DIREITO AMBIENTAL DO TRABALHO Apontamentos para uma Teoria Geral Volume 2 Volume 1 — Junho, 2013 Volume 2 — Setembro, 2015 GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO JOÃO URIAS NEY MARANHÃO VALDETE SOUTO SEVERO Coordenadores DIREITO AMBIENTAL DO TRABALHO Apontamentos para uma Teoria Geral Volume 2 EDITORA LTDA. © Todos os direitos reservados Rua Jaguaribe, 571 CEP 01224-001 São Paulo, SP — Brasil Fone (11) 2167-1101 www.ltr.com.br Setembro, 2015 versão impressa — LTr 5201.5 — ISBN 978-85-361-8600-9 versão digital — LTr 8811.3 — ISBN 978-85-361-8614-6 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Direito ambiental do trabalho; v. 2: apontamento para uma teoria geral / Guilherme Guimarães Feliciano [et al.], coordenadores. — São Paulo : LTr, 2015. Outros coordenadores: João Urias, Ney Maranhão, Valdete Souto Severo Vários autores Bibliografia. 1. Ambiente de trabalho 2. Direito ambiental 3. Direito do trabalho I. Feliciano, Guilherme Guimarães. II. Urias, João. III. Maranhão, Ney. IV. Severo, Valdete Souto. 15-08001CDU-34:331.042 Índice para catálogo sistemático: 1. Direito ambiental do trabalho 34:331.042 SUMÁRIO Apresentação.................................................................................................................. 9 Seção 1 O conceito de meio ambiente do trabalho Direito ambiental do trabalho: o meio ambiente do trabalho, uma aproximação interdisciplinar Ingrid Cruz de Souza Neves, Isabelli Cruz de Souza Neves, Rinaldo Mouzalas de Souza e Silva...... 13 Meio ambiente do trabalho e saúde do trabalhador Vicente José Malheiros da Fonseca...................................................................................................... 21 Seção 2 A Dimensão Jusfundamental da Questão Labor-Ambiental Saúde do trabalhador: desafios da institucionalização de um direito humano Karen Artur......................................................................................................................................... 55 Meio ambiente do trabalho: uma visão sistêmica de um direito humano e fundamental Valdete Souto Severo........................................................................................................................... 63 Ambientes saudáveis de trabalho José Augusto Rodrigues Pinto.............................................................................................................. 81 Saúde Mental para e pelo trabalho Ricardo Tadeu Marques da Fonseca................................................................................................... 89 Meio Ambiente do Trabalho: o diálogo entre o direito do trabalho e o direito ambiental Norma Sueli Padilha........................................................................................................................... 105 5 A proteção jurídica da vida e da saúde do trabalhador no sistema jurídico brasileiro sob a perspectiva dos direitos humanos fundamentais Eliegi Tebaldi...................................................................................................................................... 123 Seção 3 A Dimensão Preventiva da Tutela Labor-Ambiental Tutela coletiva inibitória para proteção do meio ambiente do trabalho saudável Carlos Henrique Bezerra Leite............................................................................................................. 137 Os benefícios do FAP — Fator acidentário de prevenção ao meio ambiente do trabalho Ana Carolina Galleas Levandoski e Rodrigo Fortunato Goulart........................................................ 153 Tutela inibitória e meio ambiente do trabalho — alguns aspectos processuais relevantes Bruno Campos Silva............................................................................................................................ 167 Seção 4 Casos Notáveis. Dimensão Repressiva da Tutela Labor-Ambiental A flexibilização da jornada de trabalho e seus reflexos na saúde do trabalhador: uma questão de tutela ambiental José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva................................................................................................ 183 Greve ambiental trabalhista Georgenor de Sousa Franco Filho........................................................................................................ 203 A restrição da rescisão contratual do trabalhador vítima de acidente de trabalho e/ou doença ocupacional a partir de um novo viés interpretativo do art. 7º, inciso I, da Constituição Federal (diálogo das fontes) Rosita de Nazaré Sidrim Nassar e Francisco Milton Araújo Júnior................................................... 