UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII
CURSO DE DIREITO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA:
Uma proposta de inserção no ordenamento jurídico brasileiro
Monografia apresentada como requisito parcial para
obtenção do grau de bacharel em Direito na
Universidade do Vale do Itajaí
ACADÊMICO: GABRIEL SARAIVA TERNES
São José (SC), outubro de 2004
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII
CURSO DE DIREITO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA:
Uma proposta de inserção no ordenamento jurídico brasileiro
Monografia apresentada como requisito parcial para
obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob
orientação da Profa. Rosângela Barreto Laus.
ACADÊMICO: GABRIEL SARAIVA TERNES
São José (SC), outubro de 2004
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII
CURSO DE DIREITO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA: Uma
proposta de inserção no ordenamento jurídico brasileiro
GABRIEL SARAIVA TERNES
A presente monografia foi aprovada como requisito para a obtenção do grau de
bacharel em Direito no curso de Direito na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.
São José, 11 de outubro
Banca Examinadora:
_______________________________________________________
Professora MSc. Rosângela Barreto Laus - Orientadora
_______________________________________________________
Prof. Clauton Raupert - Membro
_______________________________________________________
Prof. José Rafael de Freitas - Membro
DEDICATÓRIA
Dedico este texto:
Aos meus pais, que me deram o bem mais valioso deste
mundo, a vida; Que, sempre com muito amor e carinho, me
ensinaram importantes valores que contribuíram para a
formação de meu caráter.
À
minha
irmã,
pelo
amor
e
pelos
momentos
compartilhados.
Ao amor da minha vida, por me compreender e me amar
de um jeito único.
AGRADECIMENTOS
Aos verdadeiros mestres, pelo exercício da bela arte da docência, mostrandome o caminho para o universo do conhecimento.
Em especial, à minha orientadora, pelo esforço e dedicação ímpares.
A todos aqueles que, de uma maneira direta ou indireta, contribuíram para a
realização desta pesquisa.
“A prática da cidadania só adquire sentido se no seu
horizonte estão os direitos de todos, a igualdade perante a lei, a
defesa do bem comum.”
João Batista Libânio
SUMÁRIO
RESUMO ..................................................................................................................................4
ABSTRACT .............................................................................................................................2
LISTA DE ABREVIATURAS ................................................................................................3
INTRODUÇÃO........................................................................................................................4
1 DIREITO DE EMPRESA NO CÓDIGO CIVIL DE 2002 .............................................6
1.1 EMPRESÁRIO...................................................................................................................6
1.1.1 Conceito...........................................................................................................................6
1.1.2 Responsabilidade .............................................................................................................8
1.2 SOCIEDADE EMPRESÁRIA ...........................................................................................9
1.2.1 Conceito e Classificação ..................................................................................................9
1.2.2 Personificação ................................................................................................................10
1.2.3 A Sociedade Limitada....................................................................................................12
1.2.3.1 Surgimento..................................................................................................................13
1.2.3.2 Pressupostos de Existência .........................................................................................14
1.2.3.3 Responsabilidade dos Sócios ......................................................................................16
1.2.3.4 A Unipessoalidade Temporária ..................................................................................19
2 AS SOCIEDADES LIMITADAS UNIPESSOAIS.........................................................22
2.1 A PROIBIÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO...............................22
2.2 A ADMISSIBILIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO DE OUTROS PAÍSES....24
2.2.1 Histórico sobre o surgimento da sociedade limitada unipessoal ....................................24
2.2.2 No Ordenamento Jurídico da França ..............................................................................27
2.2.3 No Ordenamento Jurídico da Alemanha.........................................................................29
2.2.4 No Ordenamento Jurídico do Uruguai............................................................................30
3 A UTILIZAÇÃO DA RESPONSABILIDADE LIMITADA PARA LIMITAÇÃO DA
RESPONSABILIDADE DO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL ................................................33
3.1 A SOCIEDADE PESSOA DE FATO OU FICTÍCIA.......................................................33
3.2 ANÁLISE DE DADOS DA JUNTA COMERCIAL DO ESTADO DE SANTA
CATARINA SOBRE O REGISTRO DE SOCIEDADES LIMITADAS ...............................36
3.3 ASPECTOS FAVORÁVEIS E DESFAVORÁVEIS À ADOÇÃO DA EMPRESA
INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA PELO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO ..........................................................................................................................40
3.4 NECESSIDADE DE ATUALIZAÇÃO DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA SOBRE A
MATÉRIA ...............................................................................................................................44
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................49
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................52
RESUMO
Considerando a adoção em diversos países em seus ordenamentos jurídicos da figura
da sociedade limitada unipessoal e, ainda, a possibilidade de frustração lícita da legislação
brasileira com a obtenção de resultados próximos aos de uma sociedade limitada unipessoal, o
presente trabalho propõe-se a analisar a hipótese de inserção deste tipo societário na ordem
jurídica do Brasil. Com este objetivo em foco, percorreu-se o conceito de empresário e
sociedade empresária, concentrando-se na figura da sociedade limitada; explorou-se o
surgimento do instituto da empresa individual de responsabilidade limitada, aprofundando-se
na legislação de alguns países acerca da matéria; e, por último, estudou-se as questões
relativas à possibilidade de inserção do instituto jurídico em comento no ordenamento
normativo brasileiro. Ante a pesquisa realizada, conclui-se ser possível a admissão pela
legislação pátria da empresa individual de responsabilidade limitada, como forma de fomentar
a economia e desenvolvimento nacional.
ABSTRACT
Considering the adoption by diverse countries in its legal systems of the figure of an
unipersonal limited liability companies and also due to the possibility of allowed frustration of
the Brazilian legislation with the attainment of results next to the ones to an unipersonal
limited liability company, the present work considers to analyze the hypothesis of insertion of
this legal institute in Brazilian’s normative system. Focused on this objective this study
explored the concept of entrepreneur and society entrepreneur, concentrating itself in the
figure of the limited society. The sprouting of the institute of the individual company of
limited responsibility was explored, going deep itself into the legislation of some countries
concerning the substance; and, finally, studied the relative questions to the possibility of
insertion of the legal institute in comments in the Brazilian normative order. Before the
carried through research, the admission for the native legislation of the individual company of
limited responsibility is concluded to be possible, as form to foment the economy and national
development.
LISTA DE ABREVIATURAS
DNRC
Departamento Nacional de Registro do Comércio
EIRL
Empresa Individual de Responsabilidade Limitada
EPP
Empresa de Pequeno Porte
FI
Firma Individual
LTDA
Sociedade Limitada
ME
Micro Empresa
SA
Sociedade Anônima
SAFI
Sociedad Anónima Financeira de Inversiones
STF
Supremo Tribunal Federal
STJ
Superior Tribunal de Justiça
RE
Requerimento de Empresário
REsp
Recurso Especial
INTRODUÇÃO
O presente estudo tem por objeto verificar a possibilidade de instituição de um novo
tipo societário no ordenamento jurídico brasileiro, que permita a instituição de uma sociedade
unipessoal por quotas de responsabilidade limitada ou uma empresa individual de
responsabilidade limitada. Para tanto, o objeto geral foi dividido em objetivos específicos,
quais sejam, a) identificar e conceituar a figura do empresário individual e da sociedade
limitada, verificando os pressupostos de existência e características deste tipo societário; b)
demonstrar as hipóteses de unipessoalidade no Direito societário brasileiro, bem como
elaborar um estudo acerca da empresa individual de responsabilidade limitada desde de seu
surgimento, bem como, analisar o tratamento dispensado a este instituto jurídico por
ordenamentos normativos estrangeiros; e, c) verificar os pontos favoráveis e desfavoráveis à
adoção de uma empresa individual de responsabilidade limitada, de modo e determinar a
necessidade de atualização da legislação brasileira sobre a matéria.
Para a produção deste estudo adotou-se tanto as técnicas de pesquisa de
documentação indireta quanto direta. A técnica de documentação indireta consiste em
pesquisa documental, com foco em textos legislativos, livros, artigos e textos retirados da
internet. A técnica de documentação direta baseou-se em entrevista com diretores de juntas
comerciais e obtenção de relatórios sobre o registro de comércio nacional.
A problemática levantada por este estudo consiste na falta de regulamentação acerca
da empresa individual de responsabilidade limitada no ordenamento jurídico pátrio,
considerando a possibilidade de limitação da responsabilidade do empresário individual ante a
constituição, dentro dos limites legais, de sociedades limitadas fictícias e, ainda, face ao
exemplo de diversos países que consagraram este tipo societário em seus ordenamentos
normativos, necessário os conceitos e características, tanto do empresário individual quanto
da sociedade limitada.
A partir da problemática suscitada, surgiu a hipótese de implementação da empresa
individual de responsabilidade limitada no ordenamento jurídico brasileiro, considerando a
admissão deste instituto jurídico no direito alienígena e, ainda, a falta de obstáculos
conceituais e doutrinários à adoção deste tipo societário.
Outrossim, ainda quanto à hipótese de implementação da empresa individual de
responsabilidade limitada no ordenamento jurídico pátrio, verificou-se que a maioria das
microempresas e empresas de pequeno porte adota a sociedade limitada para o exercício de
suas atividades, e ainda, o considerável número de empresário individuais registrados no
Brasil. Alia-se a esses fatores os benefícios econômicos advindos da limitação da
responsabilidade do empresário individual, como, v.g., desenvolvimento da economia e
registro de empresários atuando na informalidade, de modo que fica a impressão de que o
legislador pátrio, até então, não prestou a devida atenção à matéria1.
Traçadas essas considerações, a estruturação do trabalho recai, no primeiro capítulo,
no estudo do conceito de empresário e de sociedade limitada, identificando as características
deste tipo societário que poderiam beneficiar o empresário individual, notadamente a
personificação e separação patrimonial.
No segundo capítulo, o estudo aborda a questão da proibição de constituição de uma
empresa individual de responsabilidade limitada e as hipóteses de unipessoalidade no
ordenamento jurídico brasileiro. Além disso, explora-se o surgimento da sociedade limitada
unipessoal no cenário mundial, verificando o tratamento direcionado à matéria pelos
ordenamentos jurídicos da França, Alemanha e Uruguai.
O terceiro capítulo aborda a utilização da sociedade limitada para limitação da
responsabilidade do empresário individual, por meio de constituição de sociedades fictícias2,
contempla, ainda, uma análise dos dados obtidos junto ao Departamento Nacional de
Registros do Comércio – DNRC e da Junta Comercial do Estado de Santa Catarina –
JUCESC, propondo-se, ao final, uma reformulação da legislação nacional a respeito da
empresa individual de responsabilidade limitada.
Em conclusão, o trabalho pretende, após estudo do tema proposto, opinar pela
possibilidade de adoção pelo ordenamento jurídico brasileiro de um modelo societário capaz
de limitar a responsabilidade do empresário individual.
1
MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. 22. ed. revisada e atualizada. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p.
9. Para o autor, a má articulação dos artigos dá ensejo a várias discussões doutrinárias sobre o assunto,
acrescentando ainda, que a jurisprudência pouco tem se manifestado sobre o tema e, que, devido à importância
das sociedades limitadas no Brasil, deveria haver uma reforma na lei básica deste tipo societário.
2
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, vol. 2, 4. ed. revista e atualizada. São Paulo: Saraiva,
2000, p. 383. “Como não há, na lei, percentual mínimo para a participação do sócio, o empreendedor
que dispõe, sozinho, dos recursos necessários à implantação da empresa, e deseja beneficiar-se da
limitação da responsabilidade, decorrente da personalização da sociedade limitada, pode constituí-la
com um irmão ou amigo, a quem reserva uma reduzidíssima participação”.
1. DIREITO DE EMPRESA NO CÓDIGO CIVIL DE 2002
Este capítulo destina-se a conceituar e destacar as características relevantes para o
presente estudo em relação ao empresário e à sociedade empresária, concentrando-se na
sociedade limitada, enquanto base para a criação de uma sociedade limitada unipessoal ou
empresa individual de responsabilidade limitada.
1.1 EMPRESÁRIO
1.1.1
Conceito
O Código Civil3, no art. 966, define empresário como aquele que “exerce
profissionalmente atividade econômica organizada para a produção e circulação de bens e
serviços”. O exercício dessa atividade pode ser realizado tanto por uma pessoa física como
uma pessoa jurídica, como salienta COELHO, a saber:
Empresário é a pessoa que toma a iniciativa de organizar uma atividade
econômica de produção ou circulação de bens ou serviços. Essa pessoa pode
ser tanto a física, que emprega seu dinheiro e organiza a empresa
individualmente, como a jurídica, nascida da união de esforços de seus
integrantes.4
A qualificação de empresário, portanto, com a definição dada pelo Código Civil,
permanece inalterada em face do conceito até então vigente5, pois, segundo BERTOLDI, as
características principais são as mesmas, quais sejam, exercício profissional de atividade
econômica destinada à produção ou circulação de bens ou serviços, independentemente de
registro6, senão veja-se:
3
O Código Civil foi instituído pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
COELHO, op. cit., p. 61.
5
Quer-se aqui fazer traçar um comparativo entre o antigo conceito de comerciante, até então adotado pelo
Código Comercial que teve sua Parte Primeira revogada pelo atual Código Civil, e o atual conceito de
empresário.
6
No sistema do Código Civil passa a existir o empresário obrigatoriamente registrado no Registro de Empresas e
os dispensados de tal inscrição, como é o caso do empresário rural e o pequeno empresário de conformidade com
os preceitos dos artigos 970 e 971 do Código Civil. Assim, dispõe o “Art. 970. A lei assegurará tratamento
favorecido, diferenciado e simplificado ao empresário rural e ao pequeno empresário, quanto à inscrição e aos
efeitos daí decorrentes”. Quanto à faculdade de inscrição do empresário rural, preconiza o art. 971 que o
empresário, cuja atividade rural constitua sua principal profissão, pode, requerer inscrição do Registro de
Empresas. Contudo, depois de inscrito, equipara-se, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro.
4
(...) o sistema de qualificação do agora denominado empresário não muda,
ou seja, basta que alguém exerça profissionalmente atividade econômica
organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviços,
independentemente de qualquer registro, que será considerado empresário
7
para todos os efeitos.
Em posição contrária quanto à qualificação do empresário encontra-se REQUIÃO8,
que ao comentar o assunto sob a égide da sistemática do Código Civil, entende que “passa a
existir o empresário obrigatoriamente inscrito no Registro de Empresas e empresário disso
dispensado”, que é o empresário rural, nos termos do art. 971 9 deste diploma legal. Assim, o
entendimento de BERTOLDI acerca da qualificação de empresário deve ser interpretado com
restrições, aplicando-se ao caso do empresário rural.
Vale afirmar, conforme o faz REQUIÃO10 que as expressões “ empresário, na
linguagem do direito moderno, é o antigo comerciante”. Contudo, a figura do comerciante
centrava-se na idéia individualista do sistema capitalista de produção, enquanto que na
conceituação do empresário de hoje está ínsito o conceito social de empresa. Na conclusão do
comercialista paranaense
Hoje o conceito social de empresa, como o exercício de uma atividade
organizada, destinada à produção ou circulação de bens ou de serviços, na
qual se refletem expressivos interesses coletivos, faz com que o empresário
comercial não continue sendo empreendedor egoísta, divorciado daqueles
interesses gerias, porém um produtor impulsionado pela persecução de lucros
é verdade, consciente de que constitui uma peça importante no mecanismo da
sociedade humana. Não é ele, enfim, um homem isolado, divorciado dos
anseios gerais da coletividade em que vive11.
