Universidade Presbiteriana Mackenzie
A EFICÁCIA DOS DIREITOS SOCIAIS GARANTIDOS PELA CONSTITUIÇÃO DE
1988
Silvana Fleury Curado (IC) e Patrícia Tuma Martins Bertolin (Orientadora)
Apoio: PIVIC Mackenzie
Resumo
O presente trabalho desenvolveu uma análise sobre os limites do tratamento dispensado aos direitos
sociais, tanto no seu reconhecimento internacional como direitos humanos, a partir da Declaração
Universal dos Direitos do Homem, de 1948, e do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais
e Culturais, de 1966, quanto na sua constitucionalização no âmbito nacional, a partir de 1934. Esses
limites foram considerados como fatores que incidem sobre a eficácia das normas constitucionais
brasileiras que tratam dos direitos sociais, uma vez que se verifica considerável dificuldade de
aplicação dos avanços sociais previstos pela Constituição de 1988. Desenvolveu-se, assim, uma
análise sobre o processo de internacionalização dos direitos humanos, com foco nos direitos
econômicos, sociais e culturais, e seus reflexos na realidade constitucional pátria. Foram
apresentadas as ações constitucionais voltadas à concretização dos direitos previstos na Lei Maior e
aferidos os desafios a serem enfrentados pelo Estado brasileiro para tornar efetivas as conquistas
sociais decorrentes do processo de superação do regime autoritário implantado no país em 1964 e
que perdurou por mais de duas décadas.
Palavras-chave: direitos sociais, eficácia, Constituição de 1988
Abstract
This study developed an analysis of the limits of the treatment given to social rights, both in its
international recognition as human rights, from the Universal Declaration of Human Rights, 1948, and
the International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights of 1966, as in its constitution at
the national level, from 1934. These limits are considered as factors that relate to the effectiveness of
constitutional norms brazilian about social right, in that there is considerable difficulty of applying the
social advances provided by the Constitution of 1988. Developed, thus, an analysis on the process of
internationalization of human rights, focusing on economic, social and cultural rights, and their
reflections in fact constitutional country. Were presented constitutional actions aimed at achieving the
rights guaranteed under the Constitution and be assessed the challenges faced by the Brazilian
government to make effective the social benefits from the process of overcoming the authoritarian
regime established in the country in 1964 and lasted for more than two decades.
Key-words: social rights, effectiveness, Constitution of 1988.
1
VII Jornada de Iniciação Científica - 2011
INTRODUÇÃO
O tema deste estudo - A Eficácia dos Direitos Sociais garantidos pela Constituição de 1988
– reveste-se da maior importância, tendo em vista que o Brasil é uma República
Democrática (e Social) de Direito, nos termos do que dispõe o próprio texto constitucional.
Este estabelece, em seu art. 3º, como objetivos do Estado brasileiro, constituir uma
sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e
a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, além promover o bem de
todos... Nada disso, contudo, será possível, se inexistirem mecanismos garantidores da
eficácia social dos dispositivos constitucionais.
Os direitos sociais constituem uma “categoria-chave” de direitos, uma vez que, a partir da
sua implementação, é possível transformar a realidade social brasileira. A problemática
consiste na dificuldade de aplicação dos avanços sociais resultantes da Constituição de
1988.
O foco central deste trabalho esteve na compreensão dos limites do tratamento dispensado
a esses direitos, tanto no seu reconhecimento internacional como direitos humanos, quanto
na sua constitucionalização no âmbito nacional, observando aqueles limites como fatores
que incidem sobre a eficácia das normas constitucionais acerca dos direitos sociais.
A proteção internacional dos direitos humanos e, mais especificamente, dos direitos sociais,
representa indiscutível limitação jurídica aos excessos do poder econômico, em um país
capitalista como o Brasil. Daí o presente trabalho vincular-se com a linha de pesquisa da
Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie “O poder econômico e seus
limites jurídicos”, na sua área temática “Direitos Políticos, Econômicos e Sociais.”
O presente estudo é dividido em três partes: inicialmente será analisado o processo de
internacionalização dos direitos humanos, em que realizar-se-á estudo sobre Pacto
Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, da ONU, de 1966. A seguir,
serão estudados os reflexos da internacionalização dos direitos sociais sobre a realidade
constitucional pátria, para, posteriormente, serem examinados os remédios constitucionais
criados pelo constituinte de 1988 e as espécies normativas presentes no texto constitucional.
Enfim, serão examinados os desafios enfrentados pelo Estado brasileiro para concretizar as
conquistas sociais previstas pela Constituição de 1988.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
REFERENCIAL TEÓRICO
A pesquisa adotou o livro de Alessandra Gotti Bontempo, intitulado “Direitos Sociais Eficácia e Acionabilidade à Luz da Constituição de 1988” como referencial teórico, buscando,
na medida do possível, orientar-se pela estrutura de raciocínio desenvolvida pela autora,
que em um primeiro momento conceituou os direitos de segunda dimensão – ou direitos
econômicos, sociais e culturais. Realizou também uma análise sobre os avanços sociais
trazidos pela Constituição de 1988, para, posteriormente, fazer uma avaliação sobre eficácia
e acionabilidade dos direitos sociais.
MÉTODO
Será utilizado o método dissertativo-argumentativo, a partir da leitura e fichamento de
algumas das mais importantes obras jurídicas da atualidade sobre os direitos fundamentais,
os direitos sociais e a sua efetivação.
O método de abordagem será o hipotético-dedutivo, pois a pesquisa será realizada a partir
da ideia central de que deve haver mecanismos eficazes para que os direitos sociais
tornem-se realidade, uma vez que a mera enunciação desses direitos no texto constitucional
é insuficiente para que eles sejam garantidos. As referências bibliográficas citadas ao longo
do texto tiveram por objetivo fundamentar a argumentação desenvolvida.