211 Aspecto repressivo da tutela labor-ambiental: um estudo sobre o dano moral coletivo Tadeu Henrique Lopes da Cunha....................................................................................................... 225 A participação de crianças e adolescentes no show-business: desafios para a saúde e o direito Sandra Regina Cavalcante.................................................................................................................. 261 Os paradoxos da violência na administração pública: o assédio moral no âmbito do Poder Judiciário Erika Maeoka...................................................................................................................................... 273 6 Notas sobre o sistema jurídico vigente e a necessidade de uma reflexão sobre a proteção do meio ambiente de trabalho Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante e Francisco Ferreira Jorge Neto........................................... 293 Sustentabilidade humana: estudo zetético e dogmático do meio ambiente do trabalho com enfoque especial na construção civil Lorena de Mello Rezende Colnago...................................................................................................... 303 A regulamentação do estresse relacionado ao trabalho na Itália Lorenzo Fantini................................................................................................................................... 313 Assédio moral virtual e as suas consequências sobre o meio ambiente do trabalho Christiane de Fátima Aparecida Souza De Sicco................................................................................ 321 Os fatores psicossociais e a caracterização do tratamento desumano e degradante Laís de Oliveira Penido....................................................................................................................... 339 O trabalho do cortador de cana-de-açúcar sob a lente do Direito Ambiental do Trabalho Mariana Benevides da Costa e Sílvia Codelo Nascimento.................................................................. 351 Pacto Federativo de Cooperação Ambiental e proteção do meio ambiente do trabalho: o papel das associações locais de magistrados trabalhistas no âmbito do poder público municipal Flávio Leme Gonçalves, Guilherme Guimarães Feliciano e Ney Maranhão....................................... 373 O combate ao trabalho análogo ao de escravo e a tutela labor-ambiental Márcia Cunha Teixeira ...................................................................................................................... 377 O trabalho estressante e os impactos adversos na saúde do trabalhador Ana Luiza Leitão Martins, Juliana Ramalho Lousas Cesarini e Taissa Luizari Fontoura da Silva de Almeida.............................................................................................................................................. 393 A presunção juris tantum dos limites de tolerância fixados na NR-15. O caso emblemático do mercúrio Paulo Roberto Lemgruber Ebert.......................................................................................................... 413 Seção 5 Dimensão Reparatória da Tutela Labor-Ambiental Direito fundamental ao meio ambiente do trabalho hígido: responsabilidade civil do empregador Gustavo Filipe Barbosa Garcia............................................................................................................ 429 7 A responsabilidade patronal diante das doenças ocupacionais Carolina Masotti Monteiro................................................................................................................. 441 Responsabilidade do empregador pelos acidentes de trabalho — evolução histórica e legislativa Raimundo Simão de Melo................................................................................................................... 453 Ato inseguro, culpabilização das vítimas e o papel do nexo de causalidade na responsabilidade por acidentes do trabalho Alessandro da Silva.............................................................................................................................. 465 Seção 6 As Conexões do Direito Ambiental do Trabalho com as Ciências Afins Meio ambiente do trabalho e princípios da gestão ecológica Elizabeth de Mello Rezende Colnago................................................................................................... 