fls. 129 ESTADO DE SANTA CATARINA PODER JUDICIÁRIO Vistos etc. Relata que a Lei Complementar 611/2013 implantou novo regime remuneratório para a categoria, agora centrado no subsídio. A partir daí, não ocorreu mais o pagamento por horas extraordinárias. Defende, porém, que esse trabalho adicional deve receber contraprestação. Por isso quer: a) A concessão da antecipação dos efeitos da tutela, determinando-se que o réu pague aos substituídos as horas extras efetivamente laboradas que extrapolem o limite diário de 8 (oito) horas diárias ou 40 (quarenta) semanais, conforme assegurado no artigo 27, incisos IX e XI da Constituição Estadual e artigo 1º do artigo 81 da Lei nº 6.843/1986; b) A procedência do pedido e consequente confirmação da tutela requerida, para que os substituídos recebam os valores referentes às horas extras efetivamente trabalhadas que extrapolem o limite diário de 8 (oito) horas diárias ou 40 (quarenta) semanais, devidamente corrigidas, vencidas, respeitada a prescrição quinquenal, além das vincendas; c) Incidentalmente, requer a declaração de inconstitucionalidade do artigo 4º, parágrafo único da Lei 611/2013, e a manifestação expressa acerca dos dispositivos apontados, a fim de possibilitar a remessa aos Tribunais Superiores; (fls. 18-19) Neguei a liminar, mas permiti que o réu, em 15 dias, se posicionasse sobre a liminar, sem prejuízo do lapso temporal para defesa. O demandado prestou informações afirmando que falta, em parte, interesse de agir, haja vista que existem ações coletivas que procuram restringir a escala semanal de trabalho a 40 horas em favor de escrivães, agentes e psicólogos. Quanto ao tema de fundo, afirma que o subsídio é incompatível com outras rubricas. Alerta que o “estímulo operacional”, que valia pelo pagamento de horas extraordinárias, foi expressamente revogado. Destaca, também, que a própria Constituição Estadual admite a compensação de horários, o Este documento foi assinado digitalmente por HELIO DO VALLE PEREIRA. Se impresso, para conferência acesse o site http://esaj.tjsc.jus.br/esaj, informe o processo 0334420-55.2014.8.24.0023 e o código 24F9631. 1. O SINPOL – Sindicato dos Policiais Civis de Santa Catarina ajuizou a presente ação coletiva em relação ao Estado de Santa Catarina. fls. 130 ESTADO DE SANTA CATARINA PODER JUDICIÁRIO 2. Analiso o pedido de liminar, ponderando inicialmente que foi válida a instituição de subsídio para policiais civis. Os arts. 144 da Constituição Federal e 105-A da Constituição Estadual permitem dessa forma. É evidente, ainda, que o subsídio tem um objetivo único: coincidir os vencimentos com uma parcela única, de sorte que evitem as somas de diversas parcelas. Isso faz muito sentido em relação a agentes políticos (usada expressão em sentido amplo, coincidindo com os membros de Poder) ou mesmo para outros servidores que atuem em regime de maior liberdade funcional, já tendo, no cargo, a assunção de responsabilidades e inconvenientes inatos. Essas adversidades, dessa maneira, já estão abrangidas pelo subsídio, que se imagina seja em patamar condizente. Só que a Constituição estende o mesmo regime a servidores com outra realidade. Um investigador de polícia tem situação distinta de, por exemplo, um deputado. Há de estar na repartição em determinada escala, ou terá que cumprir compromissos externos dentro de certos limites temporais. Trabalhará em regime de plantão, à noite, estará exposto a situações insalutíferas e assim indefinidamente. Um deputado tem ampla discrionariedade, hipoteticamente, para arbitrar seus horários de trabalho, o que pode levar a longa dedicação em certos dias, do mesmo modo que terá outros períodos para repouso. Essa maior envergadura do posto tornaria ridículo que se falasse que poderia exigir horas extras ou alguma outra forma de compensação pelo múnus que exerce. Só que os policiais civis, para insistir na comparação, têm distinto regime funcional. A eles se aplica o 27, incs. IX e X, da CF, de sorte que a jornada diária máxima é de 8 horas, indo-se semanalmente a 40 horas. Prevê-se, ainda, o pagamento pelas horas extraordinárias. Diversamente do que busca o Estado, um pagamento de subsídio não vale para afastar o que está na Constituição. Aliás, Este documento foi assinado digitalmente por HELIO DO VALLE PEREIRA. Se impresso, para conferência acesse o site http://esaj.tjsc.jus.br/esaj, informe o processo 0334420-55.2014.8.24.0023 e o código 24F9631. que leva à formação de banco de horas. Outrossim, existe um pagamento de específico adicional exatamente para compensar as agruras do trabalho policial. fls. 131 ESTADO DE SANTA CATARINA PODER JUDICIÁRIO 3. A situação é tão inusitada que mesmo que o Estado defenda a validade da Lei Complementar 611/2013, que instituiu o subsídio, sustenta que isto também seja