1. O processo de internacionalização dos direitos humanos
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, editada pela Assembléia Geral da ONU, em
1948, se reveste de indiscutível relevância internacional, uma vez que antes de seu advento
entendia-se que o tratamento dispensado pelo Estado a seus cidadãos era uma questão de
competência interna, sem grande importância em termos internacionais.
Tal pensamento começou a ser modificado com o surgimento do Direito Humanitário, da
Liga das Nações e da Organização Internacional do Trabalho. Os Estados que a esses
organismos aderissem deveriam obedecer a regras que estabeleciam maior dignidade no
tratamento dispensado à pessoa humana. Dessa forma, começaram a ser aplicados, ainda
que de maneira tímida, limites à atuação desses Estados-membros, que “passaram a
incorporar, (...), compromissos e obrigações de alcance internacional, no que diz respeito
aos direitos humanos”. (PIOVESAN, 2006, p.111)
3
VII Jornada de Iniciação Científica - 2011
Esse fenômeno, hoje consolidado, redefiniu o conceito de soberania, pois uma maior
consciência social começou a surgir, restringindo o poder arbitrário dos governantes.
O advento da Segunda Guerra Mundial evidenciou o legítimo interesse na proteção
internacional dos direitos humanos, ultrapassando os propósitos de cada Estado, a fim de
impedir que se repetissem as atrocidades cometidas naquele período. Assim, tornou-se de
suma importância a imediata construção de um sistema normativo internacional para a
efetiva proteção dos direitos humanos, que direcionasse os Estados em suas condutas.
Dessa forma, em 1945, a Carta das Nações Unidas, segundo a qual a manutenção da paz
era uma prioridade, foi apresentada ao mundo, tendo como metas garantir a cooperação
internacional diante dos problemas econômicos, sociais, culturais ou humanitários e
estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos.
A partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos tornou-se impossível desvincular as
ações estatais de um comportamento pautado em valores e princípios rígidos sobre
condições dignas de tratamento ao ser humano.
Visando criar uma ordem mundial apoiada no respeito à dignidade humana, a Declaração de
1948 garantiu a universalidade desses direitos. Assim, todas as pessoas, não importando
sua etnia, religião, língua, sexo ou nacionalidade, tornaram-se seus titulares. Assim, são
direitos fundamentais aqueles a que todos devem ter acesso, pelo simples fato de sua
condição humana, devendo toda sociedade garanti-los a seus membros.
Juntamente com o critério da universalidade, foi também reconhecida a indivisibilidade
desses direitos, já que houve a preocupação em tratá-los de maneira una e indivisível.
Destarte, os direitos civis e políticos foram conjugados aos direitos econômicos, sociais e
culturais e assim assimilados pela comunidade internacional.
José Augusto Lindgren Alves (1997, p. 4) sustenta que: "Todas as Constituições nacionais
redigidas após a adoção da Declaração pela Assembléia Geral da ONU nela se inspiram ao
tratar dos direitos e liberdades fundamentais, pondo em evidência, assim, o caráter hoje
universal de seus valores".
Em decorrência desse pensamento inovador, criou-se uma forte interdependência entre os
direitos civis e políticos e os direitos econômicos, sociais e culturais, conforme explica Flávia
Piovesan (2006, p. 136):
Vale dizer, sem a efetividade dos direitos econômicos, sociais e culturais,
os direitos civis e políticos se reduzem a meras categorias formais,
enquanto que, sem a realização dos direitos civis e políticos, ou seja, sem
a efetividade da liberdade entendida em seu mais amplo sentido, os
direitos econômicos e sociais carecem de verdadeira significação. (...) Em
suma, todos os direitos humanos constituem um complexo integral, único e
Universidade Presbiteriana Mackenzie
indivisível, no qual os diferentes direitos estão necessariamente interrelacionados e são interdependentes entre si.
O tratamento igualitário conferido a esses direitos representou um avanço sem precedentes,
pois certos fatores sempre atuaram de modo a impedir que os direitos civis e políticos e os
direitos econômicos, sociais e culturais operassem conjuntamente. Entre eles, pode-se
destacar o fato dessas duas categorias de direitos terem naturezas distintas no que tange à
sua atuação: enquanto os direitos civis e políticos objetivam controlar os poderes do Estado,
de modo a evitar que pratiquem atos arbitrários, os direitos econômicos, sociais e culturais
atuam de modo diverso, exigindo do Poder Público uma atuação positiva, para implementar
direito. Outro ponto relevante é a questão de que, historicamente, os direitos civis e políticos
estão ligados à noção de liberdade e os direitos econômicos, sociais e culturais relacionados
ao valor da igualdade. Por isso, estes últimos são considerados direitos “socializantes”.
(ALVES, 2003, p. 47)
Ademais, durante boa parte do século XX, o mundo esteve dividido em dois grandes blocos
de países, capitaneados pelas então duas maiores potências mundiais: de um lado estavam
os Estado Unidos e os países de economia capitalista, de outro, a União das Repúblicas
Socialista Soviéticas, como líder dos países socialistas. Inevitavelmente, a “Guerra Fria”
influenciou diretamente a construção dos documentos relacionados aos direitos humanos,
haja vista a divisão em dois pactos internacionais, tratados adiante.
Em decorrência da distinta natureza dessas duas categorias de direitos e do momento
político da redação dos referidos diplomas, foi decidido que seriam elaborados dois pactos,
um relativo aos diretos civis e políticos e outro, aos direitos econômicos, sociais e culturais.