481 Saúde mental no trabalho: esclarecimentos metodológicos para juristas Laís de Oliveira Penido e Giancarlo Perone........................................................................................ 499 As relações contemporâneas entre meio ambiente, trabalho e saúde mental Edith Seligmann-Silva, Marcelo Figueiredo e Tânia Franco ............................................................. 507 Estilos de gestão de pessoas e sofrimento psíquico: a importância da sociodinâmica do trabalho Hilda M. R. Alevato ........................................................................................................................... 549 Fatores psicossociais de risco no trabalho: atualizações Liliana Andolpho Magalhães Guimarães ........................................................................................... 569 8 APRESENTAÇÃO Cumprindo uma vez mais a sua missão editorial de oferecer ao público nacional o que há de mais vanguardeiro e ousado no campo do Direito Social, a Editora LTr publica este “Direito Ambiental do Trabalho: Apontamentos para uma Teoria Geral”, v. 2, seguindo basicamente os mesmos moldes do v. 1, publicado em 2013. Os capítulos foram divididos em quatro seções representativas dos principais eixos epistemológicos da disciplina — dimensão propedêutica (conceito e que tais), dimensão jusfundamental, dimensão preventiva, dimensão repressiva — que neste volume se desenvolve juntamente com os casos notáveis estudados pelos autores (flexibilização de jornada, rescisão contratual do acidentado, trabalho infantil artístico, cana-de-açúcar, construção civil etc.) —, dimensão reparatória e transversalidade (conexões com as ciências afins). No presente volume, dividi os esforços de seleção, organização e uniformização dos textos com três valorosos autores: o juiz do Trabalho NEY STANY MARANHÃO (TRT da 8ª Região), a quem orientei no Doutorado da Universidade de São Paulo; a juíza do Trabalho VALDETE SOUTO SEVERO (TRT da 4ª Região), minha aluna na disciplina “Saúde, Ambiente e Trabalho: Novos Rumos para a Regulamentação Jurídica do Trabalho”, em 2013; e o advogado trabalhista JOÃO DIOGO URIAS, que orientei no Mestrado da USP e com quem já havia compartido a coordenação do volume anterior. Outra vez, o leitor encontrará aqui, na perspectiva brasileira e também na estrangeira, abordagens inovadoras, entendimentos polêmicos e recensões substantivas para os principais tópicos ligados ao tema da saúde e da segurança do trabalho. Todas elas sistematizadas, como antes, em torno daqueles cinco eixos básicos de sentido. Não deve temer se aventurar. Boa leitura! São Paulo, julho de 2015. Guilherme Guimarães Feliciano Professor Associado II do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Juiz Vice-Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (2015-2017). Juiz Titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté/SP. 9 SEÇÃO 1 O CONCEITO DE MEIO AMBIENTE DO TRABALHO DIREITO AMBIENTAL DO TRABALHO: O MEIO AMBIENTE DO TRABALHO, UMA APROXIMAÇÃO INTERDISCIPLINAR Ingrid Cruz de Souza Neves(*) Isabelli Cruz de Souza Neves(**) Rinaldo Mouzalas de Souza e Silva(***) 1 INTRODUÇÃO A produção acadêmica moderna vem sendo marcada por uma clara tendência dita “especializante”. A questão ambiental, vista pela ótica laboral, assume considerável relevância na atualidade e introduz mudanças significativas nesse cenário, apontando para a necessária abordagem interdisciplinar ou “desespecializante”. Identifica-se, assim, que o estudo do meio ambiente do trabalho se insere no contexto de uma nova ciência jurídica, o Direito Ambiental do Trabalho, ramo do Direito que se caracteriza como uma reorientação da tutela ambiental, propondo a discussão e reflexão a respeito da proteção jurídica do trabalhador no seu ambiente laboral diante de uma perspectiva de dignidade da pessoa humana. Apesar de reconhecida autonomia científica, o tema, que agora se apresenta, não pode ser concebido de maneira isolada, porque possui alcance multidisciplinar e abrange aspectos do Direito Ambiental, do Direito Constitucional, do Direito do Trabalho — sobretudo no que se refere à Segurança e Medicina (*) Doutoranda em Cooperação Jurídica Internacional e Mestre em Cooperação Internacional para o Desenvolvimento pela Universidade de Salamanca, Espanha — Usal. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Escola da Magistratura do Trabalho da Paraíba. Graduada em Ciências Jurídicas pelo Centro Universitário de João Pessoa da Paraíba. Advogada do escritório Mouzalas, Borba & Azevedo Advogados Associados. (**) Mestranda em Direito Econômico da Universidade Federal de João Pessoa. Especialista em Direito Constitucional pela Escola Superior de Advocacia da Paraíba. Graduada em Ciências Jurídicas pelo Centro Universitário de João Pessoa da Paraíba. Advogada do escritório Mouzalas, Borba & Azevedo Advogados Associados. (***) Mestre em Processo e Cidadania pela Universidade Católica de Pernambuco. Especialista em Processo Civil pela Universidade Potiguar. Graduado em ciências jurídicas e sociais pela Universidade Federal da Paraíba. Membro da Associação Norte e Nordeste dos Professores de Processo. Advogado do escritório Mouzalas, Borba & Azevedo Advogados Associados. Consultor jurídico. 13 do Trabalho e ao Direito Internacional do Trabalho —, do Direito da Seguridade Social... todos estes de maneira mais delimitada, mas sem se olvidar de reflexos noutros ramos jurídicos e, até mesmo, de outras ciências, como a Medicina (em suas diversas ramificações) e a Engenharia. 2 DIREITO AMBIENTAL E MEIO AMBIENTE DO TRABALHO Em uma conceituação jurídica mais usual de meio ambiente, podemos distinguir duas perspectivas principais: uma estrita e outra ampla. Numa visão estrita, o meio ambiente nada mais é que a expressão do patrimônio natural e as relações com e entre os seres vivos. Numa concepção ampla, que vai além dos limites estreitos fixados pela Ecologia tradicional, o meio ambiente abrange toda a natureza original e artificial, assim como os bens culturais correlatos. Logo, o meio ambiente artificial ou humano está formado pelas edificações, equipamentos e alterações produzidos pelo homem(1). Nosso legislador adotou o conceito amplo e relacional de meio ambiente, o que, por consequência, permite uma regulamentação jurídica em um campo de aplicação mais extenso que aquele de outros países(2), na medida em que garante o direito ao meio ambiente de forma expressa no corpo da atual Constituição Federal e lho qualifica como direito fundamental, pela própria intelecção da conjugação dos seus arts. 1º, inciso III, e 225, caput: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III — a dignidade da pessoa humana; (...) Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. A vestimenta constitucional dada ao tema exige uma análise sistemática desses reflexos e consequências no ordenamento jurídico, visto que a questão ambiental não encontra fronteiras enquanto bem essencial a uma saudável qualidade de vida, possuindo, portanto, uma conotação multidisciplinar. O Direito Ambiental envolve temas de profunda abrangência sobre toda a organização da sociedade, exigindo, como reflexos, a revisão e o redimensionamento de conceitos, dentro da multiplicidade das relações sociais, principalmente, naquilo que envolve o meio ambiente de trabalho, quando se busca a melhoria da qualidade de vida para todos. Exemplo disso são as normas de proteção ao meio ambiente, as quais partem do conflito de interesses gerados nas relações do homem com a natureza e do homem com os processos produtivos, refletindo em todas as demais ações sociais e estando, dessa maneira, a questão ambiental envolta no cerne da problemática da sociedade moderna. Por outro lado, sendo o ambiente natural do ser humano uma das bases da sua sobrevivência, visto que fornece todos os bens naturais necessários à sua subsistência, e, de outra parte, sendo o trabalho a atividade que lhe permite a transformação desses bens em recursos essenciais à sua sobrevivência, forma-se o conceito de meio ambiente de trabalho sadio e equilibrado em todos os aspectos. (1) MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 8. ed. São Paulo: 2013. p. 133-137. (2) MILARÉ, Édis e MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 6.3. 