Ressalta-se que, como lembra REQUIÃO12, a denominação de empresário ou
empresa individual designada pelo Código Civil refere-se à firma individual ou à firma
mercantil individual do empresário individual. Assim, distingue-se o empresário individual,
definido no art. 966, do Código Civil, da sociedade empresária, conceituada no art. 98213, do
7
BERTOLDI, Marcelo. Curso Avançado de Direito Comercial: Teoria Geral do Direito Comercial, Direito
Societário. 2. ed. rev. e atual., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 59-60.
8
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. v. 1, 25.ed., atual. por Rubens Edmundo Requião. São
Paulo: Saraiva, 2003, p.77-78.
9
Na redação do art. 971 do Código Civil: “O empresário, cuja atividade rural constitua sua principal
profissão, pode, observadas as formalidades de que tratam o art. 968 e seus parágrafos, requerer inscrição no
Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em que, depois de inscrito, ficará
equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro”. (sem grifo no original)
10
REQUIÃO, op. cit., p. 76.
11
REQUIÃO, op. cit., p. 76.
12
REQUIÃO, op. cit., p. 78.
13
Na dicção do art. 982, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria
de empresário sujeito a registro.
mesmo diploma legal, destacando-se as duas espécies de pessoas que podem explorar a
empresa, conforme salienta LIPPERT, in verbis:
A maioria dos autores faz referência ao empresário, deixando de lado a
sociedade empresária. No entanto, é imprescindível frisar que, nos termos
dos artigos acima citados, as duas espécies de pessoas que podem explorar a
empresa são a pessoa física do empresário (neste caso o empresário
individual assume o risco da atividade) e a pessoa jurídica (neste caso a
sociedade empresária assume o risco da atividade).14
Pode-se definir, portanto, o empresário individual como sendo aquele que exerce
profissionalmente uma atividade de conteúdo econômico voltada para a produção e circulação
de bens e serviços.
1.1.2
Responsabilidade
A garantia dos credores está calcada no patrimônio do devedor. Conforme exposto
alhures, a exploração da empresa pelo empresário individual torna este responsável pelos
riscos da atividade, respondendo pelas obrigações da empresa individual ilimitadamente com
o patrimônio próprio.
A responsabilidade ilimitada do empresário individual decorre do princípio da
unidade patrimonial, em razão do qual o patrimônio do empresário, enquanto exercente da
empresa, e da pessoa física empresa individual é considerado único, conforme expõe
LIPPERT, a saber:
De qualquer sorte, este empresário do novo Código Civil, cuja obrigação de
assunção do risco da atividade não está expressamente prevista, pode ser
representado na categoria de pessoa física sob a personalidade de sua pessoa
natural. Neste caso, o reflexo no seu patrimônio individual se dá na
totalidade, haja vista a teoria da unidade patrimonial, que se traduz em “para
cada pessoa corresponde um patrimônio”. 15
Consoante a lição de REQUIÃO, o empresário individual será a própria pessoa física
ou natural, cujo patrimônio pessoal responde ilimitadamente pelas obrigações assumidas, não
importando a natureza destas. O citado autor justifica esse posicionamento com base em
julgado do Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina, nestes termos:
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina explicou muito bem que o
comerciante singular, vale dizer, o empresário individual, é a própria pessoa
física ou natural, respondendo os seus bens pelas obrigações que assumiu,
14
LIPPERT, Márcia Mallmann. A Empresa no Código Civil: elemento de unificação no Direito Privado. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 140.
15
LIPPERT, op. cit., p. 142.
quer sejam civis, quer comerciais. A transformação de firma individual em
pessoa jurídica é uma ficção do direito tributário, somente para o efeito do
imposto de renda (Ap. cív. n° 8.447 – Lajes, in Bol. Jur. ADCOAS, n°
18.878/73).16
Observação bastante pertinente encontra-se no Acórdão citado, haja vista a ressalva
quanto à questão da atribuição de personalidade jurídica à firma individual, a qual destina-se
tão somente à área tributária. Não há que se confundir, portanto, a personificação da
sociedade empresária, com conseqüente separação patrimonial entre sócio e sociedade, com a
personalidade jurídica para fins tributários do empresário individual. A responsabilidade do
empresário17 permanece ilimitada pelas obrigações contraídas durante o exercício da atividade
empresária.
1.2 SOCIEDADE EMPRESÁRIA
1.2.1
Conceito e Classificação
Nos termos do art. 982, do Código Civil, “considera -se empresária a sociedade que
tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967);
[...]”. Atividade própria de empresário é aquela definida no art. 966, da lei subjetiva civil, qual
seja, a atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços
exercida profissionalmente.
A classificação das sociedades empresárias pode ser determinada em função de
vários critérios, quais sejam, a responsabilidade dos sócios, a personificação, a forma do
capital e, a estrutura econômica. Contudo, haja vista a finalidade deste trabalho, verifica-se
como relevante o critério de classificação em função da personificação e da responsabilidade
dos sócios. Neste ponto, revela-se de fundamental importância a conceituação da
personificação, posto que, é a partir do registro que a sociedade adquire personalidade
jurídica, tornando, desta forma, distintos os patrimônios da pessoa jurídica e dos sócios que a
compõem.
16
REQUIÃO, op. cit., p. 78.
É coerente esclarecer que se adota a nomenclatura de empresário para designar a pessoa física que exerce a
atividade empresária, posto que, quando se trata da pessoa jurídica, empresária é a sociedade e não os sócios.
17
1.2.2
Personificação
Em função da personificação da sociedade empresária, a qual tem personalidade
jurídica distinta da de seus sócios, é possível classificar as sociedades em relação à
responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais. Assim preleciona LIPPERT:
Há sociedades nas quais os sócios respondem de forma limitada, ilimitada ou
mista, a sociedade empresária, no entanto, é aquela que assume o risco da
atividade com a totalidade de seu patrimônio, tal qual o empresário
individual.18
Com a personificação, acrescenta REQUIÃO19, a “sociedade transforma -se em novo
ser, estranho à individualidade das pessoas que participam de sua constituição, dominando um
patrimônio próprio, possuidor de órgãos de deliberação e execução que ditam e fazem
cumprir a sua vontade”. A personificação, conforme conceito de MUNHOZ, “pode ser
compreendida (...) como uma ‘técnica jurídica utilizada para se atingirem determinados
objetivos práticos – autonomia patrimonial, limitação ou supressão de responsabilidades
individuais’”. 20
Em conseqüência da atribuição de personalidade jurídica a uma sociedade, esta se
torna ente autônomo em relação aos seus sócios, caracterizando a autonomia da pessoa
jurídica. “Com essa autonomia, ela terá titularidade negocial (ela é sujeito dos negócios),
processual (quem atua no processo como autora e ré é a pessoa jurídica) e titularidade
patrimonial, ou seja, o patrimônio investido na formação do capital social é dela e não mais
dos sócios”. 21 Nas sociedades em que haja atribuição de personalidade jurídica com limitação
da responsabilidade, consoante a lição de MUNHOZ, vigora o princípio da absoluta
autonomia patrimonial, senão veja-se:
Nas sociedades personificadas com responsabilidade limitada vigora,
portanto, o princípio da absoluta autonomia dos elementos ativos e passivos
que compõem o patrimônio social, significando que os sócios não têm
relação jurídica com os elementos ativos do patrimônio, que são de
titularidade da sociedade, nem com os elementos passivos, que vinculam
apenas o ente coletivo.22
18
LIPPERT, op. cit., p. 142.
REQUIÃO, op. cit., p. 373.
20
MUNHOZ, Eduardo Secchi. Empresa Contemporânea e Direito Societário: Poder de Controle e Grupos
Societários. 1. ed., São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002. p. 68.
21
NERILO, Lucíola Fabrete Lopes. Manual da Sociedade Limitada no Novo Código Civil. Curitiba: Juruá,
2004. p. 38
22
MUNHOZ, op. cit., p. 73.
19
Atualmente a autonomia patrimonial não é regra absoluta. Pois, há várias regras no
ordenamento jurídico brasileiro que excepcionam este princípio. Pode-se dizer que, em regra,
vige o princípio da separação patrimonial. Contudo tal princípio vem sendo excepcionado.
Exemplo disso é a regra do art. 5023 do Código Civil, art. 1.08024 do mesmo diploma legal,
art. 13525 do Código Tributário Nacional, tratando os dispositivos normativos citados de
hipóteses de responsabilização pessoal das pessoas mencionadas nos artigos.
O empresário individual, contudo, não possui personalidade jurídica distinta da
pessoa natural, porquanto exerce a atividade em seu próprio nome, assumindo todos os riscos
inerentes ao desempenho da empresa. Todavia, conforme brilhante anotação de
BULGARELLI, há grande confusão sobre a questão de atribuição de personalidade jurídica
ao empresário individual face à equiparação deste à pessoa jurídica para fins fiscais, a saber:
Como se sabe, reina grande confusão em torno da qualificação da empresa
individual, havendo um entendimento comum de que o empresário
individual é pessoa jurídica. Essa falha da cultura jurídica pátria parece ter
sua causa no Direito Tributário que equiparou as empresas individuais à
pessoa jurídica para os efeitos fiscais. Ora, por essa razão, raciocina o
empresário individual que ele é pessoa jurídica, pois que inscreve sua firma
no Registro de Comércio, cujo formulário exige que indique um montante de
capital da empresa e dos vários estabelecimentos; registra-se junto ao Fisco,
obtém o CGC, é obrigado a ter livros e escrituração específica do
estabelecimento e a providenciar duas declarações de renda, a de pessoa
jurídica e a de pessoa física. Perante tal situação não é de estranhar que se
julgue dotado de personalidade jurídica. O que é mais grave, entretanto, é
quando essa posição é encampada por advogados, como se vê da decisão do
TRF (AC. 69.621, 9-12-81, Boletim AASP 1.223/121) em que o executado
embargou executivo fiscal alegando que a certidão da dívida ativa não se
referia ao seu débito, mas à sua pessoa jurídica. Obviamente, foi julgada
inepta, mas, o simples fato de existir comprova a confusão reinante.26
Contudo, não só o empresário individual carece de personalidade jurídica, porquanto
pode haver sociedades sem personalidade jurídica, mas com ilimitação da responsabilidade,
haja vista a atribuição de personalidade jurídica não estar atrelada a responsabilidade limitada
dos sócios, conforme destaca MUNHOZ, in verbis:
É bem verdade que a personalidade jurídica e responsabilidade limitada não
são inseparáveis. São conhecidos tipos societários dotados de personalidade
23
O art. 50 do Código Civil refere-se à possibilidade do magistrado decidir, a requerimento da parte, ou do
Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de
obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica, nos casos de
abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial.
24
Trata o art. 1.080 do Código Civil da responsabilidade ilimitada dos sócios, na sociedade limitada, que
aprovarem qualquer deliberação infringente do contrato social ou da lei.
25
Trata-se de responsabilização pessoal das pessoas elencadas nos incisos do art. 134 e 135 do CTN, nos casos
em que houver excesso de poder, infração da lei, do contrato social ou dos estatutos.
26
BULGARELLI, Waldirio. Tratado de Direito Empresarial. 4. ed., São Paulo: Atlas, 2000. p. 164.
jurídica com responsabilidade ilimitada (v.g., na lei brasileira, a sociedade
em nome coletivo) e, por outro lado, sociedades sem personalidade jurídica
com responsabilidade limitada (v.g., na lei brasileira, a sociedade em conta
de participação).27
O entendimento do autor, data venia, parece estar equivocado quanto à limitação da
responsabilidade dos sócios na sociedade em conta de participação, porquanto nesta sociedade
a responsabilidade do sócio ostensivo é ilimitada e o sócio participante não tem qualquer
responsabilidade perante terceiros, nos termos do art. 991, caput e parágrafo único, do Código
Civil28. Parece crer que o doutrinador fez referência à responsabilidade dos sócios
participantes, os quais, consoante o citado parágrafo único do art. 991 do Código Civil, não
responde perante terceiros, mas somente ao sócio ostensivo, dentro dos limites do contrato
estabelecido entre as partes.
Contudo, verifica-se a importância do instituto da personificação, na medida em que
determina a separação patrimonial do sócio e da sociedade, o que constitui ponto
extremamente favorável às empresas individuais de responsabilidade limitada, porquanto
distingue o patrimônio da pessoa física da pessoa jurídica.
1.2.3
A Sociedade Limitada
A sociedade limitada caracteriza-se pela limitação da responsabilidade dos sócios ao
aporte de capital destinado à constituição da sociedade. O Código Civil de 2002, no art. 1.052,
define sociedade limitada como sendo aquela cuja “responsabilidade de cada sócio é restrita
ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital
social”.
Fran Martins, citado por LUCENA, agrega outras características ao conceito legal de
sociedade limitada, quais sejam:
Segundo a lei brasileira, caracterizam-se as sociedades por quotas, de
responsabilidade limitada, pela limitação da responsabilidade solidária dos
sócios ao capital social e, em caso de falência, também pela parte que faltar
para preencher o pagamento das quotas não inteiramente liberadas; e pela
27
MUNHOZ, op. cit., p. 69.
Art. 991. Na sociedade em conta de participação, a atividade constitutiva do objeto social é exercida
unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade,
participando os demais dos resultados correspondentes.
Parágrafo único. Obriga-se perante terceiro tão-somente o sócio ostensivo; e, exclusivamente perante este, o
sócio participante, nos termos do contrato social.
28
adoção de uma firma ou denominação à qual se deverá sempre aduzir
limitada.29
Segundo MARTINS, sociedade limitada, ou, nas palavras do autor, “ sociedade por
quotas, de responsabilidade limitada, é aquela formada por duas ou mais pessoas, assumindo
todas, de forma subsidiária, responsabilidade solidária pelo total do capital social”. 30
1.2.3.1 Surgimento
O surgimento da sociedade limitada encontra divergência de fontes. A origem desse
tipo societário é atribuída tanto à Inglaterra como à Alemanha. REQUIÃO, ao dissertar sobre
a origem da sociedade limitada, comenta que:
A Lei de 14 de julho de 1856, no art. 61, permitia “na Inglaterra, formarem se sociedades em que nenhum sócio é responsável além da sua entrada para
o capital da sociedade”. Compreende -se, entretanto, que todo esse sistema,
visando à limitação da responsabilidade do sócio à sua contribuição ao
capital social, pressupunha uma organização no tipo de sociedade anônima.31
Ainda, nas palavras deste renomado autor, também, na França, o tipo societário
instituído pela Lei de 1863, que seria uma sociedade anônima livre, era apenas uma
alternativa para contornar a rígida fiscalização governamental, assemelhando-se à sociedade
inglesa limited by shares.32
Por fim, na Alemanha, após diversas deliberações sobre a necessidade de agregar ao
sistema jurídico um tipo societário capaz de limitar a responsabilidade dos sócios à
importância do capital investido na sociedade, foi promulgada a Lei de 20 de abril de 1892,
que instituiu as sociedades de responsabilidade limitada, conforme expõe REQUIÃO, a saber:
Em 1891 foi enviado pelo, pelo Ministro da Justiça do Império, ao
Congresso alemão, um projeto de lei, inspirado diretamente nas idéias de
Oechelhauser. A tramitação legislativa, com algumas modificações, resultou
na promulgação da Lei de 20 de abril de 1892, sobre as Gesellschaften mit
beschraenkter Haftung – sociedades de responsabilidade limitada. Em pouco
tempo essas sociedades dominaram o comércio alemão, de molde a, em
nosso tempo, ultrapassarem de muitíssimo, em número, as sociedades
anônimas existentes na Alemanha.33
No Brasil, este tipo societário, tal qual instituído na Alemanha, aparece, em 1912,
com o projeto de Código Comercial de Inglez de Souza, sendo que, somente com o projeto de
29
LUCENA, José Waldecy. Das Sociedades limitadas. 5. ed. atual. e ampl., Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
p.69
30
MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. 27. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 201.