pertinente: Art. 6º Fica atribuída aos servidores referidos no art. 1º desta Lei Complementar que se encontrarem no efetivo exercício de suas funções, Indenização por Regime Especial de Trabalho Policial Civil, no percentual de 17,6471% (dezessete inteiros e seis mil, quatrocentos e setenta e um décimos de milésimo por cento) do valor do subsídio da respectiva entrância, fixado na forma do Anexo III desta Lei Complementar, a partir de 1º de agosto de 2014. § 1º O regime especial de trabalho policial civil caracteriza-se pela prestação de serviço em condições adversas de segurança, com risco à vida, cumprimento de escalas de plantão, cumprimento de horários normais e irregulares, sujeito a plantões noturnos e a chamados a qualquer hora e dia. § 2º A Indenização por Regime Especial de Trabalho Policial Civil constitui-se em verba de natureza indenizatória e não se incorpora ao subsídio, aos proventos de aposentadoria de qualquer modalidade ou à pensão por morte, sendo isenta da incidência de contribuição previdenciária, e aplicado a ela, em qualquer caso, o limite fixado pelo inciso III do art. 23 da Constituição do Estado. § 3º O valor da Indenização por Regime Especial de Trabalho Policial Civil não constitui base de cálculo de qualquer vantagem, exceto décimo terceiro vencimento e terço constitucional de férias, calculados na proporção de 1/12 (um doze avos) por mês de percepção, considerando-se como mês integral a fração igual ou superior a 15 (quinze) dias, devendo ser observado, para o cálculo da proporcionalidade, o seguinte: I no caso do décimo terceiro vencimento, considerar-se-á o II no caso do terço constitucional de férias, considerar-se-á ano civil; e o período aquisitivo. § 4º A Indenização por Regime Especial de Trabalho Policial Civil não é devida ao servidor: Este documento foi assinado digitalmente por HELIO DO VALLE PEREIRA. Se impresso, para conferência acesse o site http://esaj.tjsc.jus.br/esaj, informe o processo 0334420-55.2014.8.24.0023 e o código 24F9631. mesmo que a possibilidade de implantação do subsídio seja posterior à redação original da Constituição, as coisas ainda devem ser compreendidas organicamente. Há plena possibilidade de interpretação conjugada. Admite-se o subsídio, mas não está dito em nenhum lugar que um policial civil terá o dever de trabalhar 24 horas por dias, 7 dias por semana. Tem que laborar 40 horas hebdomadárias. fls. 132 ESTADO DE SANTA CATARINA PODER JUDICIÁRIO I licenciado no caso previsto no inciso VI do art. 102 da Lei nº 6.843, de 28 de julho de 1986; II licenciado no caso previsto no inciso VI do art. 62 da Lei III afastado para frequentar curso de pós-graduação, em tempo integral, nos termos do art. 18 da Lei nº 6.745, de 1985; e IV colocado à disposição do Poder Legislativo, Poder Judiciário, Ministério Público e Tribunal de Contas do Estado, bem como de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. § 5º A Indenização prevista no caput deste artigo é devida aos servidores que exercem atividade administrativa no âmbito da Polícia Civil e das áreas de interesse da segurança pública, observado o disposto no art. 7º desta Lei Complementar. Quer dizer, hão de conviver o subsídio do policial civil e uma verba adicional pelo fato de o agente ser… policial civil. Por mais difícil que seja compreender esse sistema, tem-se que se criou uma verba específica pelas contingências da atividade peculiar de tais agentes públicos. O dispositivo seguinte, a propósito, complementa o pensamento e faço um destaque: Art. 7º A percepção da Indenização de que trata o caput do art. 6º desta Lei Complementar implica a prestação de serviço em jornada de 40 (quarenta) horas semanais. § 1º Fica vedada a percepção da Indenização por Regime Especial de Trabalho Policial Civil por servidor que esteja cumprindo, exclusivamente, o horário especial de expediente na forma estabelecida por ato do Chefe do Poder Executivo. § 2º Para fins de percepção da Indenização prevista no caput do art. 6º desta Lei Complementar, o servidor enquadrado na hipótese do § 1º deste artigo fica obrigado ao cumprimento de escala de plantão, a fim de integralizar a carga horária mínima estabelecida pelo § 1º do art. 81 da Lei nº 6.843, de 1986. Está ali dito: a jornada ordinária para um policial civil é de 40 horas. Trabalha nessa extensão e terá o pagamento integral: subsídio mais indenização por regime especial de trabalho policial civil. Este documento foi assinado digitalmente por HELIO DO VALLE PEREIRA. Se impresso, para conferência acesse o site http://esaj.tjsc.jus.br/esaj, informe o processo 0334420-55.2014.8.24.0023 e o código 24F9631. nº 6.745, de 1985; fls. 133 ESTADO DE SANTA CATARINA PODER JUDICIÁRIO Só que, volto ao ponto, a Constituição estabelece que essa será a jornada máxima! 