EXMO. SR. DR. JUIZ FEDERAL DA 17ª VARA – ESPECIALIZADA CRIMINAL – DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DA BAHIA IPL 1-276/2005 (Autos n. 2005.33.00.007442-2) e NF 1.14.000.002108/201581 O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL oferece DENÚNCIA contra 1) FLAVIO RUBENS SOUZA ANDRADE* 2) AILTON SILVA VIEIRA* 3) SERGIO LUCIANO NOVAES DE QUEIROZ* pela prática das condutas criminosas a seguir descritas: I. LINEAMENTOS GERAIS: I.1. No ano de 2004, o Escritório de Pesquisa e Investigação da 5ª Região Fiscal, órgão de inteligência da Receita Federal, identificou a 1 prática em série de sonegações fiscais, urdida e executada pelo contador FLAVIO RUBENS SOUZA ANDRADE (primeiro denunciado). Ele comandava a empresa TAO CONTABILIDADE LTDA., responsável pela contabilidade da Associação Baiana de Medicina (ABM) e da Fundação ABM de Pesquisa e Extensão na Área de Saúde (FABAMED). O acesso do primeiro denunciado a estas entidades era de tal ordem que o seu escritório funcionava, inclusive, na sede desta última (Av. Sete de Setembro, Edf. Alfa Bahia, sala 501, Centro, Salvador/BA). Valendo disto, ele obteve talonários e informações fiscais de diversos médicos, que foram empregados nas fraudes. I.2. Munido destes dados, o primeiro denunciado passou a “vender” recibos e notas fiscais de serviços médicos e odontológicos para os indivíduos que com ele faziam suas Declarações de Imposto de Renda – Pessoa Física (IRPF), cobrando 10% do montante ilicitamente deduzido (cf. testemunho do Auditor PAULO TORQUATO TASSO – fl. 41). I.3. A escala das fraudes foi muito significativa. Análise realizada no material apreendido em busca autorizada por esse MM. Juízo (autos n. 2004.33.00.022012-7, em apenso) demonstrou que o esquema criminoso empregou 1.054 recibos falsos, favorecendo 330 contribuintes, e 733 notas fiscais falsas beneficiaram 260 pessoas. Cerca de 80 médicos e dentistas tiveram seus nomes utilizados (cf. fl. 41). Triados os casos com os parâmetros fiscais, foram instauradas ações fiscais em 72 pessoas físicas. Todas elas se valiam de deduções indevidas na base de cálculo de IRPF, “em especial relativas a despesas médicas, com o fim de aumentar indevidamente seu imposto a restituir, ou reduzir indevidamente seu imposto a pagar” (fl. 65). Destes, vários aderiram adimpliram os créditos e/ou aderiram a programas de parcelamento (cf. fls. 136-137 e 299-300). Ao menos um 2 ainda pende de constituição definitiva (cf. fl. 307). Outros foram objeto de Representações Fiscais para Fins Penais (RFFP) autônomas (cf. fl. 158), que se viram arquivadas por pagamento ou ensejaram a instauração de ações penais condenatórias, a exemplo das de n. 2005.33.00.018911-0, 2007.33.00.023486-0, 2007.33.00.010887-9, 2009.33.00.002786-3, 2095363.2010.4.01.3300, 25043-79.2011.4.01.3300 e 014628-37.2011.4.01.3300 (cf. fls. 158 e 192). Em razão disto, esta denúncia cinge-se a imputar os delitos praticados pelo primeiro denunciado em concurso com AILTON DA SILVA VIEIRA (segundo denunciado), RAUL GOLFETTO CELUQUE1 e SERGIO LUCIANO NOVAES DE QUEIROZ (terceiro denunciado). II. DA SONEGAÇÃO FISCAL CONCERNENTE A AILTON SILVA VIEIRA. DA PARTICIPAÇÃO DO PRIMEIRO DENUNCIADO NA SONEGAÇÃO FISCAL DE RAUL GOLFETTO CELUQUE: II.1. Nos anos-calendário de 2000, 2001 e 2003, AILTON SILVA VIEIRA (segundo denunciado) reduziu e suprimiu o pagamento de Imposto de Renda – Pessoa Física (IRPF), ao deduzir indevidamente despesas de saúde nas declarações de ajuste anual (DIRPF) elaboradas e transmitidas em concurso com primeiro denunciado. Com efeito, foram ilicitamente abatidas despesas falsas, que teriam sido feitas, p. ex., junto a: a) Oftalmolaser S/C Ltda., COI Clínica Odontológica de Itapuã S/C Ltda. e MULTICLIN – Atendimento em clínica médica Ltda., na DIRPF de 2001 (ano-calendário de 2000 – fl. 352); b) CEMED – Centro Médico do Barbalho, Vida Assistência Médica Especializada e CLAB – Centro de Análises Clínicas da Bahia (DIRF de 2002 – ano1 Não denunciado por já ter falecido (cf. decisão que reconheceu a extinção da punibilidade à fl. 446). 3 calendário de 2001); c) Oftalmolaser S/C Ltda. (DIRF de 2004 – anocalendário de 2003). Isto resultou na lavratura de auto de infração (processo administrativo fiscal – PAF n. 10580.003.432/2006-46 – fls. 333 e ss.), quantificando o IRPF sonegado em R$ 33.721,30 (fl. 344). Contudo, em 12-05-2006 o segundo denunciado requereu o parcelamento do débito (fls. 366-372), o que ocasionou a suspensão da punibilidade e da contagem da prescrição até a rescisão do benefício, ocorrida em 15 de março de 2011 (fl. 373). Por isto, o lançamento definitivo somente ocorreu em 18 de março de 2011 (fl. 459), data a partir da qual se iniciou a fluência do prazo prescricional2. O débito foi inscrito na dívida ativa da União, tendo sido ajuizada ação fiscal (fl. 457). II.2. Demais disso, o primeiro denunciado também auxiliou a sonegação fiscal praticada por RAUL GOLFETTO CELUQUE, já falecido, elaborando e transmitindo DIRFs eivadas de despesas de saúde forjadas, o que resultou na constituição do crédito tributário alusivo ao PAF n. 10580.612.509/2011-31 (fls. 322 e ss.), definitivamente constituído em 14 de dezembro de 2011. III. DA SONEGAÇÃO FISCAL REFERENTE A SERGIO LUCIANO NOVAES DE QUEIROZ: III.1. Nada obstante tenha sido investigado e denunciado pela prática dos delitos mencionados nos itens I e II desta inicial, o primeiro denunciado continuou a participar de infração ao art. 1º da Lei n. 8.137/90. 2Cf., p. ex., STF, HC 85.428/MA, Rel. Min. Gilmar Mendes. 4 III.2. A RFFP n. 10580.722.893/2010-06 (NF n. 1.14.000.002.108/2015-81, cujo apensamento aos autos é requerido nesta data) retrata sonegação fiscal praticada por SERGIO LUCIANO NOVAES DE QUEIROZ3 (terceiro denunciado) nos anos-calendários de 2006 e 2007. Em ambos, comprovou-se que as DIRFs, feitas com o assessoramento do primeiro denunciado (cf. fl. 39 da RFFP encartada à fl. 7 da NF n. 1.14.000.002.108/2015-81, cuja cópia impressa é acostada nesta oportunidade), dolosamente omitiram receitas hauridas pelo segundo denunciado, que, destarte, suprimiu e reduziu o pagamento de Imposto de Renda – Pessoa Física (IRPF). Diante disto, 10580.722.592/2010-74), foi lavrado quantificando o auto IRPF de infração sonegado (PAF n. em R$ 6.414.378,35 (fl. 3 da RFFP). O terceiro denunciado recorreu administrativamente, mas sua irresignação foi rechaçada tanto na Delegacia da Receita Federal do Brasil de Julgamento em Salvador (DRJ/Salvador – acórdão 15-32.003, de 