Apesar da relevância da Declaração Universal dos Direitos Humanos para a criação de uma
consciência social, a partir do reconhecimento universal dos diretos humanos fundamentais,
não detinha força vinculante, sendo necessário um pacto ou tratado internacional que
abarcasse seus efeitos sobre os Estados. A soma da Declaração de 1948 com os dois
Pactos Internacionais de Direitos Humanos, nas palavras de José Augusto Lindgren Alves
(1997, p. 24) são: “os três principais elementos que dão sustentação a toda a arquitetura
internacional de normas e mecanismos de proteção aos direitos humanos”.
Para os fins deste trabalho, não será examinado o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e
Políticos, mas tão somente o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Socais e
Culturais, que reflete o reconhecimento por parte da comunidade internacional de que o
bem-estar do ser humano em parte se dá em decorrência de boas condições econômicas,
sociais e culturais oferecidas pelos governos.
5
VII Jornada de Iniciação Científica - 2011
Coube a este Pacto detalhar e ampliar os direitos estabelecidos na Declaração de 1948, que
muito genericamente definira os direitos sociais. Seria exigida dos Estados uma postura
ativa e participante na promoção de políticas públicas, que era inovador com relação ao
Pacto de Direitos Civis e Políticos, que para concretização dos direitos nele previstos
requeria mera abstenção por parte dos Estados.
O modo de atuação dos governos para a implementação dessas duas categorias de diretos
também se faz de maneira diversa: enquanto a realização dos direitos civis e políticos é
imediata para os Estados-membros, os direitos de segunda dimensão1 (econômicos, sociais
e culturais) são de realização progressiva.
A fim de fiscalizar a concretização dos direitos sociais de cada Estado-parte, foi criado
sistema de monitoramento, que se dá através da apresentação sistemática de relatórios ao
secretário geral da ONU, que por sua vez encaminhará uma cópia ao Conselho Econômico
e Social para apreciação, elencando as medidas realizadas e suas dificuldades, a fim de
garantir a devida observância aos direitos reconhecidos.
Junto à obrigatoriedade de se adotar medidas progressivas para a implantação dos direitos
sociais, está o princípio do não retrocesso social, que consiste na vedação aos Estados de
retroceder no campo da implementação desses direitos. Dessa maneira, a liberdade do
legislador é limitada pelo núcleo essencial até então executado, de modo que a obrigação
de promover o desenvolvimento dos direitos sociais deve ser compreendida à luz do
princípio da indivisibilidade dos direitos humanos.
José Joaquim Gomes Canotilho (2003, p. 339-340) aprofunda o assunto, sustentando que:
O princípio da proibição do retrocesso social pode formular-se assim: o
núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efetivado através de
medidas legislativas (...) deve considerar-se constitucionalmente garantido,
sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação
de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na
prática numa “anulação”, “revogação” ou “aniquilação” pura e simples
desse núcleo essencial. A liberdade de conformação do legislador e
inerente auto-reversibilidade têm como limite o núcleo essencial já
realizado, sobretudo quando o núcleo essencial se reconduz à garantia do
mínimo de existência condigna inerente ao respeito pela dignidade da
pessoa humana.
Também a esse respeito, Patrícia Tuma Martins Bertolin (2007, p. 13) observa:
1
A separação dos direitos fundamentais em duas “categorias”, a dos direitos civis e políticos e a dos direitos
econômicos, sociais e culturais, pode gerar a falsa impressão de independência entre elas, porém essa é uma
concepção equivocada, uma vez que elas se sobrepõem, formando um todo. Nos termos da Declaração de
Viena de 1993, os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e interrelacionados. Em face a
essa questão, há uma tendência em substituir o uso do termo “gerações” por “dimensões”, na medida em que o
segundo transmite a noção de unidade dos direitos fundamentais.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Na realização progressiva de tais direitos, é essencial a cláusula de
proibição do retrocesso social, sendo vedado aos Estados retroceder ou
reduzir políticas voltadas a garanti-los.
2. Os reflexos da internacionalização dos direitos humanos no direito brasileiro
O século XX foi marcado, não apenas pela internacionalização dos direitos humanos, mas
pela tendência de se atribuir tratamento constitucional aos direitos sociais, nos mais
diversos países do globo.
No Brasil, esse processo se inaugurou com o advento da Constituição de 1934¸ que instituiu
no país um novo conjunto de direitos, com forte caráter social, e que foi objeto também, com
algumas variações, de todas as Constituições posteriores. Entretanto, somente com a
Constituição de 1988 houve uma efetiva consolidação e alargamento desses direitos, como
demonstra Alessandra Gotti Bontempo (2005, p. 64):
Além de apresentar um extenso rol de direitos e garantias individuais, a
Constituição de 1988 inova a sua Declaração de Direitos, na medida em
que inclui, no seu catálogo, não apenas os direitos civis e políticos, mas
também, os direitos econômicos, sociais e culturais que, nas constituições
anteriores, encontravam-se dispersos no âmbito da ordem social, que
sempre estivera misturada com a ordem econômica.
O grande relevo a eles atribuído foi fruto do processo de redemocratização do Estado
brasileiro, ao firmar a ruptura com o regime militar instaurado de 1964, momento em que a
ordem jurídica instituída foi derrubada e instaurou-se um longo período de terror e opressão,
em que o regime, por diversas vezes, retalhou as liberdades e garantias, com a imposição
de inúmeros dispositivos jurídicos opressores, como a censura à imprensa, a tortura aos
adversários políticos e os atentados visando a intimidação de movimentos contrários ao
regime instituído.
O fim do regime trouxe a oportunidade de assegurar direitos antes reprimidos. Neste ideário
surgiu a Constituição de 1988, espelhando a “reconquista dos direitos fundamentais,
notadamente os direitos de cidadania e os individuais, simbolizando a superação de um
projeto autoritário, pretensioso e intolerante que se impusera ao País”. (BARROSO, 2009, p.