31
REQUIÃO, op. cit., p. 457.
32
REQUIÃO, op. cit., p. 458.
33
REQUIÃO, op. cit., p. 459.
Joaquim Luis Osório, de 20 de setembro de 1918, o qual foi posteriormente convertido no
Decreto n° 3.708 de 191934, introduziu-se este tipo societário no ordenamento pátrio.
O Código Civil, ao englobar parte da legislação comercial, disciplinou a matéria
relativa às sociedades limitadas, remetendo às normas da sociedade simples e, supletivamente,
à Lei da Sociedade por Ações, a esta última somente se expressamente previsto no contrato
social, na ocorrência de casos omissos.
LUCENA, ao avaliar o novo tratamento legal direcionado à sociedade limitada em
comparação ao Decreto n° 3.708 de 1919, ressalta:
Imposta a inevitável comparação entre o Decreto n° 3.708/19 e o Projeto, há
de se concluir que, se foi aquele acoimado de atécnico e falta de regras
indispensáveis, este, embora, dotado de tecnicidade, não deixará de
profligado como extremamente burocratizante da constituição e
funcionamento das sociedades limitadas, assim eliminando uma das
vantagens que levaram à criação e à ampla aceitação desse tipo societário.35
Corrobora esse entendimento a lição de NERILO, que ressalta a evolução da técnica
legislativa ao tratar da matéria, mas destaca pontos que vão de encontro ao posicionamento
jurisprudencial e doutrinário, a saber:
A sociedade limitada, outrora chamada de sociedade por quotas de
responsabilidade limitada, ganhou regulamentação mais minuciosa e
moderna. Algumas alterações trazidas pelo novo Código Civil ainda
merecerão muito o que pensar por parte da doutrina, pois, ao lado de
avanços, existem também disposições que causam perplexidade por
confrontarem entendimento jurisprudencial já remansado. É exemplo dessa
última situação a proibição dirigida aos cônjuges casados sob o regime de
comunhão universal de bens e de separação obrigatória, de constituírem
sociedade entre si. Pode-se citar ainda a reversão verificada no artigo 1.015,
pelo qual a sociedade empresária não responderá perante terceiros, pelos atos
praticados pelo administrador em excesso de mandato, pois presumiu a lei
que aqueles que com ela negociam podem tomar conhecimento dos poderes
conferidos ao administrador.36
1.2.3.2 Pressupostos de Existência
A sociedade limitada, para que tenha validade, deve atender aos requisitos gerais de
validade de qualquer negócio jurídico e aos requisitos específicos pertinentes ao contrato
social. Contudo, a existência da sociedade está condicionada à conjugação de dois
pressupostos, quais sejam, o affectio societatis e a pluralidade de sócios, conforme, aliás,
salienta COELHO, a saber:
34
LUCENA, op. cit., p. 22-27.
LUCENA, op. cit., p. 30.
36
NERILO, op. cit., p. 15.
35
Para que a sociedade exista, o contrato social deve atender, no direito
brasileiro, a dois pressupostos: a) a pluralidade dos sócios; b) a affectio
societatis. Diferem essas condições dos requisitos de validade, anteriormente
referidos. Isso porque a falta de um pressuposto de existência não conduz à
invalidação do contrato social, mas à dissolução da sociedade.37
A expressão affectio societatis designa o intuito comum dos sócios em empenharem
esforços para a constituição de uma sociedade com o objetivo de retorno econômico para
ambos. Calcado na opinião de vários autores, REQUIÃO tenta determinar o conceito de
affectio societatis, a saber:
É uma antiga expressão latina, usada por Ulpiano, para distinguir a intenção
de se associar em sociedade. Os autores têm procurado desvendar o
verdadeiro sentido da expressão, tendo Thaller divisado nela “um elo de
colaboração ativa entre os sócios”. Àul Pic escreve que “não há sociedade
sem vontade, em todos os contratantes, de cooperar, direta ou indiretamente,
na obra comum, sem a comunhão de capitais (lato sensu) e dos esforços
pessoais dos membros”. Continua: “Todo contrato de sociedade pressupõe
não somente a intenção de realizar benefícios por uma reunião de capitais,
intenção que se pode descobrir num simples empréstimo, acompanhado de
uma cláusula de participação, mas a vontade bem determinada, da parte de
todos os sócios, de cooperar ativamente na obra comum. Discerne-se, em
outros termos, em qualquer sociedade, um pensamento de cooperação
econômica (Ripert) ou, mais exatamente, uma vontade de colaboração ativa
(Thaller), em vista de um fim comum, que é a realização de um
enriquecimento pela comunhão dos capitais e da atividade dos sócios”. 38
A affectio societatis está relacionada diretamente com a intenção dos sócios, como
condição essencial de validade do contrato social, conforme a lição de CARVALHO DE
MENDONÇA, para quem “mais exato será dizer que os sócios devem manifestar a vontade
de cooperar ativamente para o resultado que procuram obter, reunindo capitais e colocando-se
na mesma situação de igualdade”. 39
A formação de uma sociedade comercial, por meio de um contrato, pressupõe como
elemento essencial a pluralidade de pessoas. REQUIÃO, ao analisar a questão sob o enfoque
do antigo Código Comercial e do atual Código Civil, salienta que:
O contrato é uma relação na qual se envolvem duas ou mais pessoas.
Partindo dessa evidência a pluralidade de partes constitui um elemento
essencial dos contratos de sociedade comercial. O art. 302 do Código
Comercial, entre os elementos que deve conter o instrumento de contrato
social, aludia aos nomes, nacionalidade e domicílios dos sócios, no plural, o
que vale dizer que a lei exige pluralidade de sócios na constituição da
sociedade, isto é, dois ou mais sócios. O art. 997 do Código Civil, entre os
37
COELHO, op. cit., p. 381.
REQUIÃO, op. cit., p. 394.
39
MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de Direito Comercial Brasileiro. 5. ed., São Paulo: Freitas
Bastos, 1954. p. 23.
38
elementos contratuais, exige a presença de sócios, igualmente no plural. O
art. 981, definindo o contrato de sociedade, estabelece que o celebram as
pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir para o exercício da
atividade econômica, visando a distribuição dos resultados.40
A pluralidade de sócios, em função da natureza contratual da relação, é de
fundamental importância para o desenvolvimento da discussão acerca da constituição de uma
sociedade limitada unipessoal. Conforme assevera COELHO41, em razão da natureza
contratual da sociedade limitada e, ante a impossibilidade de alguém contratar consigo
mesmo, há a necessidade de reunião de pelo menos duas pessoas, física ou jurídica, para a
constituição da sociedade.
No direto pátrio, portanto, expressa é a proibição da formação de uma sociedade
limitada originariamente unipessoal, sendo que a única hipótese de constituição de uma
sociedade unipessoal em sua origem é o caso da sociedade por ações, denominada de
subsidiária integral42, formada por outra sociedade brasileira detentora de todas as ações
sociais.
1.2.3.3 Responsabilidade dos Sócios
O art. 1.052 do Código Civil prevê que a “responsabilidade de cada sócio é restrita
ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital
social”. Assim, os sócios são solidariamente responsáv eis pelo capital não integralizado, mas,
no caso de integralização total do capital social, a responsabilidade dos sócios, perante a
sociedade, limita-se a sua participação societária. Enquanto que, perante terceiros, realizado o
capital social, aos sócios não assiste qualquer responsabilidade pelas dívidas contraídas pela
pessoa jurídica.
Importante salientar que a limitação da responsabilidade dos sócios a que faz menção
o dispositivo legal citado refere-se às obrigações sociais. No caso de dívidas particulares dos
sócios a responsabilidade recai exclusivamente perante estes. Vem ao encontro deste
pensamento a lição de COELHO, in verbis:
Os sócios respondem, na limitada, pelas obrigações sociais, dentro de certo
limite – essa regra, aliás, explica o nome do tipo societário. Claro que a
sociedade, acionada por obrigação dela, pessoa jurídica, responde
integralmente; assim como o sócio, demandado por obrigação dele próprio,
não pode pretender nenhuma limitação. O que o atual plano evolutivo do
40
REQUIÃO, op. cit., p. 387.
COELHO, op. cit., p. 382.
42
Lei nº 6.404/76, a tratar na Seção V da Subsidiária Integral, dispõe: “Art. 251. A companhia pode ser
constituída, mediante escritura pública, tendo como único acionista sociedade brasileira”.
41
direito societário brasileiro admite é, unicamente, a limitação da
responsabilidade do sócio por dívida da sociedade.43
A responsabilidade dos sócios, todavia, não se restringe à integralização do capital
social, abarca, também, a avaliação dos bens destinados à composição do capital. Referida
responsabilidade abrange somente os sócios participantes do ato de avaliação dos bens
direcionados à integralização do capital social, consoante explana BORBA, a saber:
Há uma outra responsabilidade dos sócios, que é a concernente à avaliação
dos bens conferidos à sociedade para a integralização do capital. Essa
avaliação se fará pelos próprios sócios, mas, no caso de superavaliação,
todos os sócios responderão solidariamente, perante os credores, pela
diferença entre o valor estimado e os parâmetros de mercado (art. 1.055, §
1°). Explicita o novo Código o entendimento que já era assente, mas com
uma inexplicável limitação dessa responsabilidade a um prazo decadencial
de cinco anos.
Cabe ponderar que respondem pela correta avaliação dos bens conferidos à
sociedade, obviamente, apenas aqueles sócios que o eram quando da
avaliação desses bens. Os sócios que ingressaram na sociedade
posteriormente, como não participaram do ato, por este não poderão
responder.44
A limitação da responsabilidade, contudo, não é absoluta, porquanto a separação do
patrimônio do sócio e da sociedade advinda da personificação face ao nascimento da pessoa
jurídica encontra exceções. No caso das deliberações dos sócios constituírem afronta à lei ou
ao contrato social, a responsabilidade dos sócios que as aprovaram torna-se ilimitada,
conforme dispõe o art. 1.080 do Código Civil. Neste sentido a lição de REQUIÃO:
O Código Civil manteve o mesmo princípio do art. 16 do Decreto n° 3.708,
de 1919, no art. 1.072, §5°, ao dispor que as deliberações (dos sócios)
tomadas em conformidade com a lei e o contrato vinculam todos os sócios,
ainda que ausentes ou dissidentes, e sendo elas, segundo o art. 1.080,
infringentes do contrato ou da lei, tornam ilimitada a responsabilidade dos
que expressamente a aprovaram.
As limitações da responsabilidade do sócio, próprias da sociedade limitada,
exigem dele comportamento ilibado, respeitando as normas contratuais e
legais. Infringidas tais normas, o transgressor perde a vantagem concedida
pelo tipo social, passando a responder de modo ilimitado pelos atos que
autorizou ou praticou. Esta responsabilidade ampliada tem natureza
solidária, pois não afastará a responsabilidade natural da sociedade que serve
de instrumento para o ato; agrega-lhe a responsabilidade pessoal do sócio
que deliberou de modo infrator.45
43
COELHO, op. cit., p. 398.
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 8. ed., aumentada e atualizada, Rio de Janeiro: Renovar,
2003. p.101.
45
REQUIÃO, op. cit., p. 497.
44
Todavia, apesar da menção expressa do Código Civil a respeito da responsabilização
dos sócios somente nas hipóteses de fraude à lei ou ao contrato social, verifica-se a tendência
da Fazenda Pública em responsabilizar o sócio pelas dívidas tributárias quando insuficiente o
patrimônio societário, consoante salienta REQUIÃO:
A exata interpretação do artigo indicado leva à recriminação de julgados de
certos tribunais, de nítida tendência fazendária. Encontramos, com efeito,
certos julgamentos, sobretudo do Tribunal Federal de Recursos, em matéria
tributária, nos quais se pretendeu envolver a responsabilidade de sócioquotista por obrigações fiscais, quando a exaustão do patrimônio social não
propiciou nenhuma garantia para o pagamento da dívida. Pretendeu-se,
nesses casos, promover, com a penhora de bens particulares do sócio, a
responsabilidade deste. O Supremo Tribunal, após algumas vacilações,
deixou claro que a responsabilidade do sócio somente se torna ilimitada
quando resultar de ato infrator da lei ou o contrato. A sociedade que deixa de
pagar tributos por impossibilidade econômico-financeira, pelo fato de sua
insolvência, não acarreta a responsabilidade ilimitada dos sócios, de vez que
não houve a ocorrência de fraude, violação de lei ou de contrato.46
Assim, estando integralizado o capital social, os sócios respondem pelas obrigações
sociais até o limite de capital aportado na sociedade. Nesta seara colhe-se o ensinamento de
BORGES, in verbis:
Se o capital já houver sido integralizado, isto é, se todas as cotas estiverem
inteiramente liberadas, nenhum cotista, como tal, poderá ser compelido a
fazer qualquer prestação. Nada deve ele, nem à sociedade, nem aos credores
dela, cuja garantia repousa exclusivamente (como na anônima) sobre o
patrimônio social.47
Convém mencionar aqui, dado o foco deste trabalho, caso peculiar de limitação da
responsabilidade dos sócios da sociedade limitada. Trata-se de hipótese de proteção ao
patrimônio do incapaz, tanto menor quanto interdito, em relação aos bens que este possuía
previamente ao ingresso na sociedade, podendo-se considerar uma espécie de consagração da
limitação da responsabilidade do empresário individual.48 Ao comentar o assunto em tese,
BULGARELLI, analisando o Projeto do atual Código Civil, tece as seguintes considerações,
quais sejam:
(...) apesar do disposto no §2o do art. 1.012 – parece-nos que por isso
pretendeu o Projeto instituir um regime de preservação de seu patrimônio
não-empresarial, digamos assim, o qual aliás, guarda certa semelhança com
o regime de bens da mulher casada que exerce profissão, cujos proventos
formam um verdadeiro patrimônio separado em relação ao consumo do
casal. Foi, pois, nessa linha que o §20 do art. 1.011, como vimos, dispôs que:
46
REQUIÃO, op. cit., p. 496-497.
BORGES, José Eunápio. Curso de Direito Comercial Terrestre. 5. ed. Rio de Janeiro: Forenese, 1971. p.
334.
48
BULGARELLI, op. cit., p. 251.
47
‘Não ficam sujeitos ao resultado da empresa os bens que o incapaz já possuía
ao tempo da sucessão ou da interdição, desde que estranhos ao acervo
daquela, devendo tais fatos constar do alvará que conceder a autorização.’
Aliás, este parágrafo foi interpretado por Rubens Requião como um
verdadeiro caso de consagração da limitação responsabilidade de empresário
individual, e certamente para os que reivindicam uma disciplina jurídica para
a limitação da responsabilidade do empresário individual, pois poderia ter
sido o ponto de partida para uma disciplina geral a respeito.49
A limitação da responsabilidade na sociedade limitada, aliada à sua estrutura
legislativa simples, até a burocratização ocorrida com o Código Civil de 2002, mostra-se
como fator determinante para a larga utilização deste tipo societário. De igual maneira, a
limitação da responsabilidade do empresário individual poderia vir ao encontro dos interesses
de diversos investidores, conforme será abordado adiante.
