações que se tem notícia da existência de alguma forma de Direito Penal no período antigo, algumas se fazem necessário citar, por 14 terem de alguma forma, exercido influência no Direito Penal moderno. Certamente algumas também de relativa importância serão omitidas, porém, isso se justifica face ao reduzido espaço/tempo que é disponibilizado para o presente trabalho. 2.1 A contribuição grega Dos gregos, pouco, ou quase nada, se tem em escritos sobre um direito penal. O que é de conhecimento pertinente ao tema, foram gravados na literatura, pelos poetas, oradores ou filósofos. Vivendo ainda regrados pelos costumes primitivos, foram concretizando a efetiva separação de Estado e religião, sendo esta ainda com forte influência, vendo no homem livre direitos pertinentes a sua individualidade. Como conquista evolutiva da “polis ou sociedade política”, Luhmann (1983, p.204) observa que: A ordem política compreende não mais apenas disputas entre linhagens, mas consegue impor-se cada vez mais às relações entre os próprios indivíduos independentemente de seus parentescos. O efeito propriamente político, que os gregos não localizam nos impérios despóticos (= de estrutura familiar) dos bárbaros, reside não na dominação e na imposição de decisões, mas na institucionalização do direito com respeito às pessoas enquanto tais, ou seja, enquanto um ser vivo que não pode agir de outra forma. Assim, foi o mundo grego o primeiro a separar a pena do sentido religioso. A filosofia pré-socrática já se ocupava dos problemas da ética e do direito. A filosofia Jônica concebia a justiça como uma necessidade física e a Escola Pitagórica como a reta razão simbolizada no quadrado. Segundo Bruno (2003, pg.38), os filósofos gregos trouxeram a debate uma questão geralmente ignorada dos povos anteriores, a da razão e fundamento do Direito de punir e da finalidade da pena. 15 2.2 Direito Romano Foi no Império Romano que se deu com mais ênfase a codificação dos costumes, consequentemente das normas de conduta. Bruno (2003) explica que através de muitos documentos jurídicos deixados pelos Romanos, é possível seguir a longa história, desde a fundação da cidade até os tempos de Justiniano. Inicialmente a pena tinha um caráter sacral, porém, aos poucos foram libertando o Direito do domínio religioso, distinguindo nitidamente na doutrina e na prática o jurídico do sacral. Desde logo aparecem duas espécies de crimes, cuja repressão se apresenta como negócio do Estado e são punidos com pena pública. Sendo eles o perduellio e o parricidium. O primeiro são fatos contra a existência e a segurança da cidade, o segundo, a morte dada a um pater (chefe de família). Para esses crimes a pena é severa, geralmente a capital ou o desterro. O poder do chefe da família sempre foi muito forte, exercendo amplas funções de chefe, juiz e sacerdote do culto doméstico sobre os que dele dependiam, poderes quase sem limites. Ainda segundo Bruno (2003), fora do grupo familiar, a solução primitiva deve ter sido a vingança, temperada mais tarde pelo talião e substituída pela composição. Na fase republicana se distinguia nos delitos o propósito, o ímpeto, o caso fortuito ou não. Também a culpa leve e a lata, o dolo simples e o mal. A finalidade da pena constituía-se na emenda ou recuperação do homem. Em outra “evolução”, a composição foi sendo substituída pela pena criminal, criando-se novas figuras de crimes públicos, crimina legitima, pela passagem a essa categoria de delitos privados, ou de fatos de nova incriminação. Nesta fase são criadas novas questiones perpetuae, comissões permanentes com jurisdição penal. Para cada crime sua lei própria e comissão Na fase final, as questiones perpetuae vão sendo substituídas pelos tribunais imperiais. Esta transformação se deve a criação das crimina extraordinária, legislação intermediária entre os crimes públicos e os delitos privados, sendo os delitos mais graves incorporados a essa nova norma e outros de nova formação. 16 Por fim, restam apenas quatro ou três delitos privados; a pena pública absorve os demais. Ao lado da morte, que havia quase desaparecido no fim da República, e do desterro, forçado ou voluntário, aparecem penas infames, penas corporais, penas de privação da liberdade, com a condenação a trabalhos forçados, ou às minas. (BRUNO, p.40) Para os romanos o Direito era uma prática do justo em relação a fatos cotidianos. Na área filosófica, SENECA (4 a.C.) e CÍCERO (106 a.C.), este com passagem pela Grécia, aquele com estadia no Egito, defendiam finalidades semelhantes para a pena. Para SENECA, com forte influência dos ensinamentos de PLATÃO, a pena tinha caráter preventivo e não repressivo. CÍCERO defendia que o castigo ou pena devia conservar sempre uma medida eqüitativa, despida de cólera e ressentimento, o réu não devia ser ultrajado. 2.3. Direito Germânico No Direito Germânico a evolução não seguiu os mesmos caminhos dos romanos. Superado o período primitivo, onde o problema penal se resolvia pela vingança ou a perda da paz (em que o violador é posto para fora da proteção do grupo), é instituída a composição, primeiramente voluntária, e posteriormente, a legal. Tal progresso somente foi possível após a instituição de um poder público, representante da vontade coletiva, e da consolidação da sua autoridade. A porção penal das leis germânicas – Leges barbarorum, da época franca, e outras posteriores a essa compilação – tornou-se, na sua maior parte, um minucioso tabelamento de taxas penais variáveis segundo a gravidade das lesões e também segundo a categoria do ofendido, ou a sua idade ou sexo. (BRUNO, 2003, p.41) Nesse compasso, as decisões penais passaram a usar o critério de culpabilidade, tomando lugar da prática da responsabilidade pelo resultado. 17 No entanto, nos altos e baixos das monarquias e governos, o modo de resolver pela força as questões criminais continuaram a se manifestar até o século XV. Bruno (2003, p.42, nota 36) explica que Essa prática conformava-se, além disso, com a ideia substancial nos povos germânicos de que o titular de um direito deve por si mesmo sustentá-lo, não ficando a espera que algum tribunal ou outra autoridade o sustente. O Direito existe, sim, mas há que conquistá-lo com a própria espada. Assim também é que se fará a demonstração da justiça da própria causa. Mesmo havendo a evolução na forma da aplicação do direito, passando a existir um Estado reconhecido e com direito de intermediar as situações conflituosas, permanecia no espírito dos povos germânicos o direito do uso da força na busca da justiça. 2.4 Direito Canônico Com a ascensão do Cristianismo na Idade Média, sua aceitação pelos diversos povos da Europa, cresceu o domínio e o poder da Igreja. As normas de conduta ditadas pelo poder pontífico, disciplinadoras, a princípio, eram dirigidas aos crimes de ordem espiritual, passando, gradativamente, aos crimes praticados pelos eclesiásticos ou profanos. Para o Direito Canônico, a pena tinha caráter sacral, retribucionista e dirigia-se também a correção do criminoso através da expiação. Os processos eram sumários, com o acusado podendo até mesmo ignorar o nome do acusador. Com a justificativa de punir os hereges, foram cometidos excessos tanto na formação do processo com acusações infundadas, na formação e obtenção das provas e, principalmente, na crueldade das sentenças. Mesmo assim, segundo Bruno (2003, p.43), a Igreja contribuiu para a disciplina da repressão anticriminal e o fortalecimento da autoridade pública, pelo combate à prática da vingança privada com a instituição das tréguas de Deus e do 18 asilo religioso. Ainda, “fez recair também mais fortemente a consideração sobre o elemento subjetivo, em reação contra o objetivismo dos germanos.” 2.5 Direito penal comum Nos ensinamentos de Bruno (2003, p.43), com o estabelecimento do “Direito da Igreja”, passaram a vigorar na mesma época três construções jurídicas diversas – o Direito romano, o germânico e o canônico. [...] apesar de representarem graus de evolução diferentes e os mais diferentes princípios fundamentais, concorreram juntos para a formação do que se chamou o Direito Penal comum, o Direito Penal que regeu a prática da justiça punitiva em diversos países da Europa, durante séculos, na Idade Média e épocas posteriores. Sob a égide desse novo regime, é dada ênfase ao absolutismo do poder público, aí sintetizado na figura do monarca e da igreja, cujos interesses se confundiam. É instituído o critério da razão do Estado no Direito Penal, o arbítrio judiciário, não só na determinação da pena como, muitas vezes, na definição dos crimes. A situação agrava-se pelas condições do processo, com a falta de publicidade, a ausência de defesa e os meios inquisitoriais com que se procurava estabelecer a culpabilidade. Praticamente, o acusado caminhava sempre para a condenação; arrancava-se dele, por meio da tortura, a confissão, mesmo de fatos que não cometera, ou se confirmava a sua culpabilidade pelo processo absurdo das ordálias. (BRUNO, 2003, p.45) Os excessos se justificavam em razão da vingança social ou divina e o objetivo de intimidação é a exemplaridade. Contudo, com leis geralmente confusas, incertas, frequentemente contraditórias, supridas e complementadas pelo arbítrio do “príncipe” ou dos juízes, fez emergir a consciência comum da necessidade de reforma das leis penais, consequentemente do Sistema Penal. 19 3. Escolas penais No século XVIII teve início à sistematização dos estudos compreendendo o crime, o criminoso e a pena. Surge, primeiramente, a Escola Clássica, seguida da Escola Positiva, Escola Neoclássica ou Técnico-Jurídica, entre outras, que, cada qual de maneira peculiar, trata dos diversos aspectos que envolvem o fator crime 3.1 Escola Clássica Em meio à insegurança jurídica, a arbitrariedade dos tribunais, a aplicação de penas desproporcionais e desumanas, que eram predominantes em meados do século XVIII na Europa, contrapondo ao Estado absolutista e a ordem feudal, embalado pela Filosofia do Iluminismo e orientadas pela doutrina jusnaturalista de GRÓCIO e contratualista de ROUSSEAU, surge a Escola Clássica. Doutrinas que se contrapunham, porque uma fazia o Direito derivar da eterna razão e a outra o fazia filho de livre acordo de vontades, mas que coincidiam na mesma conclusão, que era a existência de um sistema de normas jurídicas, anterior e superior ao Estado, e com essa conclusão contestavam a legitimidade da tirania. Ambas restauravam a dignidade do indivíduo e o seu direito em face do Estado. Ambas fundamentavam, assim, o individualismo, que iria inspirar todo o sistema da escola clássica do Direito Penal. (BRUNO, 2003, p.49) O grande marco inicial da Escola Clássica foi à obra de César Beccaria intitulada Dei delitti e delle pene – Dos delitos e das penas (1764), fundada no contrato social. A obra de Beccaria, de forte concepção filosófica do Iluminismo, “se trata de uma obra simultaneamente de combate à Justiça Penal do Antigo Regime e projeção de uma Justiça Penal liberal, humanitária e utilitária, contratualmente modelada”. (ANDRADE, 1997, p.49) Essa dualidade de propósito é denominada dimensão negativa e dimensão positiva. Na dimensão negativa denuncia as barbáries provocadas pelo sistema penal vigente, onde há uma profusão de leis obscuras que possibilitam a arbitrária e desigual aplicação da lei, conforme a condição social do acusado. 20 Na dimensão positiva, reconstrutora, faz um discurso no sentido da “formulação programática dos pressupostos do Direito Penal e Processual Penal, marco de uma concepção liberal do Estado e do Direito, nas teorias do contrato social, da divisão de poderes, da humanidade das penas e no princípio utilitarista da máxima felicidade para o maior número de pessoas”. (ANDRADE, 1997, p.49) Assim, impõe que haja uma segurança individual contra as arbitrariedades do Rei, para tal deve ser instaurado um regime estrito de legalidade (Penal e Processual Penal) dando certeza e clareza ao poder punitivo do Estado. Dado o ponto de partida, outros pensadores do Direito seguiram, uns mais, outros menos, o caminho indicado por Beccaria. Filosofia desenvolvida principalmente na Itália e na Alemanha. São expoentes do classicismo italiano, entre outros, Filangieri, Rossi, Carmignani, Romagnosi e Carrara. Na Alemanha destacaram-se Feuerbach, Kant, Hegel e Binding. Francesco Carrara, com sua obra Programa do Curso de Direito Criminal, segundo Bruno (2003, p.54), é a expressão definitiva da corrente clássica na Itália. Não tem Carrara a originalidade de alguns dos seus predecessores. O que nele se distingue é a glória jurídica, o poder de dialética com que expõe e justifica o seu programa e a admirável capacidade de sistematização, que fez dele o expositor máximo e consolidador da escola e um dos maiores penalistas de todos os tempos. Ao contrário de Beccaria, Carrara partiu de premissas rigorosamente jusnaturalistas para construção de seus pensamentos classicistas. Segundo Andrade (1997, p.53), “a versão contratualista do Direito Penal cede lugar à versão católico-tomista, pois sua origem natural não é mais o contrato, mas as Leis divinas”. Se em Beccaria encontramos os pressupostos filosóficos e ideológicos da ciência penal, em Carrara está o apogeu da “construção sistemática da razão”. Apesar da versão contratualista do Direito Penal, insculpida nos ensinamentos filosóficos de Beccaria, ceder lugar à versão católico-tomista de Carrara, não há uma alteração no método racionalista e na ideologia liberal no interior do classicismo. Se Beccaria buscava no “contratualismo” o fundamento do direito de punir, Carrara encontrou este fundamento na “fórmula sacramental” do crime como “ente jurídico”. (BISSOLI FILHO, 1998, p.31) Os produtores jurídicos da Escola Clássica não apresentam homogeneidade ou coerência em suas opiniões, porém, matém uma unidade 21 ideológica e metodológica. Caracterizando-se por suas promessas e postulados, bem como por considerarem o fato-crime no centro de suas análises. O crime passou a ser considerado “ente jurídico”- porque constitui-se na violação de um direito-, sendo decomposto seus elementos constitutivos (forças físicas e psíquicas). Essa violação da norma penal deve ser ‘consciente e voluntária’, conferindo especial relevância à ‘vontade culpável’. É, assim, o livre-arbítrio, o sustentáculo do Direito Penal clássico. Quanto à pena, a Escola Clássica comporta as chamadas teorias absolutas (onde a função da pena é a retribuição, reafirmação do Direito) e teorias relativas (onde o objetivo da pena é a prevenção, como meio para a realização de fins socialmente úteis). Para Bruno (2003, p.55), na Escola Clássica “a pena é retribuição, expiação da culpabilidade contida no fato punível – o mal justo que se contrapõe à injustiça do mal praticado pelo agente”. Bissoli Filho (1998, p.33) acrescenta que “também uma função essencialmente preventiva (impedir o aumento de crimes através da prevenção geral negativa)”. Quanto ao criminoso, a diferença deste para o que respeita a lei é a diferença do fato. Criminoso será quem, na posse do livre-arbítrio, viola livre e conscientemente a norma penal. Sendo a responsabilidade puramente moral, segundo Andrade (1997, p.59), dentro desta ótica “a imputabilidade e a gravidade objetiva do crime constituem a medida para uma penalidade dosimétrica, vista, então, como retribuição proporcionada ao crime, com uma rígida vigência do princípio da legalidade dos delitos e das penas”. Vivia-se, em matéria de política de Estado, a era do Liberalismo, dando ênfase ao individualismo, protegendo o indivíduo contra os abusos do poder, vitimizando-o perante a tirania do Estado. 22 3.2 Escola Positiva Dá-se ao declínio da Escola Clássica vários fatores que, somados, propiciaram o surgimento de uma nova forma de pensar o crime e o criminoso. A principal mudança apontada está nas transformações das funções do Estado, passando a ter poder intervencionista tanto na ordem econômica como na social, isso sob a égide de novas ideologias políticas de cunho social ou socialista. Alia-se a isso, o predomínio de uma concepção positivista de Ciência ao lado do evolucionismo de Darwin e outros pensadores das “ciências naturais”, também a crítica ao programa clássico no combate à criminalidade. Nos dizeres de Bruno (2003, p.61), “À corrente clássica segue-se a chamada escola positiva, resultante necessária de outras condições e outras exigências”. Para melhor especificar tal posicionamento, político e social, Bissoli Filho, (1998, p.34) complementa: Formou-se, a partir da década de setenta do século XIX, quando o horizonte histórico de transformações nas funções do Estado caminhavam para o intervencionismo na ordem econômica e social, sob a égide de novas ideologias políticas de cunho social ou socialista. O programa da Escola Clássica de combate à criminalidade encontrava-se em crise, sendo acusado de não ter cumprido suas promessas e de apenas ter diminuído as penas. Já predominava a concepção positivista da ciência, influenciada pelo evolucionismo de Darwin e pela obra de Spencer. Dos críticos, e um dos pilares da nova Escola, Ferri foi um dos que apresentaram argumentos para a bancarrota da ideologia classicista, dizendo que serviu unicamente para a diminuição das penas, denunciando ainda o individualismo exarcebado em detrimento da defesa da sociedade e de ter perdido de vista as necessidades sociais de prevenção do delito e a individualidade concreta do homem delinquente. De ter fracassado frente ao considerável aumento da criminalidade e da reincidência. Com a concepção positivista da Ciência, a causa do crime passou a ser estudada a partir do homem criminoso. 