41)
A Constituição de 1988 contém em seu texto a aspiração de garantir a efetividade dos
direitos tanto individuais quanto sociais, demonstrando grande preocupação em: “vincular o
Estado a um maior envolvimento na regulação da reprodução social, especialmente em
matéria de seguridade social, condições de trabalho, saúde, previdência, educação e
acesso aos tribunais”. (FARIA, 1989, p. 18)
7
VII Jornada de Iniciação Científica - 2011
Já em seu artigo 1º, inciso III, é estabelecida, como fundamento de um Estado Democrático
de Direito da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana, como o núcleo
básico de todo o ordenamento jurídico brasileiro, devendo orientar a interpretação do
sistema constitucional. No entender de Flávia Piovesan (2006, p. 31):
No princípio da dignidade humana que a ordem jurídica encontra o próprio
sentido, sendo seu ponto de partida e seu ponto de chegada, para a
hermenêutica contemporânea. Consagrando-se, assim, a dignidade
humana como verdadeiro superprincípio, a orientar tanto o direito
internacional como o direito interno.
Nota-se um trabalho minucioso do legislador originário em consolidar os direitos e garantias
fundamentais. Pela primeira vez, um Diploma Maior na história brasileira se inicia tratando
dos princípios e garantias fundamentais, para só depois cuidar da organização do Estado e
dos seus poderes. Também de maneira inédita, os direitos e garantias individuais são
erguidos à categoria de cláusulas pétreas2, por meio do artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV, de
modo a criar um núcleo imodificável na Constituição que constitui a sua identidade.
Para Oscar Vilhena Vieira (1999, p. 135), criou-se “um conjunto de princípios e normas
constitucionais hierarquicamente superiores aos demais dispositivos constitucionais”.
Não só os direitos fundamentais foram abrangidos em suas diversas dimensões, fato que
demonstra a grande sintonia entre a Constituição de 1988 com as declarações e pactos
internacionais, como também houve um acréscimo do rol de direitos fundamentais. Assim,
em face dessa enorme mudança de paradigmas estruturais do Estado brasileiro, funda-se o
Estado Social e com ele novos propósitos.
Em seu art. 3º, são estabelecidos, como objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil, constituir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional;
erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, além
promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação.
No entanto, não basta o reconhecimento dos direitos fundamentais e o estabelecimento dos
objetivos pátrios se não há efetividade. Desse modo, no intento de possibilitar a
imperatividade das normas que discorrem sobre as garantias fundamentais, o artigo 5º, § 1º,
instituiu o princípio da aplicabilidade imediata destas. Gomes Canotilho (2003, p. 186)
explica:
2
Cláusulas pétreas são restrições materiais ao poder constituinte derivado, ou seja, barreiras que delimitam os
limites do pleno exercício do legislador. Neste sentido, a Constituição de 1988 estabeleceu que não será objeto
de deliberação parlamentar qualquer proposta de emenda constitucional tendente a abolir a forma federativa de
Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos Poderes, bem como quaisquer direitos e
garantias individuais.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Aplicação directa não significa apenas que os direitos liberdades e
garantias se aplicam independentemente da intervenção legislativa (...).
Significa também que eles valem directamente contra a lei, quando esta
estabelece restrições em desconformidade com a constituição (...) Em
termos práticos, a aplicação directa dos direitos fundamentais implica ainda
a inconstitucionalidade de todas as leis pré-constitucionais contrárias às
normas da constituição consagradoras e garantidoras de direitos,
liberdades e garantias ou direitos de natureza análoga.
Em face de todo o exposto, pode-se concluir que a Constituição de 1988 vem a concretizar
o entendimento de que os direitos fundamentais representam a expressão jurídica dos
valores éticos e políticos mais importantes de uma comunidade, assinalando o horizonte de
metas sociopolíticas a alcançar e estabelecendo a posição jurídica dos cidadãos em suas
relações com o Estado ou entre si. (PEREZ LUÑO, 2003, p. 310)
2.1 Ações constitucionais que procuram garantir o exercício dos direitos previstos
constitucionalmente
A fim de combater o que a doutrina costuma chamar de “síndrome de inefetividade das
normas constitucionais”, a Constituição de 1988 criou uma série de ferramentas jurídicas
que visavam assegurar o pleno exercício de todos os direitos e garantias nela previstos.
Três mecanismos são de suma importância para a efetividade dos direitos constitucionais: a
ação declaratória de inconstitucionalidade por omissão, o mandado de injunção e a arguição
de descumprimento de preceito fundamental.
No entender de Clèmerson Merlin Clève (2003, p. 20), é possível o uso dos referidos
instrumentos processuais nas situações em que “o poder público atua agredindo disposição
que impõe inércia, ou quando atua, podendo atuar, porém movendo-se de maneira
inadequada ou, ainda, de modo a violar regra de competência ou de procedimento, há uma
gama de mecanismos orientados à censura da atuação.”
A função jurídica destes mecanismos será a seguir examinada, em seus aspectos
fundamentais.
2.1.1 Ação Declaratória de Inconstitucionalidade por Omissão
A ação declaratória de inconstitucionalidade por omissão funda-se na negligência normativa,
tratando-se “de uma pretensão que assenta na violação da lei constitucional pelo silêncio
legislativo (violação por omissão)” (CANOTILHO, 2003, p. 982). Sua função é trazer
efetividade às normas dispersas ao longo da Lei Maior.
