3.1 - Gestão democrática: Unidades escolares e sistemas de ensino O termo gestão foi refletido anteriormente no nosso estudo “A Natureza do Trabalho do Gestor Escolar”. A partir da promulgação da Carta Magna, a Constituição da República Federativa do Brasil (1988), o termo Gestão democrática surge com uma lógica para além do trabalho no interior das escolas. Por se tratar de um documento que norteia os aspectos legais do país, entendemos que é importante destacar que a palavra gestão é mencionada quatorze vezes no referido documento. Especialmente, ao se referir à Educação, no Capítulo III da Educação, da Cultura e do Desporto, na sua Seção I, no seu artigo 206, inciso sexto que rezou sobre a: “gestão democrática do ensino público, na forma da lei”. (BRASIL, 1988). Em conformidade com a Lei Maior, ou seja, a Constituição Federal de 1988, as outras leis brasileiras seguiram os mesmos preceitos referentes à gestão democrática. Na segunda Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB 9394/1996, a noção de gestão democrática também foi evidenciada com quatro referências. Primeiramente, no artigo terceiro, inciso sétimo quando explicitou que: “VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino.” (BRASIL, 1996). É interessante notar, que nas três outras referências relativa ao termo gestão democrática na LDB- 9394/1996 há uma relação direta do termo direcionado ao Ensino Superior e as outras duas menções especificaram o que deve ser esperado do processo de gestão democrática na educação básica, conforme a seguir: Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios: I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola; II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes. Art. 15. Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público. (BRASIL, 1996). Para saber mais: Gestão Democrática: Entende-se por gestão democrática a ação de gerir, administrar, organizar, dirigir, ter o controle do funcionamento, dos meios e dos fins de uma atividade ou empreendimento. Ela pode estar demarcada por um mandato ou uma representação legal. Uma gestão é qualificada de democrática quando respeita a vontade e o interesse da coletividade que integra a atividade ou empreendimento gerido, assume formas flexíveis e participativas. (MARÇAL, 2000, p. 175). Podemos afirmar que nesse novo contexto, os dirigentes escolares deveriam assumir uma liderança que articulasse todo o coletivo visando repensar a escola e seus princípios educacionais. Outro aspecto de extrema relevância se refere a autonomia financeira nas escolas públicas. A gestão financeira modificou o perfil dos dirigentes escolares, e estes, juntamente com representações da comunidade passaram a ter autonomia e responsabilidade de gerir as necessidades da instituição com o intuito de atender às metas propostas, seguindo as orientações legais que regem a prestação de contas dos investimentos públicos no país, voltados para a educação básica. Com essa concepção, a utilização da expressão gestão escolar se aproxima e exige conhecimentos relacionados à administração. Conforme já refletimos sobre este aspecto da nomenclatura, e também sobre as suas formas de utilização no que diz respeito às expressões linguísticas, lembramos que os termos gestão e administração são impregnados de significados e sentidos, e passaram a exigir um novo perfil do profissional gestor escolar. INTERESSANTE SABER: Todas essas mudanças na gestão escolar refletiram diretamente em seus dirigentes, que inclusive passaram a delimitar variadas formas de acesso ao cargo, como foi constatado em muitos municípios mineiros, que estabeleceram a posse do cargo pela eleição dos votos referendados na comunidade escolar. Nessas múltiplas formas de acesso ao cargo, cada vez mais se corroborava o perfil exigido e esperado desses dirigentes escolares, que foram alterados substancialmente e que passaram a ser denominados gestores escolares. Para os autores Davok (2007), Chrispino e Dusi (2008), Hypólito (2008), Paro (2009) e Cury (2009), ao enfrentar as ações na rotina deste profissional, o gestor escolar se deparava com vários obstáculos, pois a gestão democrática deveria sair do papel e chegar às escolas com práticas diferenciadas. Nesse sentido, o gestor precisava ser