A NECESSIDADE DE INSERÇÃO DA EMPRESA
INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA (SOCIEDADE UNIPESSOAL)
NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
A questão da aceitação, no direito brasileiro, da empresa
individual de responsabilidade limitada, também conhecida como sociedade
unipessoal, é atual e gera muitas polêmicas. O tema é discutido entre nós, desde
a década de 40, porém, os debates alienígenas datam de mais de século.
Preferimos
a
denominação
“empresa
individual
de
responsabilidade limitada” à “sociedade unipessoal”, por entender que o termo
“sociedade” enseja a participação de mais de uma pessoa no negócio.
Hoje, depois de muito discutida a tese e de várias
experiências em torno do tema, a XII Diretiva Comunitária da Europa admitiu, em
21 de dezembro de 1989, a figura da sociedade unipessoal limitada na sua
responsabilidade, com o objetivo de fomentar a economia européia.
Embora recente e esculpido por técnicas legislativas
modernas, o Código Civil Brasileiro de 2002 não reconhece a figura da Empresa
Individual de Responsabilidade Limitada (Sociedade Unipessoal). Preferiu o
legislador manter a exigibilidade da união de, ao menos, dois sócios para a
constituição de uma sociedade, permanecendo a concepção de tratar-se de um
contrato, o qual não pode ser estabelecido de forma unilateral.
Desta forma, historicamente, e ainda hoje, o ordenamento
jurídico brasileiro não permite que se limite a responsabilidade do empresário
individual, valendo para este, portanto, a responsabilidade ilimitada.
A respeito da importância da limitação da responsabilidade,
preleciona com a propriedade de sempre, Fábio Ulhoa Coelho, afirmando que, “a
limitação da responsabilidade dos sócios é um mecanismo de socialização, entre
os agentes econômicos, do risco de insucesso, presente em qualquer empresa.
Trata-se de condição necessária ao desenvolvimento de atividades empresárias,
no regime capitalista, pois a responsabilidade ilimitada desencoraja investimentos
em empresas menos conservadoras”1.
Destarte, o direito deve sim estabelecer mecanismos de
limitação de perdas para fomentar a exploração da atividade econômica, já que
os bens e serviços necessários ou úteis à pessoa humana produzem-se em
empresas.
No entanto, segundo a legislação pátria, para que se tenha
direito à limitação da responsabilidade, é necessário que duas ou mais pessoas
unam capital e trabalho e constituam uma sociedade.
Esta regra, que objetiva, num primeiro momento, proteger
terceiros contra a atuação de empresários individuais que pudessem vir a usar a
personalidade jurídica de sua empresa para fins ilícitos, se revela ineficaz e
prejudicial.
Ineficaz, pois estimula uma conduta que é justamente
aquela que procura evitar, qual seja: a conduta ilícita. Ora, sabemos da existência
das sociedades fictícias, ou seja, empresas que, formalmente, são definidas
como sociedades de responsabilidade limitada, mas que, na prática, são
sociedades (posto que têm personalidade jurídica própria, não podendo ser
consideradas empresa individual) formadas por um único sócio, que exerce
individualmente a atividade empresarial - os outros sócios têm importância
meramente formal, sendo, na realidade, verdadeiros “testas-de-ferro” ou os
1
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 5ª ed. São Paulo, Saraiva, 2002, v. 2.
“laranjas”, que apenas emprestam seus nomes para configurar a tipologia legal
exigida no intuito de utilizar a limitação da responsabilidade. Ainda, como prefere
a doutrina alemã2, são os chamados “homens de palha”.
Desta forma, para que possa gozar do benefício da
responsabilidade limitada, o empresário que deseja atuar sozinho, é obrigado a
usar de artifícios, aproveitando-se de falhas ou de lacunas na legislação e assim
são criadas as sociedades fictícias.
Contudo, o artifício de se constituir sociedades “faz de
conta”, gera enorme burocracia, pois, além de tornar mais complexo o exame dos
atos constitutivos, por parte das Juntas Comerciais, exige alterações nos
contratos, também sujeitas a exames mais apurados nas Juntas, para uma série
de atos relativos ao funcionamento da empresa. Além disso, causa também
desnecessárias pendências judiciais, decorrentes de disputas com sócios que,
embora com participação insignificante no capital da empresa, podem dificultar
inúmeras operações.
Assim, a exigência da união de, ao menos, duas pessoas
para a formação de uma sociedade, além de ineficaz, é prejudicial porque, ao
nosso ver, trata-se de posicionamento conservador de negar incentivos à
formação
de
novas
empresas,
novas
oportunidades
de
trabalho
e,
conseqüentemente, de fomento à economia. É, portanto, uma questão que diz
respeito não somente à comunidade jurídica, mas sim, atinge o interesse
econômico- social como um todo. Através da limitação da responsabilidade, o
sujeito da empresa individual encontrará, na integralização do capital, a afetação
máxima que pode sofrer, fator que se mostra preponderante para o
desenvolvimento econômico e social.
2
CORREIA, Antonio de Arruda Ferrer. Sociedades Fictícias e Unipessoais. Coimbra, Livraria Atlântida,
1958.
Ora, vivenciamos uma tendência global de redução de
postos de trabalho no sentido tradicional, qual seja, o da grande empresa que
emprega uma massa enorme de trabalhadores. A terceirização e a redução do
tamanho das organizações apontam para o aumento significativo da adoção de
um sistema denominado “self made”, ou seja, o empreendedorismo passa a ser
solução econômica para as pessoas e para as economias modernas, de tal sorte
que o número de pequenas e micro-empresas tende a crescer de forma bastante
elevada.