9
VII Jornada de Iniciação Científica - 2011
Tal omissão pode advir de qualquer dos Poderes ou de órgão administrativo, como se lê nos
termos do artigo 103, § 2°, da Constituição, litteris: “declarada a inconstitucionalidade por
omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder
competente para a adoção das providencias necessárias e, em se tratando de órgão
administrativo, para fazê-lo em trinta dias”.
Uma vez julgada procedente a ação, havendo omissão por órgão administrativo, a decisão
adquirirá caráter mandamental, ademais o responsável por reparar tal lacuna poderá vir a
ser responsabilizado penal e administrativamente se tal questão não for sanada. Já em
relação à omissão legislativa, tal ação apenas possui um caráter informativo, na medida em
que não cria qualquer vínculo obrigacional ao legislador, apenas gera certa pressão moral e
política, mas, ainda assim, a inobservância do comando constitucional poderá subsistir no
ordenamento jurídico sem que haja, para isso, qualquer outra implicação.
A legitimidade para propor a referida ação de inconstitucionalidade, em qualquer de suas
duas modalidades, estende-se às pessoas e as entidades enunciadas no artigo 103. Sendo
no caso de negligência aos direitos assegurados na Constituição, o órgão competente para
sua apreciação será o Supremo Tribunal Federal.
2.1.2 Mandado de Injunção
O artigo 5º, inciso LXXI, da Constituição estabelece que: “conceder-se-á mandado de
injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos
direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à
soberania e à cidadania”. Contudo, por meio do uso da hermenêutica jurídica, o Supremo
Tribunal Federal entende caber mandado de injunção em face de todo e qualquer direito e
garantia fundamental previsto em qualquer dispositivo do texto constitucional.
Diferentemente da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total
(ausência de lei) ou parcial (regulamentação incompleta da norma constitucional, por parte
da lei), o mandado de injunção apenas trata da ausência total de lei regulamentadora.
Dessa maneira, um dos elementos caracterizadores do mandado de injunção é a
inexistência de norma reguladora do direito demandado, sendo o outro a indicação de um
direito constitucional. Já a competência para análise de tal ferramenta não apenas foi
entregue ao Supremo Tribunal Federal (artigo 102, I, q, bem como, II, a), mas também ao
Superior Tribunal de Justiça (artigo 105, I, h) e ao Tribunal Regional Eleitoral (artigo 120, §
4º, V). Assim, a aferição da competência para julgar este writ relaciona-se diretamente com
o sujeito da omissão, ou seja, a quem cabia a elaboração da norma regulamentadora.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Questão polêmica acerca do mandado de injunção é a aplicação da decisão. Parte da
doutrina defende a sua natureza constitutiva, cabendo ao juiz criar norma que regulamente o
caso concreto. No entanto, há doutrinadores que aceitam apenas o caráter mandamental da
decisão do mandado de injunção, entendendo caber ao Poder Judiciário apenas informar o
órgão competente – o Congresso Nacional – sobre a omissão.
Em 2007, decorridos quase vinte anos do advento da Constituição e em grande parte devido
à inércia do legislador na regulamentação de direitos constitucionalmente assegurados, o
Supremo Tribunal Federal alterou seu posicionamento quanto aos efeitos deste remédio
constitucional. Tal mudança deu-se no exame do mandado de injunção nº 712, de relatoria
do Ministro Eros Grau, cujo bem da vida em questão era o direito de greve dos servidores
públicos. Também no julgamento do mandado de injunção nº 721, de relatoria do Ministro
Marco Aurélio, cujo objeto era o direito de aposentadoria especial aos funcionários públicos
submetidos a periculosidade e risco à saúde no exercício da profissão.
Em ambos os julgamentos, o Supremo Tribunal Federal concluiu que se deveria superar a
postura até então adotada e incorporar ao entendimento do tribunal a teoria concretista do
mandado de injunção. Assim, o Poder Judiciário ao julgar o referido writ, está autorizado não
apenas a reconhecer a mora legislativa, mas também a viabilizar o pleno exercício do direito
no caso concreto.
Note-se que a nova orientação do Supremo Tribunal Federal prima pela defesa dos direitos
sociais e por sua efetividade, pois as omissões legislativas não mais serão barreiras à
consagração destes direitos constitucionalmente previstos.
2.1.3 Arguição de descumprimento de preceito fundamental
A arguição de descumprimento de preceito fundamental foi prevista pela Carta Magna de
1988, no parágrafo único do artigo 102, mas somente foi regulamentada com o advento da
Lei nº 9.882, de 1999, que estabeleceu parâmetros para o seu processo e julgamento.
A lei possibilita seu uso em três hipóteses: para evitar lesão a preceito fundamental,
resultante de ato do Poder Público; para reparar lesão a preceito fundamental resultante de
ato do Poder Público e quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional
sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, mesmo anteriores à Constituição.
Julgada a ação procedente, comunicados serão as autoridades ou órgãos responsáveis pela
prática dos atos questionados, fixando as condições e o modo de interpretação e aplicação
do preceito fundamental, devendo a decisão atingir a todos. Todavia, a propositura da
11
VII Jornada de Iniciação Científica - 2011
arguição de descumprimento de preceito fundamental apenas poderá se dar em face de
atos já concretizados pelo Poder Público.
A apreciação de tal instrumento cabe ao Supremo Tribunal Federal. Além disso, a referida
ação constitucional pode ser proposta pelos entes descritos no artigo 103, sendo estes os
mesmos legitimados para propor ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória
de constitucionalidade.
Insta salientar, que tanto a Constituição quanto a lei infraconstitucional foram omissas ao
não estabelecer clara definição sobre o que vem a ser ‘preceito fundamental’. Sobre o
assunto discorre Luís Roberto Barroso (2009, p. 278-279)
A expressão preceito fundamental importa o reconhecimento de que a
violação de determinadas normas – mais comumente princípios, mas
eventualmente regras – traz conseqüências mais graves para o sistema
jurídico como um todo. Embora conserve a fluidez própria dos conceitos
indeterminados, existe um conjunto de normas que inegavelmente devem
ser obrigadas no domínio dos preceitos fundamentais.