14 3 FUNDAMENTAÇÃO CONSTITUCIONAL Cabe à Constituição, enquanto lei fundamental e suprema do país, traçar o conteúdo, os rumos e os limites da ordem jurídica. A inserção do meio ambiente em seu texto, conforme já abordado no item anterior, como realidade natural e, ao mesmo tempo, social, “deixa claro pela manifestação do constituinte o escopo de tratar o assunto como res maximi momenti, isto é, de suma importância para a nação brasileira”(3). A proteção constitucional do meio ambiente significa, em uma de suas interpretações, a defesa da humanização do trabalho, não se limitando à preocupação com as concepções econômicas que envolvem a atividade laboral, mas sim com a finalidade do trabalho como espaço de construção do bem-estar, de identidade e de dignidade daquele que trabalha. Nessa linha, destaca-se a preocupação e proteção do meio ambiente de trabalho, como sendo um direito assegurado constitucionalmente (art. 225, caput) e um dever do Estado e da coletividade em preservá-lo, com vista à promoção eficaz da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III). A tutela constitucional assegurada ao meio ambiente do trabalho, com enfoque ao seu equilíbrio, abrange os direitos humanos da pessoa do trabalhador, consubstanciando-se sua efetividade na própria garantia desse direito fundamental. 4 DIREITO DO TRABALHO E CONTORNOS DO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO Temos que o Direito do Trabalho existe com a finalidade primeira de promover a proteção da vida e da saúde dos trabalhadores, por meio dos seus princípios básicos e formadores, destacando-se o Princípio da Proteção ou Princípio da Tutela do Trabalhador, parte hipossuficiente na relação laboral. O marco inicial da profunda transformação do meio ambiente de trabalho se deu por meio da Revolução Industrial. Com ela, necessariamente, surgiu uma nova classe de operários, classificados como “proletariado”, e, conjuntamente, houve a degradação do meio ambiente de trabalho. O crescimento da população e as instalações das unidades produtivas provocaram uma concentração desordenada dos espaços, que resultou na construção de edifícios, casas e galpões. A formação do meio ambiente urbano gerou a imediata necessidade de criação de novas formas de produção e distribuição de água, alimentos, energia e transporte. O resultado global foi um grave desequilíbrio ecológico no planeta. A degradação ambiental desenfreada coincide com o pensamento dominante, na época, fruto do capitalismo que, pouco a pouco, ia se instalando. Tal corrente adotava uma forte e infeliz tese que afirmava ser, o desenvolvimento de um país, medido pela quantidade de chaminés e de fumaça que delas saíam, em outras palavras, “quanto mais fumaça, mais desenvolvimento”. O professor e teólogo Leonardo Boff, em um de seus trabalhos ecológico-filosóficos, afirma com propriedade que: “... desde doze mil anos antes de Cristo, todas as sociedades históricas foram energívoras, consumindo de forma sistemática e crescente as energias naturais. No entanto, a sociedade moderna está estruturada ao redor do eixo da economia, entendida como arte e técnica da produção ilimitada de riqueza mediante a exploração dos ‘recursos’ da natureza e da invenção tecnológica da espécie humana. Por consequência, nas sociedades modernas a economia não é mais entendida em seu sentido originário como gestão racional da escassez, mas como a ciência do crescimento ilimitado”(4). (3) MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 8. ed. São Paulo: 2013. p. 238-244. (4) BOFF, Leonardo. Ecologia: grito da terra, grito dos pobres. 2. ed. São Paulo: Ática, 1996. p. 109. 15 Diante do panorama de puro capitalismo expansionista, o meio ambiente de trabalho e a consciência para a preservação ambiental ficaram esquecidos pelos líderes empregadores e, também, pela população trabalhadora, justificada, talvez, pela preocupação em ter um salário ao fim do mês, sujeitando-se, na grande maioria dos casos, a condições desumanas (e, por que não, análogas à condição de escravos) tendo, inclusive, que se preocupar com a prevenção aos acidentes de trabalho, lesões e demais enfermidades ocasionadas no ambiente de trabalho, pois a responsabilidade de prevenção desses eventuais acidentes era exclusivamente do operário, e não do empregador. Dessa maneira “desresponsabilizada,” foi crescendo a classe operária, os doentes, os mutilados e a grave miséria da população, em contraposição ao aparecimento da nova classe dominante, qual seja, a burguesia industrial, detentora do poder econômico e preocupada com o conceito de lucro cessante decorrente de seus investimentos, sem se sensibilizar pela saúde e pela vida de um simples operário. O pensamento reinante à época era de que o desenvolvimento tecnológico e econômico seria a solução para combater a crescente miséria da população, e, erroneamente, que os recursos naturais seriam infinitos, sendo a natureza subjugada pelo homem. As doenças ocupacionais, o envenenamento por agrotóxicos, os sombrios ambientes de trabalho, os acidentes fatais na construção civil, nas fábricas e nos