o primeiro a se responsabilizar para que o processo democrático educacional se efetivasse e fundamentasse a (re)construção do Projeto Político Pedagógico – PPP, tendo como objetivo central a garantia da qualidade do ensino. PARA SABER MAIS: Importante voltar à Unidade que analisa Projeto Político Pedagógico elaborado pela O documento do PPP constitui um exercício do processo democrático nas autora Jacqueline Pereira. escolas dependendo da forma como é elaborado. A gestão democrática estabelece um novo paradigma na educação e altera significativamente as dinâmicas das escolas que passaram a exercê-la. O trabalho do gestor democrático possui diretrizes nas orientações legais, que definem o que se espera da educação. Nesse sentido, o papel de gestor escolar passou a ser delineado para agir com: [...] transparência e impessoalidade, autonomia e participação, liderança e trabalho coletivo, representatividade e competência. Voltada para um processo de decisão baseado na participação e na deliberação pública, a gestão democrática expressa um anseio de crescimento dos indivíduos como cidadãos e do crescimento da sociedade enquanto sociedade democrática. Por isso a gestão democrática é a gestão de uma administração concreta. (CURY, 2009, p. 23). Com esse entendimento, perguntamos: Como foi realizada a elaboração do Projeto Político Pedagógico? O PPP foi atualizado? Quando? Por quem? Aqui não iremos nos deter nesse processo gestionário coletivo da escola, porém em várias partes do curso o PPP será alvo de reflexões. Vale conferir os Cadernos do MEC sobre os conselhos na gestão democrática. São cinco cadernos ricos em discussões e análises na perspectiva participativa. Os links são: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Consescol/ce_cad1.pdf http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Consescol/ce_cad2.pdf http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Consescol/ce_cad3.pdf http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Consescol/ce_cad4.pdf http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Consescol/ce_cad5.pdf O autor evidenciou o perfil esperado dos gestores. O professor eleito para esse cargo necessita gerir a escola com um olhar diferenciado, opinar e agir em favor de uma escola efetivamente democrática. Cury (2009) também apresentou o termo gestão democrática com palavras fortes para designar e garantir a efetividade no cotidiano das escolas. As escolas públicas se encontram atualmente neste ideal da gestão democrática pautada na: “transparência e impessoalidade, autonomia e participação, liderança e trabalho coletivo, representatividade e competência.” (CURY, 2009, p. 23). As pesquisas realizadas por Souza (2008) e Paschoalino (2012), ao analisaram este panorama da gestão democrática nas escolas públicas, constataram que as mesmas se encontram num processo de constante construção. Consideramos importante destacar que o processo democrático é lento e que as políticas públicas vigentes estão alicerçadas numa concepção gerencialista da educação, conforme foi refletido no nosso último estudo. Nesse universo de contradições e exigências, o que se esperava do gestor escolar, nos aspectos da democracia, da coletividade, da participação e do diálogo ficou subsumido diante dos parâmetros da eficiência e do controle, que se efetiva nas cobranças realizadas a esse profissional. Em contrapartida, o Projeto Regional de Educação para a América Latina (PRELAC-2004) expôs um projeto de duração de quinze anos. Esse projeto, que visa o desenvolvimento humano e as mudanças na educação, se apoiou em “um deslocamento da preocupação de uma gestão voltada para a eficiência dos insumos para uma preocupação com as pessoas, o que indica uma redescoberta do papel da participação.” (CASTRO, 2008, p.401). Os princípios estabelecidos nas exigências do trabalho pelos gestores escolares iniciados nos anos 1980 ainda prevalecem, porém adquiriram novas configurações diante das cobranças de efetivos resultados. As diversas concepções que determinam o trabalho dos gestores escolares podem ser apresentadas no quadro 1 a seguir: Quadro 1- Concepções de Gestão Escolar Técnico-científica Autogestionária Interpretativa - Prescrição detalhada de funções e tarefas, acentuando a