4. Ficou antecipada, portanto, minha compreensão. Não tenho nada a opor ao pagamento de subsídio, ou mesmo à indenização antes mencionada. Só que não posso admitir que, sob o pretexto da nova normatização, a Administração livremente estabeleça jornada de trabalho semanal de cinquenta, sessenta horas e assim indefinidamente. Aliás, como está na própria norma, a aludida indenização vale para uma jornada de 40 horas; logo, se houver mais... 5. Na legislação revogada havia regulamentação de um estímulo operacional. Essa rubrica vencimental foi extinta, mas o que está na Constituição Federal é o bastante para garantir o mesmo pagamento de horas extraordinárias. 6. O fato de haver um banco de horas não afasta a possibilidade de se darem horas extras. Não estou refutando a possibilidade de compensação de horários, pois a própria Constituição Estadual faz essa ressalva e houve previsão na Lei Complementar 609/2013: Art. 8º Fica instituído regime de compensação de horas, denominado Banco de Horas, no âmbito da Polícia Civil, destinado exclusivamente à compensação das horas excedentes, previamente autorizadas pela chefia imediata, e trabalhadas pelo policial civil em operações policiais que impliquem a realização de diligências em qualquer região do Estado ou fora dele, bem como em situações excepcionais que exijam a dedicação contínua ao trabalho policial, que venha a caracterizar a realização de jornada de trabalho extenuante. Este documento foi assinado digitalmente por HELIO DO VALLE PEREIRA. Se impresso, para conferência acesse o site http://esaj.tjsc.jus.br/esaj, informe o processo 0334420-55.2014.8.24.0023 e o código 24F9631. Como não há como descumprir (ao menos licitamente) a Constituição, das duas uma: ou se impede o trabalho para além daqueles limites, ou se paga pela jornada superior. fls. 134 ESTADO DE SANTA CATARINA PODER JUDICIÁRIO Isso, entretanto, não deroga algumas possibilidades, como o fato de não ser aplicado esse sistema ou ele se mostrar concretamente ineficaz para permitir o gozo de descanso proporcional ao policial civil. Aliás, é evidentíssimo que deverá ocorrer o interesse da Administração, notadamente diante do exíguo prazo decadencial (de 45 dias), que poderá levar à frustração do direito. A falta de gozo do descanso haverá de ser interpretado em desfavor do Poder Público, que terá o dever de encontrar, naquele espaço de tempo, a possibilidade real de o servidor fruir da vantagem. Seja como for, a implantação do banco de horas depende de decreto regulamentar, que até agora não existe! Mais enfaticamente, o que tem hoje é una perspectiva de compensação ou de uso de banco de horas. Enquanto não houver regulamentação exauriente e clara, essa simples possibilidade não pode afastar o direito ao pagamento superior. 7. Alerto, de forma assemelhada, que o fato de algumas categorias de policiais civis terem sido beneficiadas com decisões judiciais que limitam suas jornadas a 40 horas não afasta o interesse de agir. Não existe garantia alguma de que o Estado irá cumprir aquela deliberação. Se houver concretamente a superação de tais limites, deverá haver a compensação financeira. Outrossim, o que houve até agora são decisões de caráter precário e não existe certeza de que a situação subsistirá. 8. Tenho, enfim, que o pagamento de horas extraordinárias seja merecido, tanto mais que a indenização do art. 6º está vinculada a uma jornada de 40 horas. Este documento foi assinado digitalmente por HELIO DO VALLE PEREIRA. Se impresso, para conferência acesse o site http://esaj.tjsc.jus.br/esaj, informe o processo 0334420-55.2014.8.24.0023 e o código 24F9631. Parágrafo único. O regulamento irá dispor sobre as escalas de plantão e o regime de compensação de horas instituído por esta Lei Complementar, observandose que as horas excedentes efetivamente trabalhadas na forma do caput deste artigo serão registradas em sistema próprio e compensadas na primeira oportunidade possível, obedecendo-se o prazo decadencial de 45 (quarenta e cinco) dias, iniciado a partir do primeiro dia do mês subsequente àquele em que as horas foram realizadas. fls. 135 ESTADO DE SANTA CATARINA PODER JUDICIÁRIO 10. Assim, defiro a liminar para determinar que sejam pago como extraordinário o trabalho prestado para além da 40ª semanal. Comunique-se por fax. Intimem-se os advogados. Florianópolis, 11 de março de 2015. Hélio do Valle Pereira Juiz de Direito Autos 0334420-55.2014.8.24.0023 Este documento foi assinado digitalmente por HELIO DO VALLE PEREIRA. Se impresso, para conferência acesse o site http://esaj.tjsc.jus.br/esaj, informe o processo 0334420-55.2014.8.24.0023 e o código 24F9631. 9. Existe urgência: a verba é alimentar e convém que se defina o assunto de maneira igualitária para toda a categoria, impedindo-se aquela balbúrdia das ações individuais.