portos, decorrentes da falta de qualificação técnica no manuseio das máquinas e da falta de proteção por parte dos trabalhadores, eram o preço que a sociedade pagava pelo desenvolvimento desordenado. Tal quadro nos revela, ainda, que a produção em série trouxe à margem toda a fragilidade do homem na competição desleal com a máquina. Passado esse primeiro momento, verificou-se que tal pensamento estava envolto em equívocos, já que a miséria e o desemprego cresceram, e, desse modo, todos, sem exceção, quer empregadores, quer trabalhadores, sofreram as sérias consequências da degradação ambiental. Entretanto, nem tudo pode ser descartado desse período tão voraz. Um aspecto positivo da Revolução Industrial, que foi fortalecido pelo avanço desenfreado do capitalismo, merece destaque: ocorreu desenvolvimento tecnológico significativo, o qual desencadeou o surgimento das cidades e incorporou a ciência e a tecnologia ao processo produtivo, assim como a adoção de novas bases materiais de produção, novas formas de gestão e organização do trabalho. O Estado despertou para a questão social envolvida e para seu consequente papel tutelar, em termos gerais, traduzido pela promoção da dignidade dos seres humanos, neste caso específico, de todos os operários (homens, mulheres e crianças) que sacrificavam suas vidas nas indústrias. Atualmente, reconhece-se um forte movimento social dos trabalhadores, que atuam como verdadeiros protagonistas nas transformações da realidade laboral em paralelo ao papel estatal. De outra parte, o progresso da automação e da informatização vem provocado crescente desemprego associado ao trabalho informal. Nessa informalidade no trabalho, não são considerados valores como segurança, saúde e meio ambiente do trabalho digno. 4.1 Delineamento do meio ambiente do trabalho na perspectiva estrita laboral A título de definição e enquadramento doutrinário, o meio ambiente é considerado como um direito fundamental de terceira geração, pois que conforma os direitos de solidariedade e fraternidade, como a paz mundial, o desenvolvimento econômico dos países, a preservação do patrimônio comum da humanidade e da comunicação, que são imprescindíveis à condição humana e merecem a proteção do Estado e da sociedade em geral. 16 O conceito de meio ambiente foi legalmente definido, pela primeira vez, por meio do art. 3º, inciso I, da Lei n. 6.938/91(5). Tal definição trouxe vários conceitos referentes ao meio ambiente em si e instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente. Uma importante observação deve ser feita: apesar de a atual Carta Constitucional Brasileira não haver definido o que vem a ser meio ambiente, é a primeira Constituição, dentre as outras sete anteriores, que dispõe de um capítulo destinado exclusivamente ao meio ambiente, conforme se denota do Capítulo VI — “Do Meio Ambiente”, inserido no Título VIII — “Da Ordem Social”. A definição de meio ambiente é bastante ampla, uma vez que o legislador optou por um conceito jurídico aberto, criando um espaço positivo de incidência da norma legal, em perfeita harmonia com a Constituição Federal, a qual, em seu art. 225, tutela os aspectos do meio ambiente natural, artificial, cultural e, também, do trabalho. Destaque-se que a definição de meio ambiente do trabalho não se limita, tão somente, ao trabalhador que possui uma carteira profissional do trabalho devidamente assinada e registrada. É geral, ampla e irrestrita, do ponto de vista da aplicabilidade a qualquer trabalhador que desempenhe uma atividade, inclusive, não remunerada. Todos estão compreendidos pela proteção constitucional e têm assegurado um ambiente de trabalho adequado, seguro e coerente com a digna e sadia qualidade de vida. Para José Afonso da Silva(6), o meio ambiente do trabalho corresponde “ao complexo de bens imóveis e móveis de uma empresa e de uma sociedade, objeto de direitos subjetivos privados, e de direitos invioláveis da saúde e da integridade física dos trabalhadores que o frequentam”. Amauri Mascaro Nascimento(7) entende que o meio ambiente de trabalho é, exatamente, “o complexo máquina-trabalho, as edificações do estabelecimento, equipamentos de proteção individual, iluminação, conforto térmico, instalações elétricas, condições de salubridade ou insalubridade, de periculosidade ou não, meios de prevenção à fadiga, e outras medidas de proteção ao trabalhador”. Diante das modificações pelas quais passa o trabalho, o meio ambiente laboral não se restringiria ao espaço interno da