3. Classificação das normas constitucionais para aferição da sua efetividade
A noção de Constituição compreende a ideia de uma lei maior que estabelece toda a
organização jurídica fundamental do Estado. Uma Constituição deve conter normas que
versam sobre os pilares que sustentam o Estado, consequentemente, os diversos
segmentos que compõem uma sociedade política deverão ser por ela contemplados.
Em virtude disso, existem diferentes categorias de normas constitucionais. No entender de
Luís Roberto Barroso (2009), são elas: normas constitucionais de organização, normas
constitucionais definidoras de direito e normas constitucionais programáticas.
As primeiras destinam-se à ordenação dos poderes estatais, à criação de entidades e
órgãos públicos e suas atribuições; em síntese, regulam a estrutura do Estado e do poder.
As Constituições modernas, além de tratarem da organização estatal, também definem os
direitos fundamentais dos indivíduos submetidos ao poder soberano do Estado. Assim,
surgiram as normas constitucionais definidoras de direitos, sobre direitos políticos, direitos
individuais, direitos sociais e direitos difusos 3 . Um ponto de grande importância é o
tratamento subjetivo 4 dispensado aos direitos fundamentais pela Constituição, isto é, a
possibilidade do titular destes direitos exigir o seu cumprimento pelo Estado.
3
Os direitos difusos integram a terceira dimensão dos direitos fundamentais e caracterizam-se primordialmente
pela transindividualidade, ou seja, ultrapassam a clássica visão individualista, em grande parte devido à
indeterminação dos sujeitos e à indivisibilidade do objeto.
4
O direito subjetivo corresponde à possibilidade de uma pessoa exigir a observância de algum direito seu que
esteja sendo violado. Essa exigibilidade é garantida pelo próprio ordenamento jurídico, ou seja, pelo direito
Universidade Presbiteriana Mackenzie
No passado, acreditava-se que tais declarações de direitos incorporadas às Constituições
não detinham valor jurídico e apenas configuravam princípios morais, porém esse
pensamento está superado, de modo a ser possível à exigibilidade e acionabilidade dos
direitos fundamentais em toda a sua amplitude.
O Estado Democrático Social instituído no Brasil possui uma série de propósitos, entre eles
o de evitar possíveis abusos cometidos contra os cidadãos por parte do Poder Público
(direitos individuais), e o de garantir um mínimo comum de desenvolvimento social (direitos
sociais), surgindo assim disposições constitucionais que abordam os fins sociais a serem
alcançados. Estas normas, de maneira geral estabelecem princípios e fixam programas de
ação a serem adotados pelos governos, intituladas normas programáticas, conceituadas
como...
aquelas normas constitucionais através das quais o constituinte, em vez de
regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a
traçar-lhe os princípios para serem cumpridos pelos seus órgãos
(legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos), como programas
das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado
(SILVA, 2008, p. 138)
São denominadas normas constitucionais programáticas, de acordo com a classificação
usada neste estudo, por serem normas em que o legislador preestabelece um programa de
ação que deve ser adotado pelo Estado. Vale dizer, contudo, que esse plano apenas aponta
linhas diretoras, sem precisar os meios a serem empregados na obtenção de tais fins, que
apenas poderão ser atingidos através de uma integração infraconstitucional.
A introdução das normas programáticas ao sistema normativo brasileiro emergiu
paralelamente à positivação dos direitos sociais, econômicos e culturais que se
configuraram através das normas constitucionais definidoras de direitos. Todavia, cumpre
salientar que apenas esta segunda espécie normativa pode ser exigível por meio do direito
subjetivo, isso porque já está definida; diferentemente das normas constitucionais
programáticas em que há apenas sugestões de atuação, de possíveis modificações.
A grande dificuldade de implementação das normas constitucionais programáticas se deve
ao fato de que é transferida para um momento futuro e indeterminado a sua realização, sem
que sejam estabelecidos seus beneficiários e o tempo limite para sua implementação, fato
esse que acaba por afastar dos cidadãos o direito subjetivo de exigir tal prestação.
objetivo. Fácil concluir que por serem os direitos fundamentais considerados direitos subjetivos, esses são
exigíveis, caso não estejam sendo postos em prática.
13
VII Jornada de Iniciação Científica - 2011
4. Os desafios à efetividade dos direitos sociais
Faz-se necessário destacar a diferença entre eficácia jurídica e eficácia social. A primeira
corresponde à possibilidade formal de uma lei criar efeitos jurídicos, em maior ou menor
grau, na ocorrência de situações concretas, apesar de já produzir efeitos jurídicos por sua
simples edição, uma vez que isto acarreta a revogação de todas as normas anteriores que
com ela conflitam. Já a eficácia social significa a concreta aplicação da norma aos casos
reais, assim é esta que garante a efetividade de uma norma.
Considera-se ainda que
A efetividade significa, portanto, a realização do Direito, o desempenho
concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo
dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima
quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social.
(BARROSO, 2009, p. 82-83)
Ante o exposto, pode-se concluir que o esperado para toda norma é que ela atinja sua
eficácia social, já que existe para realizar-se e, uma vez que a Constituição é a lei suprema
do Estado e que não há norma de grau superior para protegê-la, deve ela encontrar em
seus elementos e atitudes institucionais a sua proteção e garantia. (DI RUFFIA, 1965, p 3-4)
5. A questão da efetividade das normas constitucionais programáticas
Ao longo do tempo, as Constituições foram se transformando e seu estudo passou a ser
sistematizado, suas formas alteraram-se e seu conteúdo foi sendo incrementado por novas
demandas sociais e políticas. Atualmente, as Constituições não tratam apenas da estrutura
organizacional de um Estado, estipulam princípios, direitos e garantias, além dos deveres
de cada cidadão.