divisão técnica do trabalho escolar. - Poder centralizado no diretor, destacando-se as relações de subordinação, em que uns têm mais autoridade do que outros. - Vínculo das formas de gestão interna com as formas de autogestão social (poder coletivo na escola para preparar formas de autogestão no plano político). - Decisões coletivas (assembléias, reuniões), eliminação de todas as formas de exercício de autoridade e de poder. - A escola é uma realidade social subjetivamente construída, não dada nem objetiva. - Privilegia menos o ato de organizar e mais a “ação organizadora”, com valores e práticas compartilhadas. - Ênfase na administração regulada (rígido sistema de normas, regras, procedimentos burocráticos de controle das atividades), descuidando-se, às vezes, dos objetivos específicos da instituição escolar. - Comunicação linear (de cima para baixo), baseada em normas e regras. - Mais ênfase nas tarefas do que nas pessoas. - Ênfase na autoorganização do grupo de pessoas da instituição, por meio de eleições e de alternância no exercício de funções. - Recusa a normas e a sistemas de controles, acentuando a responsabilidade coletiva. - Crença no poder da instituição e recusa de todo poder instituído dá-se pela prática da participação e da autogestão, modos pelos quais se contesta o poder instituído. - Ênfase nas inter-relações, mais do que nas tarefas. FONTE: LIBÂNEO; OLIVEIRA e TOSCHI (2006, p. 327). - A ação organizadora valoriza muito as interpretações, os valores, as percepções e os significados subjetivos, destacando o caráter humano e preterindo o caráter formal, estrutural, normativo. DemocráticoParticipativa - Definição explícita, por parte da equipe escolar, de objetivos sociopolíticos e pedagógicos da escola. - Articulação da atividade de direção com a iniciativa e a participação das pessoas da escola e das que se relacionam com ela. - Qualificação e competência profissional. - Busca de objetividade no trato das questões da organização e da gestão, mediante coleta de informações. - Acompanhamento e avaliação sistemáticos com finalidade pedagógica: diagnóstico, acompanhamento dos trabalhos, reorientação de rumos e ações, tomada de decisões. - Todos dirigem e são dirigidos, todos avaliam e são avaliados. - Ênfase tanto nas tarefas quanto nas relações. Vale salientar que no quadro proposto pelos autores acima, as concepções foram distinguidas na perspectiva da utilização do recurso com o propósito didático. Tal relação permite compreender a abrangência presente na literatura e que não se reduziu simplesmente a uma concepção, todas remetem a uma possível análise da organização escolar, mas nenhuma delas pode ser percebida de forma única ou concreta. O que se constata na realidade das escolas é a transversalidade destas concepções nas ações de um gestor. Há, inclusive, a possibilidade da gestão da escola assumir uma postura democrático-participativa e, na prática, as ações estarem relacionadas a uma concepção técnico-científica. Nesse sentido, os autores Martins e Silva (2010) estabeleceram a análise da complexidade da gestão e da autonomia das escolas, que a partir das regulamentações da LDB 9394/9396 apresentou o “processo ambivalente: instituindo princípios democráticos e simultaneamente engessando as possibilidades de ampliação da autonomia escolar.” (MARTINS e SILVA, 2010, p.433). Essa contradição tornou-se evidente quando houve uma aproximação da organização escolar aos princípios de relacionamentos e da realidade presente nas escolas, possibilitando assim, uma leitura diferenciada do contexto normativo. A constituição do gestor na escola pública trouxe as imprecisões de toda a história das políticas educacionais e dos valores fundamentados nos princípios da administração. A gestão da educação é responsável por garantir a qualidade de uma “mediação no seio da prática social global” (SAVIANI, 1980, p. 120) que se constitui no único mecanismo de hominização do ser humano, que é a educação, a formação humana de cidadãos. Seus princípios são os princípios da educação que assegura serem cumpridos – uma educação comprometida com a “sabedoria” de viver junto respeitando as diferenças, comprometida com a construção de um mundo mais humano e justo para todos os que nele habitam. Independentemente