1.2.3.4 A Unipessoalidade Temporária
A redução do quadro societário de uma sociedade limitada a um único sócio enseja a
dissolução da sociedade pela falta de um dos pressupostos constitutivos, qual seja, a
pluralidade de sócios. Essa, aliás, é a previsão do Código Civil de 2002, a saber:
Art. 1.033. Dissolve-se a sociedade quando ocorrer:
[...]I - o vencimento do prazo de duração, salvo se, vencido este e sem
oposição de sócio, não entrar a sociedade em liquidação, caso em que se
prorrogará por tempo indeterminado;
II - o consenso unânime dos sócios;
III - a deliberação dos sócios, por maioria absoluta, na sociedade de prazo
indeterminado;
IV - a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento
e oitenta dias;
V - a extinção, na forma da lei, de autorização para funcionar. (sem grifo no
original)
A hipótese prevista na legislação civil, embora permita a continuidade da sociedade
com um único sócio pelo prazo de 180 dias, não vislumbra a possibilidade de constituição de
uma sociedade limitada unipessoal, em razão da exigência da pluralidade de sócios como
pressuposto essencial, conforme salienta NERILO, a saber:
A unipessoalidade ocorre quando a sociedade, originalmente constituída de
dois ou mais sócios, passa a contar com apenas um, no decorrer de sua vida,
por contingências as mais diversas: morte de um dos sócios com desinteresse
dos herdeiros em ingressarem na sociedade, divergência que comprometa a
continuidade em conjunto, expulsão do sócio remisso, ou outra causa que
prejudique a pluralidade de integrantes. Ressalte-se que, na constituição da
sociedade, continua obrigatória a existência de, pelo menos, dois sócios,
como se extrai do artigo 997, inciso I – cuja redação indica pessoas (no
49
BULGARELLI, op. cit., p. 251-252.
plural) -, combinado com o artigo 1.033, inciso IV, o qual prevê que a falta
de pluralidade de sócios é causa de dissolução da sociedade.50
A medida adotada pelo Código Civil de 2002 segue orientação que já vinha sendo
dada pela doutrina e jurisprudência ao aplicarem o princípio da preservação da empresa aos
casos de redução do quadro societário das sociedades limitadas a um único sócio. Dessa
maneira, a aplicação do intuito preservativo da empresa de modo a dissolver parcialmente a
sociedade limitada representa relevante papel de interesse social, consoante a lição de
COELHO, a saber:
O princípio da preservação da empresa, esculpido na doutrina e na
jurisprudência principalmente a partir dos anos 1960, recomenda a
dissolução parcial51 da sociedade limitada, como forma de resolver conflitos
entre os sócios, sem comprometer o desenvolvimento da atividade
econômica nem sacrificar empregos, reduzir o abastecimento do mercado de
consumo ou prejudicar pessoas direta ou indiretamente beneficiadas com a
empresa.52
(...)
A jurisprudência passou a admitir a unipessoalidade incidental temporária da
limitada, como forma de contornar dificuldades operacionais derivadas da
dissolução total da sociedade, e preservar a limitação da responsabilidade do
empreendedor.53
Acerca do princípio da preservação da empresa, bem como a título ilustrativo da
orientação jurisprudencial adotada previamente à edição do Código Civil de 2002, convém
trazer à baila trecho da ementa do Recurso Especial n° 387, de Minas Gerais, de lavra do
Ministro Waldemar Zveiter, in verbis:
I – Dissolução parcial da sociedade, garantindo-se ao sócio remanescente,
quando constituída por apenas dois sócios, dentro do prazo de um ano,
recompor a empresa, com admissão de outro sócio quotista e ou ainda que
como firma individual, sob pena de dissolução de pleno direito;
assegurando-se ao sócio dissidente o recebimento dos haveres que lhe são
devidos.
II – inteligência do art. 206, alínea “d”, da Lei das Sociedades Anônimas,
c/c o art. 18, do Decreto n° 3.708/19.54
O posicionamento jurisprudencial adotado pelo Superior Tribunal de Justiça revelase, assim, “(...) inteiramente compatível com o princípio da preservação da empresa, já que
importa garantir a continuidade da organização econômica, da atividade empresarial, e não a
50
NERILO, op. cit., p. 134.
A expressão dissolução parcial, até então adotada pela doutrina e jurisprudência pátria, foi inserida pelo
legislador de 2002 no Código Civil com a nomenclatura de Resolução da Sociedade em Relação a um Sócio, nos
artigos 1.028 e 1.085.
52
COELHO, op. cit., p. 445.
53
COELHO, op. cit., p. 447.
54
In LUCENA, op. cit., p. 692.
51
da pessoa jurídica”. 55 O Anteprojeto de Lei das Sociedades de Responsabilidade Limitada,
presidido pelo Professor Arnoldo Wald, o qual ficou esquecido com a entrada em vigor do
Código Civil, em consonância com o princípio da preservação da empresa, dispõe em seu art.
6°, §2° que:
Caso o número de sócios fique reduzido a um, o sócio remanescente deverá,
no prazo de 30 (trinta) dias, comunicar o fato ao Registro Público de
Empresas Mercantis e Atividades Afins. Se, no prazo de 6 (seis) meses, não
for admitido, no mínimo, mais um sócio, a sociedade se transformará em
empresa individual de responsabilidade limitada.56
Percebe-se, pela leitura do trecho citado do Anteprojeto do Professor Arnoldo Wald,
que o Código Civil de 2002 adotou em parte as orientações ali previstas, deixando de lado a
questão da empresa individual de responsabilidade limitada, representando, significativo
retrocesso, ou melhor, estagnação, da legislação pátria sobre o tema.
Contudo, constata-se que o Código Civil atentou, como restou demonstrado, sob
influência do posicionamento doutrinário e jurisprudencial a respeito, o princípio preservativo
da empresa, “contra a extinção da sociedade e que levaria ao aniquilamento de um centro
organizador de fatores de produção, ou seja, a empresa, cuja manutenção transcende do
interesse individual dos sócios para o interesse social da comunidade em que atua”. 57
55
COELHO, op. cit., p. 446.
WALD, Arnoldo. Anteprojeto de Lei de Sociedades de Responsabilidade Limitada, 1999. Disponível em
http://www.mj.gov.br/sal/ltda.htm, acessado em 29 de outubro de 2004.
57
LUCENA, op. cit., p. 691-692.
56
2. AS SOCIEDADES LIMITADAS UNIPESSOAIS
2.1 A PROIBIÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
No ordenamento jurídico brasileiro não se vislumbra a possibilidade de instituição de
uma sociedade limitada original, ou uma empresa individual de responsabilidade limitada, à
exceção da sociedade limitada cujo quadro societário tenha sido reduzido a um único sócio,
ou seja, que todas as cotas sociais tenham se concentrado na pessoa de somente um sócio.
Para esta situação, há expressa permissão legal, no sentido de que esta sociedade continue
explorando, temporariamente, a empresa com apenas um sócio.
COELHO ressalta: “A inexistência, no Brasil, da sociedade originariamente
unipessoal representa traço antigo de nosso direito societário”. 58 Todavia, NUNES salienta
que, “dentre os países integrantes do Mercosul, o Brasil é o único que reconhece
expressamente a sociedade unipessoal originária (sociedade anônima subsidiaria integral),
mas somente no limitado âmbito dos grupos empresariais”. 59
De fato, conforme a lição de HENTZ60, no Brasil não se admite a sociedade
unipessoal ab initio, sendo, contudo, concebida incidentalmente, com o escopo de assegurar a
continuidade da empresa e, ainda, no caso da subsidiária integral, de maneira a garantir a
exploração de determinada atividade por um único grupo empresarial. Outrossim, o autor
destaca comentário de Calixto Salomão Filho, sobre o tema, que bem elucida a questão:
(...) asseverando que não existe no sistema brasileiro o reconhecimento
legislativo de qualquer forma de limitação de responsabilidade do
comerciante individual, ressalvada a existência apenas de uma forma de
limitação de responsabilidade (a subsidiária integral), idealizada para os
grupos, que não atende aos interesses da pequena empresa individual e que,
além disso, não permite a diferenciação patrimonial.61
Embora o art. 80, I, da LSA, exija a subscrição das ações pelo menos por duas
pessoas, salienta-se que, na exceção da subsidiária integral, há a necessidade de ser
constituída por outra sociedade, nos termos do art. 251, da Lei das Sociedades Anônimas,
58
COELHO, op. cit., p. 382.
NUNES, Nelson. A Sociedade Unipessoal: Uma Abordagem à Luz do Direito Italiano, Espanhol e Português.
In Novos Estudos Jurídicos. Itajaí, n° 12, p. 16, abril de 2001.
60
HENTZ, Luiz Antônio Soares. Direito de Empresa no Código Civil de 2002: teoria do direito comercial de
acordo com a Lei n. 10.406, de 10.1.2002. 2. ed., São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003, p. 177.
61
Apud HENTZ, op. cit., p. 177.
59
caracterizando, portanto, o princípio da pluripessoalidade, consoante o ensinamento de
COELHO, nos seguintes termos:
Em relação ao requisito a, deve-se anotar, primeiramente, que o direito
brasileiro não admite, em regra, a constituição de sociedades unipessoais. O
princípio adotado entre nós é o de que devem ser constituídas por pelo
menos dois sócios. Em relação à companhia, a lei estabelece a exceção da
subsidiária integral, a única hipótese de sociedade constituída por um sócio
apenas (já que a outra previsão legal de unipessoalidade, a do art. 206, I, d,
da LSA, cuida de situação incidental e temporária, ou seja, diz respeito a
sociedade constituída por mais de um sócio, mas que, por razões diversas,
passa a ter um só, e assim fica por algum tempo). Cabe, a propósito, o
registro de que a subsidiária integral não pode ser constituída por uma
pessoa física, mas somente por outra sociedade (LSA, art. 251), o que, de
certo modo, reintroduz o princípio geral da pluripessoalidade.62
Merece destaque, outrossim, ainda dentro da questão da subsidiária integral, a
matéria relativa à empresa pública e suas subsidiárias, cuja caracterização cinge-se à
exclusividade do capital aportado ser pertencente à União. Todavia, considerando a variedade
de órgãos que compõem a Administração Pública, bem como a possibilidade de empresas
públicas serem titulares de ações umas das outras, as empresas públicas não perdem sua
natureza ou desvinculam a propriedade da União63. Sobre o assunto, importante colacionar a
lição de HENTZ, in verbis:
Cremos que laboram em confusão aqueles que atribuem à empresa pública a
condição de sociedade unipessoal. Em primeiro lugar, porque de sociedade
não se trata, mas de empresa singular, desvestida de qualquer forma
conhecida. Em segundo lugar, porque raramente a empresa pública tem
como titular do seu capital a entidade central da esfera de poder; seu capital
acaba sendo distribuído dentre os organismos em que se subdivide a
administração pública (ministérios, secretarias, institutos, autarquias e
outras EP) A Fazenda Pública é a detentora do patrimônio, mas o titular dos
direitos de gestão da EP é o ente público diversificado. O caráter de
unilateralidade do capital da EP não equivale à unipessoalidade da
sociedade empresária.64
Contudo, o mesmo autor, salienta que, após a edição da Emenda Constitucional
19/98, que alterou a disposição do art. 173, §1°, da Constituição Federal de 198865, permitiuse a adoção, no caso de empresas públicas, de subsidiária e de sociedade de economia mista,
62
COELHO, op. cit., p. 177.
HENTZ, op. cit., p. 178.
64
HENTZ, op. cit., p. 178.
65
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo
Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse
coletivo, conforme definidos em lei.
§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas
subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de
serviços, dispondo sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
63
nos termos da legislação reguladora, porém, “não afastando a natureza empresarial unipessoal
das autarquias exploradoras de atividades econômicas existentes” mas, possibilitando “a
constituição de subsidiárias integrais, com a titularidade de seu capital total e nome daqueles
entes da administração pública indireta” 66.
Conforme já salientado, o direito brasileiro não permite a constituição de uma
sociedade limitada unipessoal, no entanto, permite a unipessoalidade incidental, pelo prazo de
180 dias, na hipótese de concentração de todas as cotas sociais na pessoa de um único sócio.
Ressalte-se que, de acordo com a lição de NERILO67, na constituição da sociedade, a
existência de dois ou mais sócios permanece obrigatória, por força do art. 997, I, do Código
Civil de 200268, sendo causa de dissolução a permanência da sociedade limitada com um
único sócio por prazo superior a 180 dias, na hipótese do art. 1.033, IV, do mesmo diploma
legal.
Ante o exposto, resta clara a ausência, no ordenamento jurídico brasileiro, do
instituto da sociedade limitada unipessoal ou da empresa individual de responsabilidade
limitada, cingindo-se a unipessoalidade à subsidiária integral e à limitada incidentalmente
unipessoal.
2.2 A ADMISSIBILIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO DE OUTROS PAÍSES
2.2.1
Histórico sobre o surgimento da sociedade limitada unipessoal
Conforme relatado alhures, a origem da sociedade limitada é atribuída tanto à
Inglaterra quanto à Alemanha, tendo aquele país, por meio da Lei de 14 de julho de 1856
permitindo a instituição de sociedades em que os sócios teriam sua responsabilidade limitada
ao capital social aportado à sociedade, constituindo a chamada sociedade limited by shares..
Já na Alemanha, a Lei de 20 de abril de 1892 instituiu as sociedades de responsabilidade
66
HENTZ, op. cit., p. 178.
NERILO, op. cit., p. 134.
68
Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas
estipuladas pelas partes, mencionará:
I - nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a
denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas. (sem grifo no original)
Ressalte-se que a regra do art. 997, que trata da sociedade simples, é aplicável à sociedade limitada por força do
art. 1.053, que remete a aplicação das normas referentes à sociedade simples à sociedade limitada na omissão do
capítulo IV, próprio das sociedades limitadas.
67
limitada, limitando, também, a responsabilidade dos sócios à importância do capital investido
na sociedade.
Todavia, antes mesmo da promulgação da lei alemã sobre a sociedade limitada, a
atenção para a necessidade de instituição de um tipo societário capaz de limitar a
responsabilidade do empresário individual, consoante a lição de MACHADO69, encontra-se
assentada nos apontamentos de Jessel, na Inglaterra de 1877, segundo o qual as pessoas
deveriam ter a possibilidade de negociar livres da responsabilidade que ultrapassasse
determinado valor, capital social, mediante prévia notificação dos credores.
Contudo, ainda na esteira do ensinamento do referido autor70, no final do século
XIX, na Suíça, suscitado pelo conteúdo do projeto de lei germânico sobre sociedades de
responsabilidade limitada, a matéria acerca da limitação da responsabilidade do empresário
individual despertou a atenção para os juristas. Passado o século XIX, junto com o novo
século veio o interesse pela continuidade da discussão sobre o tema, abordado por juristas
como Liebmann e Passov, sendo que, Oscar Pisko, na Áustria, após dedicar-se ao estudo das
denominadas one man companies, apontou que a experiência indicava a adoção de uma lei
regulamentando a limitação da responsabilidade do empresário individual, como bem salienta
MARCONDES71.
De acordo com Figueiredo, citado pelo professor NUNES72, o projeto de Oscar Pisko
sobre a necessidade de limitação da responsabilidade do empresário individual motivou o
legislador do Principado de Liechenstein, em 1926, a instituir o Anstalt73, “uma espécie de
estabelecimento individual de responsabilidade limitada”, previsto no “Código das Pessoas
Físicas e Jurídicas e Atividades Mercantis, conhecido como PGR – Personen und
Gesellschaftsrecht, instituto que, posteriormente, foi incorporado ao Código Civil daquele
país”.
Após a adoção, pelo Principado de Liechenstein, de um tipo de empresa limitador da
responsabilidade do empresário individual, outros países, principalmente no continente
europeu, mas também no EUA, Japão e África do Sul, no final do século XX, passaram a
69
MACHADO, Sylvio Marcondes apud NUNES, op. cit., p. 14.
Apud NUNES, op. cit., p. 14.
71
Apud NUNES, op. cit., p. 14-15.
72
Apud NUNES, op. cit., p. 15.
73
Ainda, na lição do referido autor, o Anstalt, entendida como uma espécie de estabelecimento individual com
responsabilidade limitada, poderia ser criado por uma ou mais pessoas com afetação de patrimônio para
realização de uma empresa, beneficiando-se da limitação da responsabilidade pelo capital aportado. Acrescentase que o Anstalt é um instituo jurídico que não adota a forma societária, permitindo à pessoa natural atuar,
individualmente, na atividade empresarial com responsabilidade limitada a um “patrimônio autônomo,
especificamente destinado à garantia dos credores da empresa”.
70
adotar em seus ordenamentos normativos esse novo instituto jurídico.74 Por volta da década
de 1990, salienta MORAES,
[...] o conceito de ‘sociedade unipessoal de responsabilidade limitada’,
adotado na França e em outros países (ou de ‘estabelecimento individual de
responsabilidade limitada’, utilizado em Portugal) já estava inserido no
direito europeu. O próprio Conselho da Comunidade Européia havia
publicado uma diretriz com o objetivo de harmonizar o conceito no âmbito
comunitário.75
A diretiva76 a que faz menção o citado autor, editada pela Comunidade Européia em
21 de dezembro de 1989, tomou o n° XII, reconhecendo a empresa individual de
responsabilidade limitada em todo o continente europeu. Dentre os países pertencentes à
comunidade européia que adotaram este novo instituto jurídico em seus sistemas normativos
relacionam-se França, Espanha, Portugal, Itália, Bélgica, Países Baixos, Alemanha, Reino
Unido e Dinamarca77.
Em Portugal, o Decreto-Lei 248, de 25 de agosto de 1986, instituiu dentro do
ordenamento jurídico português o Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada EIRL, sendo que, em 31 de dezembro de 1996, com a edição do Decreto-Lei 257, admitiu-se
a sociedade limitada unipessoal, que poderia ser instituída pela concentração da totalidade das
cotas sociais em um único sócio ou, ainda, na transformação de um EIRL em sociedade
unipessoal limitada.78
Na América do Sul, o instituto da empresa individual de responsabilidade limitada
encontra previsão nos ordenamentos jurídicos do Chile79 e Paraguai, consoante a lição de
NUNES, da qual extrai-se o seguinte trecho, in verbis:
No Paraguai, através da Lei do Comerciante de 1983, o legislador instituiu a
empresa individual de responsabilidade limitada. Na Argentina, o Projeto de
Unificação da Legislação Civil e Comercial, propôs a introdução da
sociedade unipessoal tanto para a sociedade limitada como para a sociedade
anônima, mas, após sua aprovação pela Câmara dos Deputados e pelo
Senado, referido projeto foi vetado pelo Presidente da República. E, no
Uruguai, a Lei das Sociedades Comerciais de 1989 prevê a necessidade de
dois ou mais sócios para a constituição da sociedade, não admitindo, assim, a
74
NUNES, op. cit., p. 15.
MORAES, Guilherme Dutra Estrada de. A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada. In Gazeta
Mercantil. Caderno “Legal e Jurisprudência”, p. 1, 30 de junho de 2003.
76
Patrícia Luíza apud NUNES, op. cit, p. 29.. “Para a autora, Diretiva como um ato normativo expedido pelos
órgãos da Comunidade Européia que obriga ‘o Estado-membro destinatário quanto ao resultado a ser alcançado,
deixando, contudo, às autoridades nacionais a escolha das formas e dos meios’”.
77
MORAES, op. cit.
78
NUNES, op. cit., p. 17.
79
MORAES, op. cit.
75
sociedade unipessoal, nem a empresa individual de responsabilidade
limitada.80
Na América Latina, o instituto da empresa individual de responsabilidade limitada é
adotado pela Costa Rica, Panamá, El Salvador e Peru81. Esse breve histórico demonstra a
difusão, pelo mundo, do instituto de limitação da responsabilidade do empresário individual,
revelando-se, há quase um século, um meio competente para fomentar a atividade empresarial
entre os pequenos e médios investidores.
2.2.2
No Ordenamento Jurídico da França
Conforme o artigo L223-1, do Código de Comércio Francês82, a sociedade de
responsabilidade limitada é instituída por uma ou mais pessoas com responsabilidade
limitada ao aporte de capital direcionado à sociedade.
Salienta MARTINS83 que, na França, a introdução desse tipo societário veio a mudar
o conceito de sociedade, deixando de significar um “ contrato pelo qual duas ou várias pessoas
convencionam pôr em comum bens ou sua indústria visando a dividir o lucro”, para ter
seguinte redação: “A sociedade é instituída por duas ou mais pessoas que convencionam por
um contrato afetar a uma empresa em comum”, podendo ser constituída “ pelo ato de uma só
pessoa”.
As alterações que permitiram a introdução no Código de Comércio Francês da
sociedade limitada unipessoal são oriundas das disposições da Lei n° 85-697, de 11 de julho
de 1985, limitando-se, de acordo com ABRÃO84, a responsabilidade do “sócio único” ao
capital investido na sociedade, além de apresentar vantagens relativas à transmissão da
sociedade, à tributação e à questão social, a saber:
Favorece-se a pequena empresa e facilita-se sua transmissão e transformação
havendo um só sócio; no caso da transmissão da sociedade, ou do acervo
social causa mortis, o que se transfere ao herdeiro é a quota única, o que
evita uma partilha, o fracionamento do acervo da empresa, se for individual;
se for inter vivos, ele cede a quota. Quanto à transformação, em se tratando
de um sócio único, não há problemas: ele a transforma no tipo que quiser,
sem contar com qualquer oposição, porquanto delibera sozinho.
80
NUNES, op. cit., p. 16.
NUNES, op. cit., p. 16.
82
Code de Commerce, article L223-1: La société à responsabilité limitée est instituée par une ou plusieurs
personnes qui ne supportent les pertes qu'à concurrence de leurs apports. Disponível em:
http://www.legifrance.gouv.fr. Acesso em 14 out. 2004.
83
MARTINS, op. cit., p. 10.
84
ABRÃO, Nelson. Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 12.
81
A empresa unipessoal de responsabilidade limitada oferece, ainda, outras
vantagens: I – sob o aspecto fiscal, na cessão do acervo, não se vende o
fundo de comércio, apenas se cede a quota, sendo que o imposto é de 4,8%
sobre o valor líquido da quota, ao passo que, se se fosse transferir o fundo de
comércio, sem descontar o passivo, a alíquota seria de 16,6%; II – sob o
aspecto social, o sócio único goza de certos benefícios da Previdência
Social.85
Em relação à constituição da sociedade limitada unipessoal, o referido Autor
comenta que a sociedade é constituída por ato unilateral, sem necessidade de instrumento
público, sendo que o capital mínimo corresponde a 50.000 Francos, devendo ser
integralizados no ato de constituição, sendo, todavia, depositados antes da assinatura do
estatuto, “que deve ser registrado no Tribunal de Comércio, em nome da sociedade, em um
tabelião, banco ou Caiza de Depósito”. As cotas sociais deverão ser divididas no valor
mínimo de 100 Francos, em nome do único titular da sociedade. “O capital deve ser
mencionado nos estatutos e na publicação da denominação social, para garantia dos credores.
O número de matrícula no Tribunal do Comércio figurará em todas as faturas, documentos
publicitários, correspondências e recibos”. 86
Com o intuito de evitar fraudes, a Lei determina algumas medidas cautelares, a
saber: “uma pessoa física pode instituir apenas uma empresa unipessoal; uma empresa
unipessoal não pode instituir outra congênere, mas pode ser sócia de outras empresas
pluripessoais”. Ainda, com o escopo de evitar a ocorrência de qualquer tipo de fraude, é
necessária a promoção de ampla publicidade de seus atos, medida justificada ante a limitação
da responsabilidade do empresário ao capital aplicado e, ainda, pela gerência individual da
sociedade. Essas medidas são adotadas para conferir maior credibilidade a este tipo societário
que, “em princípio, goza (...) de menos crédito que uma firma individual, porquanto nesta o
titular responde com seus bens particulares, o que não acontece na sociedade por quotas de
um só sócio”. 87
A gerência pode ser desempenhada pelo próprio sócio único, o qual, neste caso,
deverá elaborar, “anualmente, um relato de sua gestão, um inventário, uma prestação de
contas que deve ser aprovada pelo sócio único, por escrito”. 88 Os atos desempenhados tanto
pelo sócio, quanto pelo gerente, podem ser responsabilizados casam sejam realizados com a
inobservância do objeto social da sociedade ou contrários à lei, sendo que qualquer
85
ABRÃO, op. cit., p. 12.
ABRÃO, op. cit., p. 12-13.
87
ABRÃO, op. cit., p. 12.
88
ABRÃO, op. cit., p. 13.
86
interessado ou o Ministério Público podem requisitar a anulação destes atos. Esse tipo
societário necessita, também, de um conselheiro fiscal, conforme as hipóteses previstas em
lei, ou facultativamente, senão veja-se:
Suponhamos que o sócio único tome decisões contrárias à lei: prescreve-se
uma série de medidas para responsabiliza-lo. Os atos contrários à lei,
praticados pelo sócio único são anuláveis a pedido de qualquer interessado,
entre estes, o Ministério Público e as comissões de fábrica. Tanto o sócio
único como o gerente estranho estão expressamente proibidos de contratar
empréstimos à sociedade, de ter descoberto em conta corrente e de receber
caução ou aval de parte dela. Pode haver um órgão fiscalizador da sociedade:
em França, todas pessoas jurídicas que exerçam atividade de conteúdo
econômico e que satisfaçam a, pelo menos, dois dos três requisitos a seguir
mencionados, são obrigadas a ter o mínimo de um conselheiro fiscal, mesmo
não sendo sociedade anônima: I – líquido do ativo igual a 50.000.000
francos; II – cifra de negócio, livre de impostos, de, pelo menos, 20.000.000
de francos; III – número médio de assalariados, ao fim de cada trimestre
contábil, contratados por tempo indeterminado, igual a, no mínimo,
cinqüenta. Mas, ainda que não satisfaça a tais requisitos, a empresa
unipessoal de responsabilidade limitada pode ter, facultativamente, um
conselheiro fiscal. Está obrigada a possuir uma reserva de, pelo menos, 1/20
do lucro do exercício, até atingir 1/10 do capital social. Na fictícia
distribuição de lucros há também pesadas sanções penais. Na insolvência da
sociedade, o gerente, sócio único ou estranho é obrigado a preencher a
insuficiência de ativo em caso de culpa de gestão, o que evita a transferência
de bens da sociedade para o patrimônio particular. 89
Por último, salienta-se que a sociedade limitada unipessoal extingue-se nas mesmas
hipóteses de extinção da sociedade limitada com vários sócios.90
2.2.3
No Ordenamento Jurídico da Alemanha
Na Alemanha, ressalta ABRÃO, a Lei de 4 de julho de 1980, cuja vigência iniciou
em 1° de janeiro de 1980, introduziu no ordenamento jurídico alterou a regulamentação da
sociedade por quotas, possibilitando a instituição de uma sociedade limitada por uma única
pessoa física ou jurídica, com a condição de integralização do ato da constituição de capital
mínimo de 50.000 Marcos, ou, ainda, 25.000 Marcos e prestação de garantia real quanto ao
restante.91
Diferentemente da França, na Alemanha há necessidade de instituição da sociedade
por escritura pública, o que caracteriza uma declaração unilateral de vontade. A gerência,
todavia, poderá ser exercida tanto pelo sócio único como por pessoa alheia à sociedade. A
89
ABRÃO, op. cit., p. 13-14.
ABRÃO, op. cit., p. 14.
91
ABRÃO, op. cit., p. 06.
90
autenticidade formação do capital da sociedade é controlada pelo juiz do Registro do
Comércio.
O objetivo deste tipo societário é a separação patrimonial do sócio e da sociedade, a
qual, com a personificação, adquire autonomia em relação àquele, ao qual caberá "o conjunto
dos bens que está fora da sociedade, ou seja, o patrimônio particular, mas não pode ser
agredido pelos credores sociais”. 92 Desta forma, o patrimônio do sócio individual somente
poderá ser atingindo no caso de conduta desvirtuada do objeto social, acarretando severas
sanções, tanto de ordem civil quanto penal, para o sócio infrator. Para ilustrar as afirmações
feitas, oportuno exemplo de ABRÃO, in verbis:
Um exemplo poderá dar uma idéia desse rigor: suponhamos que o sócio
único não integralizou o capital, recorrendo a emprestadores para tal; em
caso de insolvência, para evitar prejuízos aos credores, a norma prescreveu
que aquilo que foi fornecido por mutuantes para o capital será levado em
conta a título dessa rubrica, e não de mútuo, não tendo eles,
conseqüentemente, o direito de reclamar aquilo que emprestaram.
Outrossim, todas as declarações prestadas pelo sócio único, durante a
constituição, ou no curso do exercício social, se falsas, serão punidas com
sanções de ordem penal.93
Percebe-se, portanto, que a legislação alemã trata minuciosamente sobre a matéria,
estabelecendo requisitos para a constituição da sociedade unipessoal, exigindo, inclusive,
escritura pública para a validade do ato. Fortes meios de controle das atividades deste tipo
societário são exercidos com vistas a evitar a ocorrência de fraudes ou desvio de finalidade do
prevista no contrato social, prevendo-se sanções de ordem civil e penal aos infratores.
2.2.4
No Ordenamento Jurídico do Uruguai
O Uruguai, na verdade, não possui uma sociedade limitada unipessoal, mas prevê,
em seu ordenamento jurídico, a possibilidade de instituição de uma sociedade anônima
constituída por uma única pessoa, o que se equipara à subsidiária integral brasilieira. Estamos
falando da denominada SAFI, que significa Sociedad Anónima Financiera de Inversiones, as
quais foram instituídas pela Lei uruguaia n° 11.073, de 24 de abril de 1948, referendada pela
Lei n° 16.060, em seu art. 516, de 04 de setembro de 1989, e , afinal, suplementada pelo art.
635 da Lei n° 16.170, de 28 de dezembro de 199094. Conforme salienta BORBA, a SAFI, por
meio desta lei
92
ABRÃO, op. cit., p. 06.
ABRÃO, op. cit., p. 06.
94
BORBA, op. cit., p. 573.
93
(...) constitui-se no território uruguaio, onde terá a sua sede, uma sociedade
anônima, que poderá ter um único sócio ou vários sócios. O capital se
expressará na moeda local ou em moeda estrangeira (dólar, real), e os
diretores (admite-se um diretor único) poderão residir ou não em território
uruguaio.
Essa sociedade, assim tão flexível, poderá ter sua sede dentro de escritório
de terceiros, que a administrarão, inclusive para o efeito de ordenar a sua
contabilidade e apresentar as demonstrações financeiras exigidas pela
legislação local.95
Este tipo societário, todavia, tem o objeto social vinculado a determinadas atividades,
atuando como uma holding96, ou realizando investimentos em ações, bônus, debêntures,
títulos públicos, valores mobiliários em geral, móveis e imóveis, ou ainda, atuando como
traders, ou seja, negociadoras ou intermediadoras. 97 “Toda essa atividade deverá, todavia, ser
exercida fora do território uruguaio. Essa é sua característica fundamental – suas operações
deverão ser off-shore98”. 99 A empresa, contudo, pode manter depósitos em bancos uruguaios
em qualquer espécie de moeda.100
Ressalte-se, ainda, que este tipo societário tem sido largamente utilizado por
empresas e pessoas físicas brasileiras como forma de manutenção de investimento em moeda
estrangeira, por razões de economia fiscal ou, simplesmente, para ocultar seus
investimentos.101 Isso se deve ao fato do tratamento atrativo concedido à Sociedad Anónima
Financiera de Inversiones pela legislação uruguaia em relação à tributação, porquanto este
tipo societário submete-se somente a um único imposto de reduzidíssima alíquota, com
pouquíssimas exigências quanto à sua constituição e manutenção, senão veja-se:
Observados esses limites, goza essa sociedade de um tratamento fiscal
extremamente favorecido, pois o único tributo a que se sujeitará será um
imposto de 3%o (três por mil), calculado, anualmente, sobre o seu
patrimônio líquido. Vale dizer, para cada, por exemplo, US$ 1,000.00 de
patrimônio, paga a sociedade apenas US$ 3.00 de imposto. Caso, porém,
apresente a empresa um passivo superior ao dobro do patrimônio líquido, o
95
BORBA, op. cit., p. 574.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3.
ed. totalmente revista e ampliada, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 1057. Para o autor, holding “1.
empresa cujo capital é constituído exclusivamente de ações de outras, que são assim, por elas controladas, e cujo
controle é a sua única atividade. 2. Empresa que adquire a totalidade ou a maioria das ações de outras, que
passam a ser suas subsidiárias”.
97
BORBA, op. cit., p. 574.
98
SPITZ, Barry. 1999 Guía de Paraísos Fiscales. 1ª ed., Madrid: Harcourt, 2000. p. 03. Para o autor “El
término offshore se utilizaba originariamente para designar a los paraísos fiscales situados fuera de las frontereas
de Reino unido y de EE. UU. Y, por extensión, a toda empresa o sociedad registrada en un paraíso fiscal o en um
país donde se mantiene un bajo nivel de gravamen. Se utiliza cada vez con más frecuencia en relación con las
transacciones financieras”.
99
BORBA, op. cit., p. 574.
100
BORBA, op. cit., p. 574.
101
BORBA, op. cit., p. 573.
96
valor excedente será somado ao patrimônio líquido, assim, acrescendo a base
sobre a qual se calcula o imposto.102
Outros fatores que influenciam na utilização deste tipo societário é a possibilidade de
emissão de ações ao portador, bem como, já mencionado, tratamento fiscal benéfico, aliado à
liberdade cambial e a uma legislação rigorosa quanto ao sigilo bancário.103
A SAFI, portanto, não constitui uma sociedade limitada unipessoal nos moldes
estudados no presente trabalho, ou seja, não representa um tipo societário capaz de limitar a
responsabilidade do empresário individual, mas com pouco capital disponível. Destina-se,
conforme demonstrado, a fomentar grandes investimentos, possuindo, ainda, a forma
societária de uma sociedade anônima, que a desvirtua ainda mais da característica de uma
empresa individual de responsabilidade limitada, nos termos, v.g., da legislação francesa e
alemã.
102
103
BORBA, op. cit., p. 574.
BORBA, op. cit., p. 573-574.
3
A UTILIZAÇÃO DA SOCIEDADE LIMITADA PARA LIMITAÇÃO DA
RESPONSABILIDADE DO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL
Este capítulo destina-se a demonstrar a finalidade para a qual a sociedade limitada
tem sido utilizada, qual seja, a limitação da responsabilidade do empresário individual. Para
tanto, será abordada a figura das sociedades “fictícias”, ou seja, constituídas entre dois sócios,
sendo um detentor de mais de 90% do capital social. Realizar-se-á, ainda, a análise de dados
obtidos junto ao DNRC – Departamento Nacional de Registro do Comércio, relativos às
sociedades limitadas; e, por último, serão discutidos os pontos contrários e favoráveis
tangentes à adoção de uma empresa individual de responsabilidade limitada no ordenamento
jurídico brasileiro.
3.1 A SOCIEDADE UNIPESSOAL DE FATO OU FICTÍCIA
Conforme salientado, a sociedade unipessoal não é admitida pelo ordenamento
brasileiro, ressalvadas as exceções da unipessoalidade temporária e da subsidiária integral.
Todavia, a fim de desfrutar da limitação da responsabilidade proporcionada pela sociedade
limitada, verifica-se comum a prática de constituição de sociedades fictícias, conforme
salienta BORBA, a saber:
Com a limitação da responsabilidade dos sócios, empresários que exerciam a
sua atividade individualmente passaram a fazê-lo através de uma sociedade,
a fim de desfrutar a limitação da responsabilidade. Em muitos casos, os
demais sócios, além do principal, apenas fazem número, atuando como
‘testas-de-ferro’, sem capital e sem interessa na sociedade. O titular
verdadeiro figura com cerca de 99% do capital, cabendo 1% ou menos
aos demais sócios. Essas sociedades são substancialmente unipessoais, já
tendo sido chamadas de sociedades fictícias.104 (sem grifo no original)
Em comento à constituição de sociedades limitadas com o propósito de limitar a
responsabilidade do empresário, o jurista português Ferrer Correia aponta para a distinção
entre a sociedade constituída originalmente em atenção ao requisito da pluralidade de sócios e
a sociedade fictícia, nos seguintes termos:
104
BORBA, op. cit., p. 39.
O fenômeno das sociedades comerciais nas mãos de uma só pessoa reveste,
portanto, um duplo aspecto: ou se reconduz ao fato da redução à unidade dos
sócios verificado no seio de uma sociedade inicialmente constituída por uma
pluralidade de indivíduos; ou se revela na criação de uma sociedade
mercantil para o desfruto de uma única pessoa, graças ao concurso de testasde-ferro. Além temos uma sociedade de sócios reais que em certo momento
da sua vida jurídica se viu reduzida a um único; - é o que chamaremos
propriamente sociedade unipessoal. Aqui depara-se-nos numa sociedade,
construída segundo as formas necessárias, que todavia em nenhum tempo
chegou a ter, subjacente a si, - ao menos na aparência – uma efetiva
coletividade de sócios, um corpo associativo real: - será, na designação
comum, uma sociedade fictícia ou de favor.105
Portanto, não obstante a proibição da legislação brasileira acerca da constituição de
uma sociedade limitada unipessoal, permite-se que o “(...) empreendedor de pequeno porte se
associa a parentes apenas para a criação da sociedade limitada, com vistas à preservação de
seu patrimônio, mantendo sob sua titularidade a esmagadora maioria de quotas da sociedade e
a totalidade das decisões relativas à gestão do negócio” 106.
Caracteriza-se um despropósito, segundo COELHO107, a rejeição da sociedade
limitada originária, porquanto possível configurar o contrato social de maneira a obter
resultado próximo ao da empresa individual de responsabilidade limitada, dentro dos
parâmetros da lei. Ainda, de acordo com o citado autor:
(...) como não há, na lei, percentual mínimo para a participação do sócio, o
empreendedor que dispõe, sozinho, dos recursos necessários à implantação
da empresa, e deseja beneficiar-se da limitação da responsabilidade,
decorrente da personalização da sociedade limitada, pode constituí-la com
um irmão ou amigo, a quem reserva uma reduzidíssima participação. O
empreendedor, por exemplo, subscreve 99,99% do capital social e o seu
sócio 0,01%. A sociedade assim formatada atende ao pressuposto da
pluralidade de sócios, mas, convenha-se, não apresenta nenhuma diferença,
em termos econômicos, da figura da sociedade limitada constituída por um
único sócio (ou do empresário individual de responsabilidade limitada).108
A constituição de uma sociedade fictícia, conforme demonstrado, não contraria a lei,
muito pelo contrário, obedece aos requisitos legais exigidos para sua formação. Para
ASCARELLI109, esse tipo societário caracteriza um negócio jurídico indireto, porquanto não
visa fraudar a lei ou simular negócio diverso daquele para o qual era previsto, in verbis:
Entendido esse contrato societário em relação à causa, como daqueles
denominados por Tullio Ascarelli (ASCARELLI, Túlio. Negócio Jurídico
105
Apud BORBA, op. cit., p. 39-40.
SPÍNOLA, André Silva. Comentários acerca da sociedade unipessoal . Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 411,
22 ago. 2004. Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5598. Acesso em: 28 set. 2004.
107
COELHO, op. cit., p. 383.
108
COELHO, op. cit., p. 383.
109
Apud BULGARELLI, op. cit., p. 252.
106
Indireto. Lisboa, 1965) de negócio jurídico indireto em que não há intenção
de fraudar nem mesmo simulação, não vemos razão maior para as constantes
investidas contra essa situação, que não prejudica os credores, já que a
sociedade, dessa maneira constituída, ostenta sua condição de
responsabilidade limitada dos sócios, portanto, não os enganando. E em caso
de fraude intencional ou não, sempre haverá o recurso à aplicação da teoria
da desconsideração da personalidade jurídica, prevista, inclusive, no Projeto,
no art. 48, ou a penhora das cotas para atender aos credores particulares.110
Embora o referido autor entenda não haver fraude à lei ou mesmo simulação,
porquanto a sociedade é constituída dentro dos ditames legais, ao menos na intenção, o que
efetivamente ocorre é que o agente pretende produzir efeito diverso daquele acoimado pelo
instituto jurídico. Isso caracteriza, justamente, a simulação, entendida como uma declaração
falsa da vontade, com o intuito de produzir efeito diverso do indicado.111 “Negócio simulado,
portanto, é aquele que oferece uma aparência diversa do efetivo querer das partes. Estas
fingem um negócio que na realidade não desejam”. 112
Contudo, em que pese a constituição de uma sociedade limitada fictícia resultar ou
não em fraude à lei ou simulação, importante ressaltar que esta medida pode gerar maior
burocracia, bem como dar ensejo a processos judiciais promovidos pelos sócios minoritários,
conforme ressalta MORAES, a saber:
O artifício de se criar uma "sociedade-faz-de-conta" gera enorme burocracia,
pois, além de tornar mais complexo o exame dos atos constitutivos, por parte
das Juntas Comerciais, exige alterações nos contratos, também sujeitas a um
exame mais apurado das Juntas, para uma série de atos relativos ao
funcionamento da empresa. Além disso, causa, também amiúde,
desnecessárias pendências judiciais, decorrentes de disputas com sócios que,
embora com participação insignificante no capital da empresa, podem
dificultar inúmeras operações.
Portanto, apesar de possibilitar o alcance de resultados próximos ao de uma empresa
individual de responsabilidade limitada, a constituição de uma sociedade limitada de fachada,
não se revela proveitosa face à burocratização deste tipo societário e, ainda, à possibilidade de
promoção de ações judiciais por parte dos sócios com menor participação social, motivo pelo
qual torna-se latente a necessidade de adaptação da legislação nacional acerca da matéria,
com vistas a admitir a instituição de uma empresa individual de responsabilidade limitada.
110
BULGARELLI, op. cit., p. 252.
BEVILÁCQUA, Clóvis apud RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil: Parte Geral. Vol. 1, 31.ed. São Paulo:
Saraiva, 2000, p. 220.
112
RODRIGUES, op. cit., p. 220.
111
3.2 ANÁLISE DE DADOS DO DEPARTAMENTO NACIONAL DE REGISTRO DO
COMÉRCIO SOBRE O REGISTRO DE EMPRESAS NO BRASIL
A análise de dados relativos ao registro de sociedades tem por escopo demonstrar
alguns pontos, quais sejam, a) a apuração do número total de sociedades registradas no país
durante determinado período temporal; b) o destaque, do total de sociedades registradas, do
volume de firmas individuais ou requerimento de empresário e sociedades limitadas
constituídas; c) o destaque, do total de sociedades registradas, do volume de registros que se
enquadrem na categoria de micro empresas e empresas de pequeno porte; d) demonstrar, por
meio de comparação dos dados relativos às firmas individuais ou requerimento de empresário
e sociedades limitadas constituídas com o volume e tipo de empresas que caracterizam micro
empresas e empresas de pequeno porte, de modo confirmar as alegações quanto à utilização
das sociedades limitadas para limitação da responsabilidade do empresário individual e, ainda,
para apurar a necessidade de atualização da legislação societária brasileira no sentido de
admitir a instituição de uma empresa individual de responsabilidade limitada.
Em relação aos itens “a” e “b”, a análise será realizada com base em dados obtidos
junto ao DNRC – Departamento Nacional de Registros do Comércio113 e, quanto ao item “c”,
a análise será realizada com base em dados obtidos da JUCESC – Junta Comercial do Estado
de Santa Catarina .
114
Em primeiro lugar, apresenta-se a tabela com o número de empresas registradas no
Brasil, no período de 1985 a 2003, por tipo jurídico. No total, foram realizados 8.915.890
registros, dos quais destacam-se 4.300.257 relativos a registros de sociedades limitadas, e
4.569.288 referentes a registros de firma individual (atualmente requerimento de empresário),
o que, em termos percentuais, representa 48,23% e 51,24% do total, respectivamente.
Estes números revelam dois fatos importantes, primeiro: a larga utilização da
sociedade limitada pelos indivíduos como forma societária para a exploração de suas
atividades; e, segundo: o número ainda maior de empresários individuais registrados no
Brasil. Pela análise destes dados é possível comprovar as alegações feitas anteriormente a
respeito da utilização da sociedade limitada como forma de limitação da responsabilidade do
empresário individual, consoante ressalta MORAES, a saber:
O fato é que uma grande parte das sociedades por quotas de responsabilidade
limitada, designadas sociedades limitadas pelo novo Código Civil, foi
113
114
Disponível em www.dnrc.gov.br. Acessado em 14/10/2004.
Disponível em http://www.jucesc.sc.gov.br/index.pfm?codpagina=00163. Acessado em 14/10/2004.
constituída apenas para que se pudesse limitar a responsabilidade do
empresário ao valor do capital da empresa.
Segue, abaixo, relação, por tipo jurídico, das empresas constituídas no Brasil entre os
anos de 1985 a 2003:
CONSTITUIÇÃO DE EMPRESAS POR TIPO JURÍDICO - BRASIL - 1985-2003
ANOS
FIRMA
SOCIEDADE SOCIEDADE
INDIVIDUAL
LIMITADA
ANÔNIMA
COOPERATIVAS
OUTROS
TIPOS
TOTAL
1985
168.045
148.994
1.140
363
66
318.608
1986
277.350
238.604
1.034
297
204
517.489
1987
222.847
195.451
857
319
161
419.635
1988
208.017
184.902
1.214
404
128
394.665
1989
240.807
209.206
1.251
437
151
451.852
1990
279.108
246.322
748
438
141
526.757
1991
248.590
248.689
611
447
156
498.493
1992
221.604
207.820
594
515
132
430.665
1993
254.608
240.981
697
757
161
497.204
1994
264.202
245.975
731
657
207
511.772
1995
263.011
254.581
829
879
187
519.487
1996
252.765
226.721
1.025
1.821
360
482.692
1997
275.106
254.029
1.290
2.386
410
533.221
1998
239.203
223.689
1.643
2.258
335
467.128
1999
244.185
229.162
1.422
2.330
246
477.345
2000
225.093
231.654
1.466
2.020
369
460.602
2001
241.487
245.398
1.243
2.344
439
490.911
2002
214.663
227.549
1.012
1.556
371
445.151
2003
228.597
240.530
1.273
1.503
310
472.213
4.569.288
4.300.257
20.080
21.731
4.534
8.915.890
TOTAL
A segunda tabela que se impõe a analisar refere-se ao enquadramento dos registros
de empresa nas categorias de microempresa e empresa de pequeno porte115. Os dados em
115
A Lei n° 9.841, de 05 de outubro de 1999, alterada pelo Decreto n° 5.028, de 31 de março de 2004, instituiu o
Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. Define como “microempresa, a pessoa jurídica e a
firma mercantil individual que tiver receita bruta anual igual ou inferior a R$ 433.755,14 (quatrocentos e trinta e
três mil, setecentos e cinqüenta e cinco reais e quatorze centavos)” (art. 2°, I); e “empresa de pequeno porte, a
análise foram obtidos junto a JUCESC – Junta Comercial do Estado de Santa Catarina, ante a
indisponibilidade desses dados pelo DNRC. As informações abrangem o período de janeiro de
2000 a setembro de 2004, veja-se:
2004
RE
L T DA
Mês
ME
EP P
Jan
513
4
ME
Out r os
1
EP P
594
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ME
EP P
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EP P
25
-
-
1107
29
Fev
669
2
563
23
-
-
1433
25
Mar
826
8
1032
27
-
-
1858
35
Abr
751
5
973
30
-
-
1724
35
Mai
674
1
953
29
-
-
1627
30
Jun
602
939
28
-
-
1541
28
Jul
692
1
1014
52
-
-
1706
53
3
1096
31
-
-
1819
34
3
955
26
-
-
1616
29
Ago
S et
723
661
Out
Nov
Dez
2003
RE
L T DA
Out r os
2
EP P
T OT AL
Mês
ME
EP P
ME
ME
EP P
ME
EP P
Jan
219
1
448
12
-
-
667
13
Fev
794
1
626
16
-
-
1420
17
Mar
708
3
926
24
-
-
1634
27
Abr
715
6
877
24
-
-
1592
30
Mai
755
1
881
23
-
-
1636
24
Jun
723
4
884
30
-
-
1607
34
Jul
766
3
1006
26
-
-
1772
29
Ago
750
5
975
33
-
-
1725
38
S et
719
6
900
32
-
-
1619
38
Out
618
3
836
17
-
-
1454
20
Nov
757
5
979
36
-
-
1736
41
Dez
516
4
669
24
-
-
1185
28
2002
FI
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3
EP P
T OT AL
Mês
ME
EP P
ME
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EP P
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Jan
629
1
730
26
0
0
1359
27
Fev
655
5
914
23
0
0
1569
28
pessoa jurídica e a firma mercantil individual que, não enquadrada como microempresa, tiver receita bruta anual
superior a R$ 433.755,14 (quatrocentos e trinta e três mil, setecentos e cinqüenta e cinco reais e quatorze
centavos) e igual ou inferior a R$ 2.133.222,00 (dois milhões, cento e trinta e três mil, duzentos e vinte e dois
reais)” (art. 2°, II).
Mar
659
1
959
32
0
0
1618
33
Abr
732
3
1095
24
0
0
1827
27
Mai
622
4
923
35
0
0
1545
39
Jun
511
2
863
29
0
0
1374
31
Jul
630
4
1047
26
1
-
1678
30
Ago
595
0
1056
34
0
0
1651
34
S et
673
3
965
35
0
0
1638
38
Out
686
3
991
28
1
0
1678
31
Nov
572
2
876
16
0
0
1448
18
Dez
509
2
756
31
0
0
1265
33
2001
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EP P
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Jan
570
6
741
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4
EP P
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EP P
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EP P
22
1
-
1312
28
Fev
617
3
929
31
-
-
1546
34
Mar
816
4
1182
35
-
-
1998
39
Abr
654
2
973
19
-
-
1627
21
Mai
765
4
1154
36
-
-
1919
40
Jun
683
1
1019
25
-
-
1702
26
Jul
747
15
1168
26
-
-
1915
41
Ago
798
5
1168
28
0
0
1966
33
S et
381
3
570
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0
0
1651
41
Out
775
3
1095
28
0
0
1870
31
Nov
622
0
838
22
0
0
1460
22
Dez
579
2
752
20
0
0
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22
2000
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EP P
ME
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657
-
678
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5
EP P
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22
-
-
1335
22
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4
995
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-
-
1786
36
Mar
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2
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-
1684
34
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5
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-
-
1581
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7
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27
-
-
1776
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Jun
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4
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1572
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Jul
624
15
972
31
-
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1596
46
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3
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1657
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.610
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1459
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Dez
490
5
764
25
-
-
1257
30
A partir da análise destas tabelas obtiveram-se os seguintes dados: 85094 empresas
enquadradas como microempresas e; 1684 como empresas de pequeno porte. À exceção de
quatro empresas, estes números correspondem a empresários individuais ou sociedades
limitadas. Verifica-se, assim, a utilização da sociedade limitada entre micro e pequenos
empresários como forma societária para o desenvolvimento de suas atividades. Salienta-se
aqui, conforme já comentado, a questão da constituição das chamadas sociedades fictícias, as
quais, dada sua natureza e propósito, tendem a enquadrar-se como micro e pequenas
empresas. Além disso, nota-se o expressivo número de empresários individuais enquadrados
na mesma categoria, mas, no entanto, privados dos benefícios da limitação da
responsabilidade pelas obrigações sociais.
Estes dados são essenciais para o presente estudo, porquanto comprovam a
necessidade de adoção de um instituto jurídico capaz de limitar a responsabilidade do
empresário individual.
3.3 ASPECTOS FAVORÁVEIS E DESFAVORÁVEIS À ADOÇÃO DA EMPRESA
INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA PELO ORDENAMENTO
JURÍDICO BRASILEIRO
Neste ponto serão avaliadas as questões favoráveis e desfavoráveis à adoção da
empresa individual de responsabilidade limitada pelo ordenamento jurídico brasileiro. A
metodologia utilizada consiste em expor os pontos contrários com rebate pelo pontos
favoráveis, de modo que se possa, sistematicamente, concluir pela possibilidade ou não de
adoção deste instituto jurídico pela ordem normativa nacional.
Inicialmente, cabe falar da questão da utilização da sociedade limitada unipessoal por
investidores em localidade denominadas de paraísos fiscais. A política de atração de capitais
adotada por centros financeiros internacionais offshore116, termo politicamente correto para
designar os paraísos fiscais, contribuiu para a criação de uma imagem negativa em relação às
empresas individuais de responsabilidade limitada.
116
SPITZ, op. cit., p. 4-5. Para o autor “El término centro financiero internacional offshore, (CFIO)
(International Offshore Financial Center o IOFC), se há convertido en el término políticamente correcto para
designar lo que anteriormente se denominaba paraíso fiscal. No obstante, la diferencia en el vocabulario
constituye factor importante debido a que una jurisdicción puede oferecer facilidades específicas para centros
financieros offshore sin ser, en sentido estricto, un paraíso fiscal” (...) “En el mejor de los casos, se puede
describir un paraíso fiscal como un lugar donde no se pagan impuestos o donde esos impuestos son mucho
menores que los que se pagarían en cualquier otro lugar. Entre tanta confusión, tantas contradicciones,
excepciones y normas especiales en el mundo de la fiscalidad, no es de extrañar que tantas empresas y personas
busquen converti rel onshore en offshore”.
Essa posição é corroborada por COELHO, para quem a “(...) associação inicial ao
tratamento tributário mais benéfico, com que determinados estados, os ‘paraísos fiscais’,
procuravam atrair investimentos estrangeiros, representou certo estigma para a sociedade
limitada unipessoal”. 117
Este estigma em torno da utilização da empresa individual de responsabilidade
limitada para proteger investimentos em paraísos fiscais, todavia, parece ter-se esvaído, haja
vista, conforme já demonstrado, a adoção deste tipo societário em ordenamentos jurídicos de
diversos países, inclusive com edição da Diretiva XII da União Européia, no sentido de
uniformizar a legislação dos países integrantes daquela comunidade acerca da matéria.
Outrossim, importante ressaltar que as sociedade unipessoais não constituem opções
comuns para investimentos offshore, nos termos da lição de SPITZ, in verbis:
La propriedad unipersonal no es un vehículo común extraterritorial. A veces,
sin embargo, puede ser conveniente operar en capacidad individual y en este
caso los puntos principales a vigilar suelen estar relacionados con los
permisos de trabajo y licencias comerciales.118
Outro fator a ser considerado refere-se ao requisito da pluralidade de sócios para
constituição de uma sociedade limitada. Conforme REQUIÃO119, a criação da limitada
pressupõe a existência de, no mínimo, dois sócios. Frisa-se, ainda, a natureza contratual deste
tipo societário, de modo que, de acordo com COELHO120, não é possível uma pessoa
contratar consigo mesmo.
No entanto, a determinação da natureza contratual ou institucional da sociedade é
válida somente para casos relacionados ao regime constitutivo ou dissolutório, sendo
relevante para a aplicação em situações concretas de conflito entre sócios, conforme ressalta
COELHO, a saber:
Mas essa discussão, na verdade, é infértil, porque a pesquisa da classificação
de uma sociedade segundo o regime constitutivo e dissolutório é útil na
solução de problemas práticos, relacionados a conflitos entre os sócios. De
fato, em determinadas situações, os interesses dos membros da sociedade se
antagonizam em tal medida que se dá o desfazimento do vínculo entre eles.
A classificação das sociedades em contratuais ou institucionais tem
relevância nesse momento. Ora, na sociedade limitada unipessoal não existe
tal possibilidade, porque o sócio único manifesta sempre um só interesse.
Assim, apontar o caráter contratual da sociedade como dificuldade à
117
COELHO, op. cit., p. 382.
SPITZ, op. cit., p. 31.
119
REQUIÃO, op. cit., p. 387.
120
COELHO, op. cit., p. 382.
118
admissão da unipessoalidade originária, como parece fazer certa doutrina
(Requião, 1971, 1:272), é, a rigor, um falso problema.121
Confirma esse entendimento a opinião de HENTZ, para quem “a circunstância de se
ter, no contrato de sociedade, apenas uma pessoa, não se lhe está retirando o traço típico da
plurilateralidade, que é o fato de estar aberto ao ingresso de novos sócios”. 122
MARTINS123 salienta que, na França, para integração da sociedade unipessoal dentro
de seu ordenamento jurídico, modificou-se a natureza contratual da sociedade limitada,
passando a considerá-la institucional, de modo a ser criada por uma única pessoa.
Nesta linha de pensamento, faz-se necessário distinguir a questão da alteração
legislativa em razão do novo tipo societário ser uma sociedade limitada unipessoal ou uma
empresa de responsabilidade limitada. No primeiro caso, basta alteração da legislação sobre a
sociedade limitada; no segundo, nova produção legislativa.
Conforme salientado, a legislação pátria permite a utilização do modelo societário
vigente, a sociedade limitada, para obtenção de resultados próximos ao da constituição de
uma empresa individual de responsabilidade limitada. Assim, verifica-se a “possibilidade de
frustração lícita da pluripessoalidade”. 124
Entretanto, na opinião de BULGARELLI125, é possível o entendimento de que esse
sistema de constituição de “sociedades de fachada”, porquanto atendem ao propósito d e
limitação da responsabilidade do empresário individual sem, contudo, contrariar a lei ou
deflagrar simulação. Nesse sentido, pontifica:
[...] em tema da limitação da responsabilidade do empresário individual, que
o sistema atual tem sido suficiente, através da constituição de sociedades
‘etiquetas’ de responsabilidade limitada. (...) Trata -se de solução simples que
a prática consagrou e sem dúvida melhor do que as fórmulas que têm sido
apresentadas para instituir-se um regime específico de limitação da
responsabilidade voltado para o empresário individual ou para seu
patrimônio, como por exemplo, aquela discutida na França a que já nos
referimos.126
Em posição contrária a esse entendimento encontra-se MORAES, que ressalta o lado
burocrático e litigioso advindo desse tipo de manobra, nos seguintes termos:
O artifício de se criar uma "sociedade-faz-de-conta" gera enorme burocracia,
pois, além de tornar mais complexo o exame dos atos constitutivos, por parte
121
COELHO, op. cit., p. 383.
HENTZ, op. cit., p.176.
123
MARTINS, op. cit., p. 132.
124
COELHO, op. cit., p. 383.
125
BULGARELLI, op. cit., 252.
126
BULGARELLI, op. cit., 252.
122
das Juntas Comerciais, exige alterações nos contratos, também sujeitas a um
exame mais apurado das Juntas, para uma série de atos relativos ao
funcionamento da empresa. Além disso, causa, também amiúde,
desnecessárias pendências judiciais, decorrentes de disputas com sócios que,
embora com participação insignificante no capital da empresa, podem
dificultar inúmeras operações.
Ao transferir para o novo Código Civil as normas sobre a matéria, o
legislador preocupou-se, justificadamente, em proteger os interesses dos
sócios minoritários das sociedades limitadas. É inegável, porém, que o
cumprimento dos dispositivos do novo código também trará conseqüências
burocráticas e custos administrativos adicionais para essas empresas, bem
como para as Juntas Comerciais. É razoável que assim seja no caso das
sociedades em que há, efetivamente, interesses minoritários a proteger. Não
é o caso, porém, das sociedades constituídas apenas para efeitos de limitação
da responsabilidade do empreendedor, titular, na prática, da totalidade das
quotas.
Assim, não se pode adotar uma postura cômoda em torno da situação que se nos
apresenta, porquanto admitir a utilização de um instituto jurídico para alcançar a finalidade
pretendida por outro é admitir a falha na legislação que trata da matéria.
Além disso, a limitação da responsabilidade127 tem se provado geradora de riquezas
para a comunidade, possibilitando maior captação e diversificação de investimentos,
reduzindo o custo da atividade empresarial.128
Em síntese, a adoção de uma empresa unipessoal de responsabilidade limitada
proporciona algumas vantagens para o direito societário e para a economia, quais sejam: na
constituição de uma sociedade unipessoal, um único sócio pode assumir a qualidade de sócio
único, sem necessidade de recorrer a sócios fictícios ou de favor, passando a beneficiar-se do
regime de limitação da responsabilidade pelas obrigações sociais; o empresário não responde
pessoalmente pelas dívidas da sociedade, mas apenas pela realização da prestação de entrada
a que se obrigou, isto é, o total do capital social, entretanto, responde pelos atos que praticar e
não constarem no objeto social; em termos formais ou de procedimento, a sociedade
unipessoal representa uma simplificação ou facilidade em matéria de administração,
porquanto compete apenas ao sócio único tomar as decisões, bem como praticar todos os atos
de gestão.
127
EASTERBROOK e FISCHEL apud MUNHOZ, op. cit., p. 21. Os autores defendem que a limitação da
responsabilidade, se não criada pela lei, poderia ter sido inventada pelas partes, por meio de contrato. Todavia,
necessário observar que o contrato vincularia somente as partes, não sendo aplicada a limitação da
responsabilidade para as obrigações trabalhistas, tributárias etc. Convém, contudo, transcrever o pensamento dos
citados autores: “The distinctive aspects of the publicly held corporation – delegation of management to a
diverse group of agents and risk bearing by those who contribute capital – depend on an institution like limited
liability. If limited liability were not a starting point in corporate law, firms would create it by contract – wich is
not hard to do. (...) A legal rule enables firms to obtain the benefits of limited liability at lower cost”.
128
MUNHOZ, op. cit., p. 20.
3.4 NECESSIDADE DE ATUALIZAÇÃO DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA SOBRE A
MATÉRIA
A entrada em vigor do Código Civil de 2002 frustrou as expectativas relacionadas à
adoção e regulamentação da empresa individual de responsabilidade limitada pela legislação
pátria. Após 83 anos de vigência do o Decreto n° 3.708, de 10 de janeiro de 1919129, que
tratava das sociedades limitadas, esperava-se que o Código Civil viesse inovar em matéria
societária, mas, pelo contrário, parece ter significado um retrocesso, ao menos nesse ponto.
Ante o fato da legislação brasileira não regulamentar a empresa individual de
responsabilidade limitada, mesmo após a edição do Código Civil de 2002, conveniente
colacionar trecho da exposição de motivos do Anteprojeto de Lei das Sociedades Limitadas,
presidido por Arnold Wald, o qual aponta que a legislação sobre a matéria é imperfeita e dá
margem à interpretações contraditórias, a saber:
Porque ‘nasceu imperfeita’, sob a égide de uma concepção excessivamente
individualista e liberal, e, sobretudo, por força da extraordinária evolução
experimentada pela economia nacional e internacional nos últimos oitenta
anos, impõe-se, como urgente e necessária, uma profunda reformulação no
tratamento legal do instituto, inspirada na doutrina pátria e alienígena, no
profícuo labor da jurisprudência nacional e nas inovações das mais modernas
legislações estrangeiras, inclusive para criar, no Direito positivo brasileiro,
atendendo a exigências de ordem prática, a empresa individual de
responsabilidade limitada.130
Em relação à adoção da empresa individual de responsabilidade limitada pelo
ordenamento jurídico brasileiro, observa BULGARELLI que “(...) há muito se observa a
tendência de consagrá-la, cujo principal argumento a favor parece ser o de evitar a
constituição de sociedades ‘etiquetas’, organizadas apenas com o propósito de seus sócios
usufruírem dessa possibilidade”. 131
PACHECO atenta para a necessidade de atualização da legislação societária, de
modo a permitir a limitação da responsabilidade do empresário individual, in verbis:
129
MARTINS, op. cit., p. 9. O autor, antes da edição do Código Civil de 2002, criticava o Decreto, afirmando
que a mal articulação dos artigos dava ensejo a várias discussões doutrinárias sobre a sociedade limitada,
acrescentando ainda, que a jurisprudência pouco manifestava-se sobre o tema, devendo haver maior importância
às sociedades limitadas, reformando-se a lei básica deste tipo societário.
130
WALD, op. cit
131
BULGARELLI, op. cit., p.164. Embora o autor mencione a tendência em consagrar a empresa individual de
responsabilidade limitada, não é apto desta inovação, porquanto entende suficiente a possibilidade de
responsabilização dos sócios ou da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade. A adoção dessas
medidas, portanto, para o autor “Trata -se de solução simples que a prática consagrou e sem dúvida melhor do
que as fórmulas que têm sido apresentadas para instituir-se um regime específico de limitação da
responsabilidade voltado para o empresário individual ou para seu patrimônio (...)”. p. 252.
Não constitui heresia jurídica, antes atitude de acendrado senso jurídico,
reconhecer que já se está na época de fazer com que o ordenamento jurídico
brasileiro atribua personalidade jurídica a todo empresário individual ou
societário que efetivar o seu registro, do qual esplenderá aquela aptidão de
ser sujeito de direito, distintamente da pessoa natural ou das pessoas
naturais.132
Ressalta essa posição a lição de COELHO133, destacando a experiência positiva do
direito estrangeiro, a inexistência de barreiras doutrinárias que não possam ser ultrapassadas,
a possibilidade de constituição de sociedades fictícias para obtenção dos efeitos da limitação
do empresário individual, e ainda, o reconhecimento da unipessoalidade temporária nas
sociedades limitadas.
MORAES aponta, ainda, a desburocratização e facilidade na administração das
empresas como fator positivo para a adoção de uma empresa individual de responsabilidade
limitada, nos seguintes termos:
A inserção da figura da EIRL no direito brasileiro pode proporcionar,
certamente, uma grande desburocratização na criação e no funcionamento
das empresas. Sobretudo das micro, pequenas e médias empresas, que
ficarão livres de diversos trâmites administrativos inerentes às sociedades e
dos possíveis percalços provocados pela existência de um sócio com
participação fictícia no capital da empresa. Por que esperar mais?134
Para a efetiva implementação deste tipo societário no direito brasileiro, dois pontos
devem ser considerados, conforme salientado anteriormente, quais sejam, a adaptação da
legislação sobre sociedades limitadas ou a criação de uma lei que regulamente a empresa
individual de responsabilidade limitada.
Explica-se, no primeiro caso seria necessário somente adaptar a legislação, a
exemplo do ocorrido na França, para admitir a instituição de uma sociedade limitada por uma
só pessoa, deixando aberta a possibilidade de ampliação do número de sócios, tornando-se,
desse modo, uma sociedade limitada nos moldes permitidos atualmente. Outras regras
pertinentes à fiscalização e manutenção de livro especial, por exemplo, para o registro de
transações entre a pessoa física e a jurídica, poderiam ser, também, adicionadas.
No segundo caso, seria necessário implementar no ordenamento jurídico nova lei,
admitindo a criação de uma empresa individual de responsabilidade limitada, regulando,
desde a origem, este novo instituto jurídico. Assim, seria necessário regular a instituição da
empresa, registro, administração, fiscalização, responsabilidade da pessoa física no caso de
132
PACHECO, José da Silva apud BULGARELLI, op. cit., p. 164.
COELHO, op. cit., p. 383.
134
MORAES, op. cit.
133
fraude ou desvio de finalidade do objeto social, além de outras regulamentações necessárias a
garantir credibilidade a este tipo societário.
A título exemplificativo do primeiro caso pode-se reproduzir a medida adotada pelo
Anteprojeto de Sociedades de Responsabilidade Limitada, coordenado por Arnold Wald, ao
tratar da constituição da sociedade limitada, mas, prevendo a hipótese de instituição de uma
empresa individual de responsabilidade limitada, nos seguintes termos:
Art. 1º. A sociedade de responsabilidade limitada será constituída mediante
escritura pública ou instrumento particular, assinado pelos sócios e subscrito
por duas testemunhas, com ou sem finalidade lucrativa, caracterizando-se
pela autonomia da vontade e pela limitação da responsabilidade dos sócios
ao valor das quotas subscritas ou adquiridas.
Parágrafo único. A constituição da empresa individual de responsabilidade
limitada obedecerá ao disposto no capítulo IX.135
Ainda dentro do corpo do citado Anteprojeto de Lei, mas com possibilidade de
tornar-se o ponto de partida ou fundamento para a criação de nova lei acerca da empresa
individual de responsabilidade limitada, na medida em que trata da instituição da empresa,
publicidade dos atos constitutivos, firma social, decisões sociais e responsabilidade do sócio
único, veja-se:
Espécies
Art. 41. É considerada empresa individual de responsabilidade limitada:
I — a constituída por uma única pessoa, física ou jurídica, mediante
instrumento público ou particular, assinado pelo fundador e subscrito por
duas testemunhas;
II — a sociedade limitada que ficar reduzida a um único sócio após o
transcurso do prazo previsto no § 3º do art. 6º.
Parágrafo único. Cada pessoa só poderá ser sócia de uma única empresa
individual de responsabilidades limitada.
Publicidade
Art. 42. O ato constitutivo da empresa individual, que conterá os requisitos
do art. 3º, no que couber, deverá ser arquivado e registrado no Registro
Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins no prazo de 30 (trinta)
dias, e, quando se tratar de transformação de sociedade de responsabilidade
limitada em empresa individual, o sócio único deverá comunicar o fato, por
escrito, em igual prazo, a todos os seus credores, sob pena de responder
ilimitadamente pelas obrigações e dívidas sociais.
Firma social
Art. 43. A firma social deverá conter a expressão "empresa individual de
responsabilidade limitada", por extenso ou abreviadamente (EIRL), sob pena
de o sócio único responder ilimitadamente pela obrigações e dívidas sociais.
Parágrafo único. A expressão "empresa individual de responsabilidade
limitada", por extenso ou abreviadamente, deverá constar de todos os
documentos, papéis e anúncios, cumprindo ao sócio único, ao iniciar e
concluir negócios jurídicos, deixar evidenciada a unipessoalidade de
sociedade.
135
WALD, op. cit.
Capital social
Art. 44. O sócio único, ao constituir a empresa individual, destacará de seu
patrimônio bens para a formação do capital social, destinando-os à
consecução do objeto social.
§ 1º. Enquanto não integralizado o capital social, o sócio único responderá
perante terceiros, até o limite do capital social, com todos os seus bens e
direitos.
§ 2º. Integralizado o capital social, somente responderá o patrimônio da
empresa individual pelas obrigações e dívidas sociais.
Decisões sociais
Art. 45. As decisões do sócio único, que digam respeito à empresa
individual, serão transcritas em livro social próprio e as respectivas cópias
arquivadas no Registro Público das Empresas Mercantis e Atividades Afins,
sob pena de desconsideração da personalidade jurídica da sociedade.
Parágrafo único. É vedado ao sócio único contratar com a empresa
individual mesmo em condições eqüitativas.
Ressalte-se que estas são apenas sugestões, embora elaboradas por um corpo jurídico
notadamente reconhecido136, sendo que a instituição de uma lei acerca da empresa individual
de responsabilidade limitada a novo estudo, obedecendo às técnicas legislativas137 adequadas,
expondo os motivos de sua adoção, para garantia da qualidade da nova norma.
O procedimento legislativo, dessa forma, deve ser entendido, juridicamente, como o
conjunto de normas reguladoras do processo de produção de leis e, sociologicamente, como
os fatores reais, representadas e demonstradas neste trabalho por meio da análise de dados de
registro de comércio, influenciadores dos legisladores, conforme destaca MORAES, in verbis:
O termo processo legislativo pode ser compreendido num duplo sentido,
jurídico e sociológico. Juridicamente, consiste no conjunto coordenado de
disposições que disciplinam o procedimento a ser obedecido pelos órgãos
competentes na produção das leis e atos normativos que derivam diretamente
da própria constituição, enquanto sociologicamente podemos defini-lo como
o conjunto de fatores reais que impulsionam e direcionam os legisladores a
exercitarem suas tarefas.138
Os fatos sociais, mencionados no extrato citado, refletem os anseios da sociedade,
que no caso em estudo, revela-se nos números de registros de empresas individuais e de
136
A Comissão, nomeada pelo Exmº. Sr. Ministro da Justiça pela Portaria nº 145, de 30.03.1999, cujas
atribuições foram ampliadas pela Portaria 492, de 15.09.1999, elaborou o presente Anteprojeto de Lei de
Sociedades de Responsabilidade Limitada, sob a presidência do Professor Arnoldo Wald, sendo relator o
Professor Jorge Lobo e membros o Ministro Cesar Asfor Rocha e os Professores Alfredo Lamy Filho, Egberto
Lacerda Teixeira e Waldírio Bulgarelli.
137
MORESCO, Pedrinho. Técnica Legislativa e Processo Legislativo. ALESC – Assembléia Legislativa do
Estado de Santa Catarina. p. 4-5, destaca a “(...) necessidade cada vez maior de elaboração de leis claras,
precisas e de fácil entendimento para o público em geral, sem descuidar do valor do conteúdo”. Ainda, na
elaboração do texto legal, devem-se obedecer aos princípios da correção, clareza, concisão, harmonia e
originalidade. p. 24.
138
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 8.ed. revista, ampliada e atualizada com a EC n° 28/00.
São Paulo: Atlas, 2000. p.506.
sociedade limitadas em comparação com todos os outros tipos societários registrados e
admitidos pela legislação pátria, de modo que se torna clara a necessidade da limitação da
responsabilidade do empresário individual por meio de criação de novo instituto jurídico apto
a promover as mudanças propostas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em atenção à problemática levantada por este trabalho, qual seja, a falta de
regulamentação acerca da empresa individual de responsabilidade limitada no ordenamento
jurídico pátrio, considerando a possibilidade de limitação da responsabilidade do empresário
individual ante a constituição, dentro dos limites legais, de sociedades limitadas fictícias e,
ainda, face ao exemplo de diversos países que consagraram este tipo societário em seus
ordenamentos normativos, necessário os conceitos e características, tanto do empresário
individual quanto da sociedade limitada.
Assim, apuraram-se como características favoráveis à instituição de uma empresa
individual de responsabilidade limitada a personificação e a separação patrimonial, presentes
na sociedade limitada, mas ausentes na figura do empresário individual, o qual responde com
seu patrimônio pessoal pelas obrigações societárias.
Oportuno, outrossim, o estudo do surgimento da empresa individual de
responsabilidade limitada, bem como sua instituição em diversos países, com destaque para
Paraguai e Chile, vizinhos continentais, e para a Comunidade Européia que, após a edição da
12ª Diretiva, permitindo a adoção pelos países membros de uma sociedade limitada
unipessoal, caminha no sentido de criar uma empresa individual de responsabilidade limitada
européia.
Das legislações estrangeiras foi possível identificar vários traços positivos para a
elaboração de uma proposta de inserção da empresa individual no ordenamento jurídico
brasileiro, a exemplo do desenvolvimento econômico e das bases legislativas relativas à
criação, administração, fiscalização e responsabilidade neste tipo societário.
A investigação na legislação pátria pelas formas originárias de constituição de uma
sociedade unipessoal levou a identificar as figuras da sociedade anônima subsidiária e da
unipessoalidade temporária na sociedade limitada. Nesta seara, ponto que deve ser ressaltado
é quanto à possibilidade de constituição de sociedades fictícias, tendo por base a sociedade
limitada, em que um sócio utiliza-se de outra pessoa, com atuação meramente figurativa, a
quem destina reduzida participação societária, ficando com a maioria das cotas, obtendo,
assim, resultados próximos ao de uma empresa individual de responsabilidade limitada, tudo
dentro dos limites da lei.
A figura das sociedades de “fachada”, de “etiqueta” ou fictícias, mencionadas no
parágrafo anterior, conforme os doutrinadores estudados, é largamente utilizada, face à
impossibilidade de limitação da responsabilidade do empresário individual.
Comparando-se os dados do DNRC – Departamento Nacional de Registros do
Comércio e da JUCESC – Junta Comercial de Santa Catarina, verificou-se um número
significativo de registros de sociedades limitadas e de empresários individuais e, ainda, de
sociedades limitadas enquadradas como micro empresas e empresas de pequeno porte.
Os dados obtidos são extremamente valiosos para este trabalho por duas razões,
quais sejam, a) a verificação estatística da utilização de sociedades fictícias para limitação da
responsabilidade do empresário individual, e b) a constatação da grande quantidade de
registros de empresários e de sociedades limitadas, especificamente das microempresas e de
pequeno porte, como indicador do anseio da sociedade pela implementação de um tipo
societário capaz de limitar a responsabilidade do empresário individual.
Importante, também, a apuração dos pontos prós e contras à adoção de uma empresa
individual de responsabilidade pelo Direito positivo pátrio. Deste estudo constatou-se a
inexistência de barreiras doutrinárias intransponíveis, o exemplo bem sucedido das legislações
estrangeiras, a facilidade de administração e captação de investimentos advindos da limitação
da responsabilidade do empresário individual e, ainda, a possibilidade de crescimento da
economia.
A partir do estudo realizado foi possível identificar as medidas legislativas aplicáveis
à inserção no ordenamento jurídico nacional da figura da empresa individual de
responsabilidade limitada, seja pela alteração da legislação relativa às sociedades limitadas ou
por nova produção normativa.
Feitas essas considerações, pode-se responder ao problema proposto no início deste
trabalho, qual seja, o porquê da empresa individual de responsabilidade limitada não ser
adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro. A resposta a esta indagação, data venia, parece
ser falta de vontade política. No Brasil, anualmente, ocorre uma produção massiva de lei,
regulando diversas matérias, mas, fora o anteprojeto de lei de Sociedades de Responsabilidade
Limitada, de autoria do Arnold Wald, que agora com o disciplinamento da Sociedade
Limitada pelo Código Civil restou esquecido, desconhece-se proposição séria para efetiva
introdução desse instituto no Brasil.
As alterações ou inovações legislativas devem ocorrer em virtude de uma demanda
social e, conforme revelou a pesquisa realizada, dado o número de empresas individuais e
sociedades limitadas registradas anualmente, percebe-se claramente esse apelo social para a
mudança no direito societário brasileiro. O tema tem sido discutido. Alteração legislativa já
foi proposta. Basta querer mudar.
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