23 Foi Cesar Lombroso, médico italiano, quem deu início ao movimento e fixou a sua posição essencial. (BRUNO, 2003) Ao comparar dados estatísticos de internos das prisões e hospitais psiquiátricos do sul da Itália, comparações anatômicas e fisiológicas, concluiu que o delito é um entre natural, determinado por causas biológicas de natureza, sobretudo hereditárias. Em seus estudos, Lombroso chegou à conclusão da existência de relação entre o instinto sanguinário e a regressão atávica, admitindo que o homem crimino é nato, sendo esta essência da teoria do criminoso nato. (BISSOLI FILHO, 1998) Seguiu na mesma linha cientifica, porém, orientado pelas Ciências Sociais, Henrique Ferri completou o antropologismo inicial de Lombroso dando uma compreensão mais ampla das origens da criminalidade, como sendo: antropológicos, físicos e sociais. Ferri contestou o livre-arbítrio como fundamento da imputabilidade, substituiu a responsabilidade moral pela responsabilidade social, concluindo que o homem é sempre responsável por toda ação antijurídica que pratica. (BRUNO, 2003) Raffaele Garófalo, por fim, veio a inserir o fator psicológico na formatação final nos princípios norteadores do positivismo criminológico. Garófalo estabelece que o crime é uma anomalia moral, uma força de origem psíquica que impulsiona o homem inelutavelmente para o crime. Com o pensamento instituído que “a perversidade constante e ativa do delinquente e a quantidade do mal previsto que se deve temer por parte do mesmo delinquente”, deu origem ao moderno conceito de perigosidade ou periculosidade criminal. Bruno (2003, p.67-68) resume em quatro itens o programa do positivismo criminológico, sendo os dois últimos de interesse do presente trabalho. A saber: c) basear a responsabilidade penal na responsabilidade social (FERRI), ou, conforme a mais recente orientação, na perigosidade criminal do agente, com critério segundo o qual não só se justifica, mas se especializa a sanção oposta ao crime; d) fazer da sanção anticriminal, não castigo de culpabilidade, segundo a antiga exigência de retribuição, mas instrumento de defesa social, pela recuperação do criminoso ou pela sua segregação, nos casos de desajustes invencíveis. O positivismo viu no homem criminoso o protagonista de suas investigações, tendo-o como um ser anômalo, do qual depreende-se os estigmas da 24 criminalidade. Segundo Bissoli Filho (1998, p.42), nesse contexto, sustentou que se faz necessária a individualização da pena, baseada na periculosidade do homem criminoso. Vindo daí o “princípio da individualização da pena”. Criou-se, segundo Andrade (1997, p.70), um “Direito Penal do autor” onde a periculosidade social constitui a medida da pena e a justifica como instrumento de defesa social. Com o princípio da individualização da pena com suporte na personalidade do criminoso, agigantam-se os poderes discricionários do juiz na aplicação da pena. Todavia, passa a pena ter a função de prevenção especial endereçada à recuperação do delinquente, não mais possuindo o caráter puramente retributivo. 3.3 Escola Técnico-jurídica ou Neoclássica Várias outras “escolas” se formaram, umas em busca de uma conciliação entre o pensamento classicista e positivista, outras procurando adaptação por exigências da mudança dos tempos, porém, sempre tendo como base as escolas tradicionais. Dentre estas escolas, a Escola Técnico-jurídica merece deferência pelo fato não só de contestar parte dos paradigmas das escolas tradicionais, como sugerir novo encaminhamento ao estudo do Direito. Originariamente alemã, foi na Itália que adquiriu o caráter de Escola, tendo em Arturo Rocco seu mais autorizado representante. No final do século XIX e início do século XX, Rocco percebeu um contexto de crise na Ciência Penal. Afirma haver um “sincretismo metodológico que oscila entre o jusracionalismo da Escola Clássica e o positivismo criminológico da Escola Positiva” (ANDRADE, 1997, p.82), causando um esvaziamento do conteúdo propriamente jurídico do Direito e da Ciência Penal. Impõe que se estabeleçam bases metodológicas e práticas para constituição de uma Ciência Penal estritamente jurídica e dogmática, delimitando seu objeto, especificando seu método, tarefa e funções. 25 Para a elaboração técnico-jurídica do Direito Penal positivo defende métodos de investigação em três ordens de procedimentos: 1) uma investigação exegética – exame do documento legislativo; 2) uma investigação dogmática e sistemática – proporcionando um conhecimento sistemático das normas jurídicas; 3) uma investigação crítica do Direito – da sua necessidade, da sua razão de ser e da possibilidade de ser substituído por outro Direito. Rocco defende uma especialização da Ciência Penal, tendo por objeto de estudo o crime e a pena como fatos jurídicos, porém, não se divorciando das demais ciências como Antropologia, Sociologia, Filosofia, Política, etc., recorrendo a estas em caráter subsidiário ou complementar. Neste sentido, a interação da Ciência jurídica com os demais campos dos estudos científicos fornece um conhecimento mais amplo a cerca da função social das normas penais. Rocco (apud ANDRADE, 1997, p.87-88) destaca que [...] a Ciência jurídica, a Ciência do raciocínio lógico, pode andar de braço com a Ciência da observação experimental. Assim, pois, o direito penal, Ciência das normas jurídicas [...] se quiser ser consciente da finalidade e da função social das normas que estuda, deve também em certa medida enriquecer-se com o conhecimento do homem que comete o delito e ao qual se aplica a sanção, com o conhecimento do ambiente em que se comete o delito e em cujo meio a sanção desenvolve seus efeitos; é necessário, em outros termos, que chegue a conhecer, dentro de certos limites, o delito como fenômeno natural, individual e social, e a pena como fenômeno social, levando em conta os dados que atualmente lhe oferecem aquelas Ciências novas que são a Antropologia (somatologia e Psicologia) e a Sociologia criminal. Para a Escola Técnico-jurídica o delito é pura relação jurídica, de conteúdo individual e social, sendo que a pena constitui uma reação e uma consequência do crime (tutela jurídica) com função preventiva geral e especial, sendo aplicada aos imputáveis. Bruno (2003, p.76) observa que hoje é a corrente dominante na Itália, e o valor real das suas obras e o prestígio do Código italiano, nascido sob a sua inspiração, a tem feito influir sensivelmente sobre a doutrina penal dos outros povos. 26 4. Teoria da Rotulação ou labelling approach Em novo compasso, amparados por estudos desenvolvidos pela Sociologia Criminal, surgiram diversas teorias que negaram a ideologia de defesa social, abrindo espaço para mudanças de paradigma em Criminologia. A teoria objeto deste comentário possui as denominações lebelling approach, enfoque do etiquetamento ou teoria da rotulação, e, nos dizeres de Bissoli Filho (1998, p.44), surgiu no final da década de 50 e início dos anos 60 do século passado, nos Estados Unidos da América, em função dos estudos realizados pelos integrantes da “Nova Escola de Chicago”. Bissoli Filho (1998, p.45) trás que o leabellig approach foi influenciado por duas correntes fenomenológicas da sociologia americana, estreitamente ligadas entre si, ou seja, o “interacionismo simbólico”, inspirado na Psicologia Social e na Sociolinguística do psicólogo social norte-americano George H. Mead, e na “Etnomotodologia”, originária da Sociologia Fenomenológica do jurista e sociólogo austríaco Alfred Schutz. Se faz necessário, para uma melhor compreensão, trazer a definição do que seja “interacionismo simbólico”, definição esta trazida por Bissoli (1998, p.46, nota 16), assim exposta: 1) Os seres humanos buscam certas coisas com base no significado que estas coisas tem para eles; 2) Estes significados constituem o produto da interação social nas sociedades humanas; 3) Estes significados resultam tratados e definidos através de um processo interpretativo que é utilizado por cada indivíduo para associar os signos que ele encontra. A perspectiva do interacionismo simbólico, desta forma, é construída sobre o pressuposto básico de que o homem e a sociedade constituem unidades inseparáveis. Conclui dizendo que na Sociologia contemporânea o ponto comum é de que os seres humanos constroem suas realidades num processo de interação com outros seres humanos. O comportamento do homem é inseparável da “interação social” e sua interpretação não pode prescindir desta mediação “simbólica”. De forma complementar, e igualmente esclarecedora, Bissoli Filho (1998, p.47) busca na obra Construção Social da Realidade, dos sociólogos europeus Peter 27 L. Berger e Thomas Luckmann (1996), importante abordagem acerca do “construtivismo social” com a seguinte definição A ordem social não faz parte da ‘natureza das coisas’ e não pode ser derivada da ‘lei da natureza’. A ordem social existe ‘unicamente’ como produto da atividade humana. Não é possível atribuir-lhe qualquer outro status ontológico sem ofuscar irremissivelmente suas manifestações empíricas. Tanto em sua gênese (ordem social resultante da atividade humana passada, quanto em sua existência em qualquer instante do tempo) a ordem social só existente à medida que a atividade humana continua a produzi-la, ela é produto humano. Para completar o entendimento das duas correntes fenomenológicas da sociologia americana que influenciaram na formação dessa teoria, é necessário a definição de “Etnometodologia”. Segundo Bissoli Filho (1998, p.48), a Etnometodologia se ocupa da realidade cognitiva incorporada aos processos de experiências humanas subjetivas, que se realizam “no mundo da vida” de cada indivíduo, ou seja, suas atitudes naturais, os principais fatores determinantes da conduta do individuo e os meios através dos quais um individuo se orienta na situação da vida, da experiência que armazenou e do estoque de conhecimento à mão. Conclui dizendo: A realidade, assim, é conhecida através da perspectiva do construtivismo social. Se para o positivismo existe uma ordem natural (a realidade oficial), preestabelecida, sobre a qual se debruça o cientista procurando entendê-la e explicá-la, buscando saber as suas causas, mas sem questioná-la ideologicamente, para o construtivismo a realidade social está sedimentada em cima das nossas construções mentais. Com base no Interacionismo simbólico e na Etnometodologia surge o novo paradigma da Criminologia, não se orientado mais pelo paradigma etiológicodeterminista, traduzido na desvalorização das estatísticas como instrumento fundamental de acesso à realidade criminal. Com base nesse novo enfoque, o desvio e a criminalidade não são qualidades inseparavelmente ligadas à conduta ou que façam parte da natureza do homem, mas qualidades atribuídas a determinadas pessoas através de complexos processos de interação social, “de processos formais e informais de definição e seleção”. (ANDRADE, 1997, p.205) 28 Dias e Andrade (1992, p.42-3) explicam que: As questões centrais da teoria e da prática criminológica deixam de se reportar ao ‘delinquente’ ou mesmo ao ‘crime’, para se dirigirem, sobretudo, ao próprio ‘sistema de controle’, como conjunto articulado de instâncias de produção normativa e de audiência de reação. Em vez de se perguntar ‘por que é que o criminoso comete crimes’, passa a indagar-se primacialmente ‘por que é que determinadas pessoas são tratadas como criminosos’, quais as consequências desse tratamento e qual a fonte da sua legitimidade’. Não são, em síntese, os ‘motivos’ do delinquente, mas antes os ‘critérios’ (os ‘mecanismos de seleção’) das agências ou instâncias de controle que constituem o campo natural desta nova Criminologia. Desta forma, para a Teoria de Rotulação o objeto de estudo das Ciências Penais desloca sua investigação para o sistema penal, não mais considerados os objetos tradicionais que se restringiam ao crime, ao criminoso e à pena. Andrade (1997, p.209) afirma que “a investigação é deslocada dos controlados para os controladores e, remetendo a uma dimensão macrossociológica, para o poder de controlar”. Por isso, adverte para o fato de que o crime, a criminalidade, como também o criminoso e a pena, não são objetos da reação social, mas sim, produtos desta, posto que resultam do processo de interação entre a ação e a reação social. Sobre a conduta tida como desviada, segundo Andrade (1997, p.205), Uma conduta não é criminal “em si” ou “per si” (qualidade negativa ou nocividade inerente) nem seu autor um criminoso por concretos traços de sua personalidade (patologia). O caráter criminal de uma conduta e a atribuição de criminoso a seu autor depende de certos processos sociais de “definição”, que atribuem à mesma um tal caráter, e de “seleção”, que etiquetam um autor como delinquente. Na verdade, existem os processos gerais de etiquetamento no meio social informal, como por exemplo: na família (o filho ‘ovelha negra’), na escola (o aluno ‘burro’), na sociedade (o ‘pobre’, o ‘negro’), etc. Porém, na área do Direito Penal, este etiquetamento é formal, sendo que devido à intensidade e gravidade das sanções e no grau de formalização que sua imposição exige, escapa aos seus limites meramente punitivos. Da forma que a Escola Positiva rompeu com o pensamento criminológico da Escola Clássica, o labelling approach vem fazer uma revolução quando da substituição do paradigma baseado na investigação das causas da criminalidade por 29 um paradigma baseado na investigação das condições da criminalização e de seus institutos oficiais. Visto nesse capítulo o trato dispensado ao crime e ao criminoso desde os primórdios da civilização até os dias atuais, sua “evolução”, é necessário tecer também a trajetória do Direito Penal Brasileiro, as influências da Escola Positiva e os efeitos que causam no sistema penal dogmático pátrio. Em especial a atuação do instituto antecedentes criminais como agravante na avaliação objetiva e subjetiva do individuo estigmatizado. CAPÍTULO II O DIREITO PENAL BRASILEIRO, A REINCIDÊNCIA E OS ANTECEDENTES CRIMINAIS E SUAS IMPLICAÇÕES Inicialmente os grupos, ou tribos, que eram formados por laços de consanguinidade, tinham na religião, crenças e superstições suas fontes do Direito, aplicando, geralmente, a vingança ou perda da paz. Ao aumentarem suas proporções e ampliando a diversidade de seus constituintes, os grupos sociais, ainda amparados pelos fundamentos mágicos ou religiosos, incrementaram as formas de apaziguamentos sociais, buscando soluções em regras pouco mais precisas, como, por exemplo, o talião, a composição e a pena pública. Face à mudança ideológica na constituição do Estado, nova forma de composição de grupos sociais com o advento do liberalismo e consequente valorização do indivíduo perante o governo, buscou-se um Direito pautado na razão. Daí o surgimento das Escolas Penais, marco, para muitos, inicial do Direito Penal. Conforme mudou a ideologia política com o passar dos tempos, houveram mudanças também no trato com o Direito Penal, com diferentes enfoques aos seus institutos e forma, conforme demonstrado pelos conceitos trazidos das Escolas mencionadas. Agora, mister se faz trazer o Direito Penal pátrio, dando especial atenção ao instituto dos Antecedentes Criminais, objeto do presente trabalho. 