de raça, cor, credo ou opção de vida. (FERREIRA e AGUIAR, 2006, p. 307) Para compreender a lógica das escolas e como as suas formas de gestão se efetivaram foi necessário ampliar o olhar para as peculiaridades de cada contexto escolar específico, considerando que há uma amplitude apresentada pelas autoras citadas acima, e, mais do que a gestão de uma escola, a gestão da educação como um todo deve contemplar o direito à convivência, à garantia de todo processo de humanização. Tal premissa se torna um grande desafio, pois, diante de todas as exigências externas e internas do espaço escolar, os gestores se deparam muitas vezes com espaços competitivos e com o objetivo central de mensuração de resultados. [...] levar em consideração antes de mais nada, que submetidas ao escopo normativo – as escolas acabam por configurar um campo de disputas expressas ou dissimuladas e, como em qualquer outra organização, as pessoas e os grupos reúnem-se em torno de interesses imediatos ou que podem materializar em curto prazo de tempo, particularidades quando diretrizes legais de mudanças são preconizadas pelos órgãos centrais. (MARTINS e SILVA, 2010, p.439). Nessa lógica, a gestão escolar, frente às múltiplas influências, foi adquirindo outras atribuições e complexidade, assumindo a perspectiva do trabalho pautado pelas exigências da eficácia/eficiência1. Fonseca e Oliveira (2009) compreendem que: Todas essas ações desenvolvidas na escola são tarefas destinadas de responsabilidade do dirigente escolar, também pelas normas legais que apregoam: “[...] o projeto político pedagógico, como ação capaz de criar coletivamente a identidade da escola, estimulando a participação de toda a comunidade escolar em colegiados e conselhos decisórios.” (FONSECA e OLIVEIRA, 2009, p.283). No contexto apresentado pelas autoras, podemos dizer que há uma conexão entre a construção do PPP e a participação da comunidade escolar, seja por meio de colegiados ou conselhos escolares. Os referenciais da gestão democrática previstos na Constituição Federal (1988) repercutem nas escolas. Se, por um lado, as leis complementares foram conduzindo o que se esperava da gestão democrática, as escolas, por outro lado, foram construindo os parâmetros dessa trajetória. Os avanços legais que permeiam a gestão democrática da educação, imbricando em aspectos de financiamento, pedagógicos e sociais, foram conquistados pela mobilização dos movimentos sociais e dos trabalhadores da educação, frente aos governos, na consolidação, como direito inalienável, da educação pública, gratuita, obrigatória, laica, de qualidade e universal. Inserida no contexto de luta por um modelo de educação, a EC2 nº 59, promulgada em 11 de novembro de 2009, resgatou algumas bandeiras dos movimentos sociais e dos trabalhadores em educação, em prol da ampliação das responsabilidades do estado na oferta da educação obrigatória, tais como a universalização com qualidade, que garanta o acesso – permanência conclusão; o papel mais efetivo da União para o desenvolvimento da educação básica; a contemplação do sistema nacional de educação; o 1 Compreende-se por eficácia a capacidade que uma atividade tem para produzir efeitos desejados ou para atingir resultados esperados. Eficiência, por sua vez, indica o grau de esforço empregado para produzir efeitos ou atingir resultados. É eficiente toda a ação que consegue produzir o máximo de resultados com o mínimo de esforço despendido. (DUARTE, 2000, p. 140) 2 EC -Emenda Constitucional. fortalecimento do Plano de Educação (PNE) como balizador das políticas educacionais a serem definidas mediante o regime de colaboração entre os entes federados; a reintegração dos recursos para manutenção e desenvolvimento do ensino, via extinção da desvinculação dos recursos da União (DRU) 3; entre outras. (ALVES e ALVES, 2010, p. 261). PARA SABER MAIS: Podemos destacar que o gestor escolar é o articulador de todas as práticas de gestão de uma organização escolar. Entretanto, “todos os setores administrativos ou pedagógicos e todas as pessoas que atuam na organização escolar desempenham papéis educativos, porque o que acontece na escola diz respeito tanto aos aspectos intelectuais como aos aspectos, físicos, afetivos, morais e estéticos.” (LIBÂNEO; OLIVEIRA