Qualquer Lei Fundamental pode ser entendida como um sistema normativo comportamental
que estabelece obrigações, tanto para o Estado, quando para seus cidadãos. Deve-se partir
do princípio de que tudo o que está na Constituição obriga, devendo tais direitos ser dotados
de uma eficácia mínima. Trata-se de normas jurídicas que apresentam como característica
singular a imperatividade, isto é, a obrigatoriedade da obediência a seus comandos por
parte de todos aos quais elas se dirigem.
Todavia, apesar de não existir “norma constitucional de valor meramente moral ou de
conselho, avisos ou lições” (SILVA, 2004p. 80), pois não há nenhuma destituída de eficácia,
é preciso compreender que nem todas essas normas têm condições de produzir o mesmo
nível de efeitos, pois entre elas há diferenças quanto à função, densidade e estrutura. Há
aquelas que estão aptas a produzir efeitos concretos independentemente de regramento
Universidade Presbiteriana Mackenzie
ulterior, mas há outras que necessitam de normatização infraconstitucional para alcançarem
a plenitude de seus efeitos.
Os grandes problemas da eficácia normativa constitucional residem nesse segundo grupo,
porque são normas dependentes da promulgação de leis complementares para atingirem de
maneira plena seus fins. Nesse sentido a crítica de Norberto Bobbio (2004, p. 92) faz-se
pertinente:
O campo dos direitos do homem – ou, mais precisamente, das normas que
declaram, reconhecem, definem, atribuem direitos ao homem – aparece,
certamente, como aquele onde é maior a defasagem entre a posição da
norma e sua efetiva aplicação. E essa defasagem é ainda mais intensa
precisamente no campo dos direitos sociais. (...) Será que já nos
perguntamos alguma vez que gênero de normas são essas que não ordenam,
proíbem ou permitem hic et nunc, mas ordenam, proíbem e permitem num
futuro indefinido e sem um prazo de carência claramente delimitado?
As normas programáticas detêm grande relevo, pois procuram atribuir uma finalidade às
atividades estatais e por isso há grande preocupação em garantir sua eficácia5, porém por
serem normas com características muito peculiares certas ressalvas devem ser feitas.
Importa ressaltar que, mesmo devidamente aplicadas, nunca poderão imediatamente à sua
promulgação sanar a questão social a que foram endereçadas, uma vez que os problemas
sociais da nação são de tamanha profundidade que apenas medidas de caráter progressivo
e contínuo poderão resolvê-los.
Entretanto, não basta a atuação do legislador ordinário para a plena aplicabilidade das
normas programáticas, na medida em que a implementação de programas sociais necessita
de certo grau de desenvolvimento econômico, pois as políticas públicas adotadas pelo
governo precisam de investimentos para subsistir.
Tal fator econômico compreende uma grande barreira à satisfação social, assemelhando-se
muito à metáfora do “cobertor curto”. A referida figura de linguagem ilustra os limites
orçamentários do Estado. Assim, a aplicação progressiva dos direitos sociais está
diretamente vinculada à disponibilidade financeira de cada Estado, devendo observar a
“reserva do financeiramente possível”.
A escassez de recursos financeiros, entretanto, não impede que os investimentos que
estejam sendo feitos nesse campo tenham um caráter progressivo e constante, a fim de
atender ao o princípio da vedação do retrocesso social, que tem como objetivo impedir que
5
Sobre a questão da eficácia dos direitos sociais, Alessandra Gotti Bontempo (2005, p. 193) entende que: “a
eficácia das normas constitucionais é redimensionada em se tratando dos direitos sociais, na medida em que a
grande maioria desses direitos previstos na Constituição de 1988 são enunciados sob a roupagem de normas
programáticas que são, em um primeiro momento, endereçadas aos Poderes Públicos”.
15
VII Jornada de Iniciação Científica - 2011
o legislador venha a desconstituir o grau de concretização dada a certos direitos
fundamentais.
A preocupação em garantir a continuidade das políticas públicas pode ser resolvida com a
elaboração de uma boa peça orçamentária, sendo esse um mecanismo pelo qual o Estado
coordena os recursos públicos, determinando em que serão aplicados. Contudo, há grande
distância entre o texto escrito da Constituição e a realidade social e política nacional.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Concluída a análise sobre o tratamento dispensado aos direitos sociais pela Constituição de
1988 e sobre os fatores que interferem diretamente na questão de sua eficácia, depreendese que o Estado brasileiro apenas conseguirá atingir os objetivos dispostos no art. 3º de sua
Lei Maior caso o ordenamento jurídico disponha de uma ferramenta sólida capaz de vincular
a administração pública à efetivação das garantias sociais constitucionalmente asseguradas.
Isso porque apesar de existirem elementos garantidores dos direitos sociais, esses não
possuem um caráter vinculante em relação ao Poder Público.
Alessandra Gotti Bontempo, em sua obra “Direitos Sociais - Eficácia e Acionabilidade à Luiz
da Constituição de 1988”, depreende de seus estudos que a eficácia e acionabilidade dos
direitos sociais são questões ideológicas e não científicas, visto que a partir do momento
que passam a integrar o corpo constitucional, esses revestem-se de imperatividade e,
conseqüente, exigibilidade. Dessa forma, os Poderes Públicos têm grande importância na
sociedade, pois são eles os responsáveis por concretizar as disposições constitucionais
relativas a esses direitos.