1. Direito Penal no Brasil Quando da descoberta do Brasil pelos portugueses, em Portugal vigia as Ordenações Afonsinas, denominação dada por vigorarem no reinado de D. Afonso V, sendo considerado o mais antigo código de leis portuguesas. As Ordenações 31 Afonsinas consolidaram leis anteriores, aceitavam como subsidiário o direito romano de Justiniano e, caso houvesse pecado, o direito canônico, codificando os costumes e estilo dos portugueses. No início do século XVI, sob o reinado de D. Manoel, tais Ordenações passaram por alterações nada substanciais no tocante a fonte do Direito, recebendo a denominação de Ordenações Manoelinas. Apesar de já existirem as capitanias hereditárias no Brasil, pouco uso foi-lhe dado em nosso território. Justamente na divisão da então colônia em capitanias, D. João III (1532) edita as cartas de doação e os forais – cartas de leis que regulavam a administração das terras – revogando normas fixadas nas Ordenações Manoelinas, com argumento de que a defesa e povoamento da colônia exigiam um regime especial. (BARSA, p.463) A sucessora, as Ordenações Felipinas, foi a que por mais tempo teve vigência no Brasil, vigorando até a proclamação da independência. D. Felipe I (Felipe II da Espanha), em 1595 determinou a codificação de toda a legislação portuguesa num só corpo normativo, dando nova organização à justiça, disciplinando o processo civil e criminal. Porém, somente em 1603 as Ordenações Felipinas foram promulgadas, já tendo Portugal como rei D. Felipe II (Felipe III da Espanha). As Ordenações Felipinas “se caracterizaram pela minuciosa enumeração de delitos, punidos com penas cruéis, como a morte na forca ou na fogueira, precedida de tormentos”. (BARSA, p 463) Segundo Bissoli (1998, p.60), é neste código que surgem as primeiras disposições a cerca da vida “anteacta” (vide item 3.1) do criminoso. Com o intuito de verificar se a pessoa não possuía outros processos nas demais “escrivanias”, o funcionário denominado “corredor de folhas” ia aos demais cartórios levando a “folha corrida” para a anotação de eventuais procedimentos em andamento. Vieram, posteriormente, o Código Criminal do Império (1831) e o Código Penal da República (1890), ambos sem qualquer dispositivo referente à valoração dos antecedentes do acusado. Os princípios da Escola Positiva começam a influenciar nosso Direito Penal a partir da Consolidação das Leis Penais, Decreto nº 22.213, de 1932. Em seu art.7º, § 1º, é condicionada a suspensão da pena ao acusado “que não tenha revelado caráter perverso ou corrompido, tendo-se em consideração as suas condições individuais, os motivos que determinaram e as circunstâncias que 32 cercaram a infração da lei penal” (BISSOLI, 1998, p.61), sendo que referido beneficio poderia ser revogado “por ato anterior ou posterior à mesma suspensão”. Como visto no primeiro capítulo deste trabalho, a Escola Positiva passou a focar o “homem criminoso” como protagonista de suas investigações, taxando-o de ser “anômalo”, sustentando a necessidade da individualização da pena, esta aplicada conforme a periculosidade do indivíduo. Os princípios da Escola Positiva foram definitivamente recepcionados pelos nossos legisladores penais, sendo que em 07 de dezembro de 1940 foi sancionado o Decreto-lei nº 2.848 (entrando em vigor somente em 1º de janeiro de 1942), criando o Código Penal Brasileiro que, seguindo as premissas positivistas, fizeram “com que os antecedentes passassem a ser um fator relevante na aplicação da pena, isto porque, segundo essa escola, o ‘homem criminoso’ é o objeto da investigação” (BISSOLI, 1998, p.61). Em vários artigos desse diploma legal os antecedentes são inseridos como norteadores da avaliação objetiva e subjetiva do indivíduo, atuando como balizadores de sua periculosidade, no cálculo da pena aplicável e na concessão de benefícios quando do cumprimento da pena imposta. Extraí-se do Código de 1940 que, para o Juiz determinar a pena aplicável e sua quantificação legal, deveria levar em consideração os “antecedentes e a periculosidade do agente, a intensidade do dolo ou grau da culpa, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime” (art.42). A “periculosidade do agente”, citada no artigo 42, também podia ser mensurada pelos seus antecedentes. Ditava o art.77, do mesmo corpo normativo, que, “quando a periculosidade não é presumida por lei, deve ser reconhecido perigoso o indivíduo, se a sua personalidade e seus antecedentes, bem como os motivos e circunstâncias do crime autorizam a suposição de que venha ou torne a delinquir”. O referido Código, art.57, concedia o benefício da suspensão condicional da pena ao condenado à pena de detenção não superior a dois anos e ao condenado a pena de reclusão quando este, menor de vinte e um anos de idade. Porém, em seus dois incisos, a concessão do benefício somente poderia operar quando: 33 I – o sentenciado não haja sofrido, no Brasil ou no estrangeiro, condenação por outro crime; ou condenação, no Brasil por motivo de contravenção; II – os antecedentes e a personalidade do sentenciado, os motivos e as circunstâncias do crime autorizem a presunção de que não tornará a delinquir. Houveram vários projetos e tentativas de atualização do Código Penal Brasileiro ao longo do tempo, citado-se como exemplo o Código Penal de 1969 (Decreto-lei nº 1.004/69) que não chegou a vigorar, e a Lei nº 6.416/77 que trouxe reformulação e humanização na resposta penal e na sua forma de execução, não modificando o enfoque dado aos antecedentes. Mais recentemente a Reforma da Parte Geral do Código Penal, através da Lei nº. 7.209/84 adotou medidas alternativas para as penas de prisão de curta duração, instituindo as chamadas penas restritivas de direitos e restabeleceu o sistema de dias-multa. Mesmo nas penas restritivas de direitos há influência dos antecedentes1. Com a Lei nº. 9.714/98 foram acrescidas às penas restritivas de direito a prestação pecuniária e a perda de bens e valores, além de aumentar para pena não superior a quatro anos o direito a suspensão da execução da pena desde que o condenado seja maior de setenta anos de idade, ou razões de saúde justifiquem a suspensão. Apesar de apresentar uma tendência de política criminal com alternativas à prisão, “atendendo aos anseios da penologia e da política criminal vigente” (BITENCOURT, 1999, p.XXV), o Código Penal em vigor é, a exemplo do Código de 1940, carregado de premissas positivistas, sobretudo na valoração da periculosidade, esta representada pelo instituto dos antecedentes, previsto em vários artigos da Parte Geral que, quando não agravam a situação do acusado, lhe 1 No Código Penal de 1940 eram previstas as penas de reclusão, detenção e multa, art. 28. A Lei n° 7.209/84 trouxe as penas restritivas de direitos para o nosso Código Penal. O art. 32 estabelece que as penas são: I – privativas de liberdade; II – restritivas de direitos; e III – de multa. As penas restritivas de liberdade continuam sendo de reclusão e detenção, art. 33 usque art. 42. As penas restritivas de direitos, art. 43, consistem em: I – prestação de serviços a comunidade; II – interdição temporária de direitos; e, III – limitação de fim de semana. Por força do art. 44, as penas restritivas de direitos são autônomas e, segundo o inciso I, substituem as penas privativas de liberdade inferior a um ano ou se o crime for culposo. Porém, tal substituição encontra óbice na reincidência e nos antecedentes. O inciso II veda a substituição no caso do réu ser reincidente, já no inciso III as condicionantes para a substituição são mais abrangentes. Segundo esse inciso, as penas restritivas de direitos substituem as privativas de liberdade quando “a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente”. 34 vedam benefícios. Podemos destacar que, na fixação da pena-base (art.68) o julgador deverá atentar às circunstâncias judiciais estabelecidas no art. 59, dentre as quais destaca-se os antecedentes ‘do agente’. Os antecedentes, ainda segundo o art. 59, vão influenciar na aplicação das penas dentre as cominadas; na quantidade da pena aplicável, dentro dos limites previstos; o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; e, na substituição da pena privativa de liberdade aplicada, por outra espécie de pena. Aplicada a pena privativa de liberdade, deve o juiz, dentre outras providências, fixar o regime inicial do cumprimento da mesma, devendo especificar se fechado, semi-aberto ou aberto. Para a determinação de qual regime inicial deva ser adotado, estabelece o § 3º, do art.33, “far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código”, ou seja, de conformidade com os antecedentes do condenado. Aplicada pena restritiva de liberdade não superior a quatro anos, se o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo, esta pode ser substituída por restritivas de direitos, por força do art. 44. Porém, segundo o inciso III do mesmo artigo, os antecedentes podem ser impeditivos de tal benesse. De igual sorte, está sujeito à análise de seus antecedentes o condenado a pena privativa de liberdade não superior a dois anos para a obtenção da suspensão condicional da pena, podendo ser negado tal benefício por força do inciso II do art. 77. Assim como houveram importantes implementações de instrumentos desprisionalizantes, dentre eles as citadas penas restritivas de direitos e a transação penal instituída pela Lei nº 9.099/95, houveram retrocessos no aumento do rigor punitivo a determinados crimes, como por exemplo, a Lei n° 11.343/06 que, em substituição a Lei 6.368/76, aumentou a pena mínima para o tráfico de entorpecentes de três para cinco anos de reclusão. Além da majoração da pena mínima, a Lei 11.343/06, de 23 de agosto de 2006, que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, trouxe consigo a carga negativa do direito positivo ao, no parágrafo 4° do art. 33, condicionar a redução de um sexto a dois terços da pena imposta se o agente for 35 primário, de “bons antecedentes”, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. Porém, mesmo nas leis mais liberais, onde a desprisionalização é o objetivo a ser atingido, os antecedentes exercem grande influência, aplicando a carga negativa do direito positivo. No caso da citada Lei 9.099/95, de 26 de setembro de 1995, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, a transação penal prevista no art. 76, caput, é vedada no caso do indivíduo já possuir condenação pela prática de crime à pena privativa de liberdade em sentença definitiva (art. 76, § 2°, inc. I). Trata-se claramente da exigência de se possuir “bons antecedentes” para a obtenção do benefício da transação penal. O inciso II, do mesmo artigo e parágrafo anteriormente citado, traz também como vedação à transação penal o fato de “ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de 5 (cinco) anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo”. No caso do inciso primeiro subentende-se que há a necessidade do indivíduo possuir bons antecedentes para a obtenção do benefício da transação penal, no inciso segundo, que não seja reincidente. Os dois institutos, antecedentes criminais e reincidência, são por vezes confundidos, ora por não estarem explicitamente mencionados, ora por possuírem algumas peculiaridades em comum. Oportuno, portanto, antes de analisar a influência dos antecedentes criminais em outras previsões legais, e também, na estigmatização do indivíduo, trazer as definições e características de cada um, assim como a diferenciação entre ambos. 2. Reincidência criminal Apesar de semelhantes em alguns aspectos, a reincidência criminal e os antecedentes criminais são categorias distintas. Como bem pontua Bissoli (1998, p. 59), “a reincidência criminal é espécie do gênero que são os antecedentes”. Ou seja, a reincidência é parte do todo, pois ambos tratam da vida pretérita do indivíduo, sendo os antecedentes mais abrangentes e a reincidência mais específica. 36 2.1 Conceito e Classificação Para conceituar o instituto reincidência criminal é necessário também trazer sua mais diversa classificação, isso porque, no sentido jurídico ele não se apresenta da mesma forma em sua aplicação, variando conforme o ponto de vista dos legisladores. No sentido literal, reincidência é o ato ou efeito de reincidir, de tornar a incidir, repetir o ato. Pode-se afirmar, então, que para efeito penal se trata da repetição da prática do crime. Quanto à classificação, Bissoli Filho (1998, p.76-94) fornece oito formas previstas para sua aplicabilidade e definição, sendo elas: a) reincidência genérica, especifica e especialíssima; b) reincidência obrigatória e facultativa; c) reincidência verdadeira e ficta; d) reincidência nacional e internacional; e) reincidência ampla e limitada; f) reincidência simples e reiterada (multi-reincidência); g) reincidência perpétua ou temporária; e h) reincidência de direito e de fato. Diante da classificação acima mencionada, algumas trazem requisitos pertinentes ao presente trabalho, motivo pelo qual, fica-se, a princípio, apenas com as formas de classificação sem adentrar na especificidade de cada uma. Merecem destaque as reincidências na forma verdadeira ou ficta e se perpétua ou permanente. Quanto ao pressuposto de configuração de verdadeira ou ficta, o Direito Penal brasileiro prevê, via de regra, como pressuposto básico a existência de uma condenação anterior transitada em julgado, ficando a discussão se há reincidência, em caso de condenação posterior, durante o cumprimento da primeira pena (ficta) ou se é considerado reincidente o autor condenado após todo o cumprimento da primeira reprimenda (verdadeira). Em todo caso, é necessário que haja uma condenação anterior “transitada em julgado” (art. 63, CPB). Outro ponto importante é quanto à temporalidade, se perpétua ou 37 temporária. O art. 64, I, do Código Penal Brasileiro, estabelece que para fins de reincidência “não prevalece à condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação”. Ou seja, ocorrendo novo cometimento de crime após o interstício temporal de cinco anos do cumprimento da sentença anterior, o infrator não é considerado reincidente para efeitos de agravamento da pena. Porém, como afirma Bissoli Filho (1998), mesmo tendo sido abolida a reincidência permanente ou perpétua do Direito Penal Positivo brasileiro após a vigência da Lei 6.416, de 24 de maio de 1977, aos poucos ela vem sendo ressuscitada. Mesmo não mencionando como reincidência, há situações em Leis esparsas que fazem menção à reincidência perpétua. É o caso do art. 89 da Lei 9.099/95 (Leis dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais), que estabelece como requisito para a concessão da suspensão condicional do processo, “não tenha sido condenado por outro crime”. Também, o art. 10, § 3º, IV, da Lei 9.437/97 (Lei de Armas), onde prevê uma pena maior para o porte ilegal de arma se o agente “possuir condenação anterior por crime contra a pessoa, contra o patrimônio e por tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins”. No primeiro caso trata-se de reincidência genérica por tempo indeterminado e no segundo reincidência especifica, também por tempo indeterminado. Podemos dizer que os elementos caracterizadores da reincidência criminal são: a) uma condenação anterior transitada em julgado; b) a prática posterior de uma infração penal (tentada ou consumada), no prazo de cinco anos. Porém, somente ocorre a reincidência em contravenção penal se ambos ou o segundo fato for contravenção. Havendo primeiramente o cometimento de uma contravenção penal e posteriormente um crime, não há de se falar em reincidência criminal. Ainda, segundo o inciso II, do art. 64, CPB, não ocorre à reincidência 38 criminal nos casos de crimes militares próprios e políticos. 2.2 A influência da reincidência criminal no Sistema Penal brasileiro No Brasil, a reincidência criminal exerce profunda influência tanto no Direito Penal, Processual Penal e de Execução Penal. Na verdade, interfere em todas as fases de criminalização, desde a elaboração das leis até a execução da pena. Nos dizeres de Bissoli Filho (1998. p.100) “essa influência ocorre explicitamente, quando em decorrência dos preceitos regulamentadores, e, implicitamente, quando informam subjetivamente os operadores jurídicos na tomada de decisões”. 