e TOSCHI, 2006, p. 368). Além disso, podemos destacar que as ações de natureza técnico-administrativa estão relacionadas a: legislação escolar, normas administrativas, recursos físicos, didáticos e financeiros; a direção e A efetivação do processo de gestão democrática escolas se efetiva somente administração, incluindo as rotinas administrativas e a secretarianas escolar. As ações de natureza pedagógico- curricular estão relacionadas à gestão do Projeto pedagógico, do currículo, do emensino, um contexto de concepção de respeito e dignidade ao outrodizer na que relação do desenvolvimento profissional e da avaliação, ou seja, podemos está educativa, relacionada gestão dos elementos a natureza detransparente toda atividade escolar. saber da com o intuitoàde concretizar umarelacionados gestão participativa, e abertaPara a todos mais leia: LIBÂNEO, J. C.; OLIVEIRA, J. F. E TOSCHI, M. S. Educação escolar: políticas, estrutura e organização. São Paulo: Cortez Editores, 2006. comunidade. Nesse cenário, a gestão democrática assume a via condutora para a garantia da escolarização obrigatória, universalizada com a qualidade e a equidade, defendidas por movimentos sociais e por educadores, resgatando as dívidas históricas do País na oferta da educação básica e as bandeiras engavetadas pelas reformas neoliberais das décadas de 1990/2000. Após a CONAE/2010, o desafio se centra, agora, no acompanhamento e articulação, junto ao Executivo e Legislativo, para materialização dos anseios sociais na proposta de lei do Plano Nacional de Educação, para a vigência 2011-2020, de forma a respeitar e contemplar as deliberações da Conferência que, por sua amplitude, passaram a representara a voz da sociedade brasileira. (ALVES e ALVES, 2010, p.268). Destacamos que as experiências de vivência da gestão democrática ainda foram tímidas no panorama brasileiro; a certificação dessa afirmativa se ancora na incidência de 69 vezes da palavra democrática associada à educação e à gestão, presentes no documento final da Conferência Nacional de Educação - CONAE (2010). Dessa forma, nas discussões legais ainda se identificam as dificuldades de vivência democrática no âmbito escolar, permanecendo como um objetivo a ser alcançado na educação brasileira, em especial na esfera das escolas públicas. 3 DRU - Desvinculação de Receita da União. O discurso de democracia nas escolas passou a ser proferido nos mais diversos espaços da sociedade. A escola participativa e democrática como meta do trabalho do gestor não é apenas uma especificidade brasileira, referendada pelos textos legais, mas constitui um desafio da contemporaneidade. Para melhor compreendermos como essa questão tem repercutido no cotidiano escolar é importante refletir sobre as mudanças ocorridas no Brasil, a partir da Constituição Federal de 1988. Este período histórico foi demarcado pelo enfraquecimento do Estado Nação, repercutindo fortemente nas políticas sociais do país conforme apontado por Gouveia (2008), Frigotto (2009) e Sander (2007). As políticas públicas voltadas para a educação tiveram pressupostos harmônicos com as políticas de Estado, ao se pautarem pela descentralização e pela regulação. Neste sentido, as concepções dos dirigentes escolares também tiveram mudanças no seu papel social. Dirigente Escolar Manda Gestor Democrático = Líder e articulador Se anteriormente se esperava do dirigente escolar as decisões sobre o processo educacional da escola, na atualidade se espera a posição de um líder que possa dialogar, mediar e articular as decisões no coletivo. A gestão democrática altera a dimensão do trabalho destes profissionais. Neste sentido, é importante destacarmos o conceito de trabalho. Afinal, qual é o trabalho do gestor escolar? Neste espaço, não temos a pretensão de fazer um tratado sobre a concepção do trabalho em si, mas repensá-lo na perspectiva singular do gestor escolar. O trabalho na perspectiva marxista é compreendido como um processo dialético (MARX, 2004). Marx compreende o trabalho da seguinte forma: O modo pelo qual os homens produzem seus meios de vida depende, antes de tudo, da natureza dos meios de vida já encontrados e que têm de reproduzir. Não se deve considerar tal modo de produção de um único ponto de vista, a saber: a reprodução da existência física dos indivíduos. Trata-se muito mais, de uma determinada forma de manifestar sua vida, determinado modo de vida dos mesmos. Tal como os indivíduos manifestam sua vida, assim são eles. O que eles são coincide, portanto, com sua produção, tanto com o que produzem, como o modo como produzem. O que os indivíduos são, portanto, depende das condições materiais de sua produção. (MARX, 1999, p. 27-28). Essa afirmação de Marx deixa explícito que o trabalhador se constitui em consonância com o seu fazer. Dessa forma, ao se inserir num contexto de trabalho, o ser humano se transforma a partir dessa ação. Em acordo com essa afirmação e ampliandoa, Schwartz (2004) nos apresenta uma dimensão de construção humana do ser que trabalha. Dessa maneira, por mais prescrito que seja um trabalho, a pessoa inserida neste contexto altera a condução do seu fazer e cria a sua própria dinâmica de ação para a realização de uma atividade. Durante muito tempo refletimos e repensamos os atores da educação, hoje queremos mudar essa denominação, pois o ator apenas interpreta o texto, nem sempre de sua autoria. Já o autor é capaz de criar e trazer novidades pela sua perspectiva, trajetória e formação de vida. Pelo trabalho, a história da humanidade é construída e valores são formados. E qual seria o valor que deveria ser criado pela educação? A educação tem o objetivo de criar o valor de ser humano. A dimensão complexa do humano que se insere em cada sujeito, que não nasce humano, mas se torna humano na relação. É no sentido amplo da educação que nos tornamos humanos. E, desse modo, é necessário se pensar num sujeito capaz de discernir, de fazer escolhas, e buscar seus objetivos, portanto, ser o autor de sua própria vida. Formar o sujeito de ação, capaz de agir e transformar é a proposta da educação que visa o humano, a sua formação plena e a lógica do autor. Para isso, é preciso mais do que cuidar do aspecto cognitivo, conforme a seguir: A educação não pode mais cuidar somente do aspecto formal do conhecimento. Ela precisa, antes de mais nada, cuidar da pessoa. É preciso, primeiramente, estabelecer preceitos éticos de comportamento, que passem pelo respeito ao diferente. (OLIVEIRA e MENDES, 2007, p. 336). Diante deste objetivo da educação, o gestor escolar, na sua condição de liderança deve desenvolver um trabalho específico e intencional, primando pelos aspectos pedagógicos e políticos. Político, na compreensão de Freire é o dialógico, a possibilidade de abertura para o outro e de sua emancipação. Freire (2005), ao afirmar a incompletude do humano e, portanto, a sua construção constante, afirma que: “[...] exercitaremos tanto mais e melhor a nossa capacidade de aprender e de ensinar quanto mais sujeitos e não puros objetos do processo nos façamos.” (FREIRE, 2005, p.59). Nesta concepção, Freire (1984) reforçou a dimensão política da educação que, para ele, não é parte do processo, mas a sua totalidade. Nesse sentido, analisou a pedagogicidade da conduta de quem lidera e educa e ponderou a importância da educação política do próprio líder e educador. Para melhor direcionar a gestão democrática nas escolas as instâncias de participação coletiva definem o seu percurso. Os conteúdos da Sala Ambiente Políticas e Gestão na Educação são importantíssimos e fazem interlocução com essa temática. Confira. Conselho Escolar Conselho de classe Gestão Democrática Associação de Pais e Mestres Grêmio Estudantil As articulações dos elementos representados contribuem de forma significativa a garantia de efetivação da gestão democrática. No contexto apresentado, os Conselhos se constituem como instâncias de legitimação da participação da comunidade escolar, favorecendo a descentralização das decisões, na perspectiva de concretização de uma escola em que todos possam contribuir e ao mesmo tempo se tornar comprometidos com os objetivos coletivos e efetivos para consolidação de um ensino de qualidade. Normalmente os órgãos colegiados são instâncias com atribuições variadas em aspectos normativos, consultivos e deliberativos. Tais aspectos podem ser separados ou coexistentes e sua aplicação depende do ato legal de criação dos Conselhos. Nessa lógica, os Conselhos de Classe têm como objetivo acompanhar o rendimento