20 de março de 2013, fls. 75-77 da RFFP) quanto no Conselho Administrativo de 3 Investigado nos autos n. 2007.33.00.026787-1 (2ª Vara dessa Seção Judiciária), valendo aqui a transcrição de fls. 271 do referido feito: “1. Trata-se de inquérito policial instaurado para apurar suposta prática de lavagem de capitais imputada por JOSÉ ANDRADE CERQUEIRA DA ANUNCIAÇÃO, funcionário do Banco do Brasil, em desfavor de JOSÉ DO NASCIMENTO BINDA, então gerente da agência do Banco do Brasil no TRT/5 Região, (fls. 02/04) e seu filho TIAGO PINHEIRO BINDA (fls. 16/30), em razão do desconto de três cheques sem a devida assinatura e dados necessários. JOSÉ ANDRADE CERQUEIRA DA ANUNCIAÇÃO se recusou a a pagar três cheques que estavam em poder de TIAGO PINHEIRO BINDA, pertencentes a SERGIO LUCIANO NOVAES DE QUEIROZ, pois verificou que não constavam assinatura, data e número da conta, e que tais dados eram acrescidos e “endossados” por JOSÉ DO NASCIMENTO BINDA, na condição de gerente de sua agência (fl. 17). Em seu depoimento (fl. 160), SERGIO LUCIANO NOVAES DE QUEIROZ declarou ser “sócio de fato” da empresa B Q & Z FOMENTO MERCANTIL, CNPJ nº 08.410.345/0001-25 (atos constitutivos e alterações às fls. 185/194), juntamente com JOSÉ DO NASCIMENTO BINDA e JACIMAR JANELATO, mas, que todos colocaram a empresa em nome da irmã e filhos, respectivamente, o segundo por ser bancário e não poder figurar no quadro social e os demais por mera opção. Ainda segundo o referido depoente, os cheques descontados (citados pelo autor da notícia do fato) sem a correspondente assinatura decorriam das atividades da referida empresa, e realizou os devidos esclarecimentos junto à Receita Federal do Brasil”. 5 Recursos Fiscais (CARF – acórdão 2102-003.237, de 21-01-2015, fls. 10-17 da NF). Em face disto, o lançamento definitivo deu-se em 10 de julho de 2015 (fl. 19), iniciando-se a fluência do prazo prescricional4. Vale salientar que débito também foi inscrito na dívida ativa da União (cf. extrato obtido no sítio eletrônico da PGFN/convênio MPF, fl. 20 da NF). IV. CONCLUSÃO IV.1. Vê-se, assim, que o segundo e o terceiro denunciados - principais beneficiários das condutas criminosas – dolosamente suprimiram e reduziram o pagamento de IRPF, ao deduzirem despesas de saúde forjadas e omitirem receitas em suas declarações anuais de ajuste. Para tanto, eles se valeram do auxílio do primeiro denunciado, contador que confeccionou e transmitiu à Receita Federal as declarações eivadas de falsidade – como, aliás, fizera com a de RAUL GOLFETTO CELUQUE e diversos outras pessoas, conforme narrado anteriormente. IV.2. De todo o exposto, o Ministério Público Federal requer que o denunciados sejam condenados como incursos nas penas dos artigos: a) 1º, inciso I, da Lei n. 8.137/90, c/c o art. 29 do Código Penal (por três vezes), relativamente ao primeiro denunciado; b) 1º, inciso I, da Lei n. 8.137/90, quanto ao segundo e o terceiro denunciados. Para tanto, elenca como testemunhas PAULO TORQUATO TASSO (fls. 41-42) e NECYMARA NEVES FAGUNDES PARANHOS (fl. 90), P. deferimento. 4Cf., p. ex., STF, HC 85.428/MA, Rel. Min. Gilmar Mendes. 6 Salvador, 17 de agosto de 2015. ANDRÉ LUIZ BATISTA NEVES PROCURADOR DA REPÚBLICA *dados omitidos para fins de divulgação 7