Zero Hora/RS, 27 de outubro de 2003 STF | Ministros Aposentados | Ministro Paulo Brossard A carga tributária PAULO BROSSARD/ Jurista, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Quando a carga tributária entre nós chegou a 33% do PIB, e não faz muito, o fato chamou a atenção, porque a apreensão pelo fisco de um terço de tudo quanto é produzido no país em um ano não deixa de ser significativamente elevada em qualquer lugar do mundo. O contribuinte brasileiro estava entre os três mais taxados do planeta. Mas, como é óbvio, a comparação não há de ser feita de maneira mecânica, mas levando em conta a efetiva retribuição estatal à sociedade, ou seja, a quantidade e qualidade dos serviços públicos a beneficiar o contribuinte. Assim, se é certo que Suécia e Alemanha excediam a carga tributária vigente entre nós, também é sabido que os serviços públicos naqueles países eram notoriamente superiores aos nossos, sendo que a Alemanha, depois da queda do Muro de Berlim e da reunificação nacional, ainda enfrentava o imenso sacrifício de levantar o nível do setor oriental, de modo a reduzir e reparar as impressionantes desigualdades criadas pelo modelo moscovita na banda sovietizada. De modo que o Brasil bem poderia ser tido como o de mais alta carga tributária, sopesadas as realidades de cada um dos que haviam atingido e superado o estalão de 33% do PIB. Mas mesmo se aceitasse o terceiro lugar, tomando-se a linha tributária de maneira estática, ainda assim ela se apresentava para nós pesadamente opressiva, dado o contraste inegável entre a carga tributária e a deficiência quantitativa e qualitativa, em regra, dos serviços públicos nacionais. O mínimo que se pode dizer é que, entre nós, tem havido lamentável imoderação no agravamento da carga tributária brasileira em confronto com a má qualidade, em média, dos serviços públicos. Mas a imoderação atrai a imoderação, como o delírio do jogo domina o jogador. E os 33% do PIB continuaram a expandir-se, 34%, 35%, 36%, 37% e, no stf.empauta.com fim do semestre, 37, 57% do PIB. Aumentos sucessivos de encargos, particularmente de contribuições, impostas na calada da noite ou no alvorecer do dia, em pouco tempo, oneraram o contribuinte brasileiro de maneira alarmante. Sem fazer previsões, que são fáceis de estimar e difíceis de acertar, há quem sinta o cheiro de 40% do PIB, e não me parece insensato admiti-los; mais, se aprovada a encantada reforma tributária, será inevitável que a carga entre na casa dos 40%. Pois embora se tenha dito e repetido que a reforma não importará em majoração de carga, não há quem acredite nisso; saliente-se, a propósito, que o ministro da Fazenda não excluiu a possibilidade de futura majoração. Ora, até ontem pouco se falava em carga tributária e hoje ela entrou a dominar o dia-a-dia das preocupações gerais, o que é mais do que natural. De outro lado, a verdade verdadeira é que o serviço da dívida é asfixiante, o custo do dinheiro arrasador, a despeito das módicas atenuações, o empobrecimento geral inegável, e o desemprego de tirar o sono. Aliás, ele é tão perturbador que bastou que o desemprego na indústria não aumentasse no último mês para que se proclamasse o fim da recessão, quando esse fato, por bem-vindo que possa ser, não significa que o rombo acumulado, mês a mês, tenha sido zerado. Se recordo esses dados, sabidos e públicos, é para ponderar que nesse quadro sob tantos aspectos desfavorável, é uma temeridade insistir dogmaticamente na reforma tributária, como se ela não viesse a agravar a carga tributária que se aproxima rapidamente dos 40% do PIB. É preciso a coragem de reconhecer que tanto os juros da dívida pública como a carga tributária crescente são concorrentes implacáveis que reduzem, cada qual a seu modo, a capacidade nacional de investir para sair da estagnação, que reduziu a atividade econômica a nível constrangedor. pg.3