escolar dos estudantes; os Conselhos Escolares pretendem discutir e avaliar a evolução de um estabelecimento como um todo e expressar a participação da comunidade; os Conselhos de Controle Fiscal e social devem controlar o dinheiro público investido na manutenção e desenvolvimento da educação; os Conselhos Municipais e Estaduais e o Conselho Nacional de Educação são órgãos colegiados, de caráter normativo, deliberativo e Os conteúdos da Sala do Projeto Vivencial: Projeto Político Pedagógico são importantíssimos. Confira, estude e coloque em prática a democracia na sua escola. consultivo que interpretam e resolvem, segundo as suas competências e atribuições, a aplicação da legislação educacional. 4 A existência desses conselhos, apesar de expressos nos documentos legais e, portanto, estarem em sintonia com as leis vigentes, apresentam características específicas nos diferentes espaços escolares devido às distintas formas de atuação. Os conselhos têm o objetivo de: [...] não é o de serem órgãos burocráticos, cartoriais e engessadores da dinamicidade dos profissionais administradores da educação ou da autonomia dos sistemas. Sua linha de frente é, dentro da relação Estado e Sociedade, estar a serviço das finalidades maiores da educação e cooperar com o zelo pela aprendizagem nas escolas brasileiras. (CURY, 2006, p.45). CURY, Carlo Roberto Jamil. Os conselhos de educação e a gestão dos sistemas. In: FERREIRA, Naura Syria Carapeto e AGUIAR, Marcia Angela da S. (orgs). Gestão da Educação: impasses, perspectivas e compromissos. São Paulo: Ed. Cortez, 2006. Vale destacar que, a organização democrática vivenciada na escola se estende desde a cultura da criação e manutenção dos Conselhos Escolares, mas deve extrapolar para as instâncias dos órgãos normativos de maior âmbito. Essa postura de gestão democrática se alicerça numa postura diferenciada que valoriza as diversas perspectivas de concepções. Um ponto a ser exigido dos Conselhos de Educação e dos conselheiros é a presença ética no domínio da educação como serviço público. A eles se aplicam os princípios postos no artigo 37 da Constituição Federal: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Responsáveis por autorizações, reconhecimentos e credenciamentos tornam-se co-responsáveis na medida do rigor e do zelo com que se submetem a esses princípios e os aplicam em seus atos. É na relação com os estabelecimentos de ensino que se verá o grau de diálogo com que os administradores dos sistemas e seus respectivos órgãos normativos poderão traduzir a gestão democrática como forma de participação. (CURY, 2006, p.59). Cury (2006) salienta que a atuação dos conselhos deve ser pautada pelo diálogo para a perspectiva de um sistema educacional articulado de forma democrática. As escolas ainda caminham na construção da participação efetiva da comunidade. Diante dessa constatação, as dimensões da postura dos conselheiros atuantes nas instâncias 4 Esta é uma listagem geral e aproximativa de Conselhos. Podem haver outros, na perspectiva da autonomia dos estabelecimentos e dos sistemas de ensino. Eles também podem conhecer variações de nomes e de funções segundo os sistemas. (CURY, 2006, p.44) colegiadas também necessitam de formação e de tempo para de exercício democrático para melhor atuarem. Democracia também se aprende. A gestão escolar no Brasil, hoje, conta com um grande número de leis e outras normatizações provindas da área federal, da área estadual e municipal. Esse sistema legal se afirma desde as diretrizes curriculares até financiamentos e fontes de recursos. (CURY, 2006, p.44) CURY, Carlo Roberto Jamil. Os conselhos de educação e a gestão dos sistemas. In: FERREIRA, Naura Syria Carapeto e AGUIAR, Marcia Angela da S. (orgs). Gestão da Educação: impasses, perspectivas e compromissos. São Paulo: Ed. Cortez, 2006. REFERÊNCIAS ALVES, Miriam Fábia e ALVES, Edson Ferreira. Gestão Democrática na Educação Básica – Políticas e formas de participação. Revista Semestral da Escola de Formação da CNTE (Esforce), Brasília, DF, v.4, n.7, jul./dez. de 2010. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 6 de janeiro de 2010. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nº 9394 de 1996. 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