fábrica ou da empresa, mas se estenderia ao próprio local de moradia ou ao ambiente urbano, essa é a opinião do jurista Julio Cesar de Sá da Rocha, quando afirma “o meio ambiente do trabalho caracteriza-se como a ambiência na qual se desenvolvem as atividades do trabalho humano”. Portanto, o meio ambiente de trabalho pode ser considerado como o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio baseia-se na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, independente da condição que ostentam (homens ou mulheres, maiores ou menores de idade, celetistas, servidores públicos, autônomos etc.). Diante das definições mencionadas, percebemos a autonomia do tema meio ambiente de trabalho, possuindo como objeto a salvaguarda do homem no seu ambiente de trabalho contra as formas de degradação da sua sadia qualidade de vida. O meio ambiente do trabalho, conforme demonstrado, insere-se na seara comum dos ramos jurídicos Direito Ambiental e Direito do Trabalho. Todavia, são distintos os bens tutelados: enquanto o primeiro busca a proteção do ser humano trabalhador contra qualquer forma de degradação do ambiente onde exerce suas atividades, o segundo se ocupa com as relações jurídicas existentes entre empregado e empregador, nos limites da relação contratual trabalhista. (5) “Art. 3º Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I — meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;”. (6) SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 5. (7) NASCIMENTO, Amauri Mascaro. A defesa processual do meio ambiente do trabalho. Revista LTr, 63/584. 17 4.2 O meio ambiente do trabalho enquanto direito laboral transindividual Como o direito ao meio ambiente é tido como um direito difuso, metaindividual e indivisível, de sorte que nenhum indivíduo é, de forma isolada, seu titular, mas sim toda a sociedade, considerada como um todo, sem distinções. O meio ambiente do trabalho adequado, saudável e seguro é um direito fundamental de todos os cidadãos trabalhadores igualmente considerados na sua totalidade. É direito essencialmente difuso, aquele cujo conceito legal é de interesse transindividual, de natureza indivisível, no qual os titulares são pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. Essa ideia se apresenta corroborada pelo disposto no art. 81, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor — instituído pela Lei n. 8.078/90(8). Nesse sentido, trazemos o entendimento de Celso Antonio Pacheco Fiorillo(9), que entende que “a salvaguarda do homem trabalhador, enquanto ser vivo, das formas de degradação e poluição do meio ambiente onde exerce seu labuto, que é essencial à sua sadia qualidade de vida, é, sem dúvida, um direito difuso”. 5 MEIO AMBIENTE DO TRABALHO E DIREITO À SEGURANÇA E MEDICINA DO TRABALHO A Segurança e Medicina do Trabalho tem sido um importante segmento da ciência, vinculado ao Direito do Trabalho, que assume papel de oferecer condições de proteção à saúde do trabalhador no local de trabalho(10). As primeiras preocupações no campo do meio ambiente do trabalho foram com a segurança do trabalhador, reflexo da própria degradação de sua saúde à época da Revolução Industrial, com o intuito de afastar a agressão dos acidentes do trabalho. Posteriormente, passou-se a perceber uma atenção à medicina do trabalho no intuito de curar determinados tipos de doenças e, assim, ampliou-se a pesquisa para a higiene pessoal, visando à saúde do trabalhador, na busca do bem-estar físico, mental e social. É bastante nítida a interdependência entre o meio ambiente do trabalho, a Segurança e Medicina do Trabalho, o Direito do Trabalho, os direitos sociais, os direitos fundamentais e o Direito Constitucional. E, a partir de um estudo das conquistas laborais ao longo do tempo, verifica-se que importantes direitos trabalhistas relacionados à Segurança e Medicina do Trabalho fazem parte dos direitos sociais, os quais também figuram como direitos humanos fundamentais de terceira geração ou dimensão(11), a exemplo dos adicionais de insalubridade e de periculosidade(12). Atualmente, a pretensão é avançar além da saúde do trabalhador, em vista da integração deste com o ser humano dignificado, que tem vida dentro e fora do ambiente do trabalho. 6 MEIO AMBIENTE DO TRABALHO NO PLANO INTERNACIONAL O século XX, marcado pelo desenvolvimento acentuado das mais diversas tecnologias e pelo nascer da globalização, percorreu um trajeto acelerado em busca de adequações para essa nova ordem mundial. (8) Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I — interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; (9) Cf. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Manual de direito ambiental e legislação aplicável. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 66. (10) Cf. MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 622. (11) Cf. RAMOS, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos Humanos na ordem internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 84-85. (12)Cf. MAGANO, Octavio Bueno. Manual de direito do trabalho: direito tutelar do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 1992, v. 4. p. 155-174. 18 Nesse cenário, no século XXI a questão ambiental, mais do que nunca, terá um papel de relevo pela sua característica global(13). A normativa internacional amplamente conhecida, o Tratado de Versailles, de 1919, ao criar a Organização Internacional do Trabalho (OIT) incluiu, como uma de suas competências específicas, a proteção contra os acidentes no meio ambiente de trabalho e as doenças profissionais dele decorrentes, cujos riscos devem ser eliminados, neutralizados ou reduzidos por medidas apropriadas da engenharia de segurança e medicina do trabalho(14). Algumas dessas normas internacionais, que tratam sobre diferentes aspectos dessa matéria, podem ser citadas, a saber: a) Convenção n. 12, de 1921, sobre acidentes do trabalho na agricultura; b) Convenção n. 120, de 1964, referente à higiene no comércio e nos escritórios; c) Convenção n. 148, de 1977, pertinente à proteção dos trabalhadores contra os riscos profissionais em razão da contaminação do ar, ruído e vibrações no local de trabalho; d) Convenção de 152, de 1979, referente à segurança e higiene nos trabalhos portuários; e) Convenção n. 155, de 1981, referente à segurança e saúde dos trabalhadores e meio ambiente do trabalho, ratificada; f) Convenção n. 167, de 1988, sobre segurança e saúde na construção; g) Convenção n. 176, de 1995, quanto à segurança e saúde nas minas(15). Merece destaque, particularmente, a Convenção n. 155, que foi concluída em Genebra, em 22 de junho de 1981, por versar sobre a segurança e saúde dos trabalhadores e sobre o meio ambiente do trabalho, sobretudo, por haver sido ratificada e promulgada pelo Brasil por meio do Decreto n. 1.254, em 29 de setembro de 1994. Em seu texto, estabelece que, para fins de interpretação, fica determinado que a expressão “local de trabalho” abrange todos os lugares onde os trabalhadores devem permanecer ou onde têm que comparecer, e que esteja sob o controle, direto ou indireto, do empregador. Ela estabelece, também, dois princípios a serem observados pela política nacional, a saber: Art. 4º 1. Todo Membro deverá, em consulta às organizações mais representativas de empregadores e de trabalhadores, e levando em conta as condições e a prática nacionais, formular, pôr em prática e reexaminar periodicamente uma política nacional coerente em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho. 2. Essa política terá como objetivo prevenir os acidentes e os danos à saúde que forem consequência do trabalho, tenham relação com a atividade de trabalho, ou se apresentarem durante o trabalho, reduzindo ao mínimo, na medida em que for razoável e possível, as causas dos riscos inerentes ao meio ambiente de trabalho. O Estado Nacional Brasileiro recebeu orientações, de ordem internacional, no sentido de formular políticas de prevenção a acidentes e danos ocorridos no meio ambiente do trabalho. Não, apenas, recebeu orientações, mas comprometeu-se a implementá-las, desde o momento que ratificou a referida normativa internacional. 7 MEIO AMBIENTE DO TRABALHO E A PERSPECTIVA DE DIREITOS SECURITÁRIOS A Seguridade Social compreende um conjunto de ações que visam a assegurar direitos relacionados à saúde, à previdência e à assistência social, tomando por base princípios voltados ao indivíduo e lhe garantindo meios de subsistência e de saúde(16). (13) Cf. MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 8. ed. São Paulo: RT, 2013. p. 155-157. (14) Cf. SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito internacional do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2000. p. 388. (15) Cf. Organização Internacional do Trabalho no Brasil, disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br>. Acesso em: 20.3.2014. (16) VIANA, Cláudia Salles Vilela. Previdência social, custeios e benefícios. 2. ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 48. 19