CONCLUSÃO
O presente estudo pretendeu investigar os fatores que interferem diretamente na questão da
eficácia dos direitos sociais, de modo a dificultar a implantação de políticas públicas que
visam concretizar essas conquistas, tratadas como direitos fundamentais a partir da
Constituição de 1988. Do exposto, depreendeu-se que em virtude do grande esforço
internacional para o reconhecimento dos direitos humanos e consequentemente dos direitos
sociais, através da promulgação principalmente da Declaração Universal dos Direitos
Humanos e dos dois Pactos Internacionais de 1966, as questões teórico-doutrinárias que os
Universidade Presbiteriana Mackenzie
cercam já se encontram consolidadas e os pontos que no início eram controversos,
atualmente estão pacificados.
Assim, muito embora não permaneçam mais
relevantes
discordâncias
sobre a
indivisibilidade dos direitos sociais em relação aos direitos civis e políticos, bem como
quanto a sua universalidade e exigibilidade, ainda existem diversas questões que dificultam
enormemente a implementação de medidas de cunho social.
Uma análise mais aprofundada demonstrou que a escassez de investimentos para alteração
da realidade social foi influenciada por diversos fatores que atuaram concomitantemente,
não sendo possível apontar apenas um elemento responsável pela atual situação do país.
Entre os mais relevantes que foram investigados, aponta-se a instauração do regime militar
em 1964, durante o qual foram suprimidas diversas liberdades e garantias individuais,
fazendo com que os cidadãos voltassem mais a atenção aos direitos civis e políticos,
esquecendo-se, dessa forma, dos direitos sociais. Por meio da promulgação da Constituição
de 1988, houve a ruptura com o anterior regime instituído, sendo valorizados direitos
anteriormente reprimidos (os direitos de “segunda dimensão”), que passaram a incorporar a
gama de direitos fundamentais.
O referido processo de redemocratização trouxe uma nova perspectiva aos direitos sociais
reconhecidos constitucionalmente. A preocupação relativa a eles passou a envolver
questões concertes à sua efetividade, sendo utilizado o instrumental jurídico previsto na
Constituição para assegurar o pleno exercício de todos os direitos e garantias
constitucionais. Todavia, nenhuma dessas ações constitucionais (ação declaratória de
inconstitucionalidade por omissão, mandado de injunção e argüição de descumprimento de
preceito fundamental) cria um vínculo obrigacional ao poder público para que esse sane a
irregularidade detectada, haja vista não haver sanções caso ocorra a inobservância da
decisão judicial.
Entretanto, o ponto mais polêmico da pesquisa diz respeito às normas programáticas, que
possuem um papel determinante para a concretização dos direitos sociais. A grande
problemática que as cerca reside na compreensão ainda existente na doutrina de que essa
espécie normativa apenas estabelece as diretrizes dos programas de ação que devem ser
adotados pelo Estado, e de que as normas de cunho programático não determinam os
meios a serem empregados na obtenção do desenvolvimento social, nem mesmo
estipulando um prazo máximo para a produção das normas infraconstitucionais. Isto
implicaria em se considerar que tais normas transferem para um momento futuro e
indeterminado a realização de políticas públicas, sem que seja estabelecidos seus
17
VII Jornada de Iniciação Científica - 2011
beneficiários e o tempo-limite para sua implementação, o que acaba por afastar dos
cidadãos o direito subjetivo de exigir tal prestação.
Por fim, assenta-se a idéia de que, muito embora se reúnam no ordenamento jurídico
brasileiro diversos elementos garantidores dos direitos sociais, sua real concretização ainda
está distante. Assim, defende-se aqui que o sistema de efetivação de garantias relacionadas
aos direitos sociais carece de uma ferramenta sólida capaz de vincular a administração
pública à efetivação das garantias sociais constitucionalmente asseguradas.
REFERÊNCIAS
ALVES, José Augusto Lindgren. A arquitetura internacional dos direitos humanos. São Paulo,
SP: FTD, 1997.
________. Os direitos humanos como tema global. 2. ed. rev. e ampl, 2003.
BARROSO, Luís Roberto O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 4. ed. rev. e
atual. São Paulo: Saraiva, 2009.
________. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades
da constituição brasileira. 9. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.
BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins. Os direitos sociais nos principais documentos
internacionais de proteção aos direitos humanos e sua eficácia no Brasil. São Paulo: 2007.
Disponível em: http://www.mackenzie.br/fileadmin/Graduacao/FDir/Artigos/patricia_tuma.pdf.
Acesso em 19 de março de 2011.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 2004.
BONTEMPO, Alessandra Gotti. Direitos Sociais - Eficácia e Acionabilidade à Luz da
Constituição de 1988. Curitiba: Juruá, 2005
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra:
Almedina, 2003.
CLÈVE, Clèmerson Merlin. A eficácia dos direitos fundamentais sociais. Revista Crítica
Jurídica, nº. 22, jul/dez 2003.
DI RUFFIA, Paolo Biscaretti. Diritto costituzionale. 7. ed. Napoli: Eugenio Jovene, 1965.
FARIA, José Eduardo.O Brasil pós-Constituinte. Rio de Janeiro: Graal, 1989.
PEREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos humanos, estado de derecho y constitucion. 8.
ed. Madrid: Tecnos, 2003.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
________. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 7. ed. São Paulo:
Saraiva, 2006.
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6. ed. São Paulo:
Malheiros, 2004.
________. Curso de direito constitucional positivo. 30. ed., rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2008.
VIEIRA, Oscar Vilhena. A constituição e sua reserva de justiça. São Paulo: Malheiros, 1999.
Contatos: [email protected] e [email protected]
19
Download

Silvana Fleury Curado