2.2.1 Na lei penal Não somente do Código Penal, mas também em leis penais esparsas, há previsão explícita da influência da reincidência criminal. Já na aplicação da pena, ao ser considerada como circunstância agravante, conforme disposição expressa do art. 61, I, do Código Penal, agindo também como circunstância preponderante no caso de concurso de agravantes e atenuantes, isso conforme o art. 67 do mesmo diploma legal. O agravamento da pena decorrente da reincidência criminal abrange todos os delitos, incluindo os culposos e as contravenções penais, excluindo apenas os crimes militares próprios e os políticos. Conforme disposição expressa do art. 77, I, do Código Penal, uma das causas que vedam a concessão da suspensão condicional da pena é a de o condenado ser reincidente em crime doloso. A substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos está prevista no inciso I, art. 44, do CP, porém, caso o condenado seja “reincidente em crime doloso” tal benefício é negado por força do inciso II do mesmo dispositivo 39 legal. Assim também é negada a substituição da pena privativa de liberdade não superior a seis meses por multa, caso o réu for reincidente em crime doloso (art. 60, § 2°, CP). No caso do livramento condicional, art. 83, do CP, a reincidência exerce profunda influência na definição do quanto da pena que o condenado deve cumprir para a obtenção do benefício. Estabelece o inciso I, art. 83, que não sendo reincidente em crime doloso, após o cumprimento de mais de 1/3 da pena o condenado terá direito ao benefício. No caso de reincidente em crime doloso, terá de cumprir mais da metade (1/2) da pena imposta para ser beneficiado pelo instituto do livramento condicional (art. 83, II, CP). Há casos de vedação de tal benefício. Estipula o inciso V, do mesmo artigo, que o apenado terá de cumprir mais de 2/3 da pena em casos de condenação por crimes hediondos, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e terrorismo, porém, se reincidente em crime da mesma natureza, reincidência especifica, não será cabível o livramento condicional. No caso do prazo prescricional da sentença condenatória transitada em julgado, prescrição executória, o prazo previsto no art. 109, do CP, é aumentado de 1/3 se o condenado é reincidente, isso por força do art. 110, caput, do Código Penal. O prazo da prescrição também é interrompido, art. 117, VI, do CP, pela reincidência. Na fixação do regime inicial de cumprimento de pena, o condenado a pena inferior a oito anos de pena privativa de liberdade poderá gozar de regime mais benéfico caso não seja reincidente. Em uma das classificações fornecidas por Bissoli Filho (1998, p.92) para o instituto reincidência criminal, também quanto à previsão legal se de direito ou de fato. Considerando a reincidência de fato quando não expressa taxativamente, mas sim, quando o dispositivo legal menciona fatos pretéritos no cometimento ou condenação em crimes. A reincidência tem as seguintes outras implicações nas leis penais: a) aumento da pena no caso de contravenção por porte de arma (art. 19, § 1º, do Decreto-lei nº 3.688/41 – Lei das Contravenções Penais)2; 2 Neste caso se refere a qualquer objeto que possa ser utilizado como arma, p. ex., faca, adaga, espada, etc. As armas de fogo são reguladas por lei própria – Lei n° 9.437/97. 40 b) como qualificadora do crime no caso de porte ilegal de arma de fogo (art. 10, § 3º, IV, da Lei nº 9.437/97 – Leia das Armas); c) como elemento do tipo para caracterização da contravenção de posse não justificada de instrumento de emprego usual na prática de furto (art. 25, Decretolei nº 3.688/41); d) a não reabilitação criminal para fins judiciais por força do art. 748 do CPP; e) a vedação da possibilidade de transação penal por força do art. 76, § 2º, II, da Lei 9.099/95; f) a majoração do tempo de pena cumprida para a progressão de regime de 2/5, no caso de ser o condenado primário, para 3/5 no caso de reincidente, por força do art. 2°, § 2°, da Lei n° 8.072/90 – Lei dos Crimes Hediondos (artigo com redação dada pela Lei n° 11.464, de 2007). 2.2.2 Na lei processual penal Na legislação processual penal (CPP) o instituto da reincidência também exerce influência em várias situações, de forma negativa, podendo acarretar: a) a vedação do direito de apelar em liberdade (art. 594); b) a decretação da prisão do réu pronunciado, ou sua manutenção nela caso já esteja preso, por força do art. 408, § 2º; c) a decretação de prisão preventiva (arts. 312 e 313, inc. III); e d) negativa da concessão de fiança por força do art. 323, inc. III. Em todos os casos citados, trata-se de reincidência de fato e perpétua, conforme classificação anteriormente descrita. 2.2.3 Na execução penal A reincidência criminal também provoca o tratamento diferenciado 41 dispensado aos apenados, agravando a situação dos reincidentes na concessão do benefício da saída temporária. Para tal concessão é exigido, por força do art. 123, inc. II, da Lei 7.210/84 (LEP), o cumprimento mínimo de 1/4 da pena no caso de “não primário” (reincidência de fato) e para o primário o cumprimento de 1/6 da pena. 3. Antecedentes Criminais Como demonstrado anteriormente, a reincidência criminal, independentemente de sua classificação, para se caracterizar exige uma “condenação anterior”, podendo, todavia, se tornar antecedente. Os antecedentes criminais, como se demonstrará a seguir, são bem mais amplos, não necessitando de tantos requisitos e formalidades para ser considerado como tal e exercer, igualmente, grande carga de influência negativa sobre o indivíduo previamente selecionado. 3.1 Conceito Segundo o dicionário Aurélio (1999, p.128), antecedentes significam “os fatos anteriores, que deixam prever os que hão de seguir-se”. Em se tratando de pessoas, no sentido lato sensu, antecedentes, ou precedentes, são todos os atos, episódios, comportamentos ou condutas da vida pretérita do indivíduo, podendo ser recentes ou remotos, positivos ou negativos, individual, familiar, profissional ou social. Fatores que fornecem subsídios para uma avaliação subjetiva da personalidade da pessoa em análise. Fora do campo penal, não existe na vida civil um banco de dados que forneça os “bons antecedentes” de uma pessoa, que registre seu bom desempenho individual, familiar, profissional ou social. Ao contrário, existem os órgãos de proteção ao crédito, SPC e SERASA, que quanto muito informam que o indivíduo 42 não possui dívidas em aberto no comércio e bancos. Fato que por si só não lhe abre as portas para um primeiro crediário nem tampouco para abertura de conta bancária. Pela Dogmática Penal, não se consegue extrair um conceito definitivo e de consenso por onde se possa estabelecer sua limitação. Bissoli Filho (1998, p.6263), citando vários autores, fornece um rol de situações mais comuns consideradas relevantes como antecedentes criminais, são elas: a) inquéritos policiais arquivados (Costa Júnior, 1986, p.312; Jesus, 1986, p. 616); b) inquérito policial em trâmite; c) inquéritos policiais com julgamento da extinção da punibilidade do indiciado (Costa Júnior, 1986, p.312); d) processos judiciais em trâmite (Costa Junior, 1986, p.312; Noronha, 1995, p.244; Oliveira, 1994, p.362-3); e) processos judiciais já julgados com absolvição decretada por insuficiência de provas (Costa Júnior, 1986, p. 312; Lyra, 1942, p.182; Oliveira, 1994, p.362-3); f) processos judiciais já julgados com condenação em primeiro grau ainda não transitada em julgada (Costa Júnior, 1986, p.312; Oliveira, 1994, p.362-3); g) processos judiciais com julgamento da extinção da punibilidade do acusado (salvo se for motivada pela prescrição da pretensão executória, por não impedir esta os efeitos da reincidência) (Costa Júnior, 1986, p 312; Lyra, 1942, p.182); h) processos judiciais com penas já cumpridas, cujo prazo ultrapassar o previsto para os efeitos da reincidência (Noronha, 1995, p.244); i) processos administrativos ou fiscais em trâmite ou arquivados (Lyra, 1942, p.182); j) infrações disciplinares civis ou militares (Lyra, 1942, p.182); l) processos civis de suspensão ou destituição de pátrio poder, tutela ou curatela (Oliveira, 1994, p.362-3; Jesus, 1986, p.616); m) condenações em processos civis de separação judicial ou divórcio (Oliveira, 1994, p.362-3; Jesus, 1986, p.616); n) condenações em processos de insolvência civil ou falência fraudulenta (Hungria, apud Faria, 1961, v.3, p 07; Oliveira, 1994, p. 362-3; Jesus, 1986, p.616); o) processo de apuração de ato infracional tramitados perante ao Juízo da Infância e Juventude (Jesus, 1986, p.616); p) a inclinação ou repugnância para o trabalho ou outras atividade honestas, a conduta como pai, esposo, filho e amigo, as relações sociais, atenção manifestada no lar, assistência e carinho dispensados à família (Faria, 1961, v.3, p.07; Noronha, 1995, p.244). Apesar da difícil definição, percebe-se a grande abrangência, relatividade e subjetividade que atingem os antecedentes criminais, tornando o indivíduo por ele alcançado marcado para o resto de sua existência. 3.2 Natureza jurídica O instituto antecedentes criminais foi inserido no Direito Positivo Penal brasileiro apenas com o advento do Código Penal de 1940, sendo um instituto 43 genuinamente positivista, decorrentes das teorias criminais. Contudo, segundo Bissoli Filho (1998, p.157), os antecedentes, assim como a reincidência, “guardam maior afinidade com as teorias do criminoso (por constituírem circunstâncias mais ligadas ao autor do que ao ato) e com as teorias da pena (por produzirem consequências mais propriamente da reação em si, agravando as penas)”. Os antecedentes criminais encontram forte fundamentação na teoria finalista da ação, em especial na dimensão subjetiva, onde reflete obrigatoriamente o elemento psíquico do crime: o dolo, assim compreendido como a ação dirigida consciente e voluntariamente a um resultado. O dolo, composto de consciência e vontade, também é determinado pelas intenções, tendências e motivos da ação. Por estar o dolo no psíquico do indivíduo, no caso de crime doloso, devese buscar elementos para demonstrá-lo. Segundo Bissoli Filho (1998, p. 158): Sendo o dolo uma instância interna do individuo, nem sempre é por este manifestada, e não estando o investigador apto a penetrar-lhe a alma, há que se buscar fora do agente os elementos determinantes. Assim, a consciência pode ser melhor evidenciada pelos contatos anteriormente mantidos pelo agente com as diversas instâncias do sistema penal em decorrência de anterior processo de criminalização (total ou não) a que tenha sido submetido. À vontade, também, pode resultar demonstrada pela persistência na prática de atos delitivos. No que tange os crimes culposos, onde o cuidado objetivo (risco permitido e previsibilidade) é exigido, os antecedentes criminais também podem influenciar na decisão pela falta desse cuidado. O descuido com a previsibilidade pode ser evidenciado diante dos antecedentes criminais, em função do envolvimento anterior do indivíduo com o ato delituoso ou com as diversas agências do sistema penal. A recaída em um segundo crime, segundo a teoria da culpabilidade, indica uma acentuada atuação contrária ao direito. Mais especificamente, na teoria normativa pura, a real, ou potencial, consciência da ilicitude determina a culpabilidade. Voltando o indivíduo a delinquir, por já ter-se envolvido no processo de criminalização, maior será sua consciência do ilícito e mais evidente a sua culpabilidade. Na tipologia criminal são descritos os diversos agrupamentos de 44 criminosos, segundo suas características individuais. Lombroso definiu como criminoso nato o indivíduo despido de remorso, de arrependimento. Garófalo acresceu ao criminoso nato a falta da moral. A falta absoluta desses sentimentos tornaria o deliquente um ser criminoso genérico, a falta de um desses sentimentos, tornaria o indivíduo um reincidente específico. Para Ferri, há também o criminoso habitual, que, pelo caráter comum da obstinada recidiva, tem uma fisionomia biopsíquica que lhes caracteriza a grave periculosidade e a fraca readaptabilidade social. Para a teoria da personalidade perigosa, é determinante possuir uma personalidade perigosa o indivíduo com grave desajustamento às normas fundamentais de coexistência social, manifestada pela capacidade de tornar-se autor de delito, podendo ser diagnosticado através de determinados fatores, dentre os quais os antecedentes criminais. Nas teorias da pena, encontra-se fundamento tanto nas teorias absolutas, quanto nas teorias relativas e na da individualização da pena. Nas absolutas, a culpabilidade do réu é a determinante de uma maior ou menor reprovabilidade. Sendo a culpabilidade integrada pelo dolo e pela culpa, estes mensurados pelos antecedentes, encontra-se aí seu fundamento. Nas teorias relativas, a utilidade da pena é a prevenção de futuros delitos, encontrando na personalidade perigosa a razão da pena ou medidas de segurança. Sendo a periculosidade diagnosticada também através dos antecedentes, conclui-se que os antecedentes encontram razão de ser também nestas teorias. Também na teoria da individualização da pena encontra-se fundamentação para os antecedentes criminais. Entendendo que uma segunda infração exige uma reprimenda maior, face à insuficiência da pena aplicada à infração anterior, não somente como retribuição, como para prevenir novos delitos. 3.3 Características dos antecedentes criminais Apesar de difícil conceituação, de ser considerado em diversas situações, é possível extrair dos antecedentes criminais suas principais características. Bissoli 45 Filho (1998), destaca a amplitude, a negatividade, a subjetividade, a relatividade, a antijuridicidade e a perpetuidade como características marcantes desse instituto construído pela Dogmática Penal. A amplitude é notória por ser considerado todo e qualquer fato praticado pelo indivíduo em sua vida pretérita. Podendo ser desde um inquérito policial arquivado ou em andamento até uma sentença condenatória transitada em julgado. A negatividade está no fato de se buscar os atos pretéritos praticados pelo indivíduo única e exclusivamente no “banco de dados criminais”. Como dito anteriormente, na conceituação dos antecedentes, não existe um banco de dados da vida civil do cidadão, onde poderiam ser buscados fatos, episódios, condutas ou comportamentos considerados bons ou ótimos praticados pelo mesmo. Restando apenas os “bancos de dados judiciais e policiais” e, se ali estiver “cadastrado” o indivíduo, figuram apenas os “maus antecedentes”. A subjetividade está presente no fato do julgador utilizar-se de valores pessoais para considerar como antecedentes toda uma gama de situações aceitas pela Dogmática Penal. A relatividade diz respeito ao fato de não haver um balanço entre bons e maus antecedentes. Não há um “banco de dados de bons antecedentes” para que estes possam ser contrabalançados com os maus antecedentes, tirando-se daí um saldo positivo ou negativo. As situações consideradas como antecedentes pela Dogmática Penal dizem respeito basicamente a fatos constantes dos registros policiais e judiciais da pessoa, nada mais. A antijuricidade diz respeito à contrariedade aos princípios da presunção da inocência, do devido processo legal e da ampla defesa, tendo em vista que várias situações são consideradas como antecedentes criminais, como por exemplo: processos e inquéritos em tramite, inquéritos arquivados, etc. A perpetuidade por serem considerados todos os fatos da vida anteacta do indivíduo, ao contrário da reincidência, onde há uma previsão legal para seu término (cinco anos, art. 64, I, do CPB) ou desconsideração, para os antecedentes não existe tal previsão, passando, inclusive, o que foi motivo de se considerar reincidência, após o prazo previsto de sua validade, passa a ser considerado como antecedente criminal. Essa perpetuidade também passa a ser uma antijuricidade. Posto que a 46 permanência dos maus antecedentes é eterna, pesando desfavoravelmente contra o indivíduo, implica numa pena de gravame de caráter perpétuo. Portanto, é antijurídica pelo fato de nosso ordenamento jurídico não prever penas perpétuas e, principalmente, por nossa Constituição vetá-la expressamente (art. 5º, XLVII, alínea “b”). 3.4 Influência dos antecedentes criminais na lei processual penal e execução penal Na primeira parte deste capítulo foi destacado a inserção do instituto antecedentes criminais no Código Penal Brasileiro, por fazer parte necessária de sua formação e composição no tocante a ideologia positivista que o norteou. Nesse momento, necessário também citar as influências que este instituto exerce sobre os demais diplomas penais. 3.4.1 No Código de Processo Penal O instituto antecedentes criminais está colocado de forma dispersa na lei processual penal, exercendo sua influência no curso do processo. Inicialmente, prevê o Código que na fase policial, na investigação da prática de uma infração penal, seja o indiciado pregressado, ou seja, deve ser feita a averiguação de sua vida pregressa, sob ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes, durante e depois do crime, e de quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter (art. 6º, VIII e IX). A “folha de antecedentes” do indiciado deve ser juntada aos autos. Estabelece, ainda, que o “boletim individual” deva ser confeccionado em três vias, sendo uma arquivada no cartório policial, a segunda remetida ao Instituto de Identificação e Estatística (o mesmo que fornecerá o Atestado de Antecedentes 47 Policiais quando solicitado pelo indiciado para fins civis) e a terceira acompanhará os autos (art. 809, § 3º). Esta terceira via, após o trânsito em julgado da sentença, deverá ser encaminhada para o mesmo instituto para produção da estatística judiciária criminal (art. 809, in fine). Nos casos de crimes de competência do Tribunal do Júri, havendo a pronúncia, possuindo o réu maus antecedentes, deverá ser decreta sua prisão se tiver solto ou mantida sua prisão se preso estiver. 3.4.2 Na Lei de Execução Penal Para o ingresso do apenado no local destinado ao cumprimento da pena privativa de liberdade, deverá acompanhá-lo a guia expedida pela autoridade judiciária (art. 107, caput, da LEP). Por determinação expressa no art. 106, IV do mesmo diploma legal, na referida guia conterá “a informação sobre os antecedentes” do apenado. Ou seja, será declinado ao portador de maus antecedentes um tratamento diferenciado dos demais. A progressão do regime de cumprimento de pena, do semi-aberto para o aberto, está condicionada aos antecedentes do apenado (art. 114, II, da LEP). Segundo disposição contida no art. 180, da LEP, o apenado que estiver cumprindo pena no regime aberto, tendo cumprido 1/4 da pena imposta, poderá ter sua pena convertida em restritiva de direitos, se seus antecedentes e a sua personalidade indiquem ser recomendável a conversão. 3.5 Influências implícitas dos antecedentes criminais A influência implícita dos antecedentes criminais tem igual importância, para não dizer maior, que as previsões legais anteriormente citadas. Aqui, soma-se a vagueza ou inexistência do conceito de antecedentes no Direito Penal Positivo brasileiro a subjetividade na aplicação dos mesmos por parte dos operadores 48 jurídicos. Bissoli Filho (1998, p.108) afirma que, “o que se verifica, é que não é somente o instrumental das leis e da Dogmática que interfere na tomada de decisões, pois estas recebem a interferência de outras regras, denominadas second code (segundo código)”. O segundo código, leciona, simboliza a totalidade do complexo de regras e mecanismos reguladores dissimulados e não oficiais que determinam efetivamente a aplicação da lei penal pelos agentes do controle penal. Trazem para a formação de postulados dogmáticos, e na apreciação dos casos em concreto, regras objetivas do sistema social. Regras estas que, segundo as concepções do sistema social, fazem dos antecedentes e da reincidência ferramentas para a seletividade do sistema penal, estigmatizando e criando estereótipos do indivíduo criminalizado, resultando daí uma influência maior do que aquela prevista no Direito Positivo. Nos dizeres de Andrade: Foi assim que a descoberta deste código social extralegal conduziu a uma explicação da regularidade da seleção (e das cifras negras) superadora da etiológica: da tendência a deliquir às maiores “chances” (tendência) de ser criminalizado.a clientela do sistema penal é constituída de pobres, não porque tenha uma maior tendência para delinquir, mas precisamente porque tem maiores chances serem criminalizados e etiquetados como delinquentes. As possibilidades (chances) de resulta etiquetado, com as graves conseqüências que implica, se encontram desigualmente distribuídas. (ANDRADE, 1997, p.270) A propalada neutralidade na formação do juízo de valor é uma falácia. Tendo em vista o second code e a amplitude do conceito de antecedentes, o que se constata é que, implicitamente, este exerce profunda influência na atuação dos diversos agentes do sistema penal, direcionando a decisão. Assim se opera o controle científico da criminalidade em nome da sociedade – defesa social, que, na lição de Andrade Ao mesmo tempo em que o seu código tecnológico opera nas decisões judiciais relativas à individualização (juízos de periculosidade, etc.) e, sobretudo, nas decisões penitenciárias relativas à execução da pena (exame criminológico, progressão de regimes, etc.) instrumentalizando-as, seu código ideológico legitima a seleção e estigmatização que delas resultam. (ANDRADE, 1997, p.270-271) 49 Esse direcionamento e influência podem ser constatados nas diversas decisões de nossos juízes e tribunais, quando da análise da prova acerca do dolo, da culpa e da culpabilidade, assim como quanto à personalidade do agente. A título de exemplificação, cita-se alguns julgados, um relativo à negação ao direito de recorrer em liberdade, outro de aumento da pena base com consequente vedação a substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, nos quais aparece visivelmente a influência dos antecedentes na formação da convicção do julgador. Também julgado que explicitamente contradiz o princípio constitucional do Princípio da Inocência, citando-o, para depois renegá-lo com alegada ‘personalidade deformada’. Em julgamento de Apelação Criminal, julgada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal é negado ao paciente o direito de recorrer em liberdade, onde, por motivo da garantia de ordem pública, é usada como fundamento da manutenção da prisão a reincidência e o registro na folha de antecedentes. Sendo a interpretação dada: “[...] 4. A reincidência aliada a outro registro na folha de antecedentes do paciente são argumentos capazes de fundamentar o Decreto da custódia, tendo como principal motivo a garantia da ordem pública. 5. Ordem conhecida e denegada. (TJ-DF; Rec. 2008.00.2.009749-6; Ac. 325.349; Primeira Turma Criminal; Rel. Des. João Egmont; DJDFTE 30/10/2008; Pág. 110).” Em outra situação, o réu foi condenado à pena de 2 (dois) anos de reclusão, em regime aberto, e ao pagamento de 10 (dez) dias multa no valor mínimo legal, por infração ao art. 155, § 4º, IV, do Código Penal. Sendo que a pena privativa de liberdade foi substituída por 2 (duas) restritivas de direito. Houve recurso do Ministério Público pleiteando a majoração da pena base com argumento de possuir o réu, aspectos negativos de personalidade e conduta social. Como reflexo da majoração, o afastamento da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos devido ao não preenchimento dos requisitos do art. 44 do Código Penal. Em fundamentação ao provimento pelo recurso do MP, o julgador argumenta que “[...] 1. Esta e outras Cortes vem entendendo que os antecedentes se configuram pelo exame da folha de antecedentes do réu sem qualquer diferenciativo, neles se incluindo inquéritos policiais, sentenças absolutórias por falta de prova, infrações disciplinares. Enfim, os antecedentes da conduta do réu, o seu modo de vida em sociedade.” 50 Neste ponto está clara a forma implícita da aplicação dos antecedentes, sob forte influência do second code, onde a “ficha suja” do réu garante ao julgador agravar sua situação devido a seu “modo de vida em sociedade”. Na continuidade de seu julgamento, afirma: “ [...] Em que pese não haver comprovação de sentença transitada em julgado às fls. 169 a 171, há de ser considerada negativamente a conduta social do réu, [...]”. Ou seja, é a conduta social que influi no julgamento, não as circunstâncias específicas do fato. A decisão final foi pelo provimento ao recurso ministerial, sendo a pena majorada para 2 (dois) anos e 4 quatro) meses de reclusão e 12 dias-multa, com a consequente exclusão da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. (Ap.Crim. n 2008.041424-1, de Rio do Sul, rel. Des. Amaral e Silva - DJ 08.09.2009) Há casos em que a decisão, baseada no second code, menospreza até mesmo os antecedentes, baseando a avaliação da periculosidade do acusado através das circunstâncias do crime e de sua personalidade, concluindo que este não é possuidor de bons antecedentes, motivo suficiente para denegar pedido de apelar em liberdade. Na integra, parte do julgamento de Habeas Corpus julgado pelo STF: O Juiz, na avaliação dos antecedentes do réu, não fica sujeito às informações sobre a sua vida pregressa, vale dizer, se já foi preso ou respondeu a inquéritos policiais ou processos judiciais anteriormente, podendo, à vista das circunstâncias do crime e de sua personalidade, medir seu grau de periculosidade e concluir não ter ele bons antecedentes, assim sem o direito de apelar em liberdade. Precedentes do STF (STF - HC 83.791/RS - rel. Min. Carlos Velloso - j. 11.5.2004 - DJ 28.5.2004). Em outro caso é admitida, pelo Princípio da Inocência, a inconstitucionalidade da consideração como antecedentes de outros fatos pretéritos salvo em caso de condenação transitada em julgado. Porém, no mesmo julgado, contradizendo o dito anteriormente, considera que a existência de processo em curso justifica a elevação da pena-base, pois isso indica a má conduta social e personalidade deformada. (Ap. Crim. n. 2001.019112-1, de Bom Retiro, rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz)" (Ap. Crim. n. 2007.009483-3, de Laguna, rel. Des. Solon d'Eça Neves). Quando os antecedentes são usados como indícios de prova, permitindo a formação de juízo de valor, sua influencia é decisiva no momento da análise 51 probatória. Como demonstrado, a carga negativa dos antecedentes criminais exercem grande influência decisória quando exercida de forma implícita, aumentando, de forma absurda, sua abrangência em vista a programação legislativa. Existe todo um processo legal, e formal, para a colação da etiqueta de criminoso no indivíduo, isso desde seu primeiro contato com qualquer agência de controle penal. A estigmatização, de forma geral, explicada pela Teoria dos Estigmas, nos dá suporte para a compreensão do processo de rotulação da pessoa como criminosa e, consequentemente, de merecedora de um tratamento diferenciado. Para tanto, são necessárias algumas breves considerações a cerca da Teoria dos Estigmas, que servirão de suporte para o enfoque dado aos processos de criminalização abordados na sequência desse trabalho. Na finalização deste será destacado os efeitos dessa estigmatização, trazendo os contra pontos teóricos e constitucionais face à legitimidade arguida aos antecedentes criminais. CAPÍTULO III ESTIGMATIZAÇÃO: CONSEQUÊNCIAS PENAIS E SOCIAIS Na Europa, em meados do século XVIII, emergiram pensamentos guiados pelo saber científico, dando conta da importância do homem enquanto ser livre perante um Estado por ele constituído. A Escola Clássica, dentro da política Liberal que norteava a constituição do Estado, buscou a proteção do indivíduo, protegendoo contra os abusos do poder do soberano, sendo uma de suas grandes contribuições a segurança jurídica, onde a preocupação central era a instauração de um regime estrito de legalidade (Princípio da Legalidade). Com a mudança de ótica política na formação do Estado, deixando de ser o indivíduo a figura central merecedora de proteção, passou a coletividade ser alvo de cuidados especiais. Com essa mudança de foco, aliadas às criticas que a Escola Clássica apenas diminuiu as penas sem diminuir a criminalidade, surge a Escola Positiva. Para os positivistas o foco dos estudos passa do crime para o homem criminoso, sendo negado o livre-arbítrio e, consequentemente, a responsabilidade moral. São criadas as figuras do “criminoso nato”, da “personalidade criminosa”, da “periculosidade”, da “recidiva”, entre outras. Passa a vigorar a ideologia da defesa social. Dado ao conflito entre as duas escolas, surgem outras, dentre as quais destaca-se a Escola Técnico-jurídica. Esta adotou premissas da Escola Positiva acerca da gênese natural da criminalidade, buscando na Antropologia e na Sociologia Criminal fontes de dados para o estudo do delinqüente perante o crime, porém, conservando da Escola Clássica o princípio da responsabilidade moral, mantendo a distinção entre deliquentes imputáveis e inimputáveis. A Escola 53 Técnico-jurídica propõe a criação da Ciência do Direito. Através dela, Ciência do Direito, uma investigação interpretativa da lei, uma investigação dogmática e sistemática para o desenvolvimento dos conceitos contidos nas normas jurídicas e, por fim, a análise critica para saber se o Direito que está posto é o Direito ideal, o Direito que deve ser. Nesse compasso crítico forma-se um novo paradigma em Criminologia, a Teoria da Rotulação ou labelling approach. Com base no interacionismo simbólico e na Etnometodologia, esse novo paradigma nega a ideologia da defesa social, criando a ideologia da reação social onde, com base nesse novo enfoque, o desvio e a criminalidade não são qualidades ligadas à conduta ou que façam parte da natureza do homem, mas qualidades atribuídas a determinadas pessoas através de complexos processos de interação social, “de processos formais e informais de definição e seleção”. Ao deslocar o objeto da investigação para o sistema penal, onde a investigação no Direito Penal tradicional se restringia ao estudo do crime/criminoso/pena, o labelling approach traz como processo de definição e seleção o etiquetamento, a estigmatização do autor do delito como delinqüente. Necessário se faz trazer a definição de estigma e sua produção de forma genérica no seio da sociedade, antes mesmo de se entrar na especificidade do tema, cerne do presente trabalho. 1. Teoria dos Estigmas Estigma possui como sinônimo marca ou impressão, cicatriz ou sinal. Os gregos criaram esse substantivo para se referirem aos sinais corporais impostos, por meio de cortes ou fogo, ao corpo dos indivíduos que possuíam alguma coisa de extraordinário ou mau em seu status moral. Eram marcados para serem facilmente identificados, devendo se evitar contatos como os mesmos, especialmente em público. Na Era Cristã foi dado sentido ambivalente para o termo estigma: um, de natureza sagrada, o estigma era sinal corporal de graça divina; outro, era uma 54 alusão médica de distúrbio físico. Atualmente, apesar de haver uma ampliação nos casos de sua utilização e desnecessidade da evidência corporal, voltou a ser empregado no sentido pejorativo original. À luz da antropologia social, Erving Goffman (1988), sociólogo canadense, traz na obra Estigma: Notas Sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada, um estudo conceitual sobre estigma, sua estrutura e influência sobre o individuo estigmatizado, assim como a relação deste com os “normais”. Diz que o indivíduo estigmatizado possui categoria e atributos que fogem aos padrões estabelecidos por determinado grupo social – “os normais”. Classifica em três os tipos de estigmas, a saber: 1 - as deformidades físicas de fácil percepção, que podem causar repulsa ou piedade; 2 - as falhas de caráter individual, perceptíveis ou não em um primeiro contato, dando como exemplo distúrbios mentais, prisão, alcoolismo, homossexualismo e desapego ao trabalho; 3 - os estigmas tribais de raça, nação e religião, sendo que estes por serem transmitidos através da linhagem podem “contaminar” todos os membros de uma família. Segundo seus ensinamentos, em todos os casos de estigmatização encontram-se as mesmas características sociológicas: “um individuo que poderia ter sido facilmente recebido na relação social quotidiana possui um traço que se pode impor à atenção e afastar aqueles que ele encontra, destruindo a possibilidade de atenção para outros atributos seus.” (GOFFMAN, 1988, p.14) Goffman (1988), em sua teoria dos estigmas, cria vários termos para designar os atores e suas características, entre outros: são “normais” todos os outros não portadores de qualquer sinal estigmatizante; “desacreditado” o individuo com estigma aparente ou de fácil percepção; “desacreditável” o que possui um estigma oculto ou não imediatamente perceptível. Também para determinadas situações, como por exemplo: “contato misto”, que é a relação direta de um indivíduo estigmatizado com um “normal”. Com os estigmatizados, os “normais” evitam, ou abreviam ao máximo, o contato com a pessoa estigmatizada por aferir-lhes uma condição de inferioridade, 55 criando uma animosidade na relação. De forma pejorativa, corriqueiramente se faz uso de termos específicos de estigma como aleijado, bastardo, retardado, etc. A tendência, segundo Goffman (1988, p.15), é “inferir uma série de imperfeições a partir da imperfeição original”, aumentado a dificuldade de relacionamento. Quando normais e estigmatizados realmente se encontram na presença imediata uns dos outros, especialmente quando tentam manter uma conversação, ocorre uma das cenas fundamentais da sociologia porque, em muitos casos, esses momentos serão aqueles em que ambos os lados enfrentarão diretamente as causas e efeitos do estigma. (GOFFMAN, 1988, p. 23) Por esta afirmação, constata que o estigma atinge tanto a pessoa do estigmatizado quanto a do ‘normal’. O primeiro por se sentir inseguro quanto à maneira como será identificado e a forma como será recebido e tratado. O segundo, por não saber a maneira exata de como abordar o fator estigmatizante, se deve fingir, ignorá-lo ou tecer comentários evasivos, de pouco ou nenhum conteúdo. Ainda, para o “normal”, a insegurança de, no caso de prolongamento do contato, aparentar uma curiosidade mórbida sobre a condição do estigmatizado, ou oferecerlhe uma ajuda que não é necessária ou não é desejada. Em várias situações, dependendo da pessoa estigmatizada e do grau de sua estigmatização, o comportamento em um ‘contato misto’ pode se dar de várias formas. Não sabendo de que forma será recepcionado, o indivíduo estigmatizado poderá entrar na relação na defensiva, pode também, na tentativa de se por em igualdade, se aproximar com agressividade como também com certo grau de indiferença. Independente da forma inicial do primeiro contato, se formará um clima tenso entre ambos, podendo levar a uma inquietação, um mal-estar, tornando incerto ou imprevisível o final desse contato. As dificuldades criadas na interação social levam o indivíduo estigmatizado a evitar determinadas relações, afastando-o da sociedade e de si mesmo. Tal atitude faz com que a pessoa estigmatizada busque refúgio entre seus iguais, entre as pessoas discriminalizadas, criando um mundo a parte. Como exemplo, pode-se citar clubes de ajuda mútua para os divorciados, os idosos, os obesos, os alcoólicos, etc. Buscam, nas palavras de Goffman (1988, p.29), “pessoas compassivas, dispostas a adotar seu ponto de vista no mundo e a compartilhar o sentimento de que ele é humano e ‘essencialmente’ normal apesar das aparências e 56 a despeito de suas próprias dúvidas”. Muitas vezes o indivíduo estigmatizado passa a incorporar as características que lhe são atribuídas As pessoas que tem um estigma particular tendem a ter experiências semelhantes de aprendizagem relativa à sua condição e a sofrer mudanças semelhantes na concepção do eu – uma “carreira moral” semelhante, que é não só causa como efeito do compromisso com uma seqüência semelhante de ajustamentos pessoais. (GOFFMAN, 1988, p.41) A pessoa estigmatizada em um primeiro momento aprende a incorporar o ponto de vista dos ‘normais’ quanto ao seu estigma, num segundo momento as conseqüências de possuir esse estigma particular o leva ao isolamento ou a ter uma vida dupla, esta na tentativa de, em certos momentos, ocultar seu estigma. Ao classificar em três os tipos de estigma, deformidades físicas, falhas de caráter e tribal, Goffman (1988, p.149-150) afirma que, além da função social geral, existem funções adicionais implícitas em cada tipo de estigma. A estigmatização daqueles que têm maus antecedentes morais pode, nitidamente, funcionar como um meio de controle social formal; a estigmatização de membros de certos grupos raciais, religiosos ou étnicos tem funcionado, aparentemente, como um meio de afastar essa minorias de diversas vias de competição e a desvalorização daqueles que têm desfigurações físicas pode, talvez, ser interpretada como uma contribuição à necessidade de restrição à escolha do par. (grifo nosso) (GOFFMAN, 1988. p. 149-150) Nas funções implícitas está a definição da identidade social do indivíduo, sendo esta a que resulta do relacionamento com as outras pessoas. A identidade social do indivíduo é transmitida através da informação que seu estigma fornece. Os estigmas decorrentes de falhas de caráter, dentre eles os maus antecedentes, nos dizeres de Bissoli Filho (ano 1998, p.194), “servem para despertar a atenção a uma degradante discrepância de identidade que quebra o que poderia ser um retrato global coerente, com uma redução consequente em nossa valorização do individuo.” Esse caráter informativo da identidade social do estigmatizado também contamina o “normal” que é visto em sua companhia, pois a identidade social de um pode servir como referência a cerca da identidade social do outro, no sentido de que um é o que os outros são (suas companhias). Esta forma de interpretação leva, 57 inegavelmente, o “normal” a abster-se da companhia do estigmatizado, evitando assim a transferência da identidade social negativa. Além da ideia da identidade social, Golffamn (1988) também trabalha a ideia da identidade pessoal do indivíduo estigmatizado, sendo que a identidade pessoal [...] está relacionada com a pressuposição de que ele pode ser diferenciado de todos os outros e que, em torno desses meios de diferenciação, podemse apegar e entrelaçar, como açúcar cristalizado, criando uma história contínua e única de fatos sociais que se tornam, então, a substância pegajosa à qual vêm-se agregar outros fatos biográficos.(GOLFFMAN, 1988, p. 67) A identidade pessoal, por sua vez, é formada por dois conjuntos de dados da vida do indivíduo. Um, os atributos biológicos imutáveis (caligrafia, estrutura física, grupo sanguíneo, parentesco, etc.), outro, sua biografia. Sendo a biografia toda história una de cada indivíduo, traz os fatos que somente a ele são pertinentes, sua trajetória, feitos e fatos, tornando-o um ser único. Alguns dados da biografia podem ser modificados pelo próprio indivíduo com o pretexto de esconder a sua verdadeira identidade, como mudança de nome, idade, filiação, raça, credo, etc. Terceiros também podem inserir dados na biografia do individuo, ou complementá-la. No caso do biógrafo não possuir conhecimento pessoal do indivíduo, “esta será escrita com base na sua identidade social, na qual o elemento fundamental é a ‘fama’ ou ‘má reputação’, que se traduzem no conjunto das informações que um determinado grupo tem do indivíduo.” (BISSOLI FILHO, 1998, p. 195) Esses elementos fundamentais da identidade social, ‘fama’ ou ‘má reputação’ irão exercer funções distintas no controle social, podendo ser um controle social formal ou de sua imagem pública. O controle formal é exercido pelas agências penais (instituições policiais, Ministério Público, Poder Judiciário, sistemas prisionais, etc.) com o intuito de examinar com cuidado vários tipos de público em busca da presença de indivíduos identificáveis cujos “antecedentes” e “reputação” o tornem suspeito. Este controle também pode ser operado por estabelecimentos sociais particulares, sendo que as informações colhidas podem ser utilizadas em outros círculos de controle, como por exemplo, o comércio, a indústria, associações, entre outras que dão a vida anteacta 58 do indivíduo importância singular. Um tipo especial de estigmatização ocorre quando a ‘fama’ ou a ‘má reputação’ extrapolam o círculo do controle formal, vindo a ser de conhecimento do público em geral através dos meios de comunicação em massa. Nesse caso, a imagem pública do indivíduo é construída a partir de uma pequena seleção de fatos que podem ser verdadeiros e que se expandem até adquirir uma aparência dramática e digna de atenção, vindo a retratá-lo de forma que não necessariamente condiga com a realidade, sem que tenha direito de demonstrar outros atributos mais desejados. A identidade pessoal, com todos os elementos que a compõe, juntamente com a identidade social, da qual faz parte, formam um composto de interesses e definições de outras pessoas em relação ao indivíduo. Em contra partida, o indivíduo ao fazer reflexões sobre esta identidade pessoal ou social construída, passa a incorporá-las, tornando-as parte da “identidade do eu”. Assume, assim, as características do estigma que lhe foi imposto. O tema central deste trabalho é a estigmatização através dos antecedentes criminais, sendo possuidor de antecedentes o indivíduo que de alguma forma teve seu nome inserido em algum nível das agências penais. Tal pessoa, na classificação de Goffman (1988), é o que, para os “normais”, possui o atributo de falha de caráter. Para sua caracterização, ou percepção, é necessário que o indivíduo tenha cometido algum ato tido como “desviado”. Para aprofundamento na fundamentação da colocação do rótulo de desviado, será necessário adentrar na teoria do desvio, do comportamento desviante e do desviado. Porém, este não é o objetivo do presente trabalho monográfico, e sim, os efeitos dessa etiquetação no indivíduo. 2. Processos de criminalização Mostradas as várias formas de estigmas presentes na sociedade, necessário se faz trazer de que maneira a rotulação criminal é imposta e seus estágios de definição. 59 2.1 Criminalização primária Com base nos valores sociais são criadas as normas de condutas, estas em sentido amplo. Aos casos concretos são desenvolvidas regras específicas vinculadas com as realidades da vida cotidiana. As pessoas modelam os valores sob a forma dessas regras em situações problemáticas, advertindo que alguma área de suas existências encontra-se em situação penosa ou difícil e requer uma providência. Depois de considerar os distintos valores aceitáveis, selecionam um ou mais relacionados com suas dificuldades e deles deduzem uma regra específica. A regra, construída de modo coerente com o valor, expõe, com relativa precisão, as ações que se aprovam e que se proíbem, as situações às quais se aplica e as sanções ligadas a sua transgressão. (BISSOLI FILHO, 1998, p.175) A feitura dessas regras exige que elas sejam claras, legais e gerais. Claras no sentido de serem precisas quanto ao que se pode ou não fazer e as consequências no caso de transgressão. Legais no sentido de não ferirem o ordenamento jurídico vigente, respeitando os direitos fundamentais esculpidos na Constituição pátria, e geral no sentido de abarcarem toda a sociedade. Pelo fato das regras específicas serem oriundas de valores sociais gerais, valores mais amplos, podem tornar-se ambíguas e não tão gerais, gerando conflito entre uma e outra, isso devido ao valor originário de cada uma. À medida que os conflitos sociais vão surgindo, criam-se normas específicas para, se não extingui-los, minimizar seus efeitos negativos. Inicialmente, tem o “cruzador reformador”, termo trazido por Bissoli Filho(BECKER apud BISSOLI FILHO, 1998, p.175), a função de criar normas específicas para cada conflito, seguindo seu sentimento de justo e moral. O “cruzador reformador” está interessado no conteúdo das regras; elas não o satisfazem, porque há algo de ruim que o perturba profundamente; sente que nada no mundo pode ser justo até que se criem regras para corrigi-lo; atua de acordo com uma ética absoluta, posto que o que vê é totalmente mau e qualquer meio para suprimir este mal se justifica. O “cruzador reformador” crê que sua missão é algo sagrado e por isso está emprenhado em impor a sua própria moral aos demais. 60 Por evidente, os “cruzadores” compõem uma classe distinta da grande maioria da sociedade, sendo pessoas dotadas de um maior conhecimento científico e político, além de uma carga cultural maior. Por consequência, trazem uma gama de valores diferenciados, por vezes até voltados ao bem comum e humanitário, porém, sujeitos a influência da posição na estrutura social que ocupam. Não somente do que é imaginado como ideal pelo “cruzador reformador” será composta a norma. Em um projeto de norma específica são aglutinados vários “cruzadores reformadores”, os quais condensam as opiniões e recomendações divergentes, sintetizando-as com um único direcionamento. Porém, ainda fica faltando à opinião abalizadora de pessoas especializadas na área do conflito a ser atacado. Abrem-se as portas para nova injunção de valores, muitas vezes satisfazendo o interesse de determinados grupos em detrimento a muitos. Nesse acréscimo constante de valores e interesses surgem normas ambíguas e que não atendem a um interesse geral. A cada pretenso conflito, ou no afã de atender ao anseio social frente a uma nova situação, novas normas vão sendo criadas, cada qual com uma carga diferenciada de valores e interesses implícitos, criando-se novos grupos de desviados, sujeitos à etiquetação criminal. 2.2 Criminalização secundária Após essa primeira etapa, da criação de normas específicas, criminalização primária, há a necessidade de dar dinâmica às mesmas, ou seja, após a aprovação geral, colocá-las em prática. Para que a norma específica surta seus efeitos idealistas, são criados conjuntos de regras e de organismos destinados a sua administração, sua execução. Esse sistema, via de regra, é despido do compromisso de interpretar o conteúdo idealizador da norma, está imbuindo única e exclusivamente no dever de fazer cumpri-las. Diante da multiplicidade de normas específicas, as agências executivas passam a exercer uma liberdade na escolha do campo de atuação. Por não serem as normas de ampla aceitação da sociedade como um todo, ou, sendo dada a uma 61 maior importância e prioridade de cumprimento em detrimento à outra, passam as agências encarregadas da aplicação da norma a direcionar sua atuação. As infrações cometidas entre muros, no âmbito de clubes, e as que necessitam de uma maior especialização na sua apuração (cita-se como exemplo os crimes do Colarinho Branco e os desvios de verba pública) não são apuradas, sequer entram para as estatísticas oficiais. Assim se tornam mais visíveis os crimes cometidos pelas classes menos favorecidas, estes abarcados por um código de conduta mais raso e de mais fácil fiscalização. Ainda, dependendo do status social do agente, de sua influência política e do ambiente em que a transgressão foi cometida, pode este impedir o intento de que a lei seja aplicada, seja no início ou no final da investida da agência de controle. Na criminalização primária faz-se a seleção dos bens juridicamente protegidos e do comportamento ofensivo a estes bens, na criminalização secundária faz-se a seleção dos indivíduos que deverão ser estigmatizados entre todos aqueles que praticam tais comportamentos. Além disso, no que concerne ao processo de “criminalização primária”, pode-se dizer que não há um consenso prévio em torno dos bens jurídicos que devam ser tutelados, nem quais as condutas que merecem ser tipificadas. Por isso, o processo de criminalização, que à luz do paradigma tradicional deveria tratar de todos os interesses e pessoas com igualdade, acaba sendo desigual e seletivo. (BISSOLI FILHO, 1998, p.180) Frente à incapacidade operacional das agências controladoras de abarcarem todas as previsões contidas nas normas como condutas ilegítimas, apenas parte delas, a minoria, são efetivamente enfrentadas. Apesar das condutas combatidas serem de menor danosidade social, são de maior visibilidade, especialmente as cometidas contra o patrimônio e a pessoa. De forma geral, os infratores dessas normas são os indivíduos de classe social mais baixa, sem poder aquisitivo e sem influência política nas agências de controle. 3. Rotulação criminal A colação da etiqueta de criminoso se dá no primeiro contato do indivíduo 62 com o sistema penal, momento em que é apontado como infrator de uma norma penal. Normalmente este primeiro contato é na fase policial onde, através de inquérito policial instaurado, o indivíduo é inquirido e “fichado”. O termo “fichado”, empregado popularmente, adquiriu sentido pejorativo quando aplicado nesta situação não por acaso. Na verdade pode ser substituído pelo termo “rotulado”. O Código de Processo Penal, art. 6º, IX, determina que seja o indiciado pregressado, ou seja, deve ser feita a averiguação de sua vida pregressa, sob ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes, durante e depois do crime, e de quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter. Este ato, na fase policial, é o marco inicial da etiquetação, ou seja, neste momento é preenchida uma “ficha” com todos os dados da vida pregressa do indiciado sob todos os ângulos, individual e social, inclusive de aspectos subjetivos como “quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter.” É a partir deste momento que o indivíduo passa a ter seu nome gravado na agência de controle penal, no sentido estrito, em sentido amplo, no sistema penal. Está etiquetado como ingresso no sistema de controle penal. Há uma inversão na lógica sequencial entre os inciso VIII e IX do art. 6°, do CP, pois, o que determina o inciso VIII do citado artigo deveria ser medida posterior ao pregressamento, inciso IX. Determina este inciso, em sua parte final, “fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes”. Na verdade a primeira inserção do indivíduo no sistema de controle penal se dá quando do cumprimento do inciso IX do art. 6º, do CPP. Em uma segunda oportunidade, esta primeira inserção passa a existir como antecedentes criminais, devendo ser juntada aos autos, dando-se cumprimento ao inciso VIII. Ao final do Código de Processo Penal é dada a essa “ficha” o nome de “boletim individual”. Estabelece o art. 809, § 3º, que o “boletim individual” deva ser confeccionado em três vias, sendo uma arquivada no cartório policial, a segunda remetida ao Instituto de Identificação e Estatística (o mesmo que fornecerá o Atestado de Antecedentes Policiais quando solicitado pelo indiciado para fins civis) e a terceira acompanhará os autos. A terceira via, após o trânsito em julgado da 63 sentença, deverá ser encaminhada para o mesmo instituto para produção da estatística judiciária criminal (art. 809, § 3º, in fine). Apontou-se inicialmente o inquérito policial como ponto de partida para a inserção do indivíduo no sistema de controle penal através do “boletim individual” confeccionado na delegacia de polícia. Essa, na verdade, é a via corriqueira, a mais comum. Entretanto pode a persecução penal se iniciar por outros meios, como através de queixa-crime, representação do Ministério Público, etc. Em todos os casos será registrado o ingresso do indivíduo no mundo penal. Para alguns autores, a configuração de maus antecedentes presentes na vida anteacta do indivíduo não é verificada apenas através do citado “boletim individual”. Usando critérios mais rigorosos na apuração da índole da pessoa sob julgamento, conforme trazido à cola no capítulo anterior. Também no Judiciário, várias são as hipóteses consideradas como antecedentes criminais, como por exemplo: condenações anteriores, ainda que não gerem reincidência (TJSP, ACrim 11.981, RT, 564:306); processos em andamento (JTACrimSP, 16:80, 36:58 e 44:424) e condenação anterior alcançada pela prescrição retroativa (JTACrimSP, 27:83); inquéritos anteriores (STF, HC 73.878, 1ª Turma, rel. Min. Moreira Alves, RT, 741:551). Seja da forma tradicional ou de outra considerada válida, está o indivíduo devidamente etiquetado como ingresso no sistema de controle penal, vindo a arcar com o ônus do estigma que lhe foi imposto, o qual trará consigo a carga negativa de possuidor de maus antecedentes. 4. Efeitos da estigmatização Uma vez identificado como possuidor de antecedentes criminais, o indivíduo se torna mais vulnerável ao sistema penal. Essa carga estigmática não é provocada necessariamente pela condenação formal, basta um simples contato com o sistema penal. Através dos antecedentes criminais o indivíduo é inserido em uma categoria diferente de pessoas, é diferenciado entre os demais componentes do 64 grupo social. É inserido em um grupo determinado, considerado como perigoso, representante do mal, merecedor de um tratamento processual específico. No sistema processual penal terá maior chance de ter decretada sua prisão preventiva, lhe será negada a fiança, será impedido de recorrer em liberdade, etc. Os antecedentes também servem de parâmetros para a cominação, aplicação e execução da pena imposta, dando maior vigor à estigmatização. Essa diferenciação no tratamento produz a construção da identidade pessoal e social do indivíduo, fazendo que acredite ser exatamente o que acreditam que seja. Em função desses processos o indivíduo criminalizado passa a incorporar valores negativos, ou seja, certos designativos provisórios que lhe são atribuídos durante o processo de criminalização secundária, tais como, indiciado, noticiado, representado, requerido, autor do fato, denunciado, querelado, acusado, réu, condenado, apenado, preso, liberado, etc., ou definitivos, como por exemplo, ladrão, homicida, estelionatário, traficante, estuprador, assaltante, etc., os quais são transportados para a vida social. (BISSOLI FILHO, 1998, p.215) Como demonstra a Teoria dos Estigmas, a pessoa estigmatiza tem um grau de dificuldade maior de se relacionar com os “normais”, muitas vezes tornando o relacionamento temerário e improvável. No caso dos antecedentes criminais, na rotulação como criminoso, há um duplo efeito. Ao mesmo tempo em que o estigma de pessoa portadora de “maus antecedentes” o afasta das pessoas tidas como honestas, lhe aproxima do sistema penal, do qual passa a ser cliente, digno de um tratamento diferenciado. Esse tratamento diferenciado será dispensado desde sua seleção como indiciado (efeitos da etiquetação) até a execução da pena em função programática normativa do Direito Penal Positivo (influência explícita). Ainda, em função do second code, será maior a certeza de sua condenação, senão uma condenação maior, por ser considerado um indivíduo mais danoso para a sociedade, com maior periculosidade (influência implícita). A marca estigmática influirá em todo o trâmite processual, pois conduzirá a investigação policial, orientará a decretação da prisão cautelar, a concessão da liberdade provisória, a formação da opinio delicti pelo órgão do Ministério Público, a velocidade de andamento do processo, a atuação da defesa, a formação do convencimento final pela autoridade judiciária e o tratamento no interior do sistema penitenciário, especialmente no que concerne aos benefícios. (BISSSOLI FILHO, 1998, p.216) 65 Os efeitos do estigma dos antecedentes criminais não cessam com o cumprimento da pena. Por ter uma de suas características à perpetuidade, essa estigmatização acompanhará o indivíduo pelo resto de sua vida, surtindo sempre os mesmo efeitos na esfera formal do Direito Penal, onde será sempre tratado de forma mais severa e impiedosa. Como visto anteriormente, Golffman (1988) classifica em três as categorias e ou atributos que são geradores de estigmas: 1- as deformidade físicas; 2 - as falhas de caráter e; 3 - as pertinentes à raça, religião, etc. Na primeira e na última categoria a estigmatização ocorre de maneira informal, sendo seus portadores sujeitos a repulsa ou piedade, podendo até serem alvos de campanha em favor de sua aceitação e ajuda. Tendo seu alcance restrito ao círculo de convívio do estigmatizado. Já na estigmatização criminal, falhas de caráter segundo sua classificação, esta se dá formalmente, através das agências criminais. Adquire um caráter mais severo e mais abrangente. Provoca um distanciamento entre o estigmatizado e os “normais”, sendo fator impeditivo de um relacionamento mais intimo em um “contato misto” (entre normais e estigmatizado) e até mesmo social. Há um sentimento de repulsa em relação ao estigmatizado criminalmente. Muitas vezes hipócrita, mas repulsa. Assim, o estigmatizado criminalmente passa a sofrer um tratamento informalmente diferenciado. Apesar do banco de dados oficial ser criado para uso do sistema penal, as informações ali contidas são utilizadas por outras agências, até mesmo particulares, ampliando e prorrogando ainda mais os efeitos da estigmatização. Como será especificamente mostrado mais adiante, são várias as situações em que os registros de maus antecedentes são empecilho para a continuidade de uma vida normal. Estes estigmas, “valorosos” instrumentos de diferenciação formal dos indivíduos, capazes de identificá-los pessoal e socialmente, acabam sendo incorporados pelo indivíduo etiquetado (auto-etiqueta), transformando-se, em face da proposição contida na etiqueta, em um ‘corredor”, para onde o mesmo será empurrando, iniciando, com grande probabilidade de nova seleção pelas instâncias formais, em outros processos de criminalização. As possibilidades de se libertar do estigma vão ficando cada vez mais remotas. Aquilo que era um “corredor” pode se transformar em uma “prisão”, levando o indivíduo a sucumbir aos efeitos do estigma. (BISSOLI FILHO, 1998, p.217) 66 De todas as características dadas aos antecedentes criminais, é a perpetuidade a mais significativa. Por ter duração indeterminada, ou melhor, dura até a morte, faz com que o indivíduo se torne eterno prisioneiro de seu próprio passado, fato que, mesmo que venha a se reabilitar socialmente, será sempre considerado muito mais pelo que disseram que foi do que realmente o é. Esta repetição na colação do estigma faz com que o indivíduo assuma essa identidade pessoal, exteriorizando as características pertinentes ao tipo criminoso que lhe foi imputado, passando a fazer uso da linguagem, hábitos gestos e outras singularidades do grupo em que foi inserido. Assim, avança de degrau em degrau rumo a deliquência. Ao incorporar essa nova identidade pessoal à identidade social, afasta-se cada vez mais dos “normais” que, por consequência, também passam a evitá-lo. 5. Os antecedentes criminais: regulamentações e leis esparsas Na sociedade, para se obter um determinado emprego, o exercício de uma determinada profissão ou para o exercício de determinados direitos, é exigida uma “ficha limpa” por determinação de leis extravagantes. Como já mencionado anteriormente, não existe na sociedade um banco de dados onde sejam armazenadas as boas ações praticadas pelo cidadão. Também não existe armazém onde deveriam estar estocadas anotações sobre sua boa conduta, honestidade e caráter. Desta forma, quando exigido, busca-se no banco de dados do sistema penal informações relativas a possíveis anotações que possam desmerecer a idoneidade moral do indivíduo. Não havendo registro nos bancos de dados do sistema penal, será expedida uma certidão de “NADA CONSTA”. Consequentemente, o indivíduo que possui “ficha limpa” é o que não possui antecedentes criminais. 67 5.1 Regulamentações quanto à expedição de certidões de antecedentes Certidão de antecedentes criminais, atestado de antecedentes policiais ou folha corrida, são as nomenclaturas utilizadas para o documento probatório da existência ou não de registro do nome do indivíduo junto às agências penais. No âmbito estadual, o interessado deve obtê-la junto ao Fórum ou delegacia de polícia da comarca que reside. No âmbito federal, junto à Justiça ou delegacias da Polícia Federal. Em ambos os órgãos, judiciário ou policial, existem normas internas disciplinadoras para a devida padronização na expedição e conteúdo do citado documento. No Estado de Santa Catarina, a Delegacia Geral da Polícia Civil, órgão maior da polícia judiciária estadual, disciplinou a matéria através da Resolução nº 005/2000, a qual segue o determinado nos arts. 20, § único, e 748, ambos do CPP. Sendo que no parágrafo único do art. 20 estabelece que a autoridade policial não poderá fazer constar no atestado de antecedentes “quaisquer anotações referentes à instauração de inquérito contra os requerentes, salvo no caso de existir condenação anterior”. O art. 748, CPP, veda a menção da condição de reabilitado na “folha de antecedentes”. Segundo a citada Resolução, também não se fará constar anotação quando o indivíduo tiver decretada a extinção de sua punibilidade, esta prevista no art. 107, respectivos incisos, CP. Dispõe, ainda, o art. 6º da referida Resolução: “ Art. 6º Constando a existência de decisão judicial em processo crime transitado em julgado, a Autoridade Policial deverá especificar os preceptivos violados e a respectiva pena infligida”. Importante notar que nos atestados de antecedentes criminais obtidos na repartição policial, vão constar todos os inquéritos que resultarem em condenação no judiciário, independente do tempo transcorrido entre a condenação e a expedição do atestado, assim como o tipo penal infringido e a pena aplicada. No Poder Judiciário catarinense, a normatização da expedição da certidão de antecedentes criminais está contida no Provimento nº 04/2003, da CorregedoriaGeral da Justiça. Tal provimento, datado de 28/04/2003 e que altera a redação, 68 renumera e inclui dispositivos na Seção V do Capítulo VI-A do Título II do Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça, dá a seguinte redação aos arts. 152, 153, 154, 155, 156 e 157: Art. 152 - As certidões de antecedentes criminais para fins exclusivamente civis serão positivas somente quando houver sentença penal condenatória transitada em julgado e desde que não tenha ocorrido qualquer uma das seguintes hipóteses: I - imposição somente de pena de multa; II - suspensão, cumprimento ou extinção da pena; III - extinção da punibilidade; IV - reabilitação. Art. 153 - Sempre que a certidão for extraída para fins exclusivamente civis, esta circunstância constará obrigatoriamente do documento, conforme o exemplo seguinte: "A presente certidão é extraída para fins exclusivamente civis, não se aplicando às certidões para fins eleitorais, para requerimento de concessão de registro e porte de arma de fogo, para inscrição em concurso público e às informações requisitadas por autoridade judiciária.". Art. 154 - Nas certidões de antecedentes criminais para fins eleitorais, além das informações previstas no artigo 152, constarão as distribuições acerca da prática de crime contra a economia popular, a fé pública, a administração pública, o patrimônio público, o mercado financeiro, o pelo tráfico de entorpecentes e por crimes eleitorais (artigo 1 , inciso I, letra o "e", da Lei Complementar n 64/90), bem como observação expressa de que é expedida para fins eleitorais. Art. 155 - Nas certidões para o registro e porte de arma de fogo, além das informações previstas no artigo 152, deverão constar a distribuição de inquéritos policiais e a tramitação de processo criminal por infrações penais cometidas com violência, grave ameaça ou contra a incolumidade pública (Decreto no 2.222, de 8 de maio de 1997). b) os inquéritos policiais e os processos criminais em andamento (Lei federal n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003). Art. 156 - Nas certidões para inscrição em concurso público, além das informações previstas no artigo 152, deverão constar os feitos não arquivados definitivamente, ressalvados os casos de renúncia ao direito de queixa ou representação e transação penal (arts. 74, parágrafo único e 76, § 6o da Lei no 9.099/95). Art. 157 - Nas certidões requisitadas por autoridade judiciária a informação deverá ser obrigatoriamente completa, ainda que arquivados definitivamente os feitos. (www.tj.sc.gov.br) (grifos originais) No Poder Judiciário é feita distinção quanto à destinação a que servirá a certidão de antecedentes criminais. Nas certidões para efeitos exclusivamente civis constarão apenas as sentenças penais condenatórias com transito em julgado, excetuando-se a imposição somente de pena multa, suspensão, cumprimento ou extinção da pena, extinção da punibilidade e a reabilitação (art. 152). Quando para fins eleitorais, além das informações contidas no art. 152, 69 constarão também processos em tramitação para crimes específicos, ou seja, processos sem conclusão de autoria e culpa. Para fins de obtenção de registro ou porte de arma de fogo, somam-se às informações contidas no art. 152, inquéritos policiais e a tramitação de processo criminal por infrações penais cometidas com violência, grave ameaça ou contra a incolumidade pública. Para este fim, o controle é ainda mais rigoroso. Abarca, entre outros, inquérito policial que apuram infrações penais cometidas com violência, grave ameaça ou contra a incolumidade pública, podendo figurar entre esses algum considerado pela Lei 9.099/95 como de menor potencial ofensivo. Nas certidões para fins de inscrição em concurso público, é acrescido às informações contidas no art. 152, feitos não arquivados definitivamente, ou seja, os que tiveram sentença pelo arquivamento, porém, que estão aguardando decurso de prazo. No derradeiro artigo que trata do conteúdo e das finalidades das certidões de antecedentes criminais, art. 157, determina que quando requisitadas por autoridade judiciária as informações necessariamente terão de ser completas. Aí compreende-se todo e qualquer contato do indivíduo com o sistema penal, salientando na parte final do referido artigo: “mesmo que arquivados definitivamente seus efeitos”. É sobre essa informação da vida anteacta do indivíduo que o julgador formará seu juízo subjetivo sobre a personalidade e periculosidade do acusado e, em função do second code, tomará a decisão da aplicação de uma sanção mais gravosa. Como determina o art. 157, ao julgador do caso específico serão informados todos os contatos mantidos pelo indivíduo com o sistema penal. Informações estas que compreendem: sentença condenatória transitado em julgado; a imposição de multa, suspensão, cumprimento ou extinção da pena, extinção da punibilidade, reabilitação; distribuição acerca de prática de crime contra a economia popular, a fé pública, a administração púbica, o patrimônio público, o mercado financeiro, pelo tráfico de entorpecentes e por crimes eleitorais; distribuição de inquéritos policiais e a tramitação de processo criminal por infrações penais cometidas com violência, grave ameaça ou contra a incolumidade pública; e, feitos não arquivados definitivamente. 70 Exemplos da aplicação implícita dos antecedentes criminais foram expostos no final do segundo capítulo deste trabalho. havendo necessidade, até mesmo para exemplificar a influência dos antecedentes criminais fora da esfera estritamente penal, a citação de algumas leis que, com intuito definido, fazem exigência da apresentação de documento que ateste não estar incluso o nome do indivíduo nas agências penais. 5.2 A exigência de bons antecedentes criminais e sua atuação no contexto social Não é somente na legislação penal que o instituto antecedentes criminais encontra previsão legal. Para a obtenção de um determinado emprego, o exercício de uma certa profissão ou para o exercício de direitos, são exigidos que o indivíduo apresente vários requisitos, dentre eles a certidão negativa de antecedentes criminais. Diante do vasto repertório de leis no sistema jurídico brasileiro, é muito difícil, e desnecessário, trazer todas que façam previsão da necessidade de apresentação da certidão de antecedentes criminais. Por este motivo, sem o propósito de se adentrar no mérito de tais exigências, traz-se algumas previsões legais a título meramente exemplificativos. a) O estrangeiro que estiver legalmente no Brasil, com visto provisório e aqui residente há dois anos, poderá transformar a Carteira de Identidade de Estrangeiro Provisória em permanente. Ao requerê-la deve apresentar, entre outros requisitos, “inexistência de débitos fiscais e de antecedentes criminais no Brasil e no exterior (art. 7º, II, da Lei n° 11.961/09). b) Não poderá constituir empresa especializada nos cursos de formação de vigilantes (art. 32, Dec. n° 1.592/95), assim também não poderá se candidatar ao curso de formação de vigilantes (art. 25, Dec. n° 89.056/83) a pessoa possuidora de maus antecedentes criminais. c) Somente poderá requerer o registro de arma de fogo quem fizer a comprovação de idoneidade. Essa comprovação, segundo o art. 4°, I, da Lei nº 71 10.826/03, será feita através da apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal. No mesmo sentido, segundo a Lei n° 11.706/08 que complementa a lei anterior, o porte de arma de fogo aos residentes em áreas rurais, que comprovem depender do emprego de arma de fogo para prover sua subsistência alimentar e familiar, somente será concedido se apresentar atestado de bons antecedentes (art. 5°, III). d) Para constituir empresa privada que maneje produtos e insumos químicos, será exigido do proprietário, diretor ou responsável pelo estabelecimento interessado, “certidão de inexistência de antecedentes criminais” (art. 2°, IV, Dec. n° 1.331/94). e) Para exercer a profissão de representante comercial autônomo, com registro obrigatório nos Conselhos Regionais, o pretendente deverá, segundo a Lei nº 4.886/65 que regulamenta a profissão, apresentar quando de sua candidatura “folha-corrida de antecedentes, expedida pelos cartórios criminais das comarcas em que o registrado houver sido domiciliado nos últimos dez (10) anos” (art. 3°, d). f) Algo em desuso, porém com previsão legal e em vigência, existe a profissão de “guardador e lavador autônomo de veículos automotores”. A regulamentação de tal profissão foi instituída pela Lei n° 6.242, de 23 de setembro de 1975, que, em seu art. 3°, inc. II, impõe como condição de obter o registro profissional, entre outros, a apresentação de “certidão negativa dos cartórios criminais de seu domicílio”. g) No âmbito público também é exigido que o candidato ao ingresso na carreira de funcionário público apresente atestado de “bons antecedentes” como requisito essencial a sua habilitação. A título exemplificativo, cita-se a Lei n° 10.593/02, com nova redação dada pela Lei n° 11.457/07, que cuida da Carreira Auditoria da Receita Federal, Carreira Auditoria-Fiscal da Previdência Social e da Carreira Auditoria-Fiscal do Trabalho. Por esta regulamentação a exigência é de alcance ainda mais longo, sendo que na certidão de antecedentes criminais deve constar a inexistência “de decisão condenatória transitada em julgado de crime cuja descrição envolva a prática de ato de improbidade administrativa ou incompatível com a idoneidade exigida para o exercício do cargo” (art. 3°, § 3°, inc. I). Ainda, no mesmo artigo e parágrafo, inciso II, o candidato não pode ter sofrido punição em 72 processo disciplinar por ato de improbidade administrativa mediante decisão de que não caiba recurso hierárquico. Para finalizar esse tópico, a título ilustrativo, em um rápida procura por emprego na internet, pode-se encontrar (http://empregos.trovitbrasil.com.br): MOTOCICLISTA ENTREGADOR - MOTO Rio Grande do Sul Porto Alegre - RS Rio Grande do Sul Empresa: Confidencial. 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Por fim, é necessário e oportuno apresentar argumentações que 73 contradizem as fundamentações teóricas em que, na dogmática penal, são dados suportes legais ao instituto antecedentes criminais. Também, as argumentações que invalidam-no no âmbito constitucional. 6. Desconstruções da legitimidade dos antecedentes criminais O instituto antecedentes criminais são contestados tanto na sua fundamentação teórica quanto na sua constitucionalidade. Argumentos que merecem ser citados, mesmo que superficialmente, a título de contraponto em sua fundamentação jurídica e argumentação no tocante a estigmatização produzida tanto no âmbito penal como social. 6.1 Desconstruções teóricas face ao labelling approach Inicialmente, as teorias do crime vem a ser desconstruídas a partir do enfoque do etiquetamento, visto que, negado a existência do delito como entidade preexistente, é dado a este como resultante de um processo de criminalização, de criação e aplicação de normas. As teorias do homem criminoso também sofrem revés face ao labelling approach. Segundo essas teorias, no homem criminoso há a predisposição ao crime, pessoa com características de ser mais ou menos perigoso. Segundo as teorias que fundamentam o labelling approach, a existência do criminoso depende da seleção prévia das agências de criminalização, sem a qual o criminoso não será conhecido. A ideologia da defesa social está alicerçada nos princípios do bem e do mal, da culpabilidade, da legitimidade, da igualdade, do interesse social e do delito natural e do fim e da prevenção. O princípio do bem e do mal é, segundo Bissoli (1998), questionado pela teoria funcionalista da anomia. Segundo essa teoria, a criminalidade é um fenômeno 74 normal de toda a estrutura social. A criminalidade “cumpre uma função positiva, devido a seu caráter inovador, somente sendo negativo à estabilidade e evolução do sistema social, quando supera os limites da sua função” (BISSOLI, 1998, p.202). Para o princípio da culpabilidade, o delito é a expressão de uma atitude interior reprovável porque dirigida conscientemente contra valores e normas existente na sociedade. As teorias das subculturas criminais questionam essa teoria, afirmando inexistir um único sistema oficial de valores, mas uma série de subsistemas que se transmitem aos indivíduos mediante mecanismos de socialização e aprendizagem específicos dos ambientes e grupos sociais particulares nos quais se inserem. Portanto, não é razoável lhe exigir, diante de seu poder de decisão individual e moral, que assuma comportamento e valoração de outra subcultura. O princípio da legitimidade é contrariado pelas teorias psicanalíticas da criminalidade e do Direito Penal. Para estas, “os mecanismos psicossociais da pena por elas ressaltados, como, p. ex., a projeção do mal e da culpa no ‘bode expiatório’, substituem as funções preventivas e éticas nas quais se baseia a ideologia da defesa social” (BISSOLI, 1998, p 203). As teorias que dão fundamentação ao labelling approach demonstram que o desvio e a criminalidade são qualidades atribuídas a determinados sujeitos por meio de mecanismos oficiais e não oficiais de definição e seleção. Desta forma deslegitimam o princípio da igualdade. Para as teorias do conflito, a origem do processo de criminalização não reside nos interesses fundamentais para uma determinada sociedade ou diretamente para toda sociedade civilizada. Ao contrário, residem nos interesses dos quais são portadores os grupos que detém o poder, deslegitimando, assim, o princípio do interesse social e do delito natural. As teorias da pena por sua vez, cuja finalidade declarada é a retribuição e a defesa social, também podem ser contestadas à medida que acabam apenas produzindo a deterioração da individualidade do individuo criminalizado, transformando-o em um ser estigmatizado penal e socialmente. Em especial a teoria da prevenção especial positiva, cujo embasamento é a ressocialização do criminoso através da pena, está claramente contrariada face ação inversa que o sistema penal exerce sobre o indivíduo através da 75 estigmatização imposta pela etiqueta de possuidor de antecedentes criminais. 6.2 O instituto antecedentes criminais frente a Princípios Constitucionais Quando da adoção do instituto antecedentes criminais pela legislação penal pátria, vigorava o sentido da defesa da ordem, puramente positivista. Com o advento da Carta de 1988 passou a ser dada maior ênfase aos direitos individuais, criando-se uma política de defesa de direitos. Nessa mudança de paradigma, o instituto antecedentes criminais, assim como a reincidência, vem sofrendo críticas e tendo seus alicerces abalados por pensadores que, o vendo à luz da atual Carta Magna, trazem a tona o tom arbitrário e discriminador que o reveste. Alegam estarem violados os princípios do direito à honra, da igualdade, da legalidade, da presunção da inocência, do devido processo legal e da ampla defesa. Argumentam que a honra do ser humano, segundo o art. 5º, X, da CF, é inviolável. O indivíduo ao ser etiquetado como criminoso, posteriormente como possuidor de antecedentes criminais, tendo seu nome incluso no banco de dados das agências penais, tem sua honra atingida perante a sociedade. Além da identidade social marcada pela estigmatização, as anotações contidas nos bancos de dados das agências oficiais são frequentemente expostos e levados para sua vida privada, onde, de forma explícita ou implícita, são exigidos. O caput do art. 5°, CF, dá a garantia que todos são iguais perante a lei. Porém, o tratamento diferenciado dispensado ao portador do estigma de maus antecedentes contraria esse princípio constitucional. São os antecedentes criminais balizadores para o agravamento na aplicação do Direito Penal. As influências explicitas e implícitas desencadeadas nas diversas fases do processo em desfavor do individuo estigmatizado, fugindo de um ajustamento às circunstâncias concretas de cada caso, concedem a ele um tratamento totalmente desigual aos demais. Conforme citado no segundo capítulo deste trabalho, os antecedentes criminais tem por características a subjetividade, amplitude, negatividade, 76 relatividade, antijuricidade e perpetuidade. Não possuindo uma definição na lei penal, possibilita que circunstâncias totalmente alheias ao fato sejam consideradas em prejuízo do seu autor, ferindo, assim, o princípio da legalidade esculpido no inciso XXXIX, CF, onde é taxativo ao afirmar que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. A lesão aos princípios da presunção da inocência, do devido processo legal e da ampla defesa, estão manifestos quando considerados como antecedentes criminais processos que ainda não decretaram a culpa do indivíduo, com sentença condenatória transitada em julgado, pois em tais processos, ainda não se tem comprovada a culpa do indivíduo, não houve todo o tramite do devido processo legal e o mesmo não exercitou na plenitude seu direito de defesa. Ainda mais lesivo, quando considerados como antecedentes criminais contatos outros com as agências penais que sequer chegaram às barras da justiça. Considerando a perpetuidade como característica marcante do instituto antecedentes criminais, uma vez que todos os atos negativos da vida anteacta do indivíduo serão sempre levados em consideração, também é ferido de morte o estabelecido no inciso XLVII, alínea ‘b’, CF. Ali estão relacionadas taxativamente as penas proibidas em nosso ordenamento jurídico. Entre elas, as ‘de caráter perpétuo”. 77 CONSIDERAÇÕES FINAIS A proposta apresentada para o desenvolvimento do presente trabalho foi a busca de argumentos que, em confrontação com o paradigma tradicional, confirmassem as hipóteses de ser o instituto “antecedentes criminais” fonte de estigmatização do indivíduo, impondo-lhe uma carga excessivamente negativa, cujo reflexo o leva a integrar um grupo a parte da sociedade em que vive, sendo-lhe dispensando um tratamento diferenciado e injusto. Além, é claro, de justificadamente, demonstrar sua carência de sustentação teórica e constitucional. A Teoria da Rotulação, ou labelling approach, faz uma revolução quando da substituição do paradigma tradicional, onde o homem criminoso é o objeto dos estudos, por um paradigma baseado na investigação das condições da criminalização e de seus institutos oficiais. Trata o fator criminalidade não como causas endógenas, mas sim, tendo origem em causas exógenas, através da seletividade e etiquetação do indivíduo como criminoso. Desaparece a figura do criminoso nato para o surgimento do indivíduo pré-selecionado e, posteriormente, rotulado como merecedor de tratamento diferenciado e desigual. Foi demonstrado que o estigma de criminoso tem um duplo efeito. Ao mesmo tempo em que o estigma de pessoa portadora de “maus antecedentes” o afasta das pessoas tidas como honestas, lhe aproxima do sistema penal, do qual passa a ser cliente, digno de um tratamento diferenciado. Esse tratamento diferenciado será dispensado desde sua seleção como indiciado (efeitos da etiquetação) até a execução da pena em função programática normativa do Direito Penal Positivo (influência explícita). Ainda, em função do second code, será maior a certeza de sua condenação, senão uma condenação maior, por ser considerado um indivíduo mais danoso para a sociedade, com maior periculosidade (influência implícita). Essa estigmatização se dá formalmente, através das agências criminais, adquirindo um caráter mais severo e mais abrangente, extrapolando o campo estritamente legal. Provoca um distanciamento entre o estigmatizado e os “normais”, sendo fator impeditivo de um relacionamento mais intimo em um “contato misto” 78 (entre normais e estigmatizados) e até mesmo social. Ficaram demonstradas as influências explicitas e implícitas do instituto antecedentes criminais no campo do Direito Penal e em leis extravagantes. Também de sua influência negativa fora da abrangência do Direito, influenciando no cotidiano, no subconsciente de cada um, se tornando um verdadeiro estigma que vem a marcar eternamente o indivíduo, tornando-o um ser anômalo, merecedor de um tratamento discriminalizador. Através das teorias que dão sustentação ao labelling approach, traz-se fundamentação teórica para a devida contestação da fundamentação legal e constitucional do instituto antecedentes criminais. Para a Teoria da Rotulação, não há a figura do criminoso nato. A existência do criminoso depende da seleção prévia das agências de criminalização, sem a qual o criminoso não será conhecido. O estigma de criminoso representa um caminho sem retorno. Incorpora-se ao indivíduo estigmatizado, cria obstáculos difíceis de serem superados, fazendo com que este seja novamente resgatado pelo sistema penal, reiniciando o ciclo de estigmatização, impossibilitando sua volta ao circulo social. A metodologia hipotética–dedutiva utilizada na pesquisa confirmou os objetivos propostos. Ficou demonstrado que o instituto antecedentes criminais é fator estigmatizador do indivíduo, possuindo grande carga negativa e influindo tanto explícita quanto implicitamente na avaliação de sua personalidade e seu grau de periculosidade, garantindo-lhe um tratamento desigual e injusto. Além disso, apesar de produzido pela Dogmática penal positiva com objetivo de aplicação no sistema penal, leva toda sua carga negativa também para a vida social do estigmatizado, tornando difícil, senão impossível, a apregoada ressocialização do indivíduo rotulado como criminoso. Se considerada impossível a possibilidade de extinção do instituto antecedentes criminais diante da atual conjuntura política e social, duas são as observações necessárias no sentido de tornar seu emprego menos injusto e danoso: a) Previsão legal de seu conceito, aplicabilidade, especificidade e lapso temporal de sua utilização; e, b) Sua utilização única e exclusiva pelo sistema penal, vedando-se sua menção , ou exigência, como referência para avaliação subjetiva do caráter do indivíduo. 79 REFERÊNCIAS ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão da segurança jurídica: do controle da violência a violência do controle penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. 336p. BARSA, Nova Enciclopédia. v.10. São Paulo: Barsa Consultoria Editorial Ltda, 2001. BISSOLI FILHO, Francisco. Estigmas da Criminalização: dos antecedentes à reincidência criminal. Florianópolis: Obra Jurídica, 1998. BITENCURT, Cezar Roberto. Novas penas alternativas. São Paulo: Saraiva, 1999. BRASIL. 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