Dentro deste contexto nota-se a importância da discussão
acerca da possibilidade de admitir que o empresário possa organizar-se de forma
individual, limitando o risco do seu empreendimento, fomentando a criação de
novas empresas, legalmente constituídas e que encontrem possibilidades de
atuação em pequenos nichos de mercado.
O problema surge quando pensamos nos interesses de
terceiros que se relacionam com o estabelecimento, antevendo-se possíveis
fraudes por parte do empresário. Neste sentido, uma análise da legislação
alienígena, que reconheça o instituto em comento, pode ser útil para delinear os
contornos jurídicos de um eficaz regramento jurídico pátrio sobre o assunto.
Tomemos por base a legislação de Portugal, de forte cunho
conservador- contratualista, mas que introduziu a sociedade unipessoal em seu
ordenamento jurídico. A fim de assegurar os interesses dos terceiros que se
relacionam com o estabelecimento, a legislação portuguesa prevê que devem
figurar no estatuto da empresa ou estabelecimento de responsabilidade limitada
normas que: 1) assegurem a efetiva realização do capital com que o mesmo
estabelecimento
se
constitui;
2)
que
fixem
um
capital
inicial
mínimo
suficientemente elevado para evitar o recurso à limitação de responsabilidade em
empreendimentos que, pelo seu porte, a não justifiquem; 3) que garantam a
adequada publicidade dos vários atos concernentes à constituição, funcionamento
e extinção da empresa ou estabelecimento de responsabilidade limitada; 4) que
consagrem a autonomia patrimonial dos bens destinados pelo comerciante à
empresa, em termos de estes só virem a responder pelas dívidas contraídas na
respectiva exploração e de, por outro lado, tais dívidas serem unicamente
garantidas por esses bens; 5) que assegurem a efetividade da separação
patrimonial, prevendo, que o comerciante passe a responder com a totalidade dos
seus bens pelas dívidas comerciais, sempre que não respeite aquela separação;
6) que imponham ao comerciante a obrigação de manter uma escrituração e
contabilidade adequadas a revelar, ano a ano, com exatidão e verdade, os
resultados da sua exploração.
Assim, o que pretendemos é que o legislador consagre uma
instituição estruturada de molde a servir aos interesses do empreendedor
empresário, sem, contudo, descuidar da proteção dos interesses de terceiros
(contendo normas destinadas a evitar ou reprimir abusos que a introdução dessa
instituição no ordenamento jurídico poderia propiciar).
Com efeito, é importante a adoção de uma técnica legislativa
que permita ao empreendedor em nome individual destacar do seu patrimônio
geral uma parte dos seus bens para destinar à atividade empresarial, sendo
conseqüentemente
necessário
reconhecer
a
empresa
individual
de
responsabilidade limitada como um patrimônio separado.
Ademais, deve-se cuidar para que uma pessoa só possa ser
titular de um único estabelecimento individual de responsabilidade limitada, como
também é assegurado pela legislação portuguesa.
Vale frisar, por fim que, no final do ano passado, ao
defender a aprovação da Lei Geral da Micro e Pequena Empresa, o presidente da
Fiesp, Paulo Skaf, lembrou que, atualmente, cerca de 29% das novas empresas
paulistas encerram suas atividades antes de completar um ano de atividade e 56%
fecham em até cinco anos. No Brasil, 31% perecem no primeiro ano de vida e
60% após cinco anos. Paulo Skaf afirmou ainda que, a cada ano, cerca de 500 mil
novas empresas são incorporadas à economia, 99% micro ou pequenas, as quais
criam hum milhão e meio de novos postos de trabalho.3 Na mesma oportunidade,
o vice- presidente da República, José Alencar, reconheceu que a legislação atual
empurra os pequenos negócios para a informalidade.
É lastimável conviver com a realidade apontada. Notamos
facilmente que faltam mecanismos jurídicos modernos a facilitar não só a abertura
das empresas, mas, principalmente, a proporcionar a sua sobrevivência. Daí
constatarmos que não bastam incentivos fiscais. É preciso fornecer ao
empresário, mecanismos jurídicos condizentes com a realidade econômica-social
do país, para que haja a possibilidade de opção pelo tipo societário que melhor se
adequar às suas necessidades de empreendedor, seja através da constituição de
sociedade, seja através da constituição de empresa individual que também
promova a limitação de sua responsabilidade. Só assim, não teremos mais que
conviver com cerca de 99% de sociedades empresárias sendo constituídas com
os citados “laranjas”, que foi a forma encontrada para ganhar a limitação da
responsabilidade no âmbito da legislação pátria.
Portanto, esperamos que uma possível inserção da
Empresa Individual de Responsabilidade Limitada no direito brasileiro proporcione
uma considerável desburocratização na criação e no funcionamento das
empresas. Sobretudo das micro, pequenas e médias empresas, que ficarão livres
de diversos trâmites administrativos inerentes às sociedades e dos possíveis
percalços provocados pela existência de um sócio com participação fictícia no
capital da empresa. A maioria dos países da União Européia e os Estados Unidos
já adotaram a “Empresa Individual de Responsabilidade Limitada” ou “Sociedade
Unipessoal”. Nós continuaremos esperando até quando?
3
Informações tiradas do site www.fiesp.com.br